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Campo Damasceno

12.06.11
No texto anterior mencionámos as citações de Carvalho da Costa a Camões, e na estrofe que se segue, ou seja, a 9ª do Canto III, aparece uma referência ao Campo Damasceno:
       Aqui dos Citas grande quantidade 
       Vivem, que antigamente grande guerra
       Tiveram, sobre a humana antiguidade, 
       Co'os que tinham então a Egípcia terra;
       Mas quem tão fora estava da verdade, 
       (Já que o juízo humano tanto erra)
       Para que do mais certo se informara, 
       Ao campo Damasceno o perguntara.

Começamos com a referência a uma grande guerra entre Citas e Egípcios...
A noção de Citas está ainda mais mal definida do que a de Celtas, servindo esta palavra para resolver com uma única designação um eventual grande grupo de tribos nómadas para além da Pérsia, e que se estenderia da Samárcia à Tartária.
No entanto isso não nos ajuda relativamente a esta "grande guerra" com os que tinham a terra egípcia... e a propósito do Campo Damasceno.

O que temos de mais próximo para se ajustar a tal menção será a Batalha de Kadesh entre Hititas e  o Egípto de Ramsés II. Atrevemos a sugerir isto porque a noção de "Hitita" é razoavelmente recente... na realidade só começou a fazer parte dos livros comuns de História no final do Século XX, apesar de hipóteses já colocadas no Séc. XIX. Ou seja, Camões, ou qualquer outro escritor até ao Séc. XIX nunca falaria de Hititas... os Hititas apareceram do nada, sem referências perceptíveis em textos antigos.
Batalha de Kadesh (Síria)

A situação é de tal forma surpreendente que, apesar da ausência de menção durante milénios, os Hititas renascem no Séc. XX como se sempre tivessem sido mencionados. São encontrados os documentos de relações diplomáticas com o Egipto e com os Gregos, o que vai levar rapidamente à descodificação da sua linguagem! Ao contrário do habitual, tudo corre sem grande polémica...
Para já não quero dizer mais nada sobre o assunto, apenas que é tão estranho os hititas terem estado fora da inspecção cuidadosa dos investigadores anteriores, como é estranho a súbita aceitação, mais uma vez na zona da Turquia - região que é um autêntico depósito de vestígios antigos. 
A existência de Hititas permitiu resolver uma lacuna de inexistência civilizacional nessas paragens na altura do Antigo Egipto, e deu assim consistência a muitos achados na Ásia Menor que não encaixavam nos períodos temporais posteriores.

Para o que interessa, podemos admitir que Camões se referia a esta guerra entre Hititas e Egípcios... ou melhor, com "quem tinha então o Egipto", algo que já tinha sido também mencionado no século anterior (Séc. XV) por Marco António Sabélico.
Em ambos os casos, o assunto era o Campo Damasceno, território na Terra Santa, que foi consagrado como primeiro local onde se povoou o mundo... ou seja, seria aí o Jardim do Éden.

O nome Damasceno está associado a Damasco, na Síria, mas acabou por ficar mais ligado a Hebron e ao monumento árabe que celebra o Túmulo dos Patriarcas: Adão e Eva, Abraão e Sara, Isaac e Rebeca, Jacó e Lea.

O Túmulo dos Patriarcas, em Hébron. Construção muçulmana (em 1906 e actualmente)

Portanto, a disputa sobre a aparecimento do Homem (que hoje é colocada no Vale de Rift, África), e do local do Jardim do Éden, teria entretido Citas e Egípcios em poderosas guerras... mas como dizia Camões, para certeza do local bastava visitar o Campo Damasceno.

Convém fazer um pequeno parentesis para dizer que não é muito claro o que Camões pretende dizer... há quem pretenda que os restos encontrados seriam sim de gigantes, ou seja pode ler-se nalguns textos criacionistas que Adão e Eva para além de lhe ser atribuída longevidade quase milenar, seriam ainda gigantes! Já vimos em muitos filmes que era frequente no final do Séc. XIX, princípio do Séc. XX, aparecerem registos de monstruosidades ou anormalidades, que faziam atracção em feiras (não sendo reconhecidos oficialmente, não poderiam fazer sucesso em mais nenhum lugar). Um dos casos é justamente o de um gigante petrificado encontrado na Irlanda (Revista Strand, em Dez. 1895):

Se houvesse já na altura de Camões alguma suspeita dessa dimensão gigantesca, pois faria sentido perguntar ao Campo Damasceno, onde estariam as ossadas... já que assim a resposta teria alguma evidência auto-explicativa!

Em 1817 o Frei João de Jesus Christo é sensato ao dizer:
(...) a terra he roxa, o que a palavra Adam significa. Santo Arnulfo, antiquissimo peregrino da Terra Santa, afirma, que ali vira o sepulcro de nossos proloplastas Adam, e Eva. Alguns querem, que neste vale fosse o Paraiso, onde Deos colocou Adam. Porém apesar dos belos discursos, que se tem feito sobre estes objectos, eles serão sempre ignorados; e muito mais sabendo-se, que o Diluvio mudou a face da terra. O melhor é confessar, que visto o alto silêncio da Escritura, e tradição sobre isto, nada se sabe de certo.
Não tanto, por nenhum dilúvio ou fenómeno natural, mas muito mais pela acção humana, se tal sepulcro existisse dificilmente se manteria, resistindo a toda a pressão de encobrimento e destruição.

Adam significaria "a terra é roxa", o que é especialmente curioso já que no Séc. XIX o escocês McAdam (filho de Adam) vai desenvolver estradas de macadame, que associamos a estradas de terra batida, de cor semelhante à que vemos nos courts de ténis! E de forma não relacionada, um outro MacAdam australiano do Séc. XIX irá dar nome a uma planta, talvez do Jardim do Paraíso, a que associamos a macadamia!

Não sei se o nome Damasceno deriva de Adam, por deturpação de Adamasceno... mas é de admitir essa ligação, e assim Damasco poderia ter essa referência primeva importante.
Pela parte dos gregos, era comum usar a palavra Adamas, de onde deriva Adamantino como nome para matéria quase inquebrável, dura como o diamante, ou para pessoas marcadas pela integridade. Essa matéria adamantina fez parte do elmo herculano. Para além de Hércules, Perseu matou a Medusa com um punhal adamantino, e era dessa matéria as correntes que prendiam Prometeu, ou a faca usada por Cronos para castrar o pai Urano, entre outros exemplos.

Notas: (12/6/2011)
1) O recente texto Ager Damascenus de Anthony Hilhorst (Univ. Gröningen, 2007) explora justamente a localização do Campo Damasceno, entre Jerusalém, Hébron e Damasco, seguindo a evolução na tradição milenar.
2) Camões usou a figura de Adamastor, titã quase não referenciado na mitologia greco-romana, e que poderia ter ligação etimológica a Adamantino e a Adam, conforme dito em cima.
3) Por isso, quando há um ano ligámos Adamastor a um eventual anagrama com Madrasto, estávamos obviamente concentrados num único enigma... e longe de suspeitar na altura a extensão e confusão de múltiplas ocultações. Ou seja, se hoje abandonamos essa ligação ao anagrama, ainda não abandonamos uma propositada caracterização da figura de D. João II através de Adamastor.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:59

Campo Damasceno

12.06.11
No texto anterior mencionámos as citações de Carvalho da Costa a Camões, e na estrofe que se segue, ou seja, a 9ª do Canto III, aparece uma referência ao Campo Damasceno:
       Aqui dos Citas grande quantidade 
       Vivem, que antigamente grande guerra
       Tiveram, sobre a humana antiguidade, 
       Co'os que tinham então a Egípcia terra;
       Mas quem tão fora estava da verdade, 
       (Já que o juízo humano tanto erra)
       Para que do mais certo se informara, 
       Ao campo Damasceno o perguntara.

