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Um filme muito interessante de 2009, intitulado "Mr. Nobody", começa por abordar uma questão comportamental de pombos, que foi associada à nossa ideia de superstição. As experiências foram começadas por volta de 1948 por Burrhus Skinner, e envolviam a cognição de pombos.
Mr. Nobody (filme de 2009) - Pigeon Superstition

A primeira sequência de imagens são de uma experiência diferente - Robert Epstein em 1984 apresentou um pombo que resolveu o chamado "problema da caixa e banana", cuja resolução era suposta ser exclusiva da macacada. No caso, empurrar uma caixa para lhe permitir alcançar a banana (conforme já vimos os corvos suplantam estas proezas).
No entanto, as imagens seguintes, já com locução, explicam a associação dos pombos a acções que levavam à abertura da portinhola com comida, como o simples premir de um botão com o bico.
Só que Skinner reparou em algo diferente... ao não associar nada à abertura da portinhola, era o próprio pombo que associava algum dos seus movimentos a essa abertura. Conforme é dito, o comportamento do pombo passava a ser aquele que fizera antes da porta abrir. Se batera as asas, vai bater as asas, acreditando que isso irá abrir a portinhola.
Quando o pombo bicava o botão da porta, havia uma causalidade efectiva, engendrada pelos promotores da experiência. Porém, depois, o que o pombo fazia (como bater asas) não se relacionava em nada com a abertura da portinhola... mas o pombo repetia o movimento, acreditando numa causalidade, e que assim não seria mais do que simples superstição.

No título coloquei o epíteto "colombina" não apenas por se relacionar com pombos, mas porque vou associar este episódio ao navegador Colombo... mas poderia associar-se a muito mais gente.

Interessa que as interacções que temos com o mundo são interpretadas no sentido de influenciar o resultado... procuram-se relações de causa-efeito, para que, com mais ciência ou mais fé, ao repetir as mesmas causas, se preveja o mesmo efeito.

Uma inteligência primária é associada a quem conhece causas que influenciam resultados. Essa inteligência primária é científica quando a comunidade constata (ou aceita) essa causalidade, e vai ao ponto de falar em "leis". À ciência aplicada pouco interessa entender a causalidade... constatando que existe relação, aceita-a como "lei da natureza".
Nesse sentido, o que o pombo fez quando bicou no interruptor, ou quando bateu as asas, foi o mesmo tipo de associação primária entre esse acto e o abrir da portinhola. A interpretação de que bicar o interruptor é ciência, e o bater de asas é superstição, não pertence ao entendimento do pombo, pertence ao entendimento de quem faz a experiência.

Não existe apenas esta inteligência primária... há ainda uma inteligência secundária, que manipula a inteligência primária. A inteligência secundária pode dispensar o entendimento primário, fazendo uso indirecto dele, vendo os primários como "patos" a serem usados ou caçados.
A sociedade apenas estimula o desenvolvimento da inteligência primária, já que a outra forma é simples arte do jogo, do trafulha, do especulador, do manipulador, que normalmente detém o poder.
Por exemplo, a um jogador de póquer interessa fazer crer ao opositor a previsão do seu jogo, para depois o surpreender em contrário, quando a quantia em jogo for apreciável.
Ou seja, uma inteligência secundária parasita as inteligências primárias, fomentando a sua credulidade num entendimento previsível, para tirar partido disso. Em muitos aspectos, essa inteligência secundária é uma inteligência feminina, porque as mulheres, afastadas de um protagonismo directo, aprenderam a influenciar os parceiros para agir de acordo com os seus interesses, sem o mostrar. Digamos que se o pombo tinha que perceber que movimento fazia abrir a portinhola, a pomba teria apenas que usar o seu charme para o convencer a partilhar a comida.
O mesmo padrão matriarcal acabou por ser seguido depois no controlo das civilizações. A elite, tal como a bela pomba, apenas precisava de se mostrar como apetecível, ou desejável, para receber presentes de agrado dos pombos. Claro que em casos extremos, também convinha à elite poder ser ameaçadora... não por si, mas compensando elementos agressivos nesse sentido, ou seja, uma tropa.
Porém, a forma mais subtil de prender um sábio ao seu orgulho, é desafiá-lo a construir a melhor prisão, e colocá-lo dentro como último teste... enfim, evadindo-se, seria por falha do projecto - a prisão inviolável.

Para a elite, ao tempo de Colombo, a América era um segredo de Polichinelo. Mas, por oclusão, o prato forte do jogo era apenas a Índia, a China ou o Japão, relatados por Marco Polo... e foi nesse sentido que o pombo colombino seguiu o caminho de oriente pelo ocidente. Enquanto o pombo colombino batia as asas, visitando a cada vez a sua Índia, chamando "índios" aos nativos americanos, a real pomba espanhola recebia os novos territórios sem esforço. E se o pombo colombino caiu em ridículo com a evidência da ilusão, os benefícios desse erro não tardaram a render em ouro à nobreza espanhola.

