Por outro lado, a referência tardia encontra-se bem justificada na sequência do fim da mitologia fabulosa, definitivamente encerrada por Herculano. Dos partidários de Tubal deixou de se ouvir falar, e foi rapidamente substituído por uma mitologia mais moderada, associada então a Endovélico.
Tomando o lado que deixou de ter voz, talvez encontremos aqui uma estátua com origem no período de influência grega na Lusitânia... também não é de negligenciar as várias estátuas de guerreiros, para evocações ainda anteriores (ver também
blog Portugalliae):
Retomando a ordem cronológica de Damião Castro, enunciamos os vários reis, a partir do Dilúvio de Ogiges - nome associado a um Rei de Tebas, mas também a uma ilha Atlântica. Convirá desde já notar que os antigos historiadores portugueses e espanhóis procuraram associar, para além das referências toponímicas, alguns nomes da mitologia grega e egípcia.
Isto é curioso, pois é começando justamente em Tebas que encontramos o primeiro nome repartido pelo Egipto e pela Grécia - em ambos os casos encontramos uma cidade de Tebas, o que sempre se terá prestado a naturais confusões.
De Tebas segue-se este nome Tubal, cuja construção fonética não é muito diferente.
- 0. Dilúvio de Ogiges (Tebas)
- 1. Tubal e Tarsis chegam à península.
- Fundação da "República de Setúbal"... a primeira República.
- 2. Hibero, filho de Tubal, de onde viria o nome Ibéria
- 3. Jubaldo, o astrónomo
- 4. Brigo, o povoador, que teria fundado Lacobriga~Lagos, Medobriga~Portalegre
- 5. Tago, de memória imortal
- 6. Beto, associado a Bétis, no Guadalquivir.
De acordo com Damião Castro, os antigos historiadores apontavam aqui a entrada de um rei impostor, de nome Gerião, que teria morto Beto. Por sua vez Gerião teria sido morto por Júpiter Osíris... um rei herói (externo) disposto a irradicar tiranos.
O nome Júpiter Osíris associa num único rei as duas principais divindades dos Panteões Romano e Egípcio. Isto parece claro exagero, mas pode ser explicado por diversas razões, talvez a mais plausível será haver uma necessidade cristã de invocar uma origem humana para os cultos de Júpiter/Osíris, o que se enquadrava nesta versão de historiadores posteriores.
Independentemente disso, o nome Júpiter Osíris será seguido pelo filho Hórus Hércules Líbico, que vingará a morte do pai às mãos dos Lomínios, filhos de Gerião. Mais uma vez mistura-se a descendência (de facto, Hércules descende de Júpiter, tal como Hórus descende de Osíris), misturando com uma parte diversa humana, que envolve Gerião e os filhos.
- 7. Gerião, rei impostor
- 8. Júpiter Osíris, rei herói, que depõe tiranos, matando Gerião na sua vinda à Ibéria
- 9. Lomínios, filhos de Gerião, matam Júpiter Osíris
- 10. Hórus Hércules Líbico, filho de Júpiter Osíris, mata os Lomínios
- - funda em Sagres (Promontório Sacro), um Templo a Tubal
- - parte para Itália, deixando Hispalo como sucessor
- 11. Hispalo, funda Hispalis~Sevilha
- 12. Hispano, de onde viria o nome Espanha
- 13. Hespero, renomeia Espanha como Hesperia
- 14. Atlante Italo, irmão de Hórus Hércules
De acordo com Damião Castro, o primeiro historiador romano, Fabio Pictor (Séc. III BCE), apontaria a filha de Atlante Italo, de nome Roma, como fundadora da cidade.
- 15. Sicoro, sucede a Atlante Italo
- 16. Sicano, forma uma colónia na Sicília
- 17. Siceleo
- 18. Luso, o memorável, de onde se teria originado o nome Lusitânia
- 19. Siculo, o último rei antes de um breve período de anarquia.
Aproveitando esse período de anarquia, surge Baco, considerado impostor, que conseguirá que o seu filho Lísias seja aceite... fazendo crer que transporta a alma do defunto Luso.
- 20. Baco, impostor, filho de Semele (e de Jupiter, de acordo com a lenda romana)
- 21. Lísias, filho de Baco, renomeia a Lusitânia como Lisitânia
- 22. Licínio Caco, capitão de Baco
- 23. Trogo Pompeo - Justino
- 24. Gorgoris, o Rei à Época da Guerra de Tróia
Gorgoris é suposto ser o pai e avô de Abidis, e também o pai de Calipso. Abidis, crescido abandonado numa mata de Santarém, será o último rei da Lusitânia no "tempo fabuloso".
De acordo com Damião Castro, é Gorgoris que irá ceder a sua filha Calipso a Ulisses, rei de Ítaca, após a Guerra de Tróia.
- 25. Ulisses
- 26. Diomedes
- 27. Teucro
- 28. Mnesteo
- 29. Coleo de Samos
- 30. Abidis
Ulisses é o fundador de Lisboa, de acordo com vários historiadores antigos (Platão, Marciano Capela, Solino, Asclepíades, ... ), ainda que Damião Castro insista numa possível confusão entre Olisipo (atlântica) e uma Ulisipo (mediterrânica, mas perto de Málaga). Diz ainda que o próprio Heródoto coloca viagens de Ulisses fora do Estreito de Gibraltar, visitando ilhas de Aea e Ogigia. Por outro lado, diz que é natural que tenha partido num navio fenício saído de Smirna, já que a sua armada teria sido destruída por Telemon, rei de Salamina, pai de Ajax (que perdendo para Ulisses as armas de Aquiles, se suicida na Guerra de Tróia).