Começamos com a referência a uma grande guerra entre Citas e Egípcios...
A noção de Citas está ainda mais mal definida do que a de Celtas, servindo esta palavra para resolver com uma única designação um eventual grande grupo de tribos nómadas para além da Pérsia, e que se estenderia da Samárcia à Tartária.
No entanto isso não nos ajuda relativamente a esta "grande guerra" com os que tinham a terra egípcia... e a propósito do Campo Damasceno.

O que temos de mais próximo para se ajustar a tal menção será a Batalha de Kadesh entre Hititas e  o Egípto de Ramsés II. Atrevemos a sugerir isto porque a noção de "Hitita" é razoavelmente recente... na realidade só começou a fazer parte dos livros comuns de História no final do Século XX, apesar de hipóteses já colocadas no Séc. XIX. Ou seja, Camões, ou qualquer outro escritor até ao Séc. XIX nunca falaria de Hititas... os Hititas apareceram do nada, sem referências perceptíveis em textos antigos.
Batalha de Kadesh (Síria)

A situação é de tal forma surpreendente que, apesar da ausência de menção durante milénios, os Hititas renascem no Séc. XX como se sempre tivessem sido mencionados. São encontrados os documentos de relações diplomáticas com o Egipto e com os Gregos, o que vai levar rapidamente à descodificação da sua linguagem! Ao contrário do habitual, tudo corre sem grande polémica...
Para já não quero dizer mais nada sobre o assunto, apenas que é tão estranho os hititas terem estado fora da inspecção cuidadosa dos investigadores anteriores, como é estranho a súbita aceitação, mais uma vez na zona da Turquia - região que é um autêntico depósito de vestígios antigos. 
A existência de Hititas permitiu resolver uma lacuna de inexistência civilizacional nessas paragens na altura do Antigo Egipto, e deu assim consistência a muitos achados na Ásia Menor que não encaixavam nos períodos temporais posteriores.

Para o que interessa, podemos admitir que Camões se referia a esta guerra entre Hititas e Egípcios... ou melhor, com "quem tinha então o Egipto", algo que já tinha sido também mencionado no século anterior (Séc. XV) por Marco António Sabélico.
Em ambos os casos, o assunto era o Campo Damasceno, território na Terra Santa, que foi consagrado como primeiro local onde se povoou o mundo... ou seja, seria aí o Jardim do Éden.

O nome Damasceno está associado a Damasco, na Síria, mas acabou por ficar mais ligado a Hebron e ao monumento árabe que celebra o Túmulo dos Patriarcas: Adão e Eva, Abraão e Sara, Isaac e Rebeca, Jacó e Lea.
  
O Túmulo dos Patriarcas, em Hébron. Construção muçulmana (em 1906 e actualmente)

Portanto, a disputa sobre a aparecimento do Homem (que hoje é colocada no Vale de Rift, África), e do local do Jardim do Éden, teria entretido Citas e Egípcios em poderosas guerras... mas como dizia Camões, para certeza do local bastava visitar o Campo Damasceno.

Convém fazer um pequeno parentesis para dizer que não é muito claro o que Camões pretende dizer... há quem pretenda que os restos encontrados seriam sim de gigantes, ou seja pode ler-se nalguns textos criacionistas que Adão e Eva para além de lhe ser atribuída longevidade quase milenar, seriam ainda gigantes! Já vimos em muitos filmes que era frequente no final do Séc. XIX, princípio do Séc. XX, aparecerem registos de monstruosidades ou anormalidades, que faziam atracção em feiras (não sendo reconhecidos oficialmente, não poderiam fazer sucesso em mais nenhum lugar). Um dos casos é justamente o de um gigante petrificado encontrado na Irlanda (Revista Strand, em Dez. 1895):

Se houvesse já na altura de Camões alguma suspeita dessa dimensão gigantesca, pois faria sentido perguntar ao Campo Damasceno, onde estariam as ossadas... já que assim a resposta teria alguma evidência auto-explicativa!

Em 1817 o Frei João de Jesus Christo é sensato ao dizer:
(...) a terra he roxa, o que a palavra Adam significa. Santo Arnulfo, antiquissimo peregrino da Terra Santa, afirma, que ali vira o sepulcro de nossos proloplastas Adam, e Eva. Alguns querem, que neste vale fosse o Paraiso, onde Deos colocou Adam. Porém apesar dos belos discursos, que se tem feito sobre estes objectos, eles serão sempre ignorados; e muito mais sabendo-se, que o Diluvio mudou a face da terra. O melhor é confessar, que visto o alto silêncio da Escritura, e tradição sobre isto, nada se sabe de certo.
Não tanto, por nenhum dilúvio ou fenómeno natural, mas muito mais pela acção humana, se tal sepulcro existisse dificilmente se manteria, resistindo a toda a pressão de encobrimento e destruição.

Adam significaria "a terra é roxa", o que é especialmente curioso já que no Séc. XIX o escocês McAdam (filho de Adam) vai desenvolver estradas de macadame, que associamos a estradas de terra batida, de cor semelhante à que vemos nos courts de ténis! E de forma não relacionada, um outro MacAdam australiano do Séc. XIX irá dar nome a uma planta, talvez do Jardim do Paraíso, a que associamos a macadamia!

Não sei se o nome Damasceno deriva de Adam, por deturpação de Adamasceno... mas é de admitir essa ligação, e assim Damasco poderia ter essa referência primeva importante.
Pela parte dos gregos, era comum usar a palavra Adamas, de onde deriva Adamantino como nome para matéria quase inquebrável, dura como o diamante, ou para pessoas marcadas pela integridade. Essa matéria adamantina fez parte do elmo herculano. Para além de Hércules, Perseu matou a Medusa com um punhal adamantino, e era dessa matéria as correntes que prendiam Prometeu, ou a faca usada por Cronos para castrar o pai Urano, entre outros exemplos.

Notas: (12/6/2011)
1) O recente texto Ager Damascenus de Anthony Hilhorst (Univ. Gröningen, 2007) explora justamente a localização do Campo Damasceno, entre Jerusalém, Hébron e Damasco, seguindo a evolução na tradição milenar.
2) Camões usou a figura de Adamastor, titã quase não referenciado na mitologia greco-romana, e que poderia ter ligação etimológica a Adamantino e a Adam, conforme dito em cima.
3) Por isso, quando há um ano ligámos Adamastor a um eventual anagrama com Madrasto, estávamos obviamente concentrados num único enigma... e longe de suspeitar na altura a extensão e confusão de múltiplas ocultações. Ou seja, se hoje abandonamos essa ligação ao anagrama, ainda não abandonamos uma propositada caracterização da figura de D. João II através de Adamastor.

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publicado às 07:59

Nova Zimla

11.06.11
Já fizemos várias vezes referências a António Carvalho da Costa, desde o seu Tratado de Astronomia à mais conhecida Corografia Portugueza. Não tínhamos ainda falado do seu Compendio de Geographia, de 1686, e vamos começar por fazê-lo a propósito de Camões!

Há mais de um ano, quando falámos de Lampetusa, a propósito da Carta do Atlântico Norte, e mais recentemente sobre o Trópico Semicapro, invocámos as descrições geográficas constantes nos Lusíadas, como peça não negligenciável de informação.
Curiosamente, fomos agora encontrar essa mesma associação no Compêndio de Geografia de Carvalho da Costa.
O matemático e cosmógrafo jesuíta terá sido das últimas pessoas a evidenciar um claro domínio de um conhecimento multidisciplinar em Portugal, sendo notório que após o Tratado de Methuen e a sujeição a um constante desequilíbrio comercial, a única produção que saiu destas praias foi essencialmente a literatura que expressava o atrofiamento cultural.
A obra de Carvalho da Costa já é só importante a nível nacional, mostrando que Portugal não estava ainda fora do desenvolvimento europeu, e poderia ter recuperado... caso a Restauração tivesse sido mesmo de verdadeira independência, e não tivesse depois ficado toda a Ibéria sujeita a ditames comerciais na nova ordem mundial de Vestfália, especialmente sujeita à protecção inglesa ou veneração francófona... sendo as duas faces da mesma moeda.

