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Bernardo de Brito, em 1603, no seu
Elogios dos Reis de Portugal com os mais verdadeiros retratos que se puderaõ achar
vai apresentar uma série de retratos dos reis de Portugal, justificando a origem e processo de composição das figuras antigas.

Começa por citar Píndaro, que se queixara do destino dos reis da Media, já que apesar do florescimento dos Medos em seu tempo, não teria chegado nenhum relato de historiadores, escultores ou pintores, sobre esses grandes monarcas.
Acrescento, que "a coisa" é tanto mais notada, quanto para ilustrar personagens antigos, se procura naturalmente ir buscar alguma representação antiga, porque, mesmo sendo essa posterior nalguns séculos, se crê que "será melhor do que nada", baseada em algo mais substancial do que ilustrações posteriores... a menos que se creia em inspirações de origem sobrenatural.

Como sobre Bernardo de Brito caiu o conveniente estigma de desconfiança sobre tudo o que fez, mas como são muitos os que apreciam os retratos dos reis na Sala dos Capelos em Coimbra, ou outros retratos que circulam, não se sabendo bem a origem de inspiração dos mesmos...  poderia acontecer que alguém observasse que a Bernardo de Brito teria bastado visitar a Universidade de Coimbra. 
Só que, as coisas são como são, e se a sala existia no tempo de Bernardo de Brito, não havia nenhum quadro de nenhum rei de Portugal...  foram compostos em 1655-56 pelo pintor dinamarquês Carl Falch, Com que base? 
Bernardo de Brito explica...

De seguida iremos colocar as figuras inclusas na obra de Bernardo de Brito, ladeadas pelas constantes nos quadros da Sala dos Capelos, e por outros quadros de que não consigo lembrar/apurar a origem, mas que como se compreenderá são cópias ilustradas do trabalho de Bernardo de Brito (esses outros quadros terminam com D. Pedro II, logo terão sido provavelmente feitos no seu reinado ou no seguinte, de D. João V).

D. Afonso Henriques
D. Afonso Henriques (à esquerda: Sala dos Capelos, ao centro em Bernardo de Brito, e à direita uma clara cópia) 

Acerca do retrato diz Bernardo de Brito o seguinte:
"Foi o Rei D. Afonso homem grande de corpo & quase agigantado, teve o cabelo castanho & muy comprido, a boca grossa, o rosto & nariz comprido, os olhos castanhos claros & grandes, sendo velho foi calvo na fronte & todas as suas coisas foram cheias de Majestade & grandeza de ânimo, seu retrato ficou do tempo de D. Manuel, que o mandou tirar quando trasladou seu corpo do primeiro lugar a outro em que agora está & de pedra o mandou esculpir sobre a mesma sepultura: difere do esculpido...
... e argumenta que preferiu seguir o da pintura.

D. Sancho I
Aqui Brito diz também que "o seu retrato se imitou do que D. Manuel fez tirar do natural":
 
D. Sancho I (à esquerda: Sala dos Capelos, ao centro em Bernardo de Brito, e à direita a clara cópia) 

D. Afonso II
Brito diz agora que o "seu retrato nos ficou, de quando el Rey D. Sebastião abriu sua sepultura acrescentando-lhe de mais a coroa que fiz pôr em cada retrato"

D. Afonso II (à esquerda: Sala dos Capelos, ao centro em Bernardo de Brito, e à direita a clara cópia) 

Este é um caso em que é claro que os outros copiam os desenhos de Brito... porque, poderia argumentar-se que tinham tido acesso às mesmas fontes (ao retrato mandado fazer por D. Sebastião)... só que Brito decide acrescentar a coroa, e os outros seguem-no, concluindo-se assim que já não tiveram acesso ao original de D. Sebastião.

D. Sancho II
Neste caso, diz Bernardo de Brito: "o retrato se tirou da verdadeira Relação da Crónica antiga, onde estão suas feições particularizadas, & de um que teve o Infante D. Fernando, pai de D. Manuel, que condiz muito com sua história, ainda que o vi já muito danificado."

D. Sancho II (à esquerda: Sala dos Capelos, ao centro em Bernardo de Brito, e à direita a clara cópia) 

Estes quadros, são praticamente todos iguais...

Afonso III
Diz Brito: "seu retrato houvemos do que D. Sebastião mandou tirar do corpo embalsamado, quando lhe abriu a sepultura & conforma muito com outro que veio de França a este Reino quando a Rainha mãe pretender direito nele por morte do Cardeal D. Henrique, alegando ser descendente deste Rei por via de um filho seu que houvera da Condessa Matilde, coisa de fundamento leve como se mostrou no sucesso."
D. Afonso III (à esquerda: Sala dos Capelos, ao centro em Bernardo de Brito, praticamente iguais; e o da direita é distinto) 

Os dois primeiros são iguais, mas o outro é diferente, e poderá ser inspirado "no quadro que veio de França". Como estamos vindo a concluir, é natural que o da Sala dos Capelos siga a representação de Brito, e já não o original do tempo de D. Sebastião.

