DicionáriosQuando temos um dicionário podemos fazer o teste de seguir as definições.
Uma palavra é descrita por outras, vamos à procura das outras, e reparamos logo que nada está definido... é tudo um novelo circular, porque não se pretende assumir que há noções base, indiscutíveis.
Por exemplo, seguindo um dicionário online:
Tempo: Série ininterrupta e eterna de instantes.
Instante: O mais pequeno espaço apreciável de tempo.
Vemos que tempo remete para instante, e depois instante remete para tempo.
Isto irritava-me na adolescência, e cheguei a pegar numas tantas noções base e começar a definir todas as palavras a partir dessas noções base.
Hoje já não me irrita, porque vejo esta dança mal definida, e algo primitiva, como uma forma de conhecimento que não se pretende fechada. Não me irrita que "instante" esteja mal definido, porque percebo o que o autor quis dizer.
Na realidade há uma série de palavras que aprendemos e que dispensariam qualquer dicionário, mas há também muita ambiguidade no uso das palavras e não é pior procurar ligá-las a outras.
Ex-isto
Ex-isto aponta para fora disto...
O conhecimento que temos assenta assim sobre palavras, que são noções que temos seguras, que ficaram tão seguras quanto o respirar. Sabemos o que significam para nós, e julgamos que o seu significado não será diferente, ou muito diferente, para os outros.
Porém isto nem sempre é assim... e por vezes em conversas mais profundas somos confrontados com dúvidas que pensávamos nem existirem. Aconteceu-me com uma pessoa bastante inteligente, com a devida formação académica, que sinceramente disse não saber definir o que era "existir".
Ora, ninguém está à espera de ter que explicar o que é "existir"...
Neste simples exemplo cai a ideia de se fazer um dicionário a partir de noções indiscutíveis... porque todas as noções são discutíveis, quando saem do ambiente corriqueiro.
Qual era a dúvida?
A dúvida surgiu porque em contraponto à evidência científica, que basicamente afirma só a existência ligada ao mundo físico, eu argumentei que as palavras tinham existência para além da matéria física. Ia acrescentando que a matéria física pode ser destruída, mas as palavras não... ninguém pode aniquilar a noção associada a uma palavra. Assim, as palavras têm uma existência para além da matéria.
Ora, como essa é uma existência que normalmente é desconsiderada, mas que é inegável, a pessoa em causa ficou algo baralhada, e teve que refazer conceitos, começando pela existência.
Nisso apanhou-me de surpresa, porque não estava à espera de ter que explicar essa noção fundamental.
A existência física está ligada ao contexto físico, e no contexto físico as coisas aparecem e desaparecem.
Quando aparecem assinalamos a sua existência, até constatarmos o seu desaparecimento... tudo isto é feito através dos sentidos. Como a ciência só admite a informação vinda pelos sentidos, para a ciência a existência é essa ligação à presença física adquirida pelos sentidos. Esse é o olho que só vê para fora...
Visão Interna
Falta admitir o olho que vê para dentro.
O olho que vê para dentro é recusado pela ciência... porque a ciência recusa o pensamento.
Tenta remetê-lo a umas ligações cerebrais por neurónios... mas, na melhor das hipóteses, isso seria sempre o pensamento dos outros, e nunca o pensamento do próprio. Portanto é até ridícula nessa pretensão.
É verdade... a ciência usa o pensamento, mas recusa a sua existência.
A observação dos neurónios não mostra nenhum pensamento.
Já se conseguem fazer telecomandos "guiados pelo pensamento", pelos impulsos eléctricos dos neurónios.
Isso leva ao erro de se pensar que se está a ler o pensamento... não está!
Não há nenhuma diferença entre isso e a pessoa pegar no telecomando e carregar no botão. A diferença é usar os dedos ou não. Fisicamente, os neurónios justificam a associação entre uma disposição e os dedos, tal como podem justificar outra associação similar que evite os dedos, se tiverem outra interface.
Tudo o resto são pretensões ignotas que resultam de manias e megalomanias.
O olho que vê para dentro, para o qual a ciência persiste em ser cega, é o olho directo ao nosso pensamento sem passar pelo cérebro ou os seus neurónios. É o olho puramente filosófico.
É nessa visão interior que encontramos as palavras (associadas a noções intemporais).
Nesse mundo interior o que vemos ou deixamos de ver não precisa de sentidos, é determinado pela visão do nosso pensamento no instante e pela memória.
Ou seja, é um mundo onde também desaparecem coisas, pelo esquecimento. A existência não é assim garantida ad eternum no pensamento individual.