Para descrever a parte setentrional da Europa, Carvalho da Costa cita o Canto III (§8) dos Lusíadas, que começa assim:
Lá onde mais debaixo está do Pólo, Os montes Hiperbóreos aparecem
(...)
Que a neve está contino pelos montes, Gelado o mar, geladas sempre as fontes.


Fazemos apenas um parêntesis para referir mais um caso de adulteração corrente... "contino pelos montes" é transcrito "contido pelos montes" quando é obviamente "contínuo pelos montes"! Os fonemas sobrepõem-se sempre à sua escritura posterior...

Esta citação é colocada exactamente depois de dizer "o qual vai também correndo pela parte do Norte para o Oriente direito à Nova Zembla, da qual parte Boreal de Europa fala o nosso Poeta (...)"
Ao descrever o Oceano Hiperbóreo (hoje dito Ártico) até Nova Zembla, parece pretender que o Mar de Barents já teria sido invocado nos Lusíadas. Ora esse conhecimento e descobrimento é atribuído depois a Barents... algo que é contraditório com a datação do mapa de João Lavanha, Theatrum Mundi, onde aparece Nova Zimla e toda a costa norte da Rússia.
Em particular, nesse mapa, datado entre 1597 e 1612, aparece claramente o Rio Obi (Ob ou Obio) e o Rio Lena até ao Lago Baikal, coisa impossível, se atendermos à historiografia oficial que coloca este descobrimento do Lena em 1633 e a origem do nome por Elyu-Ene, na língua local... Porém, talvez haja uma estória mais simples, com um navegador leiriense a lembrar-se do seu rio Lena, e assim a explicar esse registo no muito anterior mapa de Lavanha.
Pilares do Rio Lena, Sibéria Oriental 

É mais ou menos claro que há pormenores estranhos em toda esta história, e havendo uma "Nova" Zembla seria de procurar a Zembla (em russo Zemlya é Terra) original... coisa que parece ter motivado o escritor russo Nabokov na sua obra Pale Fire, identificando uma Zembla imaginária, uma Ultima Thule com um rei colocado na posição xadrezística de Solus Rex (o rei solitário pode não levar à vitória, mas pode forçar o empate por impasse ou abafamento).

No entanto, se seguirmos a designação Zimla, no mapa de Lavanha, vamos parar aos montes da Jordânia... 
Como é óbvio, Nova Zimla, Nova Zembla, ou Novaya Zemlya, já seria conhecida de pescadores russos.. no entanto estes não teriam a chancela da Cúria ocidental para reclamar tal descobrimento, e assim toda a parte da costa norte russa, agora chamada Sibéria, e antes chamada Tartária, era considerada desconhecida. Por aqui chegamos, mais uma vez ao Estreito de Anian, hoje dito de Bering. Diz Carvalho da Costa (pag. 80):
Mar Tartárico que fica ao norte da Tartarea & confina com a Nova Zembla da parte de Leste, comunicando-se com o Oceano mais Ocidental da América, & com o mar, que fica ao Norte do Japão pelo Estreito de Anian, se é que há tal Estreito dividindo Ásia de América, como se descreve nos mapas, o que os Chinas negam & o negava o nosso Joseph de Moura, que tinha feito grandes navegações.
Com alguma prudência, Carvalho da Costa refere o Estreito, que ficaria reservado a Bering, várias décadas depois, porque o nome Anian estava envolto na proibição de que já falámos várias vezes. 
É curioso a referência à negação dos chineses (sobre Joseph de Moura, não se tratando certamente de Bastião de Moura, não encontrámos registo)... Essa negação chinesa talvez manifestasse o receio de explorações sistemáticas que ameaçassem Fusang.

Quanto à Tartária, a história do Império Tártaro acabará definitivamente com Pedro, o Grande.
Em 1686, quando o padre Carvalho da Costa escreve, pode ainda referir (pág.133): 
"A segunda parte da Ásia é aquela que está sujeita ao Grã Cão Imperador dos Tártaros, cujos fins pela parte do Sul são o mar Cáspio, o rio Jaxartes, o monte Imaus [Himalaias]; pela parte do Oriente e Setentrional o mar Oceano; e pela parte do Ocidente o reino já dito da Moscóvia."
É pelo reino da Moscóvia que todo o Império Tártaro cairá... se os gregos chamavam Tártaro ao inferno, considerar que a conquista russa teve combates isolados com tribos nómadas, é capaz de ser uma visão simplista... poderá ter sido um inferno do qual não subsistem registos. Na altura, dizia ainda sobre a quinta parte da Ásia: "contém o mais vastíssimo Império da China, sujeita agora ao Tártaro Oriental, (...)". Ou seja, a China em 1686 estava sujeita aos Mongóis/Tártaros, pelo domínio da dinastia Qing, de etnia Manchu (Manchuria), que em 1644 substituíram os Ming no controlo da China.

O Grã Cão Tártaro estava colocado ao mesmo nível do Grão Turco Octomano(*), enquanto Imperador, muito diferente do Reino da Pérsia do qual dizia "hoje governa-se pelos Sábios". Já aqui referimos que a configuração da Sibéria, pela anterior ligação do Mar Cáspio ao Oceano Antártico, pela bacia do Rio Obi e Mar de Aral, teria significado uma evolução bem diferente.
Tal como António Galvão, também Carvalho da Costa menciona a entrega de Índios ao romano Quinto Metelo pelo Rei da Suécia. Há uma diferença, que não nos espanta... ele diz "Rei da Suécia" e não "Rei da Suévia", conforme já explicámos houve a confusão da Alemanha Escandinava.(**)
Diz mais, citando Plínio, "que toda esta praia para o Nascente da India até ao Mar Cáspio foi navegada pelas armadas dos Macedónios, imperando Seleuco & Antíoco".
Tal navegação, da India ao Cáspio, só é compatível com extenso mar, que depois recuou e deu lugar a estepes, a tundras e a desertos. É dessa região de navegação macedónia, de Seleuco, que surgirão os turcos seleucidas, que alguns escrevem seljucidas.

A ligação ao Norte teria ocorrido por essa passagem, do Cáspio ao norte do Oceano, em que o limite depois se confundiu num rio Tanais. Este rio provável confluência do Don com o Volga, formaria um mais alargado Mar de Azov, então chamado Lagoa Meotis, e estava ladeado pelos Urais, então chamados Montes Rifeus, assim descritos por Camões (Canto III§7):


Da parte donde o dia vem nascendo, Com Ásia se avizinha; mas o rio
Que dos montes Rifeios vai correndo, Na alagoa Meotis, curvo o frio,
As divide: e o mar que, fero e horrendo, Viu dos Gregos o irado senhorio,
Onde agora de Tróia triunfante, Não vê mais que a memória o navegante.

A primeira parte desta oitava é citada por Carvalho da Costa, mas é ainda interessante o recuo que Camões vai fazer sobre uma guerra entre Citas e Egípcios, que nos levará ao próximo texto.

(*) Nota 1: Escrevemos "Octomano" e não Otomano, pois assim escreve Carvalho da Costa, e aqui o simples "c" passa a dar um interessante significado geométrico octogonal à palavra.
(**) Nota 2: Acrescentamos a menção na estrofe 10 (ainda do Canto III), que fala justamente na Escandinávia ilha!

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Nova Zimla

11.06.11
Já fizemos várias vezes referências a António Carvalho da Costa, desde o seu Tratado de Astronomia à mais conhecida Corografia Portugueza. Não tínhamos ainda falado do seu Compendio de Geographia, de 1686, e vamos começar por fazê-lo a propósito de Camões!

