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Em dois postais anteriores, com o título "Fazer Gazeta" (1) e (2), trouxe aqui de novo o Processo dos Távoras, mas na perspectiva dos órgãos informativos da época - as gazetas. No primeiro, o incidente reportado na Gazeta de Lisboa, no segundo o incidente reportado no Universal Chronicle de Londres.
Um comentário de João Ribeiro remeteu para um antigo programa de José Hermano Saraiva, no arquivo da RTP, onde se abordava o assunto com "algum detalhe"... 
"O meu sítio de Belém" - José Hermano Saraiva.

Como este episódio já teve extenso tratamento por muita gente (inclusive uma série TV de Moita Flores), dificilmente trarei aqui algo de novo... para além de acumular com outros apontamentos depreciativos que aqui trouxe sobre a actuação do Marquês (que à época nem tampouco Conde era).

Porém há uma palavra-chave no processo que se chama "potro" e que não era nenhum cavalinho de estimação, era um cavalete de tortura, onde as pessoas eram amarradas e esticadas.
A tortura era supervisionada por um "cirurgião", Domingos Moreira Ramalho, dos "cárceres secretos" do Santo Ofício (... a maçonaria contava aqui com a melhor expertise da Santa Inquisição), que limitava a tortura ao ponto da vítima não poder recuperar do tratamento aplicado.
O método era sempre o mesmo... e os manos que gostam de lembrar o facínora em pedestais, podem ver a sua assinatura no processo, bem como a de José António de Oliveira Machado, que coordenou todo o processo formal - com alguns erros processuais (como se esquecer de notificar a Marquesa de Távora), que corrige posteriormente.
José Hermano Saraiva, muito condescendente com a versão oficializada, não deixa de lhe chamar "aborto jurídico"... com o exagero de colocar algo de "jurídico" no qualificativo.
Ainda hoje, temos essa herança legada nos nossos tribunais, onde há perfeitos "abortos jurídicos", como foi a condução do "Processo Casa Pia", uma vergonha nacional da pior espécie, que muito herdou do valor do testemunho dado a troco compensatório, sem reunir quaisquer provas decentes, e manipulando a opinião pública de forma indecente.

Salvador José Durão, de 19 anos, a principal testemunha recebeu 6000 cruzados pela denúncia (mas não terá passado a fidalgo, como o édito real prometia... enquanto Sebastião sim, passou a Conde de Oeiras), e junto com a sua paixoneta, Marianna Theresa, de 18 anos, filha de pedreiro (pouco livre), foram o par decisivo no arranjar da estória. Deles faz parte o primeiro apenso, onde se vê como ela evitou ser apresentada ao potro, quando hesitou.

O potro foi o principal meio usado pelo Marquês de Pombal, para obter as seguintes confissões pretendidas, no Processo dos Távoras. Dos 20 apensos com os interrogatórios há 17 que invocam o uso, enquanto outros confessam perante a perspectiva do seu uso, mas tirando algumas excepções, que resistiram, a maioria acaba por confessar... o quê? - pouco interessa, porque perante a tortura, a posição da vítima é terminar o suplício. 

Apenso 3 do Processo, onde se relata que o
estribeiro José Manuel tinha saúde para receber trato no "potro"

A situação é tanto mais ridícula que, tudo indica que nunca houve nenhum atentado, simplesmente o rei terá caído, e se terá aleijado desastradamente num braço. Isto fica mais ou menos indiciado pela forma como há necessidade de fazer prova do atentado... com juramentos de médicos, e com dois autos ridículos:
  • Auto de corpo de delito feito em uma casaca e veste de Sua Majestade
  • Auto de corpo de delito feito em uma sege (carruagem) de Sua Majestade

Portanto, sentiu-se necessidade de fazer prova que havia uma casaca com buracos e a carruagem tinha outro orifício, digno de grande bacamarte.

O que se segue é extraído da obra de Pedro de Azevedo, que fez em 1921 o excelente trabalho de transcrever o processo para impressão:
O Processo dos Távoras (1921) - transcrição
de que se recomenda leitura.
Aqui faço apenas apontamento das ocorrências da palavra "potro", em quase todos os apensos do processo, e que mostra bem o grau de violência exercido.
  • (pag. 31) ... como a criadagem confessou no potro

  • (pag. 79 - Apenso 3 - réu José Manuel, estribeiro do Duque) E pelo dito Réu dizer, que nada sabia, se mandou que o cirurgião tivesse a diligência sobre a saúde do Réu, e declarasse se tinha alguma enfermidade, que impedisse a dar-se-lhe tratos. E por constar que tinha saúde, e sem impedimento algum para se lhe darem tratos, assim o declarar debaixo do juramento de seu Oficio, de que fiz este termo, que todos assinamos. E logo foi mandado, que o Réu fosse posto no Potro, e atado. E executado assim, ao primeiro trato foi dito pelo Réu, que ele queria declarar a verdade, e que vinha a ser: Que ele Respondente ouvira que o Duque dissera a Duque/a sua mulher que «Assim como foi por huma parte, se fosse pela outra, que não escaparia» (...) 

  • (pag. 85 - Apenso 4 - Manuel da Costa, porteiro do Duque) [o mesmo discurso, do cirurgião - Domingos Monteiro Ramalho, dos cárceres secretos do Santo Ofício - avaliar se o réu tinha boa saúde para receber o tratamentoE logo foi mandado que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos oficiais para isso determinados, e estando assim atado, e dado o primeiro grau do primeiro trato, e ainda incompleto o dito primeiro grau, disse que queria declarar a verdade, e que esta vinha a ser (...)

  • (pag. 88 - Apenso 5 - Manuel do Nascimento, cavalariça do Duque) [o mesmo discurso sobre a saúde para receber o tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle alado, o que assim se executou pelos officiais, para isso determinados. E dando-se-lhe trez gráos do primeiro trato, dice que queria confessar, e declarar a verdade, com effeito dice, e declarou : «Que era verdade : Que na noute de trez' de Setembro próximo passado, pelas nove, ou dez horas sahirão da Cavalhariça do dito Duque dois cavallos, a que chamavão o Guardamor, e o Serra, cellados, e enfreados» (...)

  • (pag. 93 - Apenso 7 - António Dias, moço do Duque) [ idem ... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados. E estando assim atado perfeitamente dice o mesmo Reo, que queria confessar toda a verdade, que vinha a ser: «Que era verdade, que na noute de trez de Setembro lhe dera a elle Respondente dito Duque ordem pelas dez horas, e meia pouco mais ou menos, para que mandasse apparelhar as duas Facas, chamadas Palhavam, e Coimbra, e também os dois cavallos, (...)»

  • (pag. 97 - Apenso 8 - António Martins "Pagador", moço de estribaria do Duque) [não foi preciso o cirurgião Ramalho] E sendo-lhe dito que vistas as suas repostas, e culpa que lhe rezultava, estava condemnado a darem-se-lhe tratos. O que ouvido pelo Reo dice: «Que o deixassem considerar hum pouco sobre o que se lhe tinha perguntado». E logo dice : «Que era verdade, e agora lhe lembrava, que o dito Duque costumava hir muitas vezes, antes, e depois do referido insulto a São Roque a fallar com o Padre João de Mattos a Santo Antão, com Jozé Perdigão, com Thimoteo de Oliveira, e com Jacinto da Costa, e com este tratava, e fallava mais vezes do que ainda com os outros».
  • (pag. 99 - Apenso 9 - João Miguel, moço do Duque) [... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou, pelos officiais para isso determinados, e dando-se-lhe dois tratos espertos, e tornando-lhe a fazer perguntas, pertinazmente insistia o Reo em dizer, que nada sabia. E por dizer o cirurgião, que por ora não podia levar mais tratos, o mandarão aliviar delles, e que fosse recolhido para se curar, de que fiz este auto, que o Reo me rogou que por elle comnosco assignasse. E eu Jozé António de Oliveira Machado, que o escrevy, e assigney.

  • (pag. 112 - Apenso 11 - Manuel Alvares Ferreira, guarda-roupa do Duque) [... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e atado, e executado assim, se lhe mandou declarasse a verdade pelo que respeitava a Terceiros. E por nada declarar, e dizer o cirurgião, que não podia levar mais tratos, se mandou aliviar, e recolher para se curar. E de tudo se fez este auto que todos assinamos. E por dizer o Reo, que não estava, nem podia assignar, rogou a mim Jozé António de Oliveira Machado, que por elle assignasse, o que fiz, e o escrevy. - Sebastião Jozé de Carvalho e Mello — Pedro Gonsalves Cordeiro Pereira = Jozé António de Oliveira Machado = A rogo do Reo = Jozé António de Oliveira Machado.

  • (Apenso 12 - António Alvares Ferreira, irmão do anterior) [... confessa praticamente toda a versão]

  • (pag. 126 - Apenso 13 - Braz José, cabo de esquadra do filho do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião] E logo mandarão que o Reo fosse deitado no Potro, e atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados, e estando assim lhe fiz outra vez perguntas para que declarasse o que sabia a respeito de Terceiros, debaixo do juramento, que recebido tinha, e por dizer que nada sabia, lhe mandarão dar o primeiro trato, e por continuar na mesma negativa, se passou a dar-se-lhe mais meio trato, e estando nelle, pedio audiência, para confessar, a qual sendo-Ihe concedida, confessou com effeito o seguinte ; a saber : «Que na tarde do mesmo dia trez de Setembro, em que se commetteo o detestável insulto se juntarão, e conferirão, o Marquez Luiz Bernardo de Távora, com seu Irmão Jozé Maria de Távora, sobre os ciúmes que ao primeiro dos sobreditos tinha da Marqueza sua mulher, assentando em que se achavão offendidos, e em que se havião de vingar na preciozissima vida de Sua Magestade; o que elle Respondente sabia pelo ouvir dizer ao sobredito Marquez Luiz Bernardo de Távora, e ao dito seu Irmão Jozé Maria.» 

  • (pag. 129 - Apenso 14 - Joaquim dos Santos, cocheiro do Duque) [... tratamento do cirurgião]  E logo mandarão pôr ao Reo no Potro e nelle atar, o que assim se executou, e tornando a fazer-lhe as perguntas asima pelo que toca a Terceiro, tornou á dizer, que nada sabia. E dando-se lhe o primeiro trato, e trez gráos du segundo, sempre insistiu em negar. E por dizer o Cirurgião, que por ora não podia tolerar mais se mandou aliviar, e recolher para curar. E de tudo fiz este auto que assinamos.

  • (pag. 131 - Apenso 14 - Domingos Marques, moço de cavalariça do Duque) [... tratamento do cirurgião]  E logo mandarão que o Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados, e dando-se-lhe meio trato, dice que queria declarar a verdade, que vinha a ser. «Que era verdade que dois dias antes da noute, em que se derão os sacrílegos tiros em El Rey Nosso Senhor mandara o Marquez de Tavora Luiz Bernardo dois cavallos (...)»

  • (pag. 133 - Apenso 15 - José Fernandes, cavalariça do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo sendo mandado pòr no Potro, e atado nelle, que assim se executou pelos offíciais para isso determinados. E tendo-se-lhe dado hum esperto só dice, que o dito Marquez quazi sempre costumava vir pelas onze horas e meia noute, e que na dos referidos tiros não sahira a cavallo, que sahiria de sege, por que lhe não lembrava a noute. E logo o mandarão aliviar, e recolher para se curar, de que fiz este auto, que o rogo do Reo comnosco assignou

  • (pag. 135 - Apenso 15 - José António, bolieiro do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião Ramalho]  E logo foi mandado pôr o dito Reo no Potro, e a elle atado, o que assim se executou, pelos ofhciais para isso determinados, e dando-se-lhe hum esperto, dice queria declarar a verdade, que era. Que na tarde precedente á noute, em que se derão os referidos tiros, sahira o dito Marquez seu amo na sege, e viera para caza do Duque de Aveiro, e ahi estivera thé a meia noute pouco mais, ou menos (...)

  • (pag. 137 - Apenso 15 - João Bernardo, moço do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião Ramalho]  E logo mandarão que o Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados. E sendo outra vez perguntado pelas mesmas perguntas de baixo do juramento dos Santos Evangelhos, que já se lhe havia deferido, pelo que tocava a Terceiros. E por dizer que nada sabia se lhe dêo o primeiro grão do primeiro trato. E por dizer que queria declarar a verdade, sendo admittido dice. (...)

