João de Barros, no seu pouco conhecido "
Livro das Antiguidades":
Libro das antiguidades e cousas notáueis de Antre Douro e Minho,
e de outras muitas de España e Portugual.
Por Ioão de Barros & Composto no año de 1549.
... começa por referir o propósito de servir como "testemunho de vista" para futuros escritores curiosos sobre Portugal:
E ainda que esta minha ajuda seria fraca para o que esta terra merece, contudo quis eu ser o autor para que quando alguém mais curioso quisesse escrever coisas de Portugal mais particular, muito do que aqui é feito, pudesse saber esse pedaço dela, e de mim, como testemunho de vista tomar, e suprir o que deixou Ptolomeu, e outros.
Nesse sentido, e como a obra está acessível apenas no manuscrito original, começo pela transcrição usando a mesma ordem alfabética que o autor. João de Barros cita essencialmente Ptolomeu, Plínio, mas também os
Itinerários de Antonino, a que terá tido acesso privilegiado, e ainda obras mais contemporâneas de
Rafael Maffei (Volaterrano), ou de
Florian de Ocampo.
De Censibus de Siculo, parece ser obra do então celebérrimo e agora desconhecido Pedro Gregório Siciliano, que escreveu sob bula papal de
Nicolau V.
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AAndaluzia - província de Castela, sabia-se chamar Boetica, do nome do Rio Boetis, a que agora chamamos
Guadalquibir. Também parece segundo Plínio que se chamavam os povos daquela terra Andalongenses. Esta província foi tomada pelos Vandalos, de cujo nome foi primeiro chamada Vandaluzia, como diz Volaterrano, Outros dizem que se chamava assim por estar antes da província da Lusitania, quasi
anteLusitania, segundo Mario Aretro; cada um siga o que melhor lhe parecer.
Ave - é Rio __ três léguas do Porto, mete-se no mar em Vila do Conde. Chamava-se
Avis, e
Avon segundo Plínio.
Alhariz - vila do Reino de Galiza, tomou este nome de
Alarico, Rei Godo que a fundou. Está a três léguas de Chaves.
Almafala - vila em Riba de Coa na Lusitania, é nome Arábico, que quer dizer arraial de gente.
Alfama - uma parte de Lisboa é nome Arábico e Hebraico, porque uma com assento na Vltª, quer dizer banho de água quente. É porque na Alfama há muita compra de água quente, e muitas casas de água, e ao tempo dos mouros as havia, por isso lhe chamaram Alfama, a que o Gregos chamam termas, que significa águas quentes de natureza, cuja quentura se causa de minas de enxofre por onde corre. E por isso a água do Chafariz d'El Rey sai quente, e faz pé branco como liga de enxofre.
Águeda - Rio na Província de Lusitania além de Coimbra, chama-lhe Ptolomeu
Gatta.
Avilla [Ávila] - cidade em Espanha chamava-se segundo Plínio
Obila.
Astorga - cidade na Espanha Terraconense chamava-se
Astruria como diz o Itinerário &
Asterica, os Godos lhe chamavam
Roma.
Alvor - vila no Reino do Algarve, sabia-se chamar Porto de Aníbal, como diz Flor_
Algecira [Algeciras] - no Reino de Granada, é nome Arábico chamam-lhe Sola, como diz Antonino.
Arzila - cidade de África, chamava-se
Zelis. Segundo Antonino e segundo Ptolomeu
Zelia, e segundo Estrabão chamavam-lhe
Abila. Parece boa conjectura que Zelis seria Cilee e Zelia seria Arzila.
Almada - em vida del Rey D. João o 1º, chamava-se
Almadão.
Algarve - é Reino misturado com Portugal que os Mouros partiram tendo Espanha, e é nome Arábico, Algarbi quer dizer poente.
Alcacere - cidade de África é nome Arábico, dizem que se chamava
Exiliza.
Alemquer [Alenquer] - vila, oito léguas de Lisboa. Ptolomeu parece que lhe chama
Jerabriga, segundo o lugar onde assenta, e o Itinerário assim lhe chama e a põe 30 000 passos de Lisboa, que são oito léguas.
Alcaçar do Sal [Alcácer do Sal] - todos assentam que se chamava
Salacia na província da Lusitania.
