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Santelmo

04.08.13
Por mero acaso, hoje, que se comemoram 435 anos sobre a batalha de que deixou Portugal suspenso, encontrei este vídeo, da TvL Odivelas, sobre o Elmo de D. Sebastião, numa entrevista a Rainer Daehnhardt:

Perspectivas : O Elmo de Dom Sebastião- Rainer Daehnhardt

O elmo de D. Sebastião, segundo R. Daehnhardt.
Programa Perspectivas da TvL.

falei muitas vezes sobre D. Sebastião, e não terei muito mais a acrescentar. 
Já conhecia esta história do Elmo, apresentado há dois anos, numa fugaz participação que tive no facebook, mas não conhecia o vídeo, que é posterior, e onde Daehnhardt detalha as suas conclusões sobre o elmo.
Em particular, depois de explicar as razões que levam à suspeita que foi um dos elmos usado em batalha, dirige as suas conclusões para a violência dos impactos sobre o elmo. Talvez a parte mais interessante é a sua conclusão de que o portador do elmo estaria vivo, e teria rechaçado os inimigos (em número que aponta até mais de 70)... nessa altura, ao abrir a viseira seria atingido por um lança granadas, a curta distância, que teria levado à morte... do rei?
- Rainer Daehnhardt admite a hipótese de ser já um escudeiro a lutar com a armadura do rei. De qualquer forma, o disparo de granada visaria a morte do rei, e sairia por traição, de entre as tropas nacionais.
A outra hipótese leva à diversa especulação de que o rei não teria morrido, nomeadamente à hipótese do Prisioneiro de Veneza...

A expansão otomana complicara o equilíbrio de forças no Mediterrâneo, e após a perda da Ilha de Rodes em 1520, a Ordem dos Hospitalários de S. João fica sem terras, e vai receber a oferta Carlos V sobre as Ilhas de Malta e Gozo, bem como a cidade de Tripoli (em poder espanhol desde 1510).
Em troca, a Ordem, agora chamada Ordem de Malta, entregaria simbolicamente um falcão anualmente... o chamado Falcão Maltês (tributo que esteve na origem do filme Maltese Falcon), o que fez até à intervenção militar de Bonaparte em 1798. Com essa intervenção e a inglesa, os domínios da Ordem de Malta reduziram-se desde então a uma propriedade em Roma...

Esta Ordem militar hospitalária que construíra o Crac dos Cavaleiros, recebera o espólio dos Templários aquando da sua supressão e condenação francesa, acabou mais dedicada ao corso, devido à perda dos territórios na Terra Santa.
O seu renascer como Ordem Malta associava-se ao grande êxito militar quando o grão-mestre La Valette, do Forte de Santo Elmo, consegue segurar o Cerco de Malta, feito pelos otomanos, em 1565.
La Valeta e o Forte de Santo Elmo
(onde La Valette segurou a invasão otomana em 1565).

Nessa altura, o sucesso cristão na Batalha de Lepanto teria como contraponto a perda de Chipre, e a perda definitiva de Tunis em 1576, colocava um acentuado domínio otomano sobre o Mediterrâneo.
É assim simbólico que Filipe II decline o apoio ao sobrinho, mas ofereça a D. Sebastião o Elmo de Carlos V, que ele levara na conquista de Tunis... onde o galeão Botafogo teria servido como peça fundamental.

Não é o Elmo de Carlos V o que é exposto por Daehnhardt, que fala na utilização de 3 diferentes armaduras por D. Sebastião em batalha. O elmo em causa aparenta uma resistência superior, capaz de resistir às armas convencionais, mas não a uma granada europeia disparada a curta distância.

Santo Elmo aparece como designação alternativa para São Erasmo de Fórmia, padroeiro de navegantes, parecendo algo forçada a redução do nome Erasmo para Elmo... ou Telmo (sendo ainda associado a um frade dominicano Pedro Gonzalez).