  • (pag. 143 - Apenso 16 - Luís Bernardo de Távora, filho do Marquês) [... tratamento do cirurgião Ramalho]  E logo foi mandado, que o Reo se deitasse no Potro, e se atasse, o que assim se executou, pelos officiais para isso determinados. E eu lhe tornei a dizer, que declarasse a verdade do que elle Reo sabia a respeito de Terceiros, e tendo trez quartos de tratos do primeiro trato, dice que queria declarar a verdade. E declarou sendo ouvido o seguinte. «Que elle Respondente se achara com o Marquez Francisco de Assiz de Távora seu Pai e com a Marqueza Dona Leonor de Távora sua Mãe, e com o Duque de Aveiro, em caza do mesmo Duque, onde assentarão de commum acordo, que subindo o Senhor Infante Dom Pedro ao Throno, tornaria ao seu antecedente poder o governo delle Mordomo Mor, e dos Religiosos da companhia de Jezus.» (...)

  • (pag. 150 - Apenso 17 - Jerónimo de Ataíde, Conde de Atouguia) [... tratamento do cirurgião Ramalho]   E logo foi mandado, que o Reo se pozesse no Potro, e que nelle se deitasse, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados. E eu o tornei a admoestar para que declarasse a verdade do que elle Reo sabia a respeito de Terceiros, e por dizer que nada sabia, se lhe deo o tormento, que tolerou athé haver sofrido hum trato esperto inteiro, e hum quarto mais em ametade do corpo. E requerendo então se lhe suspendesse o tormento, por que queria dizer a verdade : E mandando suspender o mesmo tormento no grão em que se achava : Declarou nelle debaixo do juramento que tinha tomado, pelo que respeitava a Terceiros o seguinte :  (i) Que em caza do Duque de Aveiro se tinhão praticas com os parentes, das quais elle Duque, e a Duqueza sua mulher persuadirão aos Marquezes de Távora sogros delle Respondente, e a Manoel de Távora seu Tio a necessidade que havia de se effectuar a beneficio de todos o cazamento da Princeza Nossa Senhora com o Sereníssimo Senhor Infante Dom Pedro: E o muito que importava para se effectuar o dito cazamento, que se tirasse a El Rey Nosso Senhor a sua preciozissima e gloriozissima vida. (ii) Que em caza dos ditos Marquezes seus sogros, e principalmente a Marqueza Dona Leonor de Távora, se fallava no governo d'El Rey Nosso Senhor com aversão, e ódio, dirigindo-se a dita Marqueza em tudo pelo espirito, e conselhos do Padre Malagrida. 

  • (pag. 153 - Apenso 18 - José Mascarenhas, Duque de Aveiro) [... sem tratamento]  E sendo admoestado primeira, segunda, e terceira vez, que visse, que com a impenitencia, e com a negativa, fazia a sua culpa mais enorme; por quanto se provava plenamente, que elle sabia de sciencia certa a cauza da sua prizão. Respondeo, que tinha dito, e insistio em que nada mais tinha que accrescentar. (...) 
  • Respondeo insistindo em que nada soubera á cerca do referido insul
  • to, antes de commettido, e que so depois do mesmo insulto, perguntando 
  • ao Marquez de Anjeja, qual tinha sido a cauza da queixa de Sua Magesta
  • de, lhe respondeo, que fora huma queda. E que succedeo na tarde do dia 
  • próximo seguinte ao dito insulto. (...) [mas a dado momento o Duque de Aveiro, sem razão visível, muda o discurso por completo, e "por descargo de consciência" confessa o atentado... implicando jesuítas e Távoras]
  • (pag. 174 - Apenso 19 - José Maria, filho do Marquês de Távora) [... com tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o Reo fosse posto no Potro, e atado, que assim se executou pelos guardas para isso determinados; e eu lhe tornei a dizer que declarasse a verdade, do que elle Reo sabia sobre os cúmplices do delicto de que se trata. E pelo Reo dizer que nada sabia ao dito respeito porque havia contra elle Reo prova bastante; e por estar pertinazmente negativo, e por dizer o Cirurgião não podia tolerar, mais tormento, depois de haver sofrido trato, e meio, o mandarão tirar delle, e cesasse, e se recolheçe para se curar, e de tudo fiz este termo, que todos assignamos.
  • (pag. 180 - Apenso 20 - Francisco de Assis, Marquês de Távora) [... com tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o Reo se deitasse no Potro, e fosse atado nas pernas, e braços, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados; E logo lhe tornei a fazer perguntas para que declarasse a verdade do que elle Reo sabia a respeito de Terceiros cúmplices no referid< delicto ; e pelo dito Reo tornar a dizer que nada sabia se lhe mandou dar o primeiro trato, e estando com elle apertado, lhe tornei a fazer pergunta na forma asima mencionada que declarasse a verdade á cerca dos cúmplices, esteve pertinazmente negativo no trato, e por o Cirurgião dizer que não podia tolerar outro por ser o Reo quebrado, e mostrar ser Asmático o mandarão tirar delle, que cessasse, e recolhese para se curar. E de tudo se fez este auto e termos que assinamos. = Sebastião Jozé de Carvalho e Mello = Pedro Gonsalves Cordeiro Pereira = Jozé António de Oliveira Machado. 

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publicado às 21:28

Em dois postais anteriores, com o título "Fazer Gazeta" (1) e (2), trouxe aqui de novo o Processo dos Távoras, mas na perspectiva dos órgãos informativos da época - as gazetas. No primeiro, o incidente reportado na Gazeta de Lisboa, no segundo o incidente reportado no Universal Chronicle de Londres.
Um comentário de João Ribeiro remeteu para um antigo programa de José Hermano Saraiva, no arquivo da RTP, onde se abordava o assunto com "algum detalhe"... 
"O meu sítio de Belém" - José Hermano Saraiva.

Como este episódio já teve extenso tratamento por muita gente (inclusive uma série TV de Moita Flores), dificilmente trarei aqui algo de novo... para além de acumular com outros apontamentos depreciativos que aqui trouxe sobre a actuação do Marquês (que à época nem tampouco Conde era).

Porém há uma palavra-chave no processo que se chama "potro" e que não era nenhum cavalinho de estimação, era um cavalete de tortura, onde as pessoas eram amarradas e esticadas.
A tortura era supervisionada por um "cirurgião", Domingos Moreira Ramalho, dos "cárceres secretos" do Santo Ofício (... a maçonaria contava aqui com a melhor expertise da Santa Inquisição), que limitava a tortura ao ponto da vítima não poder recuperar do tratamento aplicado.
O método era sempre o mesmo... e os manos que gostam de lembrar o facínora em pedestais, podem ver a sua assinatura no processo, bem como a de José António de Oliveira Machado, que coordenou todo o processo formal - com alguns erros processuais (como se esquecer de notificar a Marquesa de Távora), que corrige posteriormente.
José Hermano Saraiva, muito condescendente com a versão oficializada, não deixa de lhe chamar "aborto jurídico"... com o exagero de colocar algo de "jurídico" no qualificativo.
Ainda hoje, temos essa herança legada nos nossos tribunais, onde há perfeitos "abortos jurídicos", como foi a condução do "Processo Casa Pia", uma vergonha nacional da pior espécie, que muito herdou do valor do testemunho dado a troco compensatório, sem reunir quaisquer provas decentes, e manipulando a opinião pública de forma indecente.

Salvador José Durão, de 19 anos, a principal testemunha recebeu 6000 cruzados pela denúncia (mas não terá passado a fidalgo, como o édito real prometia... enquanto Sebastião sim, passou a Conde de Oeiras), e junto com a sua paixoneta, Marianna Theresa, de 18 anos, filha de pedreiro (pouco livre), foram o par decisivo no arranjar da estória. Deles faz parte o primeiro apenso, onde se vê como ela evitou ser apresentada ao potro, quando hesitou.

O potro foi o principal meio usado pelo Marquês de Pombal, para obter as seguintes confissões pretendidas, no Processo dos Távoras. Dos 20 apensos com os interrogatórios há 17 que invocam o uso, enquanto outros confessam perante a perspectiva do seu uso, mas tirando algumas excepções, que resistiram, a maioria acaba por confessar... o quê? - pouco interessa, porque perante a tortura, a posição da vítima é terminar o suplício. 

Apenso 3 do Processo, onde se relata que o
estribeiro José Manuel tinha saúde para receber trato no "potro"

A situação é tanto mais ridícula que, tudo indica que nunca houve nenhum atentado, simplesmente o rei terá caído, e se terá aleijado desastradamente num braço. Isto fica mais ou menos indiciado pela forma como há necessidade de fazer prova do atentado... com juramentos de médicos, e com dois autos ridículos:
  • Auto de corpo de delito feito em uma casaca e veste de Sua Majestade
  • Auto de corpo de delito feito em uma sege (carruagem) de Sua Majestade

Portanto, sentiu-se necessidade de fazer prova que havia uma casaca com buracos e a carruagem tinha outro orifício, digno de grande bacamarte.

O que se segue é extraído da obra de Pedro de Azevedo, que fez em 1921 o excelente trabalho de transcrever o processo para impressão:
O Processo dos Távoras (1921) - transcrição
de que se recomenda leitura.
Aqui faço apenas apontamento das ocorrências da palavra "potro", em quase todos os apensos do processo, e que mostra bem o grau de violência exercido.
  • (pag. 31) ... como a criadagem confessou no potro

  • (pag. 79 - Apenso 3 - réu José Manuel, estribeiro do Duque) E pelo dito Réu dizer, que nada sabia, se mandou que o cirurgião tivesse a diligência sobre a saúde do Réu, e declarasse se tinha alguma enfermidade, que impedisse a dar-se-lhe tratos. E por constar que tinha saúde, e sem impedimento algum para se lhe darem tratos, assim o declarar debaixo do juramento de seu Oficio, de que fiz este termo, que todos assinamos. E logo foi mandado, que o Réu fosse posto no Potro, e atado. E executado assim, ao primeiro trato foi dito pelo Réu, que ele queria declarar a verdade, e que vinha a ser: Que ele Respondente ouvira que o Duque dissera a Duque/a sua mulher que «Assim como foi por huma parte, se fosse pela outra, que não escaparia» (...) 

  • (pag. 85 - Apenso 4 - Manuel da Costa, porteiro do Duque) [o mesmo discurso, do cirurgião - Domingos Monteiro Ramalho, dos cárceres secretos do Santo Ofício - avaliar se o réu tinha boa saúde para receber o tratamentoE logo foi mandado que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos oficiais para isso determinados, e estando assim atado, e dado o primeiro grau do primeiro trato, e ainda incompleto o dito primeiro grau, disse que queria declarar a verdade, e que esta vinha a ser (...)

  • (pag. 88 - Apenso 5 - Manuel do Nascimento, cavalariça do Duque) [o mesmo discurso sobre a saúde para receber o tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle alado, o que assim se executou pelos officiais, para isso determinados. E dando-se-lhe trez gráos do primeiro trato, dice que queria confessar, e declarar a verdade, com effeito dice, e declarou : «Que era verdade : Que na noute de trez' de Setembro próximo passado, pelas nove, ou dez horas sahirão da Cavalhariça do dito Duque dois cavallos, a que chamavão o Guardamor, e o Serra, cellados, e enfreados» (...)

  • (pag. 93 - Apenso 7 - António Dias, moço do Duque) [ idem ... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados. E estando assim atado perfeitamente dice o mesmo Reo, que queria confessar toda a verdade, que vinha a ser: «Que era verdade, que na noute de trez de Setembro lhe dera a elle Respondente dito Duque ordem pelas dez horas, e meia pouco mais ou menos, para que mandasse apparelhar as duas Facas, chamadas Palhavam, e Coimbra, e também os dois cavallos, (...)»