Aveiro - vila na Lusitania junto ao mar na foz do Rio Agueda, parece que Ptolomeu lhe chamava
Aritium, mas o Itinerário lhe chama
Talabriga, porque diz que de Coimbra a Talabriga são cinquenta mil passos, pelo caminho de Lisboa que são doze léguas. Florião lhe chama
Lavara, o que não me parece, porque Lavara é um lugar pique no sobre-o-mar no termo da Cidade do Porto, que hoje chamam assim.
Abrantes - vila na Lusitania junto ao Tejo, parece que Ptolomeu lhe chama
Lacobriga.
Inferis igit... Mas segundo opinião do Autor a duas léguas da Vila de Abrantes, no seu termo mesmo, está um julgado que chamam Bretobel, e Ptolomeu põe ali uma vila a que chama Bretolium. Parece que esta deve ser Abrantes, parece que se lhe corrompeu o vocábulo de Bretolium Abrantes.
Almeirim - é nome arábico, assim como Alcoentre, Alcanede, Alverca, Alfizirão
[Alfeizerão].
B
Bouga [Vouga] - na Lusitania além de Coimbra, que se mete no mar, chama-lhe Volaterrano Vacca e Antonino Vaccus.
Badaioos [Badajoz] - cidade na Boetica, pouco há que se chamava Vadalhouce [Badalhouce] e Ptolomeu chama aos daquele província Pacenses dos quais parece que fala a lei em Lusitania ff. de Censibus, diz o Siculo que se chamava Pax Augusta. Pacenses são os de Beja, quod Julia Pax dicebat.
Burgos - cidade na província Terraconense diz Antonino Venero que se chamava Musburgi, e assim parece que lhe chamava Tolomeu, mas o Siculo diz que se chamava Avia.
Baeça - chamava-lhe Antonio de Nebrija Biacia.
Birvista - chamavam-lhe Virovista.
Beja - em Lusitania se chamava Paça, e Pax Julia. O Doutor André de Resende escreveu era da antiguidade desta cidade um douto tratado.
Braga - chamou-se Bracara Augusta dos Imperadores para diante, e antes deles Bracara, e os moradores Bracantos.
Barcellona [Barcelona] - cidade em Catalumnia na foz do rio
Rubricato chamava-se
Barcinon segundo Ptolomeu e segundo Marineo, Siculo,
Barcine Faventia.
Beyra [Beira] - comarca deste Reino, não veio a minha notícia como, nem quem, lhe pôs este nome, parece por que confina com Castela e isso lhe chamaram Beira desde que este reino é partido.
Bargança [Bragança] - cidade de Portugal, cabeça do Ducado chamava-se Brigetium, ou Brigantium.
Blaves - vila de Aragão chamava-se Blanda, como diz M. Aretro.
Barcellos - vila de Entre Douro e Minho, parece que lhe chamava Ptolomeu Cenobriga na Guineia [província] dos Celerinos. Vercelos dizem os livros antigos quasi versus caelum. E chamam a Cernãocelhe [Sernancelhe] lugar da Beira in oppido cernocaelum. Outro Vercelos é em Piamonte.
Beiara [Béjar] - cidade da Lusitania dizem Aretro e Siculo que se chamava Culmentaria, e Antonio Nibrija chama-lhe Beiarra com dois R.
C
Caminha - vila em Portugal na foz do Rio Minho parece que lhe chama Ptolomeu Eminium.
Carmona - cidade na Bética, chamava-se Augusta ferma e Astigicolonia como dizem Antonio e Volaterrano.
Çaragoça [Saragoça] - cidade de Aragão, dizem Mario Aretro e Siculo que se chamava Saldiba, e foi edificada por El Rey Juba, e Volaterrano diz que se chama Flama Caesarea Augusta, ou Augusta Caesarea, como diz Ptolomeu.
Calahorra - cidade de Terragona donde foram naturais S. Domingos e Quintiliano, chamavam-lhe Colagurium e diz Mario que não sabe se por ventura seria Calatayud.
Cabo despichel [Espichel] - em Lusitania chama-se Barbaricum promontorium (Ptolomeu).
Coria [Curia] - cidade na Lusitania, Caurium.
Cavado - rio que corre junto de Braga chamam-lhe todos Cavus.