O Fogo de Santo Elmo, estranho fenómeno em tempestades, era descrito pelos marinheiros portugueses como "fogo de corpo santo". Tal fenómeno é descrito no Canto V (17-18) dos Lusíadas:

Os casos vi, que os rudos marinheiros, 
Que têm por mestra a longa experiência, 
Contam por certos sempre e verdadeiros, 
Julgando as cousas só pola aparência, 
E que os que têm juízos mais inteiros, 
Que só por puro engenho e por ciência 
Vêm do mundo os segredos escondidos, 
Julgam por falsos ou mal entendidos. 

Vi, claramente visto, o lume vivo 
Que a marítima gente tem por santo, 
Em tempo de tormenta e vento esquivo, 
De tempestade escura e triste pranto. 
Não menos foi a todos excessivo 
Milagre, e cousa, certo, de alto espanto, 
Ver as nuvens, do mar com largo cano, 
Sorver as altas águas do Oceano. 


 
Ilustração do fogo de santelmo, e ilustração do Séc. XVI de Santo Elmo 

Camões não nomeia o "fogo de santelmo", apenas disserta sobre a incredulidade dos sábios face às descrições dos "rudes marinheiros". Dado o aspecto de fuzis que disparavam cargas eléctricas partindo dos mastros dos veleiros, a então nova capacidade dos elmos resistirem a esses disparos, conforme explica Daehnhardt, justificaria a invocação da mesma protecção simbólica para os navegantes.
Acresce que o nome Santelmo vai aparecer na mitologia Filipina... nas ilhas de Filipe II, em disputa com D. Sebastião. Aparece aí como uma monstruosidade capaz de emitir bolas de fogo... e não necessariamente granadas convencionais.

A principal curiosidade é que este tipo de elmo e armadura eficaz contra projécteis teria o seu fim exactamente nesta época. O elmo completo de D. Sebastião talvez tenha sido dos últimos usados em batalha... a partir dessa data, usar-se-ia apenas um capacete, em tropas especializadas, como couraceiros ou dragões. Apesar da aparente infalibilidade protectora, o aumento de poder de fogo, e especialmente o "pragmatismo", acabariam por condenar a capacidade de salvação do Elmo.
Os reis e generais ficariam habitualmente fora da primeira linha dos cenários de guerra. A reposição do material humano, carne para canhão, seria afinal mais económica do que financiar um equipamento pesado, protector da soldadesca...

É ainda interessante Daehnhardt referir como foram tratados os restos das cotas de malhas de ferro... no Séc. XIX o liberalismo cuidou de reduzir essa memória à dilaceração para esfregões de panelas! Vêem-se mesmo alguns tachos que usavam partes de armaduras.
Mais do que reciclagem de material... a ideia seria sempre a reciclagem da memória!

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publicado às 19:58


20 comentários

De Alvor-Silves a 07.02.2016 às 05:22

Sim, o João Ribeiro já tinha feito notar que o vídeo "desapareceu"...
Se alguém souber de outro sítio onde ele se encontre (já procurei, mas sem sucesso), agradeço a informação.
Obrigado.

De Anónimo a 07.02.2016 às 15:21

https://www.youtube.com/watch?v=aWtHK4BmzX0

À falta de melhor, é pólvora e vale a pena...

Cpts.
José Manuel CH-GE

De Alvor-Silves a 09.02.2016 às 06:10

Obrigado... já por uma certa antecipação a possível «desaparecimento» do vídeo, tirei aquela imagem que ali ficou, onde Rainer Daehnhardt mostrava os violentos danos que o Elmo terá sofrido no seu lado direito.

De João Ribeiro a 01.09.2016 às 14:20

Vídeo novamente visível!

http://tvl.pt/2012/10/28/perspectivas-o-elmo-de-dom-sebastiao-rainer-daehnhardt/

De da Maia a 02.09.2016 às 10:53

Ainda bem.