Diomedes e Teucro, também elementos da Guerra de Tróia são apontados em expedições ao Minho e à Galiza. Aponta ainda como rei Mnesteo, que é normalmente considerado um troiano, companheiro de Eneias.
Apontando os relatos anteriores como pouco credíveis, acaba ainda assim por ir contra a opinião de Gouguette (historiador francês, comissionado por Luis XIV) que recusava qualquer presença grega na Península Ibética.
Para isso diz não poder ignorar essa presença grega pelo menos em Cadiz pelas viagens de
Coleo de Samos, referido por Heródoto, dizendo ainda que nessa altura haveria um comércio com hebreus em Tiro, no tempo do Rei Salomão.
Aceita ainda um contacto com Fenícios e Gregos de Focea e de Rodes, por esta altura.
Com os Fenícios, no tempo do Rei Hirão, refere ainda uma diferença entre Paletiro (a Tiro libanesa) e a ilha de Tiro, que faz corresponder a Medina-Sidonia, ou seja a Cadiz. Nesse tempo haveria um culto de Hércules no Promontório de Sagres. Por outro lado, pela parte dos gregos de Focea, associa Sagunto (Valência) e a ilha de Zacinto, e pela parte dos gregos de Rodes, a fundação de Roda, na Andaluzia.
Após o último rei lusitano, Abidis, neto de Gorgoris, que é associado ao mito de ter sido criado selvagem numa mata de Santarém por uma cerva, apresenta um período de Anarquia, a que se teriam seguido, só então, as invasões celtas, por Ambigato. Teria havido uma divisão entre Turdulos e Turdetanos, exceptuando-se a parte norte, da Galiza aos Pirinéus.
- Um pormenor curioso será associar o nome de Elvas a uma fixação de Celtas Helvéticos, citando André Resende (1500-73).
Não deixa de dizer que ignora, por achar que nem merecem referência, histórias fabulosas (no tempo escuro, antes do Dilúvio) sobre Tritões, as suas viagens a Ocidente e Oriente, e batalhas que fariam tremer a terra, com Gigantes e Deuses, e ainda com um despótico Rei Tártaro, que teria vindo dos infernos...
Observação 1: Por tudo aquilo que afirma no Prefácio que irá omitir no Livro, Damião Castro acaba no entanto por ser uma das referências mais sólidas sobre estas lendas, parecendo querer passar esses registos fabulosos, criticando-os mas com argumentos pouco convincentes.
Observação 2: É ainda interessante ver esta associação romana/egípcia entre deuses e personagens históricos, sabendo-se que em ambas as culturas essa deificação de antepassados era um ponto cultural comum. A duplicação de nomes é ainda interessante, já que se repete por homónimos noutros casos, para além de Tebas, há o exemplo do Monte Ida - em Creta é o local do nascimento de Júpiter; já na Turquia, o outro Monte Ida seria a origem de Páris.
Observação 3: Para além desta referência à presença grega na península ibérica, é ainda de considerar em que consiste a ligação a Tróia, não devendo ser excluída a hipótese de Tróia ser uma cidade ibérica. Para isso, um candidato óbvio e natural será ainda Setúbal e a sua península de Tróia (ainda que nada seja sugerido a esse respeito por Damião Castro).
Observação 4: A presença cartaginesa na península é actualmente quase consensual. Podemos ir um pouco mais longe? Porque não considerar os Fenícios como nome alternativo para os originários da península ibérica... que se estabeleceram em Tiro e Cartago, reparando numa composição do nome, partida de Tago ou Tagus:
Car-Tago, Car-Tagus
Observação 5: Por sugestão de um comentário [Maria da Fonte, no
blog Portugalliae], as
siglas poveiras (que ainda hoje são usadas pelos pescadores da Póvoa de Varzim), por exemplo:
fazem em muito lembrar inscrições em estelas lusitanas (estela da Abóbada)
Por outro lado, esta forma de escrita não se afasta muito de uma primitiva escrita fenícia, tendo até semelhanças com eventuais
inscrições fenícias encontradas no Brasil.
Mais, estas inscrições não são muito diferentes das que constituem símbolos de
pedras rúnicas, fazendo uma ligação cultural, por via marítima, que uniria toda a costa Atlântica à América (dir-se-ia quase uma ligação NATO...)
Esta pista, sempre dentro do "tempo fabuloso", levar-nos-ia para eventuais ligações remotas por via Atlântica. Afinal a "ilha que era do tamanho de um continente" conforme Platão descreve a Atlântida, foi por várias vezes identificada à América - até que toda essa convicção se voltou a perder nos Séculos XVIII, XIX e XX.
Todas essas hipóteses foram excluídas e consideradas fantasiosas.
No entanto essa recusa de conhecimento anterior, levanta "enigmas históricos", como é o caso dos
Povos do Mar, cujas invasões são referidas por diferentes culturas na bacia mediterrânica, ajustando-se à descrição que Platão tenta fazer de uma tentativa de conquista atlante repelida por Atenas, conforme os sacerdotes egípcios tinham contado a Sólon.
Porém... que credibilidade dar a Platão, e a tantos outros, comparando com os mais sábios historiadores franceses e ingleses da Idade Moderna que formataram a história actual?