D. Dinis 
Diz Brito: "Seu retrato ao natural se tirou em tempo de D. João II, de que nos ficou o transumpto, muy conforme em tudo com o que descreve a crónica antiga, & com o vulto que está em cima de sua sepultura, como se pode ver nesta figura, que se fez à imitação de ambos."

D. Dinis (à esquerda: Sala dos Capelos, com a Rainha Santa Isabel, ao centro em Bernardo de Brito, e o da direita é cópia)

Neste caso, o quadro da Sala dos Capelos é bastante diferente, sendo até original na inclusão da Rainha Santa Isabel, não sendo inspirado no quadro mandado fazer por D. João II.

D. Afonso IV
Diz Brito: "Seu retrato se formou da relação de sua crónica por ser o mais verdadeiro transumpto, & os que há de pincel diz conformarem muito da verdade, & de um que em seu tempo se tirou em o retábulo antigo do mosteiro de Odivelas, que se pintou em seus dias & no painel dos Reis Magos estavam ao vivo ele & seu filho Pedro, adorado ao menino Jesus, donde se aproveitou o escultor para formar o rosto como aqui vai exprimido muito ao vivo."

D. Afonso IV (à esquerda: Sala dos Capelos, ao centro em Bernardo de Brito, e à direita uma clara cópia) 

Também neste caso, o quadro da Sala dos Capelos é razoavelmente diferente, mas também não é muito diferente do de Brito.

D. Pedro I 
Diz Brito: "Seu retrato se tirou da formosa figura que ele em vida mandou fazer pelo natural, em cima de sua sepultura, & da relação da sua crónica, & memórias antigas que são as que mais sem suspeita descobrem a verdade: porque uns retratos que comummente se tem por seus ornados com camisa de abanos & guarnição (coisa que naqueles antigos tempos se não usava, nem usou muito depois) & com a vista & olhos atravessados, bem se deixa de ver, ser coisa de fantasia, & pintada de imaginação, ao gosto de quem a mandou fazer, & não imitada do natural."
D. Pedro I (à esquerda: Sala dos Capelos, ao centro em Bernardo de Brito, e à direita ambos cópias) 

Sendo a única referência de Brito a escultura de D. Pedro I no túmulo de Alcobaça, os outros usam até a mesma pose que Brito definiu, parecendo claro que ambos o copiam.

D. Fernando
Diz Brito: "Do corpo & rosto foi muy gentil homem & de Real presença, o rosto teve comprido muy bem tirado, a boca muy corada, o cabelo quasi louro, alvo do rosto, os olhos formosos castanhos claros, conforme diz a Crónica antiga, donde se formou sua figura, & de alguns retratos mais conformes com a verdade dela, ainda que não achei nenhum mais antigo que 1473, que é muito semelhante ao que aqui vai figurado."


D. Fernando (à esquerda: Sala dos Capelos, ao centro em Bernardo de Brito, e à direita talvez ambos cópias)

Ao contrário dos outros dois, Brito não coloca "muita barba" em D. Fernando, mas exceptuando isso, parecem ambos cópias de Brito, ou do quadro de 1473, onde se inspirou.

(continua)

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publicado às 07:59


14 comentários

De João Ribeiro a 24.02.2016 às 10:01

Ok, tudo bem mas na altura desses senhores ainda o Português não teria as regras gramaticais formadas como hoje em dia. Hoje em dia é simplesmente errado, mas tudo bem fico mais à vontade. Obrigado por isso.

Não penso ser tão grosseiro assim essa assumpção uma vez que o povo seria composto por uma grande mistura de povos que por cá andou e sendo a cor castanha dominante e o azul receptivo, a maioria da população mesmo com os celtas à mistura deveria ser predominantemente de olhos e cabelo castanho, como aliás ocorre ainda no nosso tempo, mesmo no norte do País. Aliás a própria designação de “sangue azul” com que o povo designava membros da Nobreza, vinha precisamente do sentido de que sendo geralmente os membros Nobreza (por serem descendente dos Godos) tão brancos (em comparação ao povo) que se viam as veias que como sabe “parecem azuis”. Logo a expressão, “sangue azul”. Quando mencionei que D. Henrique descende da alta estirpe, é da francesa claro, aliás em disse-o claramente. Como sabe essa “alta estirpe” quer os Romanos gostem ou não, tem características diferentes da alta estirpe Japonesa, por exemplo, onde obviamente não teriam olhos azuis ou cabelos loiros...

O que me leva à reportagem que apresenta. É meramente informacional. Para o caso não se aplica. Duvido que o “loiro” europeu venha da queimadura do Sol..

Quem sabe se Egas Moniz não teria um filho bastardo de uma plebeia que gostasse muito e lhe quisesse dar um futuro radiante. Óbvio, que isto é só um pormenor e uma pequenina hipótese, pode achar ridícula até mas ainda assim tem algum grau de validade. Veio-me à mente quando li a descrição de Bernardo de Brito, só isso.

Ab

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