  • (pag. 97 - Apenso 8 - António Martins "Pagador", moço de estribaria do Duque) [não foi preciso o cirurgião Ramalho] E sendo-lhe dito que vistas as suas repostas, e culpa que lhe rezultava, estava condemnado a darem-se-lhe tratos. O que ouvido pelo Reo dice: «Que o deixassem considerar hum pouco sobre o que se lhe tinha perguntado». E logo dice : «Que era verdade, e agora lhe lembrava, que o dito Duque costumava hir muitas vezes, antes, e depois do referido insulto a São Roque a fallar com o Padre João de Mattos a Santo Antão, com Jozé Perdigão, com Thimoteo de Oliveira, e com Jacinto da Costa, e com este tratava, e fallava mais vezes do que ainda com os outros».
  • (pag. 99 - Apenso 9 - João Miguel, moço do Duque) [... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou, pelos officiais para isso determinados, e dando-se-lhe dois tratos espertos, e tornando-lhe a fazer perguntas, pertinazmente insistia o Reo em dizer, que nada sabia. E por dizer o cirurgião, que por ora não podia levar mais tratos, o mandarão aliviar delles, e que fosse recolhido para se curar, de que fiz este auto, que o Reo me rogou que por elle comnosco assignasse. E eu Jozé António de Oliveira Machado, que o escrevy, e assigney.

  • (pag. 112 - Apenso 11 - Manuel Alvares Ferreira, guarda-roupa do Duque) [... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o dito Reo fosse posto no Potro, e atado, e executado assim, se lhe mandou declarasse a verdade pelo que respeitava a Terceiros. E por nada declarar, e dizer o cirurgião, que não podia levar mais tratos, se mandou aliviar, e recolher para se curar. E de tudo se fez este auto que todos assinamos. E por dizer o Reo, que não estava, nem podia assignar, rogou a mim Jozé António de Oliveira Machado, que por elle assignasse, o que fiz, e o escrevy. - Sebastião Jozé de Carvalho e Mello — Pedro Gonsalves Cordeiro Pereira = Jozé António de Oliveira Machado = A rogo do Reo = Jozé António de Oliveira Machado.

  • (Apenso 12 - António Alvares Ferreira, irmão do anterior) [... confessa praticamente toda a versão]

  • (pag. 126 - Apenso 13 - Braz José, cabo de esquadra do filho do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião] E logo mandarão que o Reo fosse deitado no Potro, e atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados, e estando assim lhe fiz outra vez perguntas para que declarasse o que sabia a respeito de Terceiros, debaixo do juramento, que recebido tinha, e por dizer que nada sabia, lhe mandarão dar o primeiro trato, e por continuar na mesma negativa, se passou a dar-se-lhe mais meio trato, e estando nelle, pedio audiência, para confessar, a qual sendo-Ihe concedida, confessou com effeito o seguinte ; a saber : «Que na tarde do mesmo dia trez de Setembro, em que se commetteo o detestável insulto se juntarão, e conferirão, o Marquez Luiz Bernardo de Távora, com seu Irmão Jozé Maria de Távora, sobre os ciúmes que ao primeiro dos sobreditos tinha da Marqueza sua mulher, assentando em que se achavão offendidos, e em que se havião de vingar na preciozissima vida de Sua Magestade; o que elle Respondente sabia pelo ouvir dizer ao sobredito Marquez Luiz Bernardo de Távora, e ao dito seu Irmão Jozé Maria.» 

  • (pag. 129 - Apenso 14 - Joaquim dos Santos, cocheiro do Duque) [... tratamento do cirurgião]  E logo mandarão pôr ao Reo no Potro e nelle atar, o que assim se executou, e tornando a fazer-lhe as perguntas asima pelo que toca a Terceiro, tornou á dizer, que nada sabia. E dando-se lhe o primeiro trato, e trez gráos du segundo, sempre insistiu em negar. E por dizer o Cirurgião, que por ora não podia tolerar mais se mandou aliviar, e recolher para curar. E de tudo fiz este auto que assinamos.

  • (pag. 131 - Apenso 14 - Domingos Marques, moço de cavalariça do Duque) [... tratamento do cirurgião]  E logo mandarão que o Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados, e dando-se-lhe meio trato, dice que queria declarar a verdade, que vinha a ser. «Que era verdade que dois dias antes da noute, em que se derão os sacrílegos tiros em El Rey Nosso Senhor mandara o Marquez de Tavora Luiz Bernardo dois cavallos (...)»

  • (pag. 133 - Apenso 15 - José Fernandes, cavalariça do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião Ramalho] E logo sendo mandado pòr no Potro, e atado nelle, que assim se executou pelos offíciais para isso determinados. E tendo-se-lhe dado hum esperto só dice, que o dito Marquez quazi sempre costumava vir pelas onze horas e meia noute, e que na dos referidos tiros não sahira a cavallo, que sahiria de sege, por que lhe não lembrava a noute. E logo o mandarão aliviar, e recolher para se curar, de que fiz este auto, que o rogo do Reo comnosco assignou

  • (pag. 135 - Apenso 15 - José António, bolieiro do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião Ramalho]  E logo foi mandado pôr o dito Reo no Potro, e a elle atado, o que assim se executou, pelos ofhciais para isso determinados, e dando-se-lhe hum esperto, dice queria declarar a verdade, que era. Que na tarde precedente á noute, em que se derão os referidos tiros, sahira o dito Marquez seu amo na sege, e viera para caza do Duque de Aveiro, e ahi estivera thé a meia noute pouco mais, ou menos (...)

  • (pag. 137 - Apenso 15 - João Bernardo, moço do Marquês de Távora) [... tratamento do cirurgião Ramalho]  E logo mandarão que o Reo fosse posto no Potro, e nelle atado, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados. E sendo outra vez perguntado pelas mesmas perguntas de baixo do juramento dos Santos Evangelhos, que já se lhe havia deferido, pelo que tocava a Terceiros. E por dizer que nada sabia se lhe dêo o primeiro grão do primeiro trato. E por dizer que queria declarar a verdade, sendo admittido dice. (...)

  • (pag. 143 - Apenso 16 - Luís Bernardo de Távora, filho do Marquês) [... tratamento do cirurgião Ramalho]  E logo foi mandado, que o Reo se deitasse no Potro, e se atasse, o que assim se executou, pelos officiais para isso determinados. E eu lhe tornei a dizer, que declarasse a verdade do que elle Reo sabia a respeito de Terceiros, e tendo trez quartos de tratos do primeiro trato, dice que queria declarar a verdade. E declarou sendo ouvido o seguinte. «Que elle Respondente se achara com o Marquez Francisco de Assiz de Távora seu Pai e com a Marqueza Dona Leonor de Távora sua Mãe, e com o Duque de Aveiro, em caza do mesmo Duque, onde assentarão de commum acordo, que subindo o Senhor Infante Dom Pedro ao Throno, tornaria ao seu antecedente poder o governo delle Mordomo Mor, e dos Religiosos da companhia de Jezus.» (...)

  • (pag. 150 - Apenso 17 - Jerónimo de Ataíde, Conde de Atouguia) [... tratamento do cirurgião Ramalho]   E logo foi mandado, que o Reo se pozesse no Potro, e que nelle se deitasse, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados. E eu o tornei a admoestar para que declarasse a verdade do que elle Reo sabia a respeito de Terceiros, e por dizer que nada sabia, se lhe deo o tormento, que tolerou athé haver sofrido hum trato esperto inteiro, e hum quarto mais em ametade do corpo. E requerendo então se lhe suspendesse o tormento, por que queria dizer a verdade : E mandando suspender o mesmo tormento no grão em que se achava : Declarou nelle debaixo do juramento que tinha tomado, pelo que respeitava a Terceiros o seguinte :  (i) Que em caza do Duque de Aveiro se tinhão praticas com os parentes, das quais elle Duque, e a Duqueza sua mulher persuadirão aos Marquezes de Távora sogros delle Respondente, e a Manoel de Távora seu Tio a necessidade que havia de se effectuar a beneficio de todos o cazamento da Princeza Nossa Senhora com o Sereníssimo Senhor Infante Dom Pedro: E o muito que importava para se effectuar o dito cazamento, que se tirasse a El Rey Nosso Senhor a sua preciozissima e gloriozissima vida. (ii) Que em caza dos ditos Marquezes seus sogros, e principalmente a Marqueza Dona Leonor de Távora, se fallava no governo d'El Rey Nosso Senhor com aversão, e ódio, dirigindo-se a dita Marqueza em tudo pelo espirito, e conselhos do Padre Malagrida. 

  • (pag. 153 - Apenso 18 - José Mascarenhas, Duque de Aveiro) [... sem tratamento]  E sendo admoestado primeira, segunda, e terceira vez, que visse, que com a impenitencia, e com a negativa, fazia a sua culpa mais enorme; por quanto se provava plenamente, que elle sabia de sciencia certa a cauza da sua prizão. Respondeo, que tinha dito, e insistio em que nada mais tinha que accrescentar. (...) 
  • Respondeo insistindo em que nada soubera á cerca do referido insul
  • to, antes de commettido, e que so depois do mesmo insulto, perguntando 
  • ao Marquez de Anjeja, qual tinha sido a cauza da queixa de Sua Magesta
  • de, lhe respondeo, que fora huma queda. E que succedeo na tarde do dia 
  • próximo seguinte ao dito insulto. (...) [mas a dado momento o Duque de Aveiro, sem razão visível, muda o discurso por completo, e "por descargo de consciência" confessa o atentado... implicando jesuítas e Távoras]
  • (pag. 174 - Apenso 19 - José Maria, filho do Marquês de Távora) [... com tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o Reo fosse posto no Potro, e atado, que assim se executou pelos guardas para isso determinados; e eu lhe tornei a dizer que declarasse a verdade, do que elle Reo sabia sobre os cúmplices do delicto de que se trata. E pelo Reo dizer que nada sabia ao dito respeito porque havia contra elle Reo prova bastante; e por estar pertinazmente negativo, e por dizer o Cirurgião não podia tolerar, mais tormento, depois de haver sofrido trato, e meio, o mandarão tirar delle, e cesasse, e se recolheçe para se curar, e de tudo fiz este termo, que todos assignamos.
  • (pag. 180 - Apenso 20 - Francisco de Assis, Marquês de Távora) [... com tratamento do cirurgião Ramalho] E logo foi mandado, que o Reo se deitasse no Potro, e fosse atado nas pernas, e braços, o que assim se executou pelos officiais para isso determinados; E logo lhe tornei a fazer perguntas para que declarasse a verdade do que elle Reo sabia a respeito de Terceiros cúmplices no referid< delicto ; e pelo dito Reo tornar a dizer que nada sabia se lhe mandou dar o primeiro trato, e estando com elle apertado, lhe tornei a fazer pergunta na forma asima mencionada que declarasse a verdade á cerca dos cúmplices, esteve pertinazmente negativo no trato, e por o Cirurgião dizer que não podia tolerar outro por ser o Reo quebrado, e mostrar ser Asmático o mandarão tirar delle, que cessasse, e recolhese para se curar. E de tudo se fez este auto e termos que assinamos. = Sebastião Jozé de Carvalho e Mello = Pedro Gonsalves Cordeiro Pereira = Jozé António de Oliveira Machado. 

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publicado às 21:28

Passam hoje 260 anos sobre o Abalo do Marquês...
A poucas centenas de metros do Carmo ou da Trindade, em pleno Bairro Alto, podemos ler
NESTA CASA NASCEU AOS 13 DE MAIO DE 1699
SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E MELO
MARQUEZ DE POMBAL
A QUEM A CIDADE DE LISBOA DEVEU A SUA
REEDIFICAÇÃO DEPOIS DO TERREMOTO DE 1755
CONSAGRANDO POR ESTE FACTO A SUA MEMÓRIA
* A VEREAÇÃO DE 1923 * 

O que se diria aos senhores vereadores de 1923 ?

PARA UMA CASA ANTERIOR A 1699, 
RESISTIU MUITO BEM AO DEVASTADOR TERRAMOTO !!!

Não é fácil perceber se foi só ingenuidade, fidelidade canina, ou mera incompetência, que levou os vereadores lisboetas de 1923 a apontar intacto o berço do herói maçon e republicano. 

O leitor pode apressar-se aqui a procurar uma justificação, esquecendo-se que não lhe compete dar nenhuma justificação. Isto acontece demasiadas vezes. O próprio em vez de interrogar, procura ser ele a justificar.
Ora, deixemos as coisas nos seus devidos lugares. 
É ou não é estranho ter uma casa intacta de 1699 apresentada como berço do leãozinho, se em 1755 é suposto ocorrer um terramoto que deita tudo abaixo?
Se é estranho, quem deveria ter reparado deveria ser Afonso Costa e os seus vereadores lisboetas de 1923. 
Se os vereadores não acharam necessidade de qualquer referência a não se tratar da casa original, é porque muito naturalmente tinham indicações de ser mesmo a casa original... que foi pouco ou nada atingida pelo terramoto e incêndios.
Porquê? Porque era a casa berço do Marquês? 
Não, porque simplesmente pouco ou nada aconteceu à grande maioria das casas do Bairro Alto.