Há mais de um ano, quando falámos de Lampetusa, a propósito da Carta do Atlântico Norte, e mais recentemente sobre o Trópico Semicapro, invocámos as descrições geográficas constantes nos Lusíadas, como peça não negligenciável de informação.
Curiosamente, fomos agora encontrar essa mesma associação no Compêndio de Geografia de Carvalho da Costa.
O matemático e cosmógrafo jesuíta terá sido das últimas pessoas a evidenciar um claro domínio de um conhecimento multidisciplinar em Portugal, sendo notório que após o Tratado de Methuen e a sujeição a um constante desequilíbrio comercial, a única produção que saiu destas praias foi essencialmente a literatura que expressava o atrofiamento cultural.
A obra de Carvalho da Costa já é só importante a nível nacional, mostrando que Portugal não estava ainda fora do desenvolvimento europeu, e poderia ter recuperado... caso a Restauração tivesse sido mesmo de verdadeira independência, e não tivesse depois ficado toda a Ibéria sujeita a ditames comerciais na nova ordem mundial de Vestfália, especialmente sujeita à protecção inglesa ou veneração francófona... sendo as duas faces da mesma moeda.

Para descrever a parte setentrional da Europa, Carvalho da Costa cita o Canto III (§8) dos Lusíadas, que começa assim:
Lá onde mais debaixo está do Pólo, Os montes Hiperbóreos aparecem
(...)
Que a neve está contino pelos montes, Gelado o mar, geladas sempre as fontes.


Fazemos apenas um parêntesis para referir mais um caso de adulteração corrente... "contino pelos montes" é transcrito "contido pelos montes" quando é obviamente "contínuo pelos montes"! Os fonemas sobrepõem-se sempre à sua escritura posterior...

Esta citação é colocada exactamente depois de dizer "o qual vai também correndo pela parte do Norte para o Oriente direito à Nova Zembla, da qual parte Boreal de Europa fala o nosso Poeta (...)"
Ao descrever o Oceano Hiperbóreo (hoje dito Ártico) até Nova Zembla, parece pretender que o Mar de Barents já teria sido invocado nos Lusíadas. Ora esse conhecimento e descobrimento é atribuído depois a Barents... algo que é contraditório com a datação do mapa de João Lavanha, Theatrum Mundi, onde aparece Nova Zimla e toda a costa norte da Rússia.
Em particular, nesse mapa, datado entre 1597 e 1612, aparece claramente o Rio Obi (Ob ou Obio) e o Rio Lena até ao Lago Baikal, coisa impossível, se atendermos à historiografia oficial que coloca este descobrimento do Lena em 1633 e a origem do nome por Elyu-Ene, na língua local... Porém, talvez haja uma estória mais simples, com um navegador leiriense a lembrar-se do seu rio Lena, e assim a explicar esse registo no muito anterior mapa de Lavanha.
Pilares do Rio Lena, Sibéria Oriental 

É mais ou menos claro que há pormenores estranhos em toda esta história, e havendo uma "Nova" Zembla seria de procurar a Zembla (em russo Zemlya é Terra) original... coisa que parece ter motivado o escritor russo Nabokov na sua obra Pale Fire, identificando uma Zembla imaginária, uma Ultima Thule com um rei colocado na posição xadrezística de Solus Rex (o rei solitário pode não levar à vitória, mas pode forçar o empate por impasse ou abafamento).

No entanto, se seguirmos a designação Zimla, no mapa de Lavanha, vamos parar aos montes da Jordânia... 
Como é óbvio, Nova Zimla, Nova Zembla, ou Novaya Zemlya, já seria conhecida de pescadores russos.. no entanto estes não teriam a chancela da Cúria ocidental para reclamar tal descobrimento, e assim toda a parte da costa norte russa, agora chamada Sibéria, e antes chamada Tartária, era considerada desconhecida. Por aqui chegamos, mais uma vez ao Estreito de Anian, hoje dito de Bering. Diz Carvalho da Costa (pag. 80):
Mar Tartárico que fica ao norte da Tartarea & confina com a Nova Zembla da parte de Leste, comunicando-se com o Oceano mais Ocidental da América, & com o mar, que fica ao Norte do Japão pelo Estreito de Anian, se é que há tal Estreito dividindo Ásia de América, como se descreve nos mapas, o que os Chinas negam & o negava o nosso Joseph de Moura, que tinha feito grandes navegações.
Com alguma prudência, Carvalho da Costa refere o Estreito, que ficaria reservado a Bering, várias décadas depois, porque o nome Anian estava envolto na proibição de que já falámos várias vezes. 
É curioso a referência à negação dos chineses (sobre Joseph de Moura, não se tratando certamente de Bastião de Moura, não encontrámos registo)... Essa negação chinesa talvez manifestasse o receio de explorações sistemáticas que ameaçassem Fusang.

Quanto à Tartária, a história do Império Tártaro acabará definitivamente com Pedro, o Grande.
Em 1686, quando o padre Carvalho da Costa escreve, pode ainda referir (pág.133): 
"A segunda parte da Ásia é aquela que está sujeita ao Grã Cão Imperador dos Tártaros, cujos fins pela parte do Sul são o mar Cáspio, o rio Jaxartes, o monte Imaus [Himalaias]; pela parte do Oriente e Setentrional o mar Oceano; e pela parte do Ocidente o reino já dito da Moscóvia."
É pelo reino da Moscóvia que todo o Império Tártaro cairá... se os gregos chamavam Tártaro ao inferno, considerar que a conquista russa teve combates isolados com tribos nómadas, é capaz de ser uma visão simplista... poderá ter sido um inferno do qual não subsistem registos. Na altura, dizia ainda sobre a quinta parte da Ásia: "contém o mais vastíssimo Império da China, sujeita agora ao Tártaro Oriental, (...)". Ou seja, a China em 1686 estava sujeita aos Mongóis/Tártaros, pelo domínio da dinastia Qing, de etnia Manchu (Manchuria), que em 1644 substituíram os Ming no controlo da China.

O Grã Cão Tártaro estava colocado ao mesmo nível do Grão Turco Octomano(*), enquanto Imperador, muito diferente do Reino da Pérsia do qual dizia "hoje governa-se pelos Sábios". Já aqui referimos que a configuração da Sibéria, pela anterior ligação do Mar Cáspio ao Oceano Antártico, pela bacia do Rio Obi e Mar de Aral, teria significado uma evolução bem diferente.
Tal como António Galvão, também Carvalho da Costa menciona a entrega de Índios ao romano Quinto Metelo pelo Rei da Suécia. Há uma diferença, que não nos espanta... ele diz "Rei da Suécia" e não "Rei da Suévia", conforme já explicámos houve a confusão da Alemanha Escandinava.(**)
Diz mais, citando Plínio, "que toda esta praia para o Nascente da India até ao Mar Cáspio foi navegada pelas armadas dos Macedónios, imperando Seleuco & Antíoco".
Tal navegação, da India ao Cáspio, só é compatível com extenso mar, que depois recuou e deu lugar a estepes, a tundras e a desertos. É dessa região de navegação macedónia, de Seleuco, que surgirão os turcos seleucidas, que alguns escrevem seljucidas.

A ligação ao Norte teria ocorrido por essa passagem, do Cáspio ao norte do Oceano, em que o limite depois se confundiu num rio Tanais. Este rio provável confluência do Don com o Volga, formaria um mais alargado Mar de Azov, então chamado Lagoa Meotis, e estava ladeado pelos Urais, então chamados Montes Rifeus, assim descritos por Camões (Canto III§7):


Da parte donde o dia vem nascendo, Com Ásia se avizinha; mas o rio
Que dos montes Rifeios vai correndo, Na alagoa Meotis, curvo o frio,
As divide: e o mar que, fero e horrendo, Viu dos Gregos o irado senhorio,
Onde agora de Tróia triunfante, Não vê mais que a memória o navegante.

A primeira parte desta oitava é citada por Carvalho da Costa, mas é ainda interessante o recuo que Camões vai fazer sobre uma guerra entre Citas e Egípcios, que nos levará ao próximo texto.

