A diferença de inclinação poderia justificar não apenas a questão do clima, mas também a da orientação... ou seja, se não houvesse inclinação, o sol nasceria exactamente a Leste, e iria por-se a Oeste. Porém, o efeito da inclinação provoca uma mudança significativa, e dependendo da época do ano e da latitude, os erros podem justificar diferenças de 45º como aquelas que temos vindo a assinalar... isso seria tanto mais notório, quanto maior fosse a latitude. Não justifica erros para identificar o sul (seria sempre o meio-dia), mas poderia ser uma confusão para erros leste-oeste, dependendo até da nomenclatura.
Uma mudança deste género tornaria a vida complicada para os gauleses e outros povos do norte da Europa! Ou seja, a pressão climática pressionaria de forma desesperada a uma invasão de territórios situados mais a sul. Portanto, as invasões bárbaras do Império Romano podem ter resultado dessa mudança climática... progressivamente a situação afectaria as colheitas e tornar-se-ia insustentável para os Godos, que procuraram estabelecer-se a Sul. Quem permaneceu nessas latitudes ficou confrontado com uma vida de servidão medieval difícil... especialmente bem ilustrada no Livro de Horas do Duque de Berry:

Les Très Riches Heures du Duc de Berry (Fevereiro) De escravos em clima temperado sob égide do Império Romano, passavam a "homens livres" no novo estatuto de servidão medieval, sob condições climáticas agravadas. Assim, se antes os Romanos distinguiam essencialmente duas estações "Ver" e "Hiems", com Isidoro de Sevilha, no Séc. VII já vamos encontrar uma bizarra divisão dos meses, numa clara preocupação com as Estações... preocupação praticamente ausente na maioria dos geógrafos e escritores anteriores.
Uma curiosa rosa de meses, de Isidoro de Sevilla (Séc. VII)
É claro que a divisão em quatro estações era sempre conhecida - havendo periélio e afélio tem que haver dois equinócios. Os nomes Primavera e Verão são ambíguos face ao latino "Ver", procurando talvez invocar uma primeira "Ver" (Prima Ver), e uma "Ver" propriamente dita (Verão)... sendo que em latim Ver corresponde à Primavera e AEstas ao Verão (de onde vem o prefixo de estival).
Já mais interessante é a designação dada ao "Inverno"... se atendermos a que a usual confusão entre F e V leva directamente a "Inferno". Ao contrário de Outono que no latim é Autumnus, aqui não parece haver qualquer raiz latina, pois o termo Inverno é bastante diferente de Hiems.
O novo inverno medieval foi visto como um autêntico inferno...
Se isto parece estranho face à concepção que se foi enraizando de um inferno enquanto "profundezas escaldantes", devemos relembrar que essa concepção não é a do último círculo de Dante - no seu Nono Anel, onde está o próprio Lucifer, o mundo infernal é gelado. Essa seria a concepção medieval...
Há ainda uma outra questão complicada, esta inclinação de 23º da
eclíptica (que define o plano orbital, e está na nossa esfera armilar) está injustificadamente bastante inclinada... e apesar de se pretender que há um outro efeito de rotação, com período de 40 mil anos, estes valores dos astrofísicos actuais têm quase tanto significado como as previsões da evolução dos mercados... modelos de extrapolação básica e pretensiosa, que aliás vieram da mesma escola de física. É bastante mais natural supor que, dadas as forças de gravidade envolvidas, a inclinação do eixo não tem que ser fixa.
Haveria mais a dizer, notamos apenas que se a nomenclatura dos meses foi propagada quase literalmente na maioria das línguas europeias (tal como no caso dos dias da semana... a excepção católica é portuguesa), o mesmo não se passou no caso das estações onde há diferenças assinaláveis, exceptuando na designação do Outono.
No nosso caso, ficou-nos a oposição entre uma Primavera, primeira verdade, e um Inverno infernal... como lembrança etimológica.
Nota:(*) Romã, em português é demasiado próximo de Roma para não ser notado. Especialmente se notarmos que em Espanha se denomina "granado", e esta raiz está presente em vários países. Lineu decidiu denominá-la
punica granatum, juntando Cartago e Granada... dois reinos desaparecidos!
Pode ainda juntar-se a isto, o
relato dos espiões de Moisés que lhe trouxeram este fruto como amostra da fertilidade da Terra Prometida... pois bem um fruto que junta Punica e Granada, e atendendo a Cartagena, é difícil ser mais concordante com a Estória que aqui coloquei sobre os
Ebreus do Ebro...
O jardim e as suas frutas - laranjas portuguesas e romãs granadinas/andaluzes.