Investigação de Pinho Leal
Consultando a obra de Portugal Antigo e Moderno, de Augusto Pinho Leal, a paróquia de Santa Catarina tinha 1800 fogos antes do abalo, e 1778 depois dele... de onde se deduz que só dois edifícios desapareceram nessa paróquia. Não devemos assim estranhar que a casa do Marquês não tivesse caído.

Pinho Leal apresenta números muito precisos, provavelmente resultantes dos registos das paróquias a que teve acesso. Assim, dá-nos um retrato muito claro do antes e depois de 1755, sendo perfeitamente claro que a cidade foi afectada de forma muito desigual, e que isso nunca seria consequência do terramoto, e só se pode ter ficado a dever aos incêndios.

Antes do Terramoto de 1755 tinha Lisboa:
 39 609 fogos
158 400 habitantes

e por consequência do sismo ou abalo ficou com
 30 694 fogos
122 700 habitantes

ou seja, perdeu 8 915 habitações e 35 700 habitantes, por consequência do Abalo do Marquês.
É uma proporção de perda de 22% em casas e habitantes.

Mas vejamos o registo pelas 41 freguesias/paróquias, que Lisboa tinha antes do abalo.

01. St. Basílica Patriarcal - De 500 passou a 400 fogos.
02. Santissimo Sacramento - De 613 passou a 180 fogos.
03. São Bartolomeu - De 140 passou a 50 fogos.
04. Santa Engrácia - De 1400 passou a 1262 fogos.
05. Nª Srª Mártires - De 1600 passou a 6 fogos.
06. Santa Isabel - De 2600 passou a 2415 fogos.
07. Santa Maria Maior - De 896 passou a 150 fogos.
08. Santa Marinha - De 300 passou a 165 fogos.
09. Santa Justa - De 1940 passou a 361 fogos.
10. O Salvador - De 266 passou a 300 fogos.
11. Nª Srª das Mercês - De 900 passou a 807 fogos.
12. Stª Cruz do Castelo - De 322 passou a 315 fogos.
13. Santos o Velho - De 1787 passou a 1835 fogos.
14. S. Vicente de Fora - De 600 passou a 552 fogos.
15. S. Thiago - De 120 passou a 60 fogos.
16. Nª Srª da Ajuda - De 600 passou a 2123 fogos.
17. Stº André - De 140 passou a 260 fogos.
18. S. Jorge - De 58 passou a 72 fogos.
19. S. Pedro de Alfama - De 248 passou a 1500 fogos.
20. S. Christovão - De 420 passou a 236 fogos.
21. S. José - De 5000 passou a 6000 fogos.
22. S. Mamede - De 207 passou a 25 fogos.
23. S. Paulo - De 1000 passou a 980 fogos.
24. Stº Estevão - De 1000 passou a 960 fogos.
25. S. Martinho - De 30 passou a 50 fogos.
26. S. Sebastião da Pedreira - De 900 passou a 862 fogos.
27. Nª Srª Conceição - De 900 passou a 84 fogos.
28. Nª Srª Pena - De 1400 passou a 1300 fogos.
29. Stª Catarina - De 1800 passou a 1778 fogos.
30. Nª Srª Socorro - De 900 passou a 830 fogos.
31. S. Thomé - De 300 passou a 250 fogos.
32. S. Nicolau - De 2308 passou a 575 fogos.
33. Stª. Maria Magdalena - De 800 passou a 4 fogos.
34. S. Lourenço - De 150 passou a 143 fogos.
35. S. Miguel - De 870 passou a 666 fogos.
36. S. João da Praça - De 500 passou a 10 fogos.
37. S. Julião - De 1960 passou a 30 fogos.
38. Anjos - De 2140 passou a 2117 fogos.
39. Nª Srª da Encarnação - De 2000 passou a 972 fogos.
40. Nª Srª do Loreto - freguesia de todos os italianos.
41. Chagas de Jesus - freguesia dos navegantes da carreira de Índia e Brasil.

Diz Pinho Leal sobre as freguesias que aumentaram de população (a verde, por oposição às mais afectadas, a vermelho):
Note-se que as freguezias que augmentaram de população depois do terramoto, é porque, dos bairros que mais sofreram, ficando ruas inteiras completamente destruídas e desertas, se mudaram os seus habitantes para os outros, a que o terramoto tinha causado menos destruições.
Como podemos ver houve bairros arrasados enquanto os vizinhos passavam incólumes. A palavra fogos é aqui apropriada, porque o problema terão sido apenas os incêndios.
Nomeadamente, vemos como Alfama se aguentou e recebeu população migrante de outros bairros destruídos (não foi apenas a Ajuda que serviu como zona de refúgio).
Vemos ainda como o bairro de S. Paulo, que teria sido mais afectado pela subida de águas do Tejo, como referia Joaquim José Mendonça, teria afinal perdido apenas 20 habitações.

Um relato completamente inconsistente com toda a enfabulação pseudo-científica que se foi construindo em torno de um acontecimento falsificado em quase todos os detalhes.

Para corolário glorioso da pseudo-ciência dos terramotos e maremotos inventados, fica-nos a sólida casa de berço do Marquês, e a sua simbólica data de nascimento - o 13 de Maio, que já aqui tínhamos referido a propósito da dificuldade em erguer a sua estátua em 1917 na grande rotunda lisboeta:
A 1ª pedra foi colocada por duas vezes, em 15 de Agosto de 1917 e novamente a 13 de Maio de 1926. Só oito anos depois a estátua era colocada sobre o fuste (12 de Dezembro de 1933) e inaugurada em 1934.

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publicado às 18:01

Passam hoje 260 anos sobre o Abalo do Marquês...
A poucas centenas de metros do Carmo ou da Trindade, em pleno Bairro Alto, podemos ler
NESTA CASA NASCEU AOS 13 DE MAIO DE 1699
SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E MELO
MARQUEZ DE POMBAL
A QUEM A CIDADE DE LISBOA DEVEU A SUA
REEDIFICAÇÃO DEPOIS DO TERREMOTO DE 1755
CONSAGRANDO POR ESTE FACTO A SUA MEMÓRIA
* A VEREAÇÃO DE 1923 * 

O que se diria aos senhores vereadores de 1923 ?

PARA UMA CASA ANTERIOR A 1699, 
RESISTIU MUITO BEM AO DEVASTADOR TERRAMOTO !!!

Não é fácil perceber se foi só ingenuidade, fidelidade canina, ou mera incompetência, que levou os vereadores lisboetas de 1923 a apontar intacto o berço do herói maçon e republicano. 

O leitor pode apressar-se aqui a procurar uma justificação, esquecendo-se que não lhe compete dar nenhuma justificação. Isto acontece demasiadas vezes. O próprio em vez de interrogar, procura ser ele a justificar.
Ora, deixemos as coisas nos seus devidos lugares. 
É ou não é estranho ter uma casa intacta de 1699 apresentada como berço do leãozinho, se em 1755 é suposto ocorrer um terramoto que deita tudo abaixo?
Se é estranho, quem deveria ter reparado deveria ser Afonso Costa e os seus vereadores lisboetas de 1923. 
Se os vereadores não acharam necessidade de qualquer referência a não se tratar da casa original, é porque muito naturalmente tinham indicações de ser mesmo a casa original... que foi pouco ou nada atingida pelo terramoto e incêndios.
Porquê? Porque era a casa berço do Marquês? 
Não, porque simplesmente pouco ou nada aconteceu à grande maioria das casas do Bairro Alto.


Investigação de Pinho Leal
Consultando a obra de Portugal Antigo e Moderno, de Augusto Pinho Leal, a paróquia de Santa Catarina tinha 1800 fogos antes do abalo, e 1778 depois dele... de onde se deduz que só dois edifícios desapareceram nessa paróquia. Não devemos assim estranhar que a casa do Marquês não tivesse caído.

Pinho Leal apresenta números muito precisos, provavelmente resultantes dos registos das paróquias a que teve acesso. Assim, dá-nos um retrato muito claro do antes e depois de 1755, sendo perfeitamente claro que a cidade foi afectada de forma muito desigual, e que isso nunca seria consequência do terramoto, e só se pode ter ficado a dever aos incêndios.

Antes do Terramoto de 1755 tinha Lisboa:
 39 609 fogos
158 400 habitantes

e por consequência do sismo ou abalo ficou com
 30 694 fogos
122 700 habitantes

ou seja, perdeu 8 915 habitações e 35 700 habitantes, por consequência do Abalo do Marquês.
É uma proporção de perda de 22% em casas e habitantes.

Mas vejamos o registo pelas 41 freguesias/paróquias, que Lisboa tinha antes do abalo.

01. St. Basílica Patriarcal - De 500 passou a 400 fogos.
02. Santissimo Sacramento - De 613 passou a 180 fogos.
03. São Bartolomeu - De 140 passou a 50 fogos.
04. Santa Engrácia - De 1400 passou a 1262 fogos.
05. Nª Srª Mártires - De 1600 passou a 6 fogos.
06. Santa Isabel - De 2600 passou a 2415 fogos.
07. Santa Maria Maior - De 896 passou a 150 fogos.
08. Santa Marinha - De 300 passou a 165 fogos.
09. Santa Justa - De 1940 passou a 361 fogos.
10. O Salvador - De 266 passou a 300 fogos.
11. Nª Srª das Mercês - De 900 passou a 807 fogos.
12. Stª Cruz do Castelo - De 322 passou a 315 fogos.
13. Santos o Velho - De 1787 passou a 1835 fogos.
14. S. Vicente de Fora - De 600 passou a 552 fogos.
15. S. Thiago - De 120 passou a 60 fogos.
16. Nª Srª da Ajuda - De 600 passou a 2123 fogos.
17. Stº André - De 140 passou a 260 fogos.
18. S. Jorge - De 58 passou a 72 fogos.
19. S. Pedro de Alfama - De 248 passou a 1500 fogos.
20. S. Christovão - De 420 passou a 236 fogos.
21. S. José - De 5000 passou a 6000 fogos.
22. S. Mamede - De 207 passou a 25 fogos.
23. S. Paulo - De 1000 passou a 980 fogos.
24. Stº Estevão - De 1000 passou a 960 fogos.
25. S. Martinho - De 30 passou a 50 fogos.
26. S. Sebastião da Pedreira - De 900 passou a 862 fogos.
27. Nª Srª Conceição - De 900 passou a 84 fogos.
28. Nª Srª Pena - De 1400 passou a 1300 fogos.
29. Stª Catarina - De 1800 passou a 1778 fogos.
30. Nª Srª Socorro - De 900 passou a 830 fogos.
31. S. Thomé - De 300 passou a 250 fogos.
32. S. Nicolau - De 2308 passou a 575 fogos.
33. Stª. Maria Magdalena - De 800 passou a 4 fogos.
34. S. Lourenço - De 150 passou a 143 fogos.
35. S. Miguel - De 870 passou a 666 fogos.
36. S. João da Praça - De 500 passou a 10 fogos.
37. S. Julião - De 1960 passou a 30 fogos.
38. Anjos - De 2140 passou a 2117 fogos.
39. Nª Srª da Encarnação - De 2000 passou a 972 fogos.
40. Nª Srª do Loreto - freguesia de todos os italianos.
41. Chagas de Jesus - freguesia dos navegantes da carreira de Índia e Brasil.

Diz Pinho Leal sobre as freguesias que aumentaram de população (a verde, por oposição às mais afectadas, a vermelho):
Note-se que as freguezias que augmentaram de população depois do terramoto, é porque, dos bairros que mais sofreram, ficando ruas inteiras completamente destruídas e desertas, se mudaram os seus habitantes para os outros, a que o terramoto tinha causado menos destruições.
Como podemos ver houve bairros arrasados enquanto os vizinhos passavam incólumes. A palavra fogos é aqui apropriada, porque o problema terão sido apenas os incêndios.
Nomeadamente, vemos como Alfama se aguentou e recebeu população migrante de outros bairros destruídos (não foi apenas a Ajuda que serviu como zona de refúgio).
Vemos ainda como o bairro de S. Paulo, que teria sido mais afectado pela subida de águas do Tejo, como referia Joaquim José Mendonça, teria afinal perdido apenas 20 habitações.