(*) Nota 1: Escrevemos "Octomano" e não Otomano, pois assim escreve Carvalho da Costa, e aqui o simples "c" passa a dar um interessante significado geométrico octogonal à palavra.
(**) Nota 2: Acrescentamos a menção na estrofe 10 (ainda do Canto III), que fala justamente na Escandinávia ilha!

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Ossa Lucefecit

08.06.11
A descrição da origem do nome da ribeira Lucefecit, no post anterior, e a associação à Serra de Ossa, vai levar-nos a uma Estória complicada de contar, pois é uma hipótese que mexe fundo com a nossa nacionalidade "lusitana".
Ribeira de Lucefecit

Recordamos o que dizia o Padre António Carvalho da Costa em 1708:
(...) corre por ele uma ribeira chamada Lucefece, que tomou o nome do que disse um Capitão, o qual dando uma batalha na Serra d'Ossa assim chamada dos muitos ossos, que nela ficaram dos que na batalha morreram, indo-se recolhendo, & chegando a esta ribeira, vinha amanhecendo, disse para os seus "Lucent fecit" que desta palavra tomou o nome. Há neste termo uma Paróquia dedicada a N. Senhora do Rosário com um Cura da Ordem de Aviz, & uma Ermida do Arcanjo S. Miguel perto da Vila de Terena , fundada nas ruínas daquele célebre, & antiquíssimo templo dedicado a Cupido, chamado Endovelico na lingua dos antigos Lusitanos.
Esta descrição é avassaladora... uma batalha ímpar, cujos ossos deram nome a uma Serra, e assim a explicação associada à ribeira fica demasiado simplista, para uma frase cínica de um capitão.
Ao mesmo tempo, mistura-se o culto de Cupido, do Amor, com um nome composto, Endovélico, que para nós se deve ler Endo-bélico, ou seja Guerra Interna. 
Já o tínhamos suspeitado, mas sem outra razão... que agora acrescentamos!

A Estória é esta... Lucefecit será uma pequena corrupção de Lusii fecit, ou algo semelhante, revelando os "Lusos fizeram-no"!

Estamos em 142 a.C, e os Romanos comandados por Quinto Fábio Máximo Serviliano preparavam o assalto final à Iberia. A História conta-nos sobre um herói Viriato, que se rebela, junta tribos e confronta o poderoso exército romano com técnicas de guerrilha e basicamente calhaus. Viriato é depois atraiçoado e a Lusitânia perde a independência, tornando-se província romana.

Muito bem... mas há alguns detalhes que ficaram sempre por explicar.
No sudeste ibérico, havia uma zona atribuída aos Cónios, Turdetanos, ou Tartéssios (podem ser variações do nome consoante os designadores e o tempo de referência), que seria a mais avançada em termos civilizacionais, devido à sua importância costeira e charneira na entrada do Mediterrâneo. Alguns (poucos) registos arqueológicos foram confirmando isso.
É interessante analisar este mapa da wikipedia, que mostra as diferenças em termos de toponímia linguística.

Se reparamos no mapa, confirmando alguma diferença civilizacional, os Lusitanos não chegavam à parte sul, apesar de posteriormente esse território ter sido incluído na Lusitânia.
Essa parte sul seria Cónia, com forte influência fenícia, mas distinta.

Onde ficaram os Cónios, com uma civilização marítima, provável herdeira fenícia, nesta luta de Romanos e Lusitanos? Não aparecem, não constam dos registos de batalhas...
Poderá assumir-se que estavam em colaboração com os Lusitanos, na defesa da parte ocidental, mas seria estranho subvalorizar a participação de um povo marítimo claramente mais avançado face a um suposto herói "pastor das montanhas".

Ora, após a terraplanagem de Cartago, por Cipião Emiliano em 146 a.C. seria bem sabido o destino que os Romanos reservariam às civilizações púnicas e similares. A ordem era destruir por completo... não tinha sido acidental a participação ibérica nas tropas de Aníbal, e toda a Hispânia estava sob ameaça.
Passam 4 anos, resta um pequeno reduto algarvio-alentejano e mais acima um povo Lusitano, provavelmente herdeiro dos Celtas, encerrado no seu reduto montanhoso.
Também sabemos que os Romanos não tinham problemas em fazer e desfazer alianças, colocando os fins à frente dos meios... e é aqui que entra a nossa Estória de traição pelo lado oposto!
Perante a ameaça Romana, os Cónios devem ter convocado os restantes povos para uma resistência, e por outro lado Serviliano deve ter explicado a Viriato que o problema que tinham não era nada com ele. Perante o resultado de Cartago, Viriato e os Lusitanos terão cedido à pressão romana.
Por uma questão de sobrevivência, devem ter simulado aceitar a aliança com os Cónios para os trair...

A batalha determinante desenrolar-se-ia na Serra de Ossa, junto à ribeira de Lucefecit.
Os Cónios terão sido surpreendidos pela traição lusitana do seu lado do campo de batalha, ao mesmo tempo que eram exterminados pelo poderoso exército romano. Encurralados entre dois inimigos, é natural a aniquilação total, de que resultou o nome Serra de Ossa... nem tiveram oportunidade de retirar, pois as saídas teriam sido cortadas do seu lado pelos lusitanos.
Uma outra hipótese mais sinistra depreende-se da afirmação do capitão ser proferida ao amanhecer! A batalha não se poderia ter dado de noite, pelo que se revela uma eventual aniquilação no acampamento das forças Cónias, seja pelos lusos, seja por revelação destes aos romanos.

É assim natural a expressão reveladora do Capitão na ribeira "os Lusos fizeram-no", ou até talvez tivesse sido "faz-se luz", e o nome romano Lusitânia tenha derivado dessa ideia luminosa.
É ainda natural a posterior adoração no local ao Endovélico, que nada mais seria do que um eterno arrependimento a essa Guerra Interna,  perdido num outrora Cupido de amor.
Mais natural é que só nessas condições Viriato tivesse sido reconhecido como rei, e a Lusitânia como estado independente, por acordo com Serviliano. Os Romanos não o fariam noutra circunstância... e em breve voltariam para destituir Viriato. Deixavam um pastor na história, e ocultavam uma civilização avançada.

Conistorga, provavelmente seria arrasada e sobre ela seria erigida a paz, a Pax Julia... mas não imediatamente! A estória não acaba aqui...

Muito provavelmente a parte alentejana foi conquistada e arrasada, resta saber se as montanhas algarvias teriam protegido uma parte significativa dos Cónios. Viriato terá sido depois traído, muito provavelmente resultado da sua traição aos Cónios, e por patrocínio destes.

Para a fase seguinte juntamos dois pormenores: a conquista de Lacobriga é reportada apenas depois de 76 a.C. e de Sertório, com um detalhe sinistro - o nome Ossonoba para Faro!
Ossonoba, literalmente de "Osso-nova" derivará de nova zona de ossos... uma nova Serra de Ossa, ou seja uma nova batalha de aniquilação, posterior mas de data indeterminada.
É natural que os Cónios tenham conseguido resistir mais algumas décadas, ainda que bastante fragilizados, a Lusitânia romanizada afinal resumir-se-ia à parte não algarvia. Parte do sucesso de Sertório pode ter resultado dessa fugaz colaboração com os Cónios. A inclusão de Lacobriga na Lusitânia é reportada apenas após Sertório, e por outro lado é só com Júlio César, duas ou três décadas depois, que se consolida a Pax Julia sobre uma Conistorga desaparecida.
Também destes exemplos podemos perceber como o Egipto de Cleópatra sentia a terraplanagem de civilizações passadas e evoluídas... não era claro qual seria o destino que a nova ordem mundial romana lhes reservaria.

