Por mero acaso, hoje, que se comemoram 435 anos sobre a batalha de que deixou Portugal suspenso, encontrei este vídeo, da TvL Odivelas, sobre o Elmo de D. Sebastião, numa entrevista a Rainer Daehnhardt:
O elmo de D. Sebastião, segundo R. Daehnhardt.
Programa Perspectivas da TvL.
Já
falei muitas vezes sobre D. Sebastião, e não terei muito mais a acrescentar.
Já conhecia esta
história do Elmo, apresentado há dois anos, numa fugaz participação que tive no
facebook, mas não conhecia o vídeo, que é posterior, e onde Daehnhardt detalha as suas conclusões sobre o elmo.
Em particular, depois de explicar as razões que levam à suspeita que foi um dos elmos usado em batalha, dirige as suas conclusões para a violência dos impactos sobre o elmo. Talvez a parte mais interessante é a sua conclusão de que o portador do elmo estaria vivo, e teria rechaçado os inimigos (em número que aponta até mais de 70)... nessa altura, ao abrir a viseira seria atingido por um lança granadas, a curta distância, que teria levado à morte... do rei?
- Rainer Daehnhardt admite a hipótese de ser já um escudeiro a lutar com a armadura do rei. De qualquer forma, o disparo de granada visaria a morte do rei, e sairia por traição, de entre as tropas nacionais.
A outra hipótese leva à diversa especulação de que o rei não teria morrido, nomeadamente à hipótese do Prisioneiro de Veneza...
A expansão otomana complicara o equilíbrio de forças no Mediterrâneo, e após a perda da Ilha de Rodes em 1520, a Ordem dos Hospitalários de S. João fica sem terras, e vai receber a oferta Carlos V sobre as Ilhas de Malta e Gozo, bem como a cidade de Tripoli (em poder espanhol desde 1510).
Em troca, a Ordem, agora chamada Ordem de Malta, entregaria simbolicamente um falcão anualmente... o chamado Falcão Maltês (tributo que esteve na origem do filme
Maltese Falcon), o que fez até à intervenção militar de Bonaparte em 1798. Com essa intervenção e a inglesa, os domínios da Ordem de Malta reduziram-se desde então a uma propriedade em Roma...
Esta Ordem militar hospitalária que construíra o Crac dos Cavaleiros, recebera o espólio dos Templários aquando da sua supressão e condenação francesa, acabou mais dedicada ao corso, devido à perda dos territórios na Terra Santa.
O seu renascer como Ordem Malta associava-se ao grande êxito militar quando o grão-mestre
La Valette, do Forte de Santo Elmo, consegue segurar o Cerco de Malta, feito pelos otomanos, em 1565.
(onde La Valette segurou a invasão otomana em 1565).
Nessa altura, o sucesso cristão na Batalha de Lepanto teria como contraponto a perda de Chipre, e a perda definitiva de Tunis em 1576, colocava um acentuado domínio otomano sobre o Mediterrâneo.
É assim simbólico que Filipe II decline o apoio ao sobrinho, mas ofereça a D. Sebastião o Elmo de Carlos V, que ele levara na conquista de Tunis... onde o
galeão Botafogo teria servido como peça fundamental.
Não é o Elmo de Carlos V o que é exposto por Daehnhardt, que fala na utilização de 3 diferentes armaduras por D. Sebastião em batalha. O elmo em causa aparenta uma resistência superior, capaz de resistir às armas convencionais, mas não a uma granada europeia disparada a curta distância.
Santo Elmo aparece como designação alternativa para
São Erasmo de Fórmia, padroeiro de navegantes, parecendo algo forçada a redução do nome Erasmo para Elmo... ou Telmo (sendo ainda associado a um frade dominicano
Pedro Gonzalez).
O Fogo de Santo Elmo, estranho fenómeno em tempestades, era descrito pelos marinheiros portugueses como "
fogo de corpo santo". Tal fenómeno é descrito no Canto V (17-18) dos Lusíadas:
Os casos vi, que os rudos marinheiros,
Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as cousas só pola aparência,
E que os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por ciência
Vêm do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos ou mal entendidos.
Vi, claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por santo,
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e cousa, certo, de alto espanto,
Ver as nuvens, do mar com largo cano,
Sorver as altas águas do Oceano.
Camões não nomeia o "
fogo de santelmo", apenas disserta sobre a incredulidade dos sábios face às descrições dos "rudes marinheiros". Dado o aspecto de fuzis que disparavam cargas eléctricas partindo dos mastros dos veleiros, a então nova capacidade dos elmos resistirem a esses disparos, conforme explica Daehnhardt, justificaria a invocação da mesma protecção simbólica para os navegantes.
Acresce que o nome
Santelmo vai aparecer na mitologia Filipina... nas ilhas de Filipe II, em disputa com D. Sebastião. Aparece aí como uma monstruosidade capaz de emitir bolas de fogo... e não necessariamente granadas convencionais.
A principal curiosidade é que este tipo de elmo e armadura eficaz contra projécteis teria o seu fim exactamente nesta época. O elmo completo de D. Sebastião talvez tenha sido dos últimos usados em batalha... a partir dessa data, usar-se-ia apenas um capacete, em tropas especializadas, como couraceiros ou dragões. Apesar da aparente infalibilidade protectora, o aumento de poder de fogo, e especialmente o "pragmatismo", acabariam por condenar a capacidade de salvação do Elmo.
Os reis e generais ficariam habitualmente fora da primeira linha dos cenários de guerra. A reposição do material humano, carne para canhão, seria afinal mais económica do que financiar um equipamento pesado, protector da soldadesca...
É ainda interessante Daehnhardt referir como foram tratados os restos das cotas de malhas de ferro... no Séc. XIX o liberalismo cuidou de reduzir essa memória à dilaceração para esfregões de panelas! Vêem-se mesmo alguns tachos que usavam partes de armaduras.
Mais do que reciclagem de material... a ideia seria sempre a reciclagem da memória!