Para o pensamento a ciência disponível é a da manipulação... ou seja, levar as pessoas a associarem certas ideias a outras. Levar a pessoa a associar o Pai Natal à Coca-Cola, Einstein a inteligência, ou algo semelhante, que vai do mero marketing comercial ao marketing político.
O resto é demasiado caótico, porque o pensamento são é saudavelmente caótico.
O que não é atitude sã é transformar qualquer pensamento caótico em acção.
O que não é atitude sã é não procurar perceber a razão pela qual pensamos assim e não assado...
Toda a manipulação de domesticar o pensamento - de evitar "maus pensamentos", tão frequente na moral religiosa, resulta dessa incapacidade de distinguir a vontade de dar um chuto da acção concretizada de dar o chuto. É uma castração inútil evitar o pensamento, porque ele é latente e imprevisível. O que é útil é aceitar o pensamento e perceber as consequências da sua concretização... mas isso implica uma visão interior alargada e não um simples transporte da visão exterior para o interior.
Regras internas
O nosso mundo interior tem regras, tal como tem o exterior.
Pretende-se que não, porque se considera que o pensamento pode fantasiar o que quiser, sem consequências. Não é assim.
Nós não somos bons com os outros, porque gostamos deles... nada disso.
Podemos pegar num pão, abri-lo com uma faca e comê-lo.
Muito bem... substitua-se a palavra "pão" por "coelho" ou por "homem" na frase anterior e veremos o desconforto a aumentar. Porquê? Porque há uma identificação connosco que é cada vez maior.
Somos bons com os outros, porque gostamos de nós.
Repugna-nos a identificação numa situação semelhante.
Ora, essa identificação é imediata quando vemos os outros como semelhantes.
Se não o fizermos, então estamos a isolar-nos, se ninguém for semelhante a nós, estamos a condenar-nos à eterna solidão.
Esse confronto pode ser escondido, por recusa de pensamento, mas o pensamento é imprevisível, e essas associações são automáticas, pela sua lógica, quer queiramos, quer não. Não há como evitar isso... porque essas são as regras da nossa faculdade de pensamento. É frequente vermos registo de ditadores que começam a isolar-se, por verem todos como inimigos, quando o maior inimigo é o próprio - porque vê nos outros uma imagem de si. É desse inimigo, que é o próprio, que nunca se libertará, se não se curar.
O máximo simbolismo da omnipotência cristã está na sobranceria de partilhar tudo o que sabe, porque não quer estar em vantagem, quer estar em igualdade de circunstâncias... simplesmente porque não teme o outro, não vê no outro um inimigo, não quer estar em posição de domínio, porque isso apenas o isolaria. É como um adulto que sobrevive numa ilha com crianças... se não conseguisse que as crianças crescessem, iria ter que reencontrar harmonia com os outros, comportando-se como uma criança. A compreensão adulta teria que a guardar para si, ou ficaria na ilusão de que as crianças o entendiam.
Que estão
Uma questão é como um espaço em branco, que falta preencher.
Tanto podemos questionar escrevendo "O que é aquilo?" ou escrevendo "Aquilo é ____".
O espaço em branco deixado para a resposta implica a pergunta.
Para se fazer uma pergunta devemos antes de mais saber se temos consistência para a resposta.
Por exemplo, podemos questionar como funciona um computador.
Agora, que tipo de resposta queremos? Uma completa, que nos permita fazer uma máquina, ou uma resposta vaga que nos remeta para coisas que conhecemos.
A atitude é completamente diferente.
O sujeito que explica o funcionamento de fio a pavio estará normalmente a perder o seu tempo ao entrar em detalhes, porque quem indaga quer outra resposta, ajustada ao que quer saber. Para esse efeito, uma resposta vaga e imprecisa seria muito mais útil para o receptor.
No entanto, prosseguindo na curiosidade, uma mitologia própria é definida para processos que não se entendem, nem se querem entender. Depois, pode até achar que descobriu coisas novas, que tanto podem ser afinal coisas banais que não quis ouvir logo, como podem ser ideias falsas, como até podem mesmo ser ideias novas.
Simplesmente a disposição para a comunicação padece de diversos males.
Um dos males é o emissor e receptor falarem de coisas diferentes, parecendo que estão a falar da mesma coisa, porque os contextos e propósitos são diferentes. Uns falam de alhos, e os outros entendem bugalhos.
Por isso, é bom que antes de se questionar se perceba qual seria a resposta que pretendem obter, para o seu conhecimento.
Há assim questões que são colocadas falsamente, porque não pretendem e até ignoram respostas.
Pretendem simplesmente continuar a colocar perguntas... porque sim.