Um relato completamente inconsistente com toda a enfabulação pseudo-científica que se foi construindo em torno de um acontecimento falsificado em quase todos os detalhes.

Para corolário glorioso da pseudo-ciência dos terramotos e maremotos inventados, fica-nos a sólida casa de berço do Marquês, e a sua simbólica data de nascimento - o 13 de Maio, que já aqui tínhamos referido a propósito da dificuldade em erguer a sua estátua em 1917 na grande rotunda lisboeta:
A 1ª pedra foi colocada por duas vezes, em 15 de Agosto de 1917 e novamente a 13 de Maio de 1926. Só oito anos depois a estátua era colocada sobre o fuste (12 de Dezembro de 1933) e inaugurada em 1934.

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publicado às 18:01

É bem sabido que a morte do Rei D. José correspondeu ao fim político do Marquês de Pombal.
Uma parte do clero rodeara a filha do rei, D. Maria I, e esta nunca teria perdoado ao Marquês a bárbara execução dos Távoras, procurando recompor a velha sociedade da destruição pombalina...
Desse período que se seguiu, encontrei um manuscrito "comemorativo" da morte do ditador (1782), extremamente satírico, revelando o sentimento odioso que uma parte da sociedade, especialmente a ligada à antiga nobreza, lhe dedicava:

Textos, predominantemente satíricos e jocosos, 
contra o Marquês de Pombal e a sua política.


São muitas páginas manuscritas, nem sempre de fácil transliteração, e escolhi este trecho satírico (o autor é desconhecido), por se incluir algumas críticas específicas e não o simples ataque pessoal - que faz o prazer dos cortesãos.
Ao Hiperbólico, Fantástico, Extravagante, Antidevoto, Antideista, Sebastião José de Carvalho,
Primeiro-Ministro, e Marquês do Pombal, D. Quixote dos Ministros do Estado, Sublime Engenheiro de Castelos de Vento, Legislador de vacatelas [bagatelas], Autor de Leis Enigmáticas, Inimitável criador de palavras gigantescas, Único descobridor da pedra filosofal, Defensor em voz, Destruidor na ré, Virtuoso nas palavras, Vicioso nas obras, Abundante de projecto, Falto de execuções, Restaurador quimérico das letras, Real perseguidor dos sábios, Protector aparente do comércio, Arruinador verdadeiro da lavoura, Povoador dos cárceres, Despovoador dos campos, Grande dentro, Pequeno fora, Richelieu na vingança, Mazarin na ambição, Nas virtudes, nem um nem outro, Agradecido por sistema, Ingrato por natureza, Digno para vizir de um príncipe maometano, Indigno par ministro de um príncipe cristão. 
O Povo Português, Sumamente agradecido à sua odiosa memóriaPelo haver governado com ceptro de ferro, Por ter armado uma parte dos seus cidadãos contra a outra parte, Por ter enriquecido o particular, empobrecendo o público, Por ter aniquilado a antiga nobreza, e levantando outra de nova invenção, Por ter acrescentado o número dos processos, como a censura multidão de informes leis, Por ter enriquecido a língua, com uma prodigiosa cópia de palavras exóticas, e insignificantes, Por outros muitos favores, que deve à sua liberal e prodigiosa mão, Mandou levantar este mausoléu, construído de ossos de inumeráveis homens vítimas do seu bárbaro, cruel e sanguinário génio, amassados com lágrimas: De tantas desamparadas viúvas, De tantas arruinadas donzelas, De tantos órfãos pupilos, Cujo servirá de memória indelével à posteridade, depois de fielmente se ter dado a execução, o seu bem justo, como abominável testamento e última vontade, bem conforme à sua depravada vida, por ele feito na forma seguinte (...)
Bom, e a sátira prossegue, não com muito sucesso humorístico ou literário, inventando um "Testamento secreto" que começava por
Sebastião 2º, isto é 2º carrasco, e primeiro Nero português. Monstro de todas as maldades, inimigo comum da Pátria (...)
Interessa aqui notar que, apesar de todo este rancor, raramente se encontra algo de objectivo que contrarie as versões oficiais e oficializadas. Ou seja, se procuramos elementos mais contundentes sobre a fabricação dos estragos do terramoto, a única coisa que se vê sistematicamente é o epíteto de "Nero".
Isto seria a forma mais simples de o ligar aos incêndios, que destruíram Lisboa depois do terramoto, mas não encontrámos nada de mais específico, nesse sentido. Para além disso, quando Camilo Castelo Branco reduziu o epíteto a "Nero da Trafaria", ligou-o mais ao episódio macabro do incêndio levado a cabo por Pina Manique, a mando do Marquês, contra os aldeões da Trafaria.

O facto do documento ser manuscrito e não impresso, parece um detalhe, mas normalmente mostra que os donos das Impressoras lisboetas não estariam tão disponíveis para certos trabalhos, neste caso contra a memória do Marquês.
Há imensos textos que nunca passaram a caracteres de impressora. Por acaso, não é o que acontece com esta parte, que é até citada numa tese de doutoramento da Georgia University (Belinda Sauter, 2005, pág. 44)... mas é o caso de muitas outras.
Apesar de haver muita mão de obra disponível, muita gente com muito tempo, com jeito e com pouco que fazer, estes textos permanecem na sua forma original... e já é uma "certa sorte" que a Biblioteca Nacional os tenha tirado do pó, e pelo menos os tenha digitalizado e lhes tenha dado acesso público (... sendo um mistério a razão que leva alguns a estar em "acesso privado").

Por outro lado, convém notar que se os adeptos da Igreja portuguesa tinham razões de satisfação com o afastamento do Marquês, passados 50 anos sofreriam um ataque ainda mais forte, aquando das revoluções liberais e extinção das ordens religiosas. Grande parte do espólio e documentação constante de grandes conventos foi abandonado ao vandalismo público, para depois ser comprado por coleccionadores privados, em boa parte, estrangeiros.

Conforme é dito no poema sarcástico, apareceram rapidamente duas aristocracias, algo semelhante ao que ocorreria depois com Napoleão. Uma aristocracia "imperial" saída da bonapartismo, e a antiga aristocracia real. A experiência maçónica com o Marquês foi depois repetida com Napoleão, praticamente nos mesmos termos, mas com as diferenças de dimensão dos personagens, dos estados, etc. Ambos tiveram uma rápida ascensão, grande propaganda, e uma rápida queda.
A própria experiência com o Marquês não era inovadora, pois o primeiro sucesso "revolucionário", no sentido de mudar a aristocracia, tinha ocorrido com Cromwell, na guerra civil inglesa.
O grande incêndio no terramoto de Lisboa tinha tido um precedente igualmente devastador no Grande Incêndio de Londres de 1666.

Curiosamente, em 1662, na sua chegada a Inglaterra, Catarina de Bragança foi acompanhada por Edward Montagu, 1º Conde de Sandwich, anterior embaixador em Portugal, que favoreceu o casamento com Charles II. Isto é apenas "curioso", porque já falámos aqui de Cook e de outro Sandwich, (descendente deste), a propósito da Inglaterra se ter afiambrado com o domínio do Pacífico, entre a América e a Ásia, por via do cozinhado de Sandwich com a viagem de Cook.

Ao mesmo tempo que Cook abria novo ovo de Colombo, e descobria praticamente tudo o que havia por descobrir, isto ainda em época do Marquês de Pombal, começava também a Revolução Americana, que levou à criação da primeira república moderna, por um punhado de maçons.

Pouco interessa hoje a planta quadriculada da Baixa de Lisboa do Marquês, é muito mais polémico o desenho de Washington. Curiosamente, Washington está praticamente à mesma latitude de Lisboa (digamos, a Casa Branca está à latitude de Alfarrobeira), e foi desenhada de raiz seguindo os planos de Pierre L'Enfant, por indicações de Washington e Jefferson (todos eles maçons).

Avenidas Novas
Esta propaganda sistemática à intervenção do Marquês em Lisboa, faz uma parte da população crer que esse planeamento incluía algumas das Avenidas Novas, até à zona da rotunda, pelo menos.
Porém, a sua influência foi apenas na Baixa Lisboeta, do Rossio até ao rio. Muitos empreiteiros em Portugal tiveram empreendimentos à escala pombalina (com maiores dificuldades burocráticas nas expropriações, do que certamente Pombal após o terramoto).

A grande expansão da cidade de Lisboa deu-se apenas quase 100 anos depois, no final do Séc. XIX com o planeamento do Eng. Ressano Garcia. Esse sim, definiu a estrutura arterial de circulação que Lisboa ainda tem hoje, e que depois seria complementada com intervenção semelhante do Eng. Duarte Pacheco (já com Salazar).

Planta de Lisboa em 1909 - um ano antes da implantação da República... os nomes eram outros!
Este mapa de 1909 mostra a Avenida Ressano Garcia... um reconhecimento por parte do regime monárquico, mas que haveria de chamar-se depois Avenida da República, no ano seguinte, e assim o nome de Ressano Garcia foi suprimido, bem como outras dezenas de alterações.

É interessante a pressa na mudança de nomes, logo em reunião no dia seguinte:
Quinta-feira, 6 de Outubro de 1910 - Alterações na toponímia da cidade de Lisboa
Em Reunião na Câmara Municipal de Lisboa, presidida por Anselmo Braamcamp Freire, Nunes Loureiro apresenta uma proposta aprovada por aclamação. A Avenida Ressano Garcia passou a denominar-se Avenida da República e a Rua António Maria de Avelar passou a designar-se Avenida Cinco de Outubro. Uma semana depois são feitas novas alterações: a Rua Bela da Rainha passa a denominar-se Rua da Prata; a Avenida D. Amélia passa a Avenida Almirante Reis; a Rua D. Carlos I passa a chamar-se Avenida das Cortes; a Rua d'el-Rei passa a Rua do Comércio; a Avenida José Luciano passa a denominar-se Avenida Elias Garcia; a praça D. Fernando passa a praça Afonso de Albuquerque; a Avenida Hintze Ribeiro passa a Avenida Miguel Bombarda; a rua da Princesa a Rua dos Fanqueiros; a praça do Príncipe Real passa a praça Rio de Janeiro; o Paço da Rainha passa a largo da Escola do Exército.
Mas como já tratei do assunto da instauração republicana, interessa apenas como curiosidade o regime republicano ter poupado à borracha personagens como o Duque de Saldanha, Fontes Pereira de Melo, ou os Duques de Ávila, de Loulé, entre tantos outros. Por exemplo, a Avenida José Luciano passar a Elias Garcia entende-se, pois foi o primeiro Grão Mestre do Grande Oriente Lusitano... mas já se entende menos que a Rua Alfredo Keil tenha passado a Av. Júlio Dinis, até porque de Keil ficaria o hino nacional republicano. Se a Trindade passou a cervejaria, o Convento do Carmo manteve-se imperturbável nas suas altivas ruínas, 

O Marquês não foi o primeiro nem o último terraplanador de monumentos antigos. Da Muralha Fernandina, que circundou a cidade de Lisboa com 34 torres, não restou tijolo... apesar de muitas dessas torres terem resistido ao terramoto, algumas já tinham sido derrubadas antes, e uma boa parte foi derrubada depois. O que o terramoto não fez cair, outros abalos, de planeamento urbanístico, encarregaram-se do assunto... e não apenas por ordem do Marquês, já que várias foram demolidas no Séc. XIX. E, afinal, a estrutura mais provável de cair com um grande abalo - o Aqueduto das Águas Livres, foi uma das poucas grandes construções antigas a ser preservada.
Dessas antigas torres ficaram poucos nomes, associados às "portas", nomes que ainda assim ficaram na memória, e nas placas de algumas ruas, apesar dos nomes de ruas terem uma tendência natural.
É bastante ridículo, mas a generalidade dos nomes em ruas são de maçons. Parece que foi vendida uma certa promessa de eternidade, digamos uma menção "eterna"... pelo menos, até que seja revisto novo arruamento! Para clarificar ideias, pensemos nos nomes das ruas da cidade romana de Conimbriga, ou noutra cidade desaparecida, a uma simples distância "eterna" de dois milénios. O que lhes aconteceu? Este tipo de ilusões de destaque é de um gozo especial, de ridículo, como se cada maçã que comemos quisesse ser conhecida para a eternidade pela contribuição que deu para a alimentação da humanidade. Mas suponhamos, que sim, que cada registo individual ficava guardado no tempo. O que mostraria afinal, uma maçã limpa, ou uma maçã podre?