Ocorre, por demasiadas vezes, a manipulação duma inteligência primária que, em troca de pequenos prémios, aceita dar tudo o que tem, a promotores secundários, que visam os mesmos objectivos, mas sem para isso fazerem esforço algum. No entanto, quer na situação primária, quer na situação secundária, a inteligência visa usufruir do mesmo resultado, apenas usando meios diferentes. Quer o rei, que manda construir, quer o sábio que constrói, ambos visam a construção da mesma prisão inviolável, independentemente de um visar colocar lá o outro.
A inteligência secundária funciona como predadora da primária, tal como em trocas energéticas de sobrevivência, os carnívoros se alimentam de herbívoros... e é mais ou menos neste nível que se coloca a acção das agências de "inteligência", ditas de espionagem.
A competição a nível superior não é no nível dos super-canívoros, é simplesmente uma reflexão sobre o próprio uso da inteligência. Ou seja, um terceiro nível é apenas final se reflectir sobre o próprio uso da inteligência, sobre o seu propósito. Este terceiro nível não visa os mesmos objectivos, não se interessa sobre a matéria produzida, mas sim pela razão global que une as duas concepções anteriores, tipicamente locais e limitadas.

Por exemplo, nas mitologias clássicas os deuses não se tornaram deuses por nenhuma razão lógica... simplesmente nasceram deuses. O que os cientistas tentaram fazer durante estes tempos foi construir razões mais lógicas, mais sustentáveis, para terem poderes sobrenaturais, e acima disso, quem fomenta o desenvolvimento científico, usa esses poderes a seu belo prazer, com o intuito de a eles ter direito, sem quase nada fazer por isso. A um terceiro nível interessa saber se esta relação, se esta circunstância de desenvolvimento e relacionamento, tem algum sentido global acima desse propósito básico de supremacia local e limitada. Interessa entender qual a consistência global e final de um universo que se envolve no desenvolvimento destas diversas conexões.

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publicado às 14:44


4 comentários

De Anónimo a 03.06.2017 às 01:51

Bom filme, aluguei e vi esta tarde, outro que penso que aborda o mesmo tema com Kevin Spacey, K-PAX também é bom https://www.youtube.com/watch?v=vByR8tGNFfM,

duma mesma percepção espáciogeométrica compartimentada li num livro de um escritor doutro mundo http://observador.pt/2015/12/27/um-escritor-do-mundo/ onde se lutava para “matar o tempo”, impedir essa expansão retracção infinita do universo.

Cumprimentos

De Alvor-Silves a 03.06.2017 às 19:04

Boa tarde.
Por mero acaso, revi o Mr. Nobody, e creio que não tinha visto o início, ou pelo menos não me lembrava da cena do pombo. É curioso porque a cena do pombo não tem relação com o resto do filme.
Aliás, uma crítica que li a propósito deste filme do belga Jaco Van Dormael (que fez o argumento e realizou), era justamente essa - a de que o filme tinha várias cenas independentemente interessantes, mas faltava-lhe um nexo global.
Mas também seria basicamente essa ideia, explorando o conceito da mecânica quântica, no sentido em que aquele futuro só fazia sentido se ficassem definidas as escolhas no passado. De certo modo, o filme embarca assim numa possibilidade de realidades alternativas, mas em que só a distinção entre o conjunto de memórias que foram realidade, e as que não foram, é que poderia levar àquele desfecho no futuro... prendendo-se muito na decisão da escolha do pai ou da mãe, no incidente do comboio. Mas, ao mesmo tempo o realizador tenta remeter a situação futura para a imaginação do rapaz, o que leva a uma mistura de conceitos, já um pouco mal engendrada.
Mais recentemente Van Dormael lançou outro filme "The Brand New Testament":
https://www.youtube.com/watch?v=Dsh_wFI0uMU

Quanto a K-PAX já o tinha visto, mas já nem me lembrava bem. Aí o assunto é mais o das visitas ET's, encapsuladas numa ambiguidade entre alucinação e realidade. Mas, também é um filme interessante.
E claro, tal como o José Manuel, também sou fã das histórias do Philip K. Dick.
Mas a ideia de alternar entre a expansão e retracção universal, é apenas uma ideia antiga, que alinha muito com a concepção indiana de que o universo não terá princípio nem fim. Isso foi uma ideia apenas conveniente, porque evitava a questão de explicar a formação a partir de nada.

Abraços,
da Maia

De Anónimo a 09.06.2017 às 02:49

Foi ver o “Alien: Covenant”, os xénomorphes vieram estragar o Prometheus, mas a Fox não deve gostar que se revele a história de Deuses criadores, decepção, ao ler este post aqui antes de ver o filme retive depois que o filme aborda um esquema de inteligência que manipula outra (David robot e seu criador) e a criação feita de destruição, “deuses” que criam deuses, com um ponto comum o de superar a criação do criador original, espectativa de saber quem é e se também morreu.
Gostei da alusão ao neandertal que cria a flauta, mais simples que esta mania humana (parece mais de robot!) de tudo querer demonstrar pela matemática.

Cumprimentos

José Manuel

De Alvor-Silves a 17.06.2017 às 13:24

... ainda não consegui ver o novo filme.

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