Contamos apenas uma Estória, mas é mais uma daquelas que reúne várias informações, dando consistência e alguma explicação às histórias enfabuladas que foram fazendo a nossa História.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 13:24

Ossa Lucefecit

08.06.11
A descrição da origem do nome da ribeira Lucefecit, no post anterior, e a associação à Serra de Ossa, vai levar-nos a uma Estória complicada de contar, pois é uma hipótese que mexe fundo com a nossa nacionalidade "lusitana".
Ribeira de Lucefecit

Recordamos o que dizia o Padre António Carvalho da Costa em 1708:
(...) corre por ele uma ribeira chamada Lucefece, que tomou o nome do que disse um Capitão, o qual dando uma batalha na Serra d'Ossa assim chamada dos muitos ossos, que nela ficaram dos que na batalha morreram, indo-se recolhendo, & chegando a esta ribeira, vinha amanhecendo, disse para os seus "Lucent fecit" que desta palavra tomou o nome. Há neste termo uma Paróquia dedicada a N. Senhora do Rosário com um Cura da Ordem de Aviz, & uma Ermida do Arcanjo S. Miguel perto da Vila de Terena , fundada nas ruínas daquele célebre, & antiquíssimo templo dedicado a Cupido, chamado Endovelico na lingua dos antigos Lusitanos.
Esta descrição é avassaladora... uma batalha ímpar, cujos ossos deram nome a uma Serra, e assim a explicação associada à ribeira fica demasiado simplista, para uma frase cínica de um capitão.
Ao mesmo tempo, mistura-se o culto de Cupido, do Amor, com um nome composto, Endovélico, que para nós se deve ler Endo-bélico, ou seja Guerra Interna. 
Já o tínhamos suspeitado, mas sem outra razão... que agora acrescentamos!

A Estória é esta... Lucefecit será uma pequena corrupção de Lusii fecit, ou algo semelhante, revelando os "Lusos fizeram-no"!

Estamos em 142 a.C, e os Romanos comandados por Quinto Fábio Máximo Serviliano preparavam o assalto final à Iberia. A História conta-nos sobre um herói Viriato, que se rebela, junta tribos e confronta o poderoso exército romano com técnicas de guerrilha e basicamente calhaus. Viriato é depois atraiçoado e a Lusitânia perde a independência, tornando-se província romana.

Muito bem... mas há alguns detalhes que ficaram sempre por explicar.
No sudeste ibérico, havia uma zona atribuída aos Cónios, Turdetanos, ou Tartéssios (podem ser variações do nome consoante os designadores e o tempo de referência), que seria a mais avançada em termos civilizacionais, devido à sua importância costeira e charneira na entrada do Mediterrâneo. Alguns (poucos) registos arqueológicos foram confirmando isso.
É interessante analisar este mapa da wikipedia, que mostra as diferenças em termos de toponímia linguística.

Se reparamos no mapa, confirmando alguma diferença civilizacional, os Lusitanos não chegavam à parte sul, apesar de posteriormente esse território ter sido incluído na Lusitânia.
Essa parte sul seria Cónia, com forte influência fenícia, mas distinta.

Onde ficaram os Cónios, com uma civilização marítima, provável herdeira fenícia, nesta luta de Romanos e Lusitanos? Não aparecem, não constam dos registos de batalhas...
Poderá assumir-se que estavam em colaboração com os Lusitanos, na defesa da parte ocidental, mas seria estranho subvalorizar a participação de um povo marítimo claramente mais avançado face a um suposto herói "pastor das montanhas".

Ora, após a terraplanagem de Cartago, por Cipião Emiliano em 146 a.C. seria bem sabido o destino que os Romanos reservariam às civilizações púnicas e similares. A ordem era destruir por completo... não tinha sido acidental a participação ibérica nas tropas de Aníbal, e toda a Hispânia estava sob ameaça.
Passam 4 anos, resta um pequeno reduto algarvio-alentejano e mais acima um povo Lusitano, provavelmente herdeiro dos Celtas, encerrado no seu reduto montanhoso.
Também sabemos que os Romanos não tinham problemas em fazer e desfazer alianças, colocando os fins à frente dos meios... e é aqui que entra a nossa Estória de traição pelo lado oposto!
Perante a ameaça Romana, os Cónios devem ter convocado os restantes povos para uma resistência, e por outro lado Serviliano deve ter explicado a Viriato que o problema que tinham não era nada com ele. Perante o resultado de Cartago, Viriato e os Lusitanos terão cedido à pressão romana.
Por uma questão de sobrevivência, devem ter simulado aceitar a aliança com os Cónios para os trair...

A batalha determinante desenrolar-se-ia na Serra de Ossa, junto à ribeira de Lucefecit.
Os Cónios terão sido surpreendidos pela traição lusitana do seu lado do campo de batalha, ao mesmo tempo que eram exterminados pelo poderoso exército romano. Encurralados entre dois inimigos, é natural a aniquilação total, de que resultou o nome Serra de Ossa... nem tiveram oportunidade de retirar, pois as saídas teriam sido cortadas do seu lado pelos lusitanos.
Uma outra hipótese mais sinistra depreende-se da afirmação do capitão ser proferida ao amanhecer! A batalha não se poderia ter dado de noite, pelo que se revela uma eventual aniquilação no acampamento das forças Cónias, seja pelos lusos, seja por revelação destes aos romanos.

É assim natural a expressão reveladora do Capitão na ribeira "os Lusos fizeram-no", ou até talvez tivesse sido "faz-se luz", e o nome romano Lusitânia tenha derivado dessa ideia luminosa.
É ainda natural a posterior adoração no local ao Endovélico, que nada mais seria do que um eterno arrependimento a essa Guerra Interna,  perdido num outrora Cupido de amor.
Mais natural é que só nessas condições Viriato tivesse sido reconhecido como rei, e a Lusitânia como estado independente, por acordo com Serviliano. Os Romanos não o fariam noutra circunstância... e em breve voltariam para destituir Viriato. Deixavam um pastor na história, e ocultavam uma civilização avançada.

Conistorga, provavelmente seria arrasada e sobre ela seria erigida a paz, a Pax Julia... mas não imediatamente! A estória não acaba aqui...

Muito provavelmente a parte alentejana foi conquistada e arrasada, resta saber se as montanhas algarvias teriam protegido uma parte significativa dos Cónios. Viriato terá sido depois traído, muito provavelmente resultado da sua traição aos Cónios, e por patrocínio destes.

Para a fase seguinte juntamos dois pormenores: a conquista de Lacobriga é reportada apenas depois de 76 a.C. e de Sertório, com um detalhe sinistro - o nome Ossonoba para Faro!
Ossonoba, literalmente de "Osso-nova" derivará de nova zona de ossos... uma nova Serra de Ossa, ou seja uma nova batalha de aniquilação, posterior mas de data indeterminada.
É natural que os Cónios tenham conseguido resistir mais algumas décadas, ainda que bastante fragilizados, a Lusitânia romanizada afinal resumir-se-ia à parte não algarvia. Parte do sucesso de Sertório pode ter resultado dessa fugaz colaboração com os Cónios. A inclusão de Lacobriga na Lusitânia é reportada apenas após Sertório, e por outro lado é só com Júlio César, duas ou três décadas depois, que se consolida a Pax Julia sobre uma Conistorga desaparecida.
Também destes exemplos podemos perceber como o Egipto de Cleópatra sentia a terraplanagem de civilizações passadas e evoluídas... não era claro qual seria o destino que a nova ordem mundial romana lhes reservaria.

Contamos apenas uma Estória, mas é mais uma daquelas que reúne várias informações, dando consistência e alguma explicação às histórias enfabuladas que foram fazendo a nossa História.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 13:24

Há uma quantidade de palavras cuja origem é estranha e de alguma forma indeterminada, ainda que haja sempre alguma explicação mais ou menos original. Um desses casos é a palavra "Estrombólico"... que irei aqui associar à Rocha da Mina, perto de Terena, assinalada num comentário por Olinda Gil.