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:58

É bem sabido que a morte do Rei D. José correspondeu ao fim político do Marquês de Pombal.
Uma parte do clero rodeara a filha do rei, D. Maria I, e esta nunca teria perdoado ao Marquês a bárbara execução dos Távoras, procurando recompor a velha sociedade da destruição pombalina...
Desse período que se seguiu, encontrei um manuscrito "comemorativo" da morte do ditador (1782), extremamente satírico, revelando o sentimento odioso que uma parte da sociedade, especialmente a ligada à antiga nobreza, lhe dedicava:

Textos, predominantemente satíricos e jocosos, 
contra o Marquês de Pombal e a sua política.


São muitas páginas manuscritas, nem sempre de fácil transliteração, e escolhi este trecho satírico (o autor é desconhecido), por se incluir algumas críticas específicas e não o simples ataque pessoal - que faz o prazer dos cortesãos.
Ao Hiperbólico, Fantástico, Extravagante, Antidevoto, Antideista, Sebastião José de Carvalho,
Primeiro-Ministro, e Marquês do Pombal, D. Quixote dos Ministros do Estado, Sublime Engenheiro de Castelos de Vento, Legislador de vacatelas [bagatelas], Autor de Leis Enigmáticas, Inimitável criador de palavras gigantescas, Único descobridor da pedra filosofal, Defensor em voz, Destruidor na ré, Virtuoso nas palavras, Vicioso nas obras, Abundante de projecto, Falto de execuções, Restaurador quimérico das letras, Real perseguidor dos sábios, Protector aparente do comércio, Arruinador verdadeiro da lavoura, Povoador dos cárceres, Despovoador dos campos, Grande dentro, Pequeno fora, Richelieu na vingança, Mazarin na ambição, Nas virtudes, nem um nem outro, Agradecido por sistema, Ingrato por natureza, Digno para vizir de um príncipe maometano, Indigno par ministro de um príncipe cristão. 
O Povo Português, Sumamente agradecido à sua odiosa memóriaPelo haver governado com ceptro de ferro, Por ter armado uma parte dos seus cidadãos contra a outra parte, Por ter enriquecido o particular, empobrecendo o público, Por ter aniquilado a antiga nobreza, e levantando outra de nova invenção, Por ter acrescentado o número dos processos, como a censura multidão de informes leis, Por ter enriquecido a língua, com uma prodigiosa cópia de palavras exóticas, e insignificantes, Por outros muitos favores, que deve à sua liberal e prodigiosa mão, Mandou levantar este mausoléu, construído de ossos de inumeráveis homens vítimas do seu bárbaro, cruel e sanguinário génio, amassados com lágrimas: De tantas desamparadas viúvas, De tantas arruinadas donzelas, De tantos órfãos pupilos, Cujo servirá de memória indelével à posteridade, depois de fielmente se ter dado a execução, o seu bem justo, como abominável testamento e última vontade, bem conforme à sua depravada vida, por ele feito na forma seguinte (...)
Bom, e a sátira prossegue, não com muito sucesso humorístico ou literário, inventando um "Testamento secreto" que começava por
Sebastião 2º, isto é 2º carrasco, e primeiro Nero português. Monstro de todas as maldades, inimigo comum da Pátria (...)
Interessa aqui notar que, apesar de todo este rancor, raramente se encontra algo de objectivo que contrarie as versões oficiais e oficializadas. Ou seja, se procuramos elementos mais contundentes sobre a fabricação dos estragos do terramoto, a única coisa que se vê sistematicamente é o epíteto de "Nero".
Isto seria a forma mais simples de o ligar aos incêndios, que destruíram Lisboa depois do terramoto, mas não encontrámos nada de mais específico, nesse sentido. Para além disso, quando Camilo Castelo Branco reduziu o epíteto a "Nero da Trafaria", ligou-o mais ao episódio macabro do incêndio levado a cabo por Pina Manique, a mando do Marquês, contra os aldeões da Trafaria.

O facto do documento ser manuscrito e não impresso, parece um detalhe, mas normalmente mostra que os donos das Impressoras lisboetas não estariam tão disponíveis para certos trabalhos, neste caso contra a memória do Marquês.
Há imensos textos que nunca passaram a caracteres de impressora. Por acaso, não é o que acontece com esta parte, que é até citada numa tese de doutoramento da Georgia University (Belinda Sauter, 2005, pág. 44)... mas é o caso de muitas outras.
Apesar de haver muita mão de obra disponível, muita gente com muito tempo, com jeito e com pouco que fazer, estes textos permanecem na sua forma original... e já é uma "certa sorte" que a Biblioteca Nacional os tenha tirado do pó, e pelo menos os tenha digitalizado e lhes tenha dado acesso público (... sendo um mistério a razão que leva alguns a estar em "acesso privado").

Por outro lado, convém notar que se os adeptos da Igreja portuguesa tinham razões de satisfação com o afastamento do Marquês, passados 50 anos sofreriam um ataque ainda mais forte, aquando das revoluções liberais e extinção das ordens religiosas. Grande parte do espólio e documentação constante de grandes conventos foi abandonado ao vandalismo público, para depois ser comprado por coleccionadores privados, em boa parte, estrangeiros.

Conforme é dito no poema sarcástico, apareceram rapidamente duas aristocracias, algo semelhante ao que ocorreria depois com Napoleão. Uma aristocracia "imperial" saída da bonapartismo, e a antiga aristocracia real. A experiência maçónica com o Marquês foi depois repetida com Napoleão, praticamente nos mesmos termos, mas com as diferenças de dimensão dos personagens, dos estados, etc. Ambos tiveram uma rápida ascensão, grande propaganda, e uma rápida queda.
A própria experiência com o Marquês não era inovadora, pois o primeiro sucesso "revolucionário", no sentido de mudar a aristocracia, tinha ocorrido com Cromwell, na guerra civil inglesa.
O grande incêndio no terramoto de Lisboa tinha tido um precedente igualmente devastador no Grande Incêndio de Londres de 1666.

Curiosamente, em 1662, na sua chegada a Inglaterra, Catarina de Bragança foi acompanhada por Edward Montagu, 1º Conde de Sandwich, anterior embaixador em Portugal, que favoreceu o casamento com Charles II. Isto é apenas "curioso", porque já falámos aqui de Cook e de outro Sandwich, (descendente deste), a propósito da Inglaterra se ter afiambrado com o domínio do Pacífico, entre a América e a Ásia, por via do cozinhado de Sandwich com a viagem de Cook.

Ao mesmo tempo que Cook abria novo ovo de Colombo, e descobria praticamente tudo o que havia por descobrir, isto ainda em época do Marquês de Pombal, começava também a Revolução Americana, que levou à criação da primeira república moderna, por um punhado de maçons.

Pouco interessa hoje a planta quadriculada da Baixa de Lisboa do Marquês, é muito mais polémico o desenho de Washington. Curiosamente, Washington está praticamente à mesma latitude de Lisboa (digamos, a Casa Branca está à latitude de Alfarrobeira), e foi desenhada de raiz seguindo os planos de Pierre L'Enfant, por indicações de Washington e Jefferson (todos eles maçons).

Avenidas Novas
Esta propaganda sistemática à intervenção do Marquês em Lisboa, faz uma parte da população crer que esse planeamento incluía algumas das Avenidas Novas, até à zona da rotunda, pelo menos.
Porém, a sua influência foi apenas na Baixa Lisboeta, do Rossio até ao rio. Muitos empreiteiros em Portugal tiveram empreendimentos à escala pombalina (com maiores dificuldades burocráticas nas expropriações, do que certamente Pombal após o terramoto).

A grande expansão da cidade de Lisboa deu-se apenas quase 100 anos depois, no final do Séc. XIX com o planeamento do Eng. Ressano Garcia. Esse sim, definiu a estrutura arterial de circulação que Lisboa ainda tem hoje, e que depois seria complementada com intervenção semelhante do Eng. Duarte Pacheco (já com Salazar).

Planta de Lisboa em 1909 - um ano antes da implantação da República... os nomes eram outros!
Este mapa de 1909 mostra a Avenida Ressano Garcia... um reconhecimento por parte do regime monárquico, mas que haveria de chamar-se depois Avenida da República, no ano seguinte, e assim o nome de Ressano Garcia foi suprimido, bem como outras dezenas de alterações.

É interessante a pressa na mudança de nomes, logo em reunião no dia seguinte:
Quinta-feira, 6 de Outubro de 1910 - Alterações na toponímia da cidade de Lisboa
Em Reunião na Câmara Municipal de Lisboa, presidida por Anselmo Braamcamp Freire, Nunes Loureiro apresenta uma proposta aprovada por aclamação. A Avenida Ressano Garcia passou a denominar-se Avenida da República e a Rua António Maria de Avelar passou a designar-se Avenida Cinco de Outubro. Uma semana depois são feitas novas alterações: a Rua Bela da Rainha passa a denominar-se Rua da Prata; a Avenida D. Amélia passa a Avenida Almirante Reis; a Rua D. Carlos I passa a chamar-se Avenida das Cortes; a Rua d'el-Rei passa a Rua do Comércio; a Avenida José Luciano passa a denominar-se Avenida Elias Garcia; a praça D. Fernando passa a praça Afonso de Albuquerque; a Avenida Hintze Ribeiro passa a Avenida Miguel Bombarda; a rua da Princesa a Rua dos Fanqueiros; a praça do Príncipe Real passa a praça Rio de Janeiro; o Paço da Rainha passa a largo da Escola do Exército.
Mas como já tratei do assunto da instauração republicana, interessa apenas como curiosidade o regime republicano ter poupado à borracha personagens como o Duque de Saldanha, Fontes Pereira de Melo, ou os Duques de Ávila, de Loulé, entre tantos outros. Por exemplo, a Avenida José Luciano passar a Elias Garcia entende-se, pois foi o primeiro Grão Mestre do Grande Oriente Lusitano... mas já se entende menos que a Rua Alfredo Keil tenha passado a Av. Júlio Dinis, até porque de Keil ficaria o hino nacional republicano. Se a Trindade passou a cervejaria, o Convento do Carmo manteve-se imperturbável nas suas altivas ruínas, 

O Marquês não foi o primeiro nem o último terraplanador de monumentos antigos. Da Muralha Fernandina, que circundou a cidade de Lisboa com 34 torres, não restou tijolo... apesar de muitas dessas torres terem resistido ao terramoto, algumas já tinham sido derrubadas antes, e uma boa parte foi derrubada depois. O que o terramoto não fez cair, outros abalos, de planeamento urbanístico, encarregaram-se do assunto... e não apenas por ordem do Marquês, já que várias foram demolidas no Séc. XIX. E, afinal, a estrutura mais provável de cair com um grande abalo - o Aqueduto das Águas Livres, foi uma das poucas grandes construções antigas a ser preservada.
Dessas antigas torres ficaram poucos nomes, associados às "portas", nomes que ainda assim ficaram na memória, e nas placas de algumas ruas, apesar dos nomes de ruas terem uma tendência natural.
É bastante ridículo, mas a generalidade dos nomes em ruas são de maçons. Parece que foi vendida uma certa promessa de eternidade, digamos uma menção "eterna"... pelo menos, até que seja revisto novo arruamento! Para clarificar ideias, pensemos nos nomes das ruas da cidade romana de Conimbriga, ou noutra cidade desaparecida, a uma simples distância "eterna" de dois milénios. O que lhes aconteceu? Este tipo de ilusões de destaque é de um gozo especial, de ridículo, como se cada maçã que comemos quisesse ser conhecida para a eternidade pela contribuição que deu para a alimentação da humanidade. Mas suponhamos, que sim, que cada registo individual ficava guardado no tempo. O que mostraria afinal, uma maçã limpa, ou uma maçã podre?