De João Ribeiro a 02.09.2016 às 14:04

Ontem a verdadeira razão de aqui ter vindo foi de ter pesquisado por império Otomano no seu blog e resultar esta página. Entretanto apercebi-me que o vídeo de Rainer já estava activo e faltou-me o tempo para escrever mais. No entanto a minha questão era outra. Tem algo sobre sobre Oruç Reis? Um Almirante Otomano que ficou famoso como Barbarossa?

Ao ver no youtube um documentário deparei-me com este personagem e o seu nome chamou-me a atenção. Barbarossa é Oruç Reis que diz o wikipédia ser Albanês/Grego mas...o nome soa Portugês. No próprio documentário dizem que os Otomanos quando não conseguiam derrotar um adversário ou essa luta sendo demasiado dispendiosa tentavam atrair o inimigo para o seu lado. Oruç é facilmente lido por O Ruço e sabemos que na gíria Portuguesa uma pessoa com cabelo claro ou aspecto mais branquela é facilmente de alcunhado como Ruço, tenho um exemplo na família por acaso. Apelidado de Barbarossa tanto ele como seu irmão está comprovada essa característica física. O apelido Reis é tipicamente português. Como à época éramos a potência ou das potências com maior poder e conhecimento naval e como andávamos ás turras com os Turcos por esse Oriente fora, quem sabe se Oruç ou seu pai não terá sido um recrutado pelo império Otomano...

https://www.youtube.com/watch?v=uIBO-meEtC8

https://en.wikipedia.org/wiki/Oru%C3%A7_Reis

https://en.wikipedia.org/wiki/Category:Albanian-language_surnames

https://en.wikipedia.org/wiki/Category:Greek-language_surnames

https://en.wikipedia.org/wiki/Category:Turkish-language_surnames?from=R


Ab

De Alvor-Silves a 03.09.2016 às 05:22

Quanto ao Barbarossa, é curioso porque estive a ver um documentário sobre a invasão nazi da Rússia, e esse nome da operação da ofensiva militar estava bem presente.
No entanto, o Barbarossa que inspirava Hitler era o Imperador Frederico I, contemporâneo de Afonso Henriques, que expandiu o império alemão, colocando-lhe o epíteto de sacro-império. Terminou no meio de uma Cruzada que acabou por se dispersar justamente pela sua morte.

Barbarossa foi cognome dado pelos italianos, que apanharam no pêlo com essa expansão, e a tradução para português é por vezes Barba Ruiva, ou Barba Roxa.

A designação do almirante turco é a mesma, também será italiana, porque apesar de estar mais envolvido em lutas com os espanhóis, também pode ter dado água pela barba a uns e outros.

Quanto ao nome Reis não creio que se ligue a portugueses, ainda que seja mesmo estranho aparecer entre almirantes, numa época de explorações navais portuguesas.
É o nome de um cargo militar:
https://en.wikipedia.org/wiki/Reis_(military_rank)

Não sei qual é a pronúncia, também se escreve Rais, mas por vezes basta escrever de forma diferente para parecer diferente, mesmo que o som seja semelhante, e noutras vezes escreve-se igual coisas com sons diferentes.

Repare que também pode dizer Reich como Reis, mas quando falamos no Reich alemão acentuamos Ráich, ao passo que dizemos Rêich quando falamos em Reis.

Agora se os almirantes turcos estavam a soldo dos nossos Reis, pois isso é uma conversa diferente, só sondável nos bastidores profundos!

Abç

De João Ribeiro a 05.09.2016 às 12:21

Ahah e eu a pensar que tinha descoberto a pólvora e afinal Reis é apenas um cargo militar!

Ab

De da Maia a 05.09.2016 às 13:38

Essa confusão é perfeitamente normal, e além disso, não fica esclarecida a origem do termo Reis, porque sendo uma espécie de Almirante, indicando um termo de chefia (um rei dos navios), é perfeitamente compatível com o nosso termo Reis.

Abç

De João Ribeiro a 05.09.2016 às 13:47

Obrigado pela simpatia caro Da Maia.

Ab

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