Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Quanto ao que das Antilhas ou Índias de Castela duvidais, por esta regra, que já disse, de conceder o lugar a quem primeiro o ocupa, e pode ser também por alguma confirmação do Padre Santo, que eu não alcancei ver nem saber, toda esta conquista do Mar Oceano descobriu e possuiu o Infante D. Henrique, que mandou descobrir estas ilhas dos Açores e por seu falecimento se diz que a deixou à Coroa Real de Portugal, como ao tronco donde ele descendia, a qual tiveram estes reis alguns anos, até que em tempo de El-rei D. João, segundo do nome, se antremeteu um Cristóvam Colon e quis fazer outra navegação diferente daquela, não ao longo da costa da terra firme, mas desviando-se pelo espaçoso mar do ponente, ao qual El-rei não quis dar crédito nem ouvidos, que foi causa de se dividir e partir esta conquista, como agora contarei.Depois Gaspar Frutuoso apresenta a versão castelhana, que fala no segredo de marinheiros naufragados em Porto Santo, que morreram às mãos de Colombo
Um homem de nação italiano, genoês, chamado Cristóvam Colon, natural de Cugurco, ou Narvi, aldeia de Génoa, de poucas casas, avisado e prático na arte da navegação, vindo de sua terra à ilha da Madeira, se casou nela, vivendo ali de fazer cartas de marear. Aonde, antes do ano de mil e quatrocentos e oitenta e seis, veio aportar uma nau biscainha, ou (segundo outros) andalusa, ou portuguesa, havendo com tormentas e tempos contrários descoberto parte das terras que agora chamamos Índias Ocidentais ou Novo Mundo.
Era Cristóvam Colon animoso e de altos pensamentos, mas pobre e sem cabedal bastante pera cometer uma cousa de tanta dúvida e custo, pelo qual cuidou que seria bom pedir favor de algum príncipe cristão. E como naquele tempo El-rei de Portugal, D. João, o segundo do nome, estava ocupado em a conquista tão dificultosa e custosa da Índia e El-rei D. Fernando de Castela na guerra de Granada, determinou de se ir a Ingraterra a El-rei Henrique sétimo.Por não perder tempo mandou lá a Bartolomeu Colon, seu irmão, e como não achou a entrada que quisera, tornou-se sem negociar nada, pelo qual acordou tentar, todavia, a El-rei de Portugal. E foi-lhe tão contrário o licenciado Calçadilha, bispo de Viseu, que não pôde alcançar cousa alguma; antes o tiveram por enganador e mentiroso. Foi-se com isto Colon, meio desesperado, a Castela e em Palos de Moguer comunicou suas imaginações com Martim Fernandes Pinção, grande piloto, e, de conselho deste e de Frei João Perez de Marchena, frade de S. Francisco, grande humanista, morador na casa da Arrábida, do qual levou cartas pera D. Frei Fernando de Talavera, Bispo de Ávila, confessor da rainha, pôs em prática seu negócio com D. Henrique Gusmão, Duque de Medina Sidónia, e depois com D. Luiz de Lacerda, Duque de Medina Celi, que tinham bons portos, que o ajudassem ao descobrimento destas terras novas, os quais fizeram escárneo dele, que certo parecia cousa de zombaria, mormente que Colon andava tão mal tratado e só, que perdiam muito crédito suas razões com ver sua pouca autoridade, porque é isto assi, que a verdade sem mangas compridas é mui mal recebida em qualquer boda e, quase sempre, cada feira vale menos.Finalmente acordou de se ir à corte de El-rei D. Fernando de Castela, pera quem estava guardada tão boa ventura, em a qual entrou no ano de mil e quatrocentos e oitenta e seis. Aos princípios também zombavam dele ali, como nas outras partes, pelo qual e pelas muitas ocupações de El-rei com a guerra de Granada, não se lhe deu audiência tão asinha. Todavia achou favor em Afonso de Quintanilha, contador-mor, o que fez as leis da Irmandade. Este deu a Colon entrada em casa do Cardeal D. Pero Gonçalves de Mendonça. O Cardeal (que tudo mandava) o pôs com El-rei e da primeira vista tirou boas palavras e esperança de que, acabada a guerra de Granada, se falaria em seu negócio mais de propósito, porque até então não haveria bom aparelho de dinheiro. Antreteve-se com isto Cristóvam Colon na corte perto de seis anos. E quando viu acabada a guerra com tão bom sucesso, tornou a tratar de seu negócio e, por fim, se lhe deu licença pera ir descobrir as terras que dizia e pera que armasse os navios que lhe fossem necessários.
E no ano seguinte de mil e quatrocentos e noventa e três, (estando El-rei de Portugal, D. João, o segundo do nome, no lugar de Vale de Paraízo, que é acima do mosteiro das Virtudes, por caso das grandes pestes que nos lugares principais daquela comarca havia) a seis dias de Março, veio ter a Restelo, em Lisboa, este Cristóvam Colon, que vinha deste descobrimento das ilhas de Cipango e Antilhas (como dito é), que, per mandado de El-rei e da Rainha de Castela, tinha descoberto; das quais trazia as ditas mostras das gentes e ouro e outras cousas que nelas havia. E, sendo El-rei disso avisado, o mandou chamar e mostrou, por isso, receber nojo e sentimento, assi por crer que o dito descobrimento era feito dentro dos mares e termos de seus senhorios de Guiné, como porque, o dito Colon, por ser de sua condição alevantado, e no modo do contar das cousas fazia isto em ouro e prata e riquezas muito maior do que era, e acusava El-rei por se escusar deste descobrimento e não no querer mandar a isso, pois primeiro se lhe viera oferecer que aos Reis de Castela, e que fora por lhe não dar crédito. E El-rei foi cometido que houvesse por bem de lho matarem aí, porque, com sua morte, o descobrimento de Castela não iria mais avante por todos terem pera si que estavam aquelas ilhas dentro dos limites da conquista de Portugal, por a pouca distância que havia destas ilhas dos Açores a estas que Colon descobrira, e que, dando Sua Alteza a isso consentimento, se poderia fazer sem suspeita porque, por ele ser descortês e alvoraçado, podiam com ele travar de maneira que cada um destes seus defeitos parecesse a causa de sua morte. Mas El-rei, como era mui temente a Deus, não somente o defendeu, mas ainda lhe fez honra e mercê e com ela o despediu, mandando vestir de grã os índios que trazia.