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publicado às 07:58

Tendo ir buscar a referência à História de S. Domingos, encontrei outro dos vários livros que vi no início de 2010 e que acabei por me esquecer de aqui mencionar. Trata-se de um "Atlas da Mocidade", de 1782, atribuído a José Anastácio da Costa e Sá.
Considerei mais significativo então a pequena nota do tradutor sobre o Terramoto de Lisboa de 1755. Passavam 27 anos sobre o "Grande Abalo" e portanto quem escrevia à época teria sido naturalmente testemunha ocular do evento.
Assim quando o autor francês fala sobre Lisboa (página 27...) diz:
Lisboa sobre o Tejo, Capital da Província da Estremadura, e de todo o Portugal. Um terramoto acontecido no 1 de Novembro de 1755 a arrasou inteiramente. 
o Tradutor apressa-se a esclarecer com uma nota de rodapé:
O Autor, mal informado do que aconteceu a esta capital no referido Terramoto, asseverou que ela ficara inteiramente arrasada, quando é certo que em mais de duas partes ficou em pé, e que somente o incêndio, que lhe sobreveio, abrasou, e consumiu os edifícios, tesouros, móveis, riquezas, preciosidades, alfaias, etc. ficando unicamente as paredes. Porém, de tudo o mais raro, que se perdeu, foi a grande Livraria de Sua Majestade - rara pelos manuscritos e originais da Antiguidade que conservava - perda sem dúvida lamentável para os sábios.

Faço aqui um mea culpa de não ter colocado este apontamento atempadamente... 
Já o deveria ter feito nas outras ocasiões em que falei sobre os Abalos do Marquês, mas a memória não funciona como um relógio, e as coisas aparecem por ordem de um tempo que está acima dos outros tempos. No entanto, quando transmito uma forte opinião não é apenas por uma suspeita ocasional baseada num certo detalhe, é por um acumular de informação, de várias fontes, umas mais presentes que outras.

O Terramoto de 1755 foi a maior farsa maçónica encenada nacionalmente!
Mais que isso, é trazida à cena repetidamente, com novos actores repetindo os mesmos disparates.
Note-se que o tradutor só fala do incêndio, em nenhuma ocasião menciona qualquer maremoto.
Porquê?
- Porque não houve nenhum maremoto em 1755. 

"Cair o Carmo e a Trindade" diz-se, por ironia, quando se receiam consequências graves de causas sem importância (ver aqui).

Foi isso que se passou - o Terramoto de 1755 passaria por "mais um terramoto de Lisboa", de uma grande lista, da qual se destaca sim, o Terramoto de 1531 que teve o propalado maremoto.
O mais significativo do Terramoto de 1755 seria a queda de parte dos Conventos do Carmo e da Trindade (aliás um ao lado do outro). Quem visitar Lisboa percebe até que a estrutura do Convento do Carmo não caiu... está ainda hoje de pé!

A consequência grave de cair o Carmo e a Trindade?
- O Terramoto de 1755 serviu como tiro de partida à terraplanagem maçónica.

Pegando numa planta comparativa feita em 1909, sobre os edifícios verdadeiramente afectados e a diferença entre Lisboa antes e depois do Terramoto de 1755, podemos centrar-nos na zona de demolição levada a cabo pelo Marquês.
Onde? - Na zona da "Baixa"!
Então, mas com o "suposto maremoto" não era natural reconstruir no "Alto"?
Foi isso que se passou em 1531 - pelo medo do maremoto, fez-se o "Bairro Alto"!
Planta comparativa : antes e depois de 1755  (Rev. Obras Públicas e Minas, 1909) - detalhe.
A castanho escuro - os edifícios "destruídos ou quasi-destruídos" - inclui-se aí Sé de Lisboa (nº96)!
A azul - edifícios que "em grande parte resistiram". A vermelho - edifícios que "resistiram".
A amarelo - a terraplanagem do Marquês após 1755, planta quadriculada da Baixa.
Linha vermelha - Planta quadriculada do Bairro Alto, feita após o Terramoto de 1531. 
Para termos uma ideia de como era Lisboa em 1650, basta reparar na
... e o que se passava é que a Baixa tinha até menos desordem urbanística do que se vê ainda hoje para os lados da Graça, do Castelo e de Alfama. O Marquês não inventou rigorosamente nada com a sua planta quadriculada, porque em 1531 o Bairro Alto já tinha sido feito com esse critério, numa zona até bem mais extensa, numa das colinas Lisboetas, e não em terreno quase plano. Basta ver que o facilitismo do Marquês nem sequer tocou na zona do Castelo e de Alfama... restando apenas a propaganda da sua construção urbanística, e esquecendo convenientemente que a destruição da Baixa não se deveu ao terramoto.

História Universal dos Terramotos
Como relato muito condicionado, pelo despotismo do Marquês e do rei D. José I, mas ainda assim como informação mais verosímil do verdadeiro impacto do Terramoto de 1755, convém ler uma obra publicada ainda em 1758:
que tem havido no mundo desde que há notícia desde a sua criação até ao século presente
de Joaquim José Moreira de Mendonça (1758)

que considera que o Terramoto de 1531 teria sido muito mais devastador.
Mendonça começa por confirmar que - "Tenho certeza por documentos autênticos que ainda depois daquele ano se erigiram todas as ruas do Bairro Alto, que ficam para fora das Portas de St. Catarina e Postigo de S. Roque (...)". E por comparação ao de 1755 contrapõe (pág. 55-56):
Nem obsta dizer-se vulgarmente que o Terramoto presente foi maior que o de 1531, por se verem arruinadas a Torre da Basílica de Stª Maria, e muitas igrejas, que naquele não caíram. A isto respondo que também neste ainda ficou sem ruína a outra Torre da mesma antiga Sé; e que as igrejas que caíram agora naquele tempo eram muito novas e ressentiram da mesma forma que ao presente sucedeu às duas Igrejas de S. Bento, à de Nª Srª das Necessidades, à do Menino Deus, à dos Paulistas e outras, com alguns palácios, e casas novas, que não padeceram ruína considerável.
Sobre o boato de grandes inundações em 1755 (pág. 116-117), apresenta a melhor explicação que encontrei para essa crença largamente difundida ainda hoje:
Havia muita gente buscado as margens do Tejo, por se livrarem dos edifícios, cheios de horror da vista das suas ruínas. Eis que de repente entra o mar pela barra com uma furiosa inundação de águas, que não fizeram igual estrago em Lisboa que em outras partes, pela distância que há de mais de duas léguas desta Cidade à foz do rio. Contudo, passando os seus antigos limites se lançou por cima de muitos edifícios e alagou o bairro de S. Paulo. Cresceu em todos os que haviam procurado as praias o espanto das águas, e o novo perigo se difundiu por toda a Cidade, e seus subúrbios, com uma voz vaga, que dizia que vinha o mar cobrindo tudo.
Aliás, o que se pode depreender da leitura do texto é que a propagação dos incêndios se deveu a sucessivos boatos que fizeram afastar as pessoas da cidade, deixando-a a saque de todas as pilhagens... depois atribuídas a criminosos que na oportunidade escapavam das prisões:
"Estas vozes se atribuíram depois a alguns homens malvados, que quiseram ver a Cidade desamparada para roubarem as casas do mais precioso. Causou este boato uma grande ruína, porque podendo-se nalgumas partes atalhar o fogo, correu este livremente destruindo tudo quanto o Terramoto havia perdoado(...)". 
Por exemplo, o Mendonça afirma ter conseguido evitar que o fogo atingisse o cartório de Lisboa, com o registo de propriedades, que estava a seu cargo, com pouca ajuda.

Avaliando em geral os estragos, e para além de fazer a natural referência ao Carmo e à Trindade - "ficaram reduzidos a cinzas os sumptuosos Conventos da Santíssima Trindade, de Nª Srª do Carmo, de S. Francisco, do Rosário dos Irlandeses, do Espírito Santo, de Nª Srª da Boahora (...)", volta a insistir na questão do fogo e não tanto do terramoto, colocando assim as coisas:
Depois de muitas reflexões feitas em várias ruas e bairros da Cidade, me parece que o fogo consumiu a terceira parte da Cidade, naquele sítio em que era mais populosa, por serem a maior parte das ruas estreitas, e as casas de quatro, cinco e seis andares de sobrados. Parece-me também que o Terramoto lançou por terra a décima parte das casas de Lisboa, deixou inabitáveis mais de duas partes das que ficaram em pé, ficando habitáveis somente ainda menos que uma terça parte das casas. A maior parte destas lhe foram precisos grandes reparos.
Sobre o maremoto... mais nada!
Para além de ficarmos a saber que na parte central de Lisboa haviam casas já com altura de 6 andares, o terramoto terá sido responsável pela queda de apenas 1/10 das habitações, mas por outro lado o incêndio teria afectado 1/3 das estruturas, especialmente na zona central, mais populosa... a zona da Baixa, que depois foi arrasada para a construção simbólica do Marquês.

Convém notar que este relato está cheio de deferências às virtudes do poder real, que acolhiam os desgraçados nas suas sumptuosas e luxuosas tendas montadas na "Ajuda". A obra foi autorizada, e por isso não seria um relato imparcial e objectivo... mas que ainda assim fez notar a total passividade com que a autoridade do Marquês deixou com que as pilhagens e os incêndios prosseguissem. A data é de 1758, o mesmo ano em que o nível de violência passa à fase seguinte, com a instauração do Processo dos Távoras, e com a sua execução em 1759.

Mais interessante é o folclore do registo "internacional" do Terramoto de 1755...
Mendonça começa por dizer que o terramoto a norte do Douro não teve registo de grandes danos, não deixa de referir a sua igual devastação no Sul de Espanha, em Huelva e Cadiz, inclusive fazendo referência a queda de parte do monte Gibraltar!

Mas não se ficando por Espanha, e poupando o norte ibérico, o estranho terramoto teria sido sentido em França, em La Rochelle, abrindo mesmo terras em Angouleme, tal como em Tanger (em Marrocos)! Teria sido ainda sentido na Suiça e em Itália, com alterações nas águas de Haia a cidades do Báltico, próximas de Berlim. Para se entender bem este "nível de destruição", é ainda juntado um episódio de Mequinez (Marrocos?) onde uma aldeia com 6 mil soldados a cavalo teriam sido "engolidos pela terra".

Compreende-se que tal relato pudesse ser comido como bom à época, mas é preciso entender que a devastação que se processou em 1755, foi muito selectiva nas catástrofes - um objectivo na zona de Cádis, em Espanha foi arrumar de vez com as Colunas de Hércules, que resistiam desde a Antiguidade.
Por isso terá sido muito mais uma acção humana combinada, com manos iluministas munidos de archotes para incêndios, muito empenhados na sua missão destruidora, mais activos numas partes do que noutras, isso parece claro.
O Marquês com tanto medo dos "maremotos", que teriam varrido "o Algarve e a Andaluzia", vai afinal mandar fundar de raiz uma Vila Real de Sto. António, assim mais sujeita a inundações do que qualquer outra vila. Quanto aos incêndios das aldeias da Trafaria ou de Monte Gordo, vemos como o Marquês entendia o seu papel iluminista mais na base da chama dos archotes.

É claro que estas contradições evidentes, eu poderia entendê-las como codificações inteligentes apenas para descodificação em épocas posteriores... mas não será bem assim.
Há muitas resoluções atabalhoadas, muitas pontas soltas, e o esforço de tapar uma ponta destapa outra. Podemos iludir uma criança, dizendo que errámos de propósito, e procurar explicar que esse erro serviria afinal uma lição... mas já será mais difícil enganar um adulto!

O terramoto e maremoto de 1531 foram praticamente suprimidos do conhecimento popular e académico durante o Séc. XIX (ver por exemplo "The 1531 Lisbon earthquake and tsunami", J. Miranda et al.), e só se voltaram a encontrar registos em 1909... ou seja, no ano de publicação da Planta de Lisboa, algo que desmascarava por completo a farsa do Marquês, afinal uma "revolução cultural" tão laboriosamente construída durante o século anterior. Como se sabe 1909 é também o ano que antecede a implantação da República em 1910... e passamos aí a nova lavagem de memória, ordenando-se a repetição do esquecimento do Terramoto de 1531.

Portanto, nunca vemos vontade de revelar coisas, muito pelo contrário, mesmo as muitas revelações mostradas são quase sempre como ousadia e despeito contra a credulidade popular. Parecem mais servir o propósito de evidenciar a imaturidade popular, servindo talvez isso como desculpa a mandantes adolescentes para a necessidade do seu domínio sobre uma massa populacional que vêm como infantil.
Não se trata apenas de exibicionismo da puberdade, o que move quem assim se move é o medo... mas sobre isso falaremos depois.