Estrombólico (Strombolicchio)
Trata-se de um pequeno rochedo em face da ilha vulcânica Estromboli (Stromboli, uma das Ilhas Eólias), cuja forma é suficientemente estrombólica, especialmente na parte da formação que parece uma cabeça rochosa.
Rochedo Estrombólico / Strombolicchio

Em "Uma viagem de duas mil léguas" de Cláudio Barbuda (e Filipe Xavier), 1848, anunciava-se o nascimento de novas ilhas perto dos Açores, Estromboli e Santorino. Não há muitos vulcões activos na Europa, e na zona da Sicília/Nápoles encontramos alguns dos mais famosos, o Vesúvio, o Etna e o Stromboli. Era nesta zona que eram colocados os deuses Vulcano, associado ao fogo, e Eólos, aos ventos.
Cláudio Barbuda dá conta da grande diferença entre vulcões activos na Europa (1 continental, 12 nas ilhas), face à América (97 continentais, 19 nas ilhas), à Ásia (8 continentais, 58 nas ilhas), e especialmente a ausência de vulcões na África, exceptuando nas ilhas (?), ainda que o Kilimanjaro devesse ter sido considerado (mas não tinha sido escalado).
Nesse relato de Barbuda, fala-se ainda da diferença nas erupções - "na Europa e Ásia tudo é lava ou pedra, porém na América lançam de si greda, escória de azouge e carvão, e algumas vezes água e peixes fervidos".
Não sei a origem da palavra "estrombólico", mas já era usada no Séc. XIX, e não disponho de nenhuma informação sobre algo estranho em erupções do Stromboli, nomeadamente algum relato de cuspir "peixes fervidos" para que constasse como associação bizarra.

Ilha Sabrina
O relato de Cláudio Barbuda, no que respeita aos Açores, refere-se à ilha de Sabrina - um episódio de 1811 já pouco conhecido no continente, mas que os açorianos relembram. 
A ilha Sabrina, ao largo de S. Miguel, relato do comando de Tillard.

Uma erupção formou uma ilha reclamada pelo navio inglês Sabrina, mas que não se consolidou e desapareceu pouco depois... evitando um problema de disputa territorial ao largo de S. Miguel.
O mesmo problema territorial é reportado numa erupção do vulcão submarino Empedócles, que originou em 1701, 1831 e 1866, a ilha Julia ou Ferdinandea e cuja volatilidade da propriedade foi ironizada por Julio Verne.
Seria este relato o referido por Barbuda, associado ao Estromboli? 
O Stromboli está no norte da Sicilia e não no sul, onde apareceu esta ilha Julia... e por outro lado, relativamente Santorini confirmamos Nea Kameni na erupção de 1707.

Rocha da Mina (Terena)
Por simples comparação visual, a Rocha da Mina, associada ao culto do Endovélico, tem uma configuração também "estrombólica" parecendo revelar uma cabeça rochosa. 

 
Rocha da Mina, Alandroal 

aqui afirmámos que o culto de Endovélico nos parece ter sido uma invenção romana, destinada a ocultar a religião original ibérica, que se centraria num culto não muito diferente do greco-romano, elevando acentuadamente a figura de Hércules... ou o "homem da maça". Este parece ser o único registo confirmado desse culto, que estaria ao mesmo tempo associado a Cupido, deus do amor...
Na nossa opinião a origem dessa confusão tem um protagonista inicial, que poderá ter deixado rasto não muito longe... em Juromenha!

Juromenha
Uma das fortalezas mais espectaculares que ainda restam é a de Juromenha.
A construção inicial de Juromenha está envolta nalgum mistério, sendo claro que sofreu alterações posteriores, nomeadamente na altura das Guerras da Restauração e seguintes.
Castelo de Juromenha

Encontramos o relato do Padre António Carvalho da Costa, na Corografia Portuguesa de 1708, que diz o seguinte:
No Bispado de Elvas, onze legoas de Aviz para o Nascente, três de Borba para о Oriente, & três de Elvas para o Ocidente, nas margens do rio Guadiana, em lugar iminente, forte por natureza, & arte tem seu assento a Villa de Jurumenha, cercada de fortes muros, que edificou Julio Cesar (segundo a tradição dos moradores) a quem os Latinos chamam Julii maenia, corrupto hoje em Jurumenha. Foi fundada pelos Galos Celtas muitos anos antes da vinda de Christo, & depois El Rey Dom Diniz a aumentou pelos anos de 1312.
Ou seja, havia a tradição local de associar as muralhas de Juromenha a Júlio César, a que se acrescenta a derivação de Julii Maenia. É mais uma associação à família Julia de Júlio César, que tem outras derivações conhecidas:
Pax Julia (Beja), Liberalis Julia (Evora), Felicitas Julia (Lisboa)
Não é difícil compreender que Júlio César teve sucesso (felicitas) na Lusitânia, sendo conhecido que passou a pagar em ouro puro às suas legiões, muito provavelmente devido a uma combinação de paz (pax) com os povos locais, que admitia alguma liberdade (liberalis) nativa.
Essa paz terá tido algum compromisso com o culto, ou melhor cult-ura, lusitana, onde o Endovélico terá sido uma peça para a ocultação de cult-os, ou cult-uras, anteriores. Em particular, torna-se evidente que a fortaleza de Juromenha seria implantada por cima de uma fortaleza celta...
Esta tendência foi ainda reafirmada por Octávio, depois imperador Augusto, de tal forma que a Era Hispanica foi marcada a partir da sua presença na Hispania, e subsistiu na marcação de anos até D. João I.

Lucefece
Como bem observou Olinda Gil, perto de Terena corre a Ribeira de Lucefecit (ou Lucefece), afluente do Guadiana, e indicamos um excelente artigo de Heitor Pato sobre este tema.
Outras origens do nome já tinham sido abordadas pelo Padre António Carvalho da Costa em 1708:
(...) corre por ele uma ribeira chamada Lucefece, que tomou o nome do que disse um Capitão, o qual dando uma batalha na Serra d'Ossa assim chamada dos muitos ossos, que nela ficaram dos que na batalha morreram) indo-se recolhendo, & chegando a esta ribeira, vinha amanhecendo, disse para os seus Lucent fecit, & que desta palavra tomou o nome. Há neste termo uma Paróquia dedicada a N. Senhora do Rosário com um Cura da Ordem de Aviz, & uma Ermida do Arcanjo S. Miguel perto da Vila de Terena , fundada nas ruínas daquele célebre, & antiquíssimo templo dedicado a Cupido, chamado Endovelico na lingua dos antigos Lusitanos.
Não é explicado qual é o Capitão... mas sendo romano, poderia até ser o próprio Júlio César (*). O efeito terá sido devastador pela quantidade de ossos dar origem ao nome da serra... e este "Lucem fecit" ou "faz-se luz" fica com um significado carregado, um pouco diferente do "Lucifer" enquanto estrela de alva. 
Encontramos ainda nas margens dessa ribeira, a Igreja da Boa Nova, de Terena, já ligada a uma relação posterior, à filha de Afonso IV que convenceu o pai a apoiar o rei de Castela, seu marido, na Batalha do Salado. A imagem do Séc. XIX, que encontrámos na revista Panorama de 1847, é próxima da actual:

Vila do Cano, Sousel
Acabamos na Vila do Cano este pequeno périplo naquela zona alentejana, que muito provavelmente em tempos antigos seria quase costeira pela proximidade do extenso mar interior... É epíteto da vila ser "a mais vetusta das vetustas"... mas desconhecemos de onde vem tal pretensão de tão grande antiguidade.
tínhamos falado sobre esta vila, como exemplo alternativo aos Olhos de Fervença, pela referência aos tais olhos de água, sobre os quais o Padre António Carvalho da Costa, em 1708, diz:
Para o Nascente tem uns olheirões de água, que chamam a "fonte dos olhos", por estar neles fervendo tanta agua, donde sai um cano dela, com que moem azenhas, & pizão; Se a água das azenhas se converte em pedra dentro na caldeira, de sorte que muitas vezes se tira dentro dela outra caldeira de pedra, que se fez da agua & por tradição antiga se conta que já estes olheirões indo um homem com um carro о sorveram com carro & boys, & não apareceu mais.
Fica assim uma outra referência ao tal fenómeno popular de "desaparecimento" próximo de tais "olhos de água", que invocam alguma nascente de origem vulcânica, pela descrição.