Cuenca - cidade na província de Terragona [Tarragona] chamava-se Concia, e Valeria e Cauca.
Cartagena - chamou-se Nova Cartago porque Asdrubal a edificou vindo de Cartago, mas Antonio diz que Nova Cartago se chamava Spartaria, que esta se chama Cartago vetus.
Ciguensa [Siguenza] - chamou-se Serguntia e não Saguntum.
Cabo de S. Vicente - lugar conhecido no Reino do Algarve, chamam-lhe os cosmógrafos Sacrum Promontorium, onde era este o lugar que se chama Sarges [Sagres] e antes se chamava assim. E desde que ali veio estar o corpo de S. Vicente de Valença de Aragão lhe chamaram o nome que tem.
Calis - cidade na Boetica chama-se Gadis, Gadir, Gaditana, e Eritrea (Siculo e Florião do Campo). E segundo a mim, me parece estes nomes tão mudados, segundo os possuídores, porque os Latinos chamaram a qualquer Ilha cercada de água Giaris, e daqui se chamou Gadir corruptamente, e os Mouros chamam à ilha pequena Gezir. E assim chamavam às Liziras de Santarém, e nós corrompendo o Arábico lhe chamamos Leziras. Depois os Castelhanos lhe chamaram Caliz.
Castello da Feira - em Lusitania chama-lhe o Itinerário de Antonio Langobriga.
Carpio [El Carpio] - vila, Carbulo.
Camnia - em Aragão chamava-se Lastania, segundo Mario, Siculo e outros muitos.
Ceita [Ceuta] - cidade de África, chamava-se Septa, quasi coisa cercada porque o mar "a tinge" de toda a parte, mas Volterrano diz que tomou aquele nome de dois nomes iguais, o Itinerário lhe chama "Septe Irmãos" porque tem derredor sete montes. Justiniano lhe chama Septa, os Mouros como quer que quebram a sua fala nos dentes lhe chamaram Ceuta, e nós agora Ceita. E na tomada desta Cepta diz o cronista que acham em escrito por Mouros mui sábios que Ceta em Arábico quer dizer começo de formosura, e que foi fundada por um neto de Noé.
Coimbra - quase que retém ainda o seu antigo nome, posto que dos antigos uns lhe chamaram Conimbrica, como diz o letreiro da Ponte da Táboa, e outros lhe chamam Colimbrica. Nunca vi que lhe chamasse Conimbriga, e cada um destes três nomes pode ter sua razão. E derivaram Conimbrica de Conus, que quer dizer Pirâmide, porque o monte onde está o parece, ou de Colis que quer dizer monte alevantado [colina]. Ou de Brigo, rei de Espanha donde outros lugares tomaram o nome. Como é cidade muito antiga que parece que os Gregos fundaram de primeiro (Fr. Roiz de Sá de Meneses escreveu sua antiguidade, e de suas insígnias um breve tratado).
Chaves - vila de Portugal na província da Galiza, segundo Ptolomeu, dizem que tomou este nome do Imperador Cláudio, mas segundo vi por letreiros que ali estão os Romanos lhe chamavam Aquis Flavis, porque estão ali uns banhos, e fontes quentes, e aos vizinhos lhe chamavam aquaflavienses. E era lugar muito frequentado dos Romanos, e de Braga vinham ali pousar indo para Roma. E pelo caminho há calçadas antigas e piares [pilares] com letras que declaram as léguas que há até esta vila, e nela há muitos epitáfios de defuntos e outros letreiros.
Celorico - é um concelho nesta Guineia [provincia] de Entre Douro e Minho, cinco léguas de Guimarães ao sul, e segundo o seu edifício parece que é obra antiga, e posto em monte alto, e creio que este deve ser o que Ptolomeu chama Celiobriga, que em seu tempo era cabeça dos Celerinos, que estão naquela parte. Segundo ele os assenta e pelo tempo se corrompeu o vocábulo que não divirja muito.
Corunha - vila da Galiza chamava-se Corona, e os povos daquela terra Coronenses, como diz Siculo e Antonio diz Coronium, e Florião diz que se chamava Clunia.