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publicado às 19:54

Tendo ir buscar a referência à História de S. Domingos, encontrei outro dos vários livros que vi no início de 2010 e que acabei por me esquecer de aqui mencionar. Trata-se de um "Atlas da Mocidade", de 1782, atribuído a José Anastácio da Costa e Sá.
Considerei mais significativo então a pequena nota do tradutor sobre o Terramoto de Lisboa de 1755. Passavam 27 anos sobre o "Grande Abalo" e portanto quem escrevia à época teria sido naturalmente testemunha ocular do evento.
Assim quando o autor francês fala sobre Lisboa (página 27...) diz:
Lisboa sobre o Tejo, Capital da Província da Estremadura, e de todo o Portugal. Um terramoto acontecido no 1 de Novembro de 1755 a arrasou inteiramente. 
o Tradutor apressa-se a esclarecer com uma nota de rodapé:
O Autor, mal informado do que aconteceu a esta capital no referido Terramoto, asseverou que ela ficara inteiramente arrasada, quando é certo que em mais de duas partes ficou em pé, e que somente o incêndio, que lhe sobreveio, abrasou, e consumiu os edifícios, tesouros, móveis, riquezas, preciosidades, alfaias, etc. ficando unicamente as paredes. Porém, de tudo o mais raro, que se perdeu, foi a grande Livraria de Sua Majestade - rara pelos manuscritos e originais da Antiguidade que conservava - perda sem dúvida lamentável para os sábios.

Faço aqui um mea culpa de não ter colocado este apontamento atempadamente... 
Já o deveria ter feito nas outras ocasiões em que falei sobre os Abalos do Marquês, mas a memória não funciona como um relógio, e as coisas aparecem por ordem de um tempo que está acima dos outros tempos. No entanto, quando transmito uma forte opinião não é apenas por uma suspeita ocasional baseada num certo detalhe, é por um acumular de informação, de várias fontes, umas mais presentes que outras.

O Terramoto de 1755 foi a maior farsa maçónica encenada nacionalmente!
Mais que isso, é trazida à cena repetidamente, com novos actores repetindo os mesmos disparates.
Note-se que o tradutor só fala do incêndio, em nenhuma ocasião menciona qualquer maremoto.
Porquê?
- Porque não houve nenhum maremoto em 1755. 

"Cair o Carmo e a Trindade" diz-se, por ironia, quando se receiam consequências graves de causas sem importância (ver aqui).

Foi isso que se passou - o Terramoto de 1755 passaria por "mais um terramoto de Lisboa", de uma grande lista, da qual se destaca sim, o Terramoto de 1531 que teve o propalado maremoto.
O mais significativo do Terramoto de 1755 seria a queda de parte dos Conventos do Carmo e da Trindade (aliás um ao lado do outro). Quem visitar Lisboa percebe até que a estrutura do Convento do Carmo não caiu... está ainda hoje de pé!

A consequência grave de cair o Carmo e a Trindade?
- O Terramoto de 1755 serviu como tiro de partida à terraplanagem maçónica.

Pegando numa planta comparativa feita em 1909, sobre os edifícios verdadeiramente afectados e a diferença entre Lisboa antes e depois do Terramoto de 1755, podemos centrar-nos na zona de demolição levada a cabo pelo Marquês.
Onde? - Na zona da "Baixa"!
Então, mas com o "suposto maremoto" não era natural reconstruir no "Alto"?
Foi isso que se passou em 1531 - pelo medo do maremoto, fez-se o "Bairro Alto"!
Planta comparativa : antes e depois de 1755  (Rev. Obras Públicas e Minas, 1909) - detalhe.
A castanho escuro - os edifícios "destruídos ou quasi-destruídos" - inclui-se aí Sé de Lisboa (nº96)!
A azul - edifícios que "em grande parte resistiram". A vermelho - edifícios que "resistiram".
A amarelo - a terraplanagem do Marquês após 1755, planta quadriculada da Baixa.
Linha vermelha - Planta quadriculada do Bairro Alto, feita após o Terramoto de 1531. 
Para termos uma ideia de como era Lisboa em 1650, basta reparar na
... e o que se passava é que a Baixa tinha até menos desordem urbanística do que se vê ainda hoje para os lados da Graça, do Castelo e de Alfama. O Marquês não inventou rigorosamente nada com a sua planta quadriculada, porque em 1531 o Bairro Alto já tinha sido feito com esse critério, numa zona até bem mais extensa, numa das colinas Lisboetas, e não em terreno quase plano. Basta ver que o facilitismo do Marquês nem sequer tocou na zona do Castelo e de Alfama... restando apenas a propaganda da sua construção urbanística, e esquecendo convenientemente que a destruição da Baixa não se deveu ao terramoto.

História Universal dos Terramotos
Como relato muito condicionado, pelo despotismo do Marquês e do rei D. José I, mas ainda assim como informação mais verosímil do verdadeiro impacto do Terramoto de 1755, convém ler uma obra publicada ainda em 1758:
que tem havido no mundo desde que há notícia desde a sua criação até ao século presente
de Joaquim José Moreira de Mendonça (1758)

que considera que o Terramoto de 1531 teria sido muito mais devastador.
Mendonça começa por confirmar que - "Tenho certeza por documentos autênticos que ainda depois daquele ano se erigiram todas as ruas do Bairro Alto, que ficam para fora das Portas de St. Catarina e Postigo de S. Roque (...)". E por comparação ao de 1755 contrapõe (pág. 55-56):
Nem obsta dizer-se vulgarmente que o Terramoto presente foi maior que o de 1531, por se verem arruinadas a Torre da Basílica de Stª Maria, e muitas igrejas, que naquele não caíram. A isto respondo que também neste ainda ficou sem ruína a outra Torre da mesma antiga Sé; e que as igrejas que caíram agora naquele tempo eram muito novas e ressentiram da mesma forma que ao presente sucedeu às duas Igrejas de S. Bento, à de Nª Srª das Necessidades, à do Menino Deus, à dos Paulistas e outras, com alguns palácios, e casas novas, que não padeceram ruína considerável.
Sobre o boato de grandes inundações em 1755 (pág. 116-117), apresenta a melhor explicação que encontrei para essa crença largamente difundida ainda hoje:
Havia muita gente buscado as margens do Tejo, por se livrarem dos edifícios, cheios de horror da vista das suas ruínas. Eis que de repente entra o mar pela barra com uma furiosa inundação de águas, que não fizeram igual estrago em Lisboa que em outras partes, pela distância que há de mais de duas léguas desta Cidade à foz do rio. Contudo, passando os seus antigos limites se lançou por cima de muitos edifícios e alagou o bairro de S. Paulo. Cresceu em todos os que haviam procurado as praias o espanto das águas, e o novo perigo se difundiu por toda a Cidade, e seus subúrbios, com uma voz vaga, que dizia que vinha o mar cobrindo tudo.
Aliás, o que se pode depreender da leitura do texto é que a propagação dos incêndios se deveu a sucessivos boatos que fizeram afastar as pessoas da cidade, deixando-a a saque de todas as pilhagens... depois atribuídas a criminosos que na oportunidade escapavam das prisões:
"Estas vozes se atribuíram depois a alguns homens malvados, que quiseram ver a Cidade desamparada para roubarem as casas do mais precioso. Causou este boato uma grande ruína, porque podendo-se nalgumas partes atalhar o fogo, correu este livremente destruindo tudo quanto o Terramoto havia perdoado(...)". 
Por exemplo, o Mendonça afirma ter conseguido evitar que o fogo atingisse o cartório de Lisboa, com o registo de propriedades, que estava a seu cargo, com pouca ajuda.

Avaliando em geral os estragos, e para além de fazer a natural referência ao Carmo e à Trindade - "ficaram reduzidos a cinzas os sumptuosos Conventos da Santíssima Trindade, de Nª Srª do Carmo, de S. Francisco, do Rosário dos Irlandeses, do Espírito Santo, de Nª Srª da Boahora (...)", volta a insistir na questão do fogo e não tanto do terramoto, colocando assim as coisas:
Depois de muitas reflexões feitas em várias ruas e bairros da Cidade, me parece que o fogo consumiu a terceira parte da Cidade, naquele sítio em que era mais populosa, por serem a maior parte das ruas estreitas, e as casas de quatro, cinco e seis andares de sobrados. Parece-me também que o Terramoto lançou por terra a décima parte das casas de Lisboa, deixou inabitáveis mais de duas partes das que ficaram em pé, ficando habitáveis somente ainda menos que uma terça parte das casas. A maior parte destas lhe foram precisos grandes reparos.
Sobre o maremoto... mais nada!
Para além de ficarmos a saber que na parte central de Lisboa haviam casas já com altura de 6 andares, o terramoto terá sido responsável pela queda de apenas 1/10 das habitações, mas por outro lado o incêndio teria afectado 1/3 das estruturas, especialmente na zona central, mais populosa... a zona da Baixa, que depois foi arrasada para a construção simbólica do Marquês.

Convém notar que este relato está cheio de deferências às virtudes do poder real, que acolhiam os desgraçados nas suas sumptuosas e luxuosas tendas montadas na "Ajuda". A obra foi autorizada, e por isso não seria um relato imparcial e objectivo... mas que ainda assim fez notar a total passividade com que a autoridade do Marquês deixou com que as pilhagens e os incêndios prosseguissem. A data é de 1758, o mesmo ano em que o nível de violência passa à fase seguinte, com a instauração do Processo dos Távoras, e com a sua execução em 1759.

Mais interessante é o folclore do registo "internacional" do Terramoto de 1755...
Mendonça começa por dizer que o terramoto a norte do Douro não teve registo de grandes danos, não deixa de referir a sua igual devastação no Sul de Espanha, em Huelva e Cadiz, inclusive fazendo referência a queda de parte do monte Gibraltar!

Mas não se ficando por Espanha, e poupando o norte ibérico, o estranho terramoto teria sido sentido em França, em La Rochelle, abrindo mesmo terras em Angouleme, tal como em Tanger (em Marrocos)! Teria sido ainda sentido na Suiça e em Itália, com alterações nas águas de Haia a cidades do Báltico, próximas de Berlim. Para se entender bem este "nível de destruição", é ainda juntado um episódio de Mequinez (Marrocos?) onde uma aldeia com 6 mil soldados a cavalo teriam sido "engolidos pela terra".

Compreende-se que tal relato pudesse ser comido como bom à época, mas é preciso entender que a devastação que se processou em 1755, foi muito selectiva nas catástrofes - um objectivo na zona de Cádis, em Espanha foi arrumar de vez com as Colunas de Hércules, que resistiam desde a Antiguidade.
Por isso terá sido muito mais uma acção humana combinada, com manos iluministas munidos de archotes para incêndios, muito empenhados na sua missão destruidora, mais activos numas partes do que noutras, isso parece claro.
O Marquês com tanto medo dos "maremotos", que teriam varrido "o Algarve e a Andaluzia", vai afinal mandar fundar de raiz uma Vila Real de Sto. António, assim mais sujeita a inundações do que qualquer outra vila. Quanto aos incêndios das aldeias da Trafaria ou de Monte Gordo, vemos como o Marquês entendia o seu papel iluminista mais na base da chama dos archotes.

É claro que estas contradições evidentes, eu poderia entendê-las como codificações inteligentes apenas para descodificação em épocas posteriores... mas não será bem assim.
Há muitas resoluções atabalhoadas, muitas pontas soltas, e o esforço de tapar uma ponta destapa outra. Podemos iludir uma criança, dizendo que errámos de propósito, e procurar explicar que esse erro serviria afinal uma lição... mas já será mais difícil enganar um adulto!

O terramoto e maremoto de 1531 foram praticamente suprimidos do conhecimento popular e académico durante o Séc. XIX (ver por exemplo "The 1531 Lisbon earthquake and tsunami", J. Miranda et al.), e só se voltaram a encontrar registos em 1909... ou seja, no ano de publicação da Planta de Lisboa, algo que desmascarava por completo a farsa do Marquês, afinal uma "revolução cultural" tão laboriosamente construída durante o século anterior. Como se sabe 1909 é também o ano que antecede a implantação da República em 1910... e passamos aí a nova lavagem de memória, ordenando-se a repetição do esquecimento do Terramoto de 1531.

Portanto, nunca vemos vontade de revelar coisas, muito pelo contrário, mesmo as muitas revelações mostradas são quase sempre como ousadia e despeito contra a credulidade popular. Parecem mais servir o propósito de evidenciar a imaturidade popular, servindo talvez isso como desculpa a mandantes adolescentes para a necessidade do seu domínio sobre uma massa populacional que vêm como infantil.
Não se trata apenas de exibicionismo da puberdade, o que move quem assim se move é o medo... mas sobre isso falaremos depois.

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publicado às 19:54


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