Çamora [Zamora] - diz Volaterrano que se chamava Egitania, o que não me parece porque Egitania se chamava a cidade da Guarda, e ora se chama na Chancelaria de Roma, e aí estão dois lugaras antigos que se chamam Idanha Velha, e Nova, que tomou este nome de Igitania e dizem que tomou este nome del Rey Egita [Egica] Godo: Mas o Siculo diz que Çamora se chamava Sispona, outros querem dizer que se chamasse Saguntum, o que é falso. Outros dizem que se chamava Sentica como Florião do Campo, nas decretais lhe chamam Zamora que parece nome Arábico, como Zamor.
Cezimbra [Sezimbra] - vila da Lusitania, chama-lhe Ptolomeu Cetobrix,e Calepino Cetobrica.
Corduva [Cordova] - cidade na Boetica chamava-se Colduba, mas muito hás Séneca, Mela, e Martial, que foram de lá naturais, lhe chamaram Corduba.
Coa - rio na Lusitania, que se mete no Douro, e é grande rio mas não vi quem lhe faça menção.
Condexa [Condeixa] - vila três léguas de Cuimbra ao poente onde os Romanos tiveram grande habitação, e há ali grandes letreiros, e epitáfios, e se chamava Condensa.
Castro Marim - vila no Reino de Portugal, no Algarve, a que parece que Ptolomeu chama Balsa. Castrum marinum e Castrum viride [Castro Verde] no Campo de Ourique são nomes antigos. E Castro Marim foi a cabeça da Ordem de Cristo antes que se tresladasse a Tomar, e parece que ad arcendos hostes [para repelir] ali estava naquela parte convenientemente em frontaria de castelos dos Mouros.
Ciudad Rodrigo - cidade na Lusitania em Castela, chamam-lhe na Chancelaria Apostólica Civitatensis, parece que Ptolomeu lhe chama Desbriga.
Calatayud - em Aragão, dizem muito que é onde Ptolomeu chama Bilbilis terra de Martial, o que Siculo nem aprova nem reprova.
Castello Rodriguo [Castelo Rodrigo] - vila na Lusitania em Riba de Coa, dizem que foi edificada por El Rey D. Rodrigo, derradeiro dos Godos, e uma torre está aí junto do Mosteiro da Giar [Mosteiro de Santa Maria "de Aguiar"] que é fama que ele foi.
DDouro - rio insigne que reparte a Lusitania de Galiza, detém seu nome porque lhe chamam
Durius.
Denia - vila na
pCuincia [província] de Cartagena, diz Siculo que se chamava
Dianium.
EEsija [Écija] - cidade na Bética diz Siculo que chamava
Astigis.
Ebora [Évora] - cidade na Lusitania chamava-se Elbora, e Ebura, é muito antiga, e parece ser edificada del Rey Hibero, Annio [Annio de Viterbo] diz que lhe chamavam Ubida. O mestre André de Resende, varão douto do nosso tempo fez de sua antiguidade uma notável digressão.
Ebro - rio de Espanha chamava-se Hibero do nome do segundo Rey de Espanha, segundo diz Annio [Viterbo].
Espanha - tomou este nome de um Rei antigo dela que se chamava Hispan, e depois se chamou Hiberia do Rio Hebro, e depois Hispéria. F [Florian de Ocampo].
Freixo de Espada Cinta - vila em Portugal na Guineia [província] Terracona [Tarraconense], creio que tomou este nome de um que se chama Freixo, que a edificou na destruição de Espanha, e era primo de D. Rezendo [Rosendo de Celanova] que jaz em Cellanova, que fundou o Mosteiro do Monte em Cordova, e trazia por armas uns feixes com uma espada e as pôs nesta vila donde lhe chamam, e isto é o porque a geração dos Freixes em Galiza traz esta espada por armas.
Favaios - é uma vila na parte de Galiza, e agora em Portugal na comarca de Trás os Montes, chamou-se Flavia como dizem letreiros antigos que ali vi. Parece que Ptolomeu lhe chama Flaviobriga, daqueles que edificou el Rey Briguo [Brigo].
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Oportunamente espero ter a possibilidade de completar a transcrição desta lista que Barros organizou. Nem interessa muito saber se as suspeitas de Barros foram confirmadas, se concordamos com elas ou não, se eram conhecimento difundido e acessível, ou se as fontes de Barros eram fidedignas. Interessa que Barros sentiu necessidade de organizar a lista, e percebe-se bem a razão.