Álamo
Regressamos assim ao "estrambólico", não apenas pela descrição destes fenómenos, mas pela descrição de uma eventual nascente termal, que tinha um cano... 
A Vila do Cano, que já no tempo romano teria a designação Cannum, mantém no seu brazão um enigmático cano... Carvalho da Costa fala dessa origem do nome, sugerindo os múltiplos canos, ou um cano de natureza singular.
Não muito longe vamos encontrar a Torre de Camões, ou Torre do Álamo:
Brazão da Vila do Cano, e Torre do Álamo, ou de Camões, concelho de Sousel

A associação da Torre do Álamo a Luís de Camões parece dever-se à história de que ali teria escrito grande parte dos Lusíadas... ou talvez dito de outra forma, que grande parte da História dos Lusíadas poderia ser encontrada por ali. No plural de Álamo(**)... Los Alamos ficou depois célebre nos EUA pelo projecto atómico, e adequadamente finalizamos com uma associação "estrambólica".

Habitualmente não consideramos invulgares fontes de águas sulfurosas, as ditas Caldas, em diversas povoações ibéricas, apesar de já não haver qualquer registo de actividade vulcânica há muito tempo! Essas fontes assumem uma origem interna, e um calor interno, que se manifesta nos vulcões, cuja distribuição é algo peculiar, conforme apontava Cláudio Barbuda. Essa erupção resultante de uma pressão e fonte interna de calor poderosa tem um problema temporal... se já não existe fonte de calor, a manifestação de actividade vulcânica tenderia a desaparecer rapidamente, pelo arrefecimento natural (equilíbrio térmico). Porém, nada disso acontece... e o fenómeno das erupções do Stromboli, razoavelmente periódicas e contínuas, indicia ao contrário uma permanência de fonte interna de calor durável. Qual?

Notas adicionais (7/6/2011)
(*) Esta hipótese vai ser completamente descartada no post seguinte.
(**) Convém notar que Álamo é um tipo de madeira semelhante ao Choupo. Ao nível da história americana, o episódio do Forte Álamo foi marcante na definição da independência do Texas (que veio depois a ser integrado voluntariamente como estado dos EUA).

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publicado às 07:43

Há uma quantidade de palavras cuja origem é estranha e de alguma forma indeterminada, ainda que haja sempre alguma explicação mais ou menos original. Um desses casos é a palavra "Estrombólico"... que irei aqui associar à Rocha da Mina, perto de Terena, assinalada num comentário por Olinda Gil.

Estrombólico (Strombolicchio)
Trata-se de um pequeno rochedo em face da ilha vulcânica Estromboli (Stromboli, uma das Ilhas Eólias), cuja forma é suficientemente estrombólica, especialmente na parte da formação que parece uma cabeça rochosa.
Rochedo Estrombólico / Strombolicchio

Em "Uma viagem de duas mil léguas" de Cláudio Barbuda (e Filipe Xavier), 1848, anunciava-se o nascimento de novas ilhas perto dos Açores, Estromboli e Santorino. Não há muitos vulcões activos na Europa, e na zona da Sicília/Nápoles encontramos alguns dos mais famosos, o Vesúvio, o Etna e o Stromboli. Era nesta zona que eram colocados os deuses Vulcano, associado ao fogo, e Eólos, aos ventos.
Cláudio Barbuda dá conta da grande diferença entre vulcões activos na Europa (1 continental, 12 nas ilhas), face à América (97 continentais, 19 nas ilhas), à Ásia (8 continentais, 58 nas ilhas), e especialmente a ausência de vulcões na África, exceptuando nas ilhas (?), ainda que o Kilimanjaro devesse ter sido considerado (mas não tinha sido escalado).
Nesse relato de Barbuda, fala-se ainda da diferença nas erupções - "na Europa e Ásia tudo é lava ou pedra, porém na América lançam de si greda, escória de azouge e carvão, e algumas vezes água e peixes fervidos".
Não sei a origem da palavra "estrombólico", mas já era usada no Séc. XIX, e não disponho de nenhuma informação sobre algo estranho em erupções do Stromboli, nomeadamente algum relato de cuspir "peixes fervidos" para que constasse como associação bizarra.

Ilha Sabrina
O relato de Cláudio Barbuda, no que respeita aos Açores, refere-se à ilha de Sabrina - um episódio de 1811 já pouco conhecido no continente, mas que os açorianos relembram. 
A ilha Sabrina, ao largo de S. Miguel, relato do comando de Tillard.

Uma erupção formou uma ilha reclamada pelo navio inglês Sabrina, mas que não se consolidou e desapareceu pouco depois... evitando um problema de disputa territorial ao largo de S. Miguel.
O mesmo problema territorial é reportado numa erupção do vulcão submarino Empedócles, que originou em 1701, 1831 e 1866, a ilha Julia ou Ferdinandea e cuja volatilidade da propriedade foi ironizada por Julio Verne.
Seria este relato o referido por Barbuda, associado ao Estromboli? 
O Stromboli está no norte da Sicilia e não no sul, onde apareceu esta ilha Julia... e por outro lado, relativamente Santorini confirmamos Nea Kameni na erupção de 1707.

Rocha da Mina (Terena)
Por simples comparação visual, a Rocha da Mina, associada ao culto do Endovélico, tem uma configuração também "estrombólica" parecendo revelar uma cabeça rochosa. 

 
Rocha da Mina, Alandroal 

aqui afirmámos que o culto de Endovélico nos parece ter sido uma invenção romana, destinada a ocultar a religião original ibérica, que se centraria num culto não muito diferente do greco-romano, elevando acentuadamente a figura de Hércules... ou o "homem da maça". Este parece ser o único registo confirmado desse culto, que estaria ao mesmo tempo associado a Cupido, deus do amor...
Na nossa opinião a origem dessa confusão tem um protagonista inicial, que poderá ter deixado rasto não muito longe... em Juromenha!

Juromenha
Uma das fortalezas mais espectaculares que ainda restam é a de Juromenha.
A construção inicial de Juromenha está envolta nalgum mistério, sendo claro que sofreu alterações posteriores, nomeadamente na altura das Guerras da Restauração e seguintes.
Castelo de Juromenha

Encontramos o relato do Padre António Carvalho da Costa, na Corografia Portuguesa de 1708, que diz o seguinte:
No Bispado de Elvas, onze legoas de Aviz para o Nascente, três de Borba para о Oriente, & três de Elvas para o Ocidente, nas margens do rio Guadiana, em lugar iminente, forte por natureza, & arte tem seu assento a Villa de Jurumenha, cercada de fortes muros, que edificou Julio Cesar (segundo a tradição dos moradores) a quem os Latinos chamam Julii maenia, corrupto hoje em Jurumenha. Foi fundada pelos Galos Celtas muitos anos antes da vinda de Christo, & depois El Rey Dom Diniz a aumentou pelos anos de 1312.
Ou seja, havia a tradição local de associar as muralhas de Juromenha a Júlio César, a que se acrescenta a derivação de Julii Maenia. É mais uma associação à família Julia de Júlio César, que tem outras derivações conhecidas:
Pax Julia (Beja), Liberalis Julia (Evora), Felicitas Julia (Lisboa)
Não é difícil compreender que Júlio César teve sucesso (felicitas) na Lusitânia, sendo conhecido que passou a pagar em ouro puro às suas legiões, muito provavelmente devido a uma combinação de paz (pax) com os povos locais, que admitia alguma liberdade (liberalis) nativa.
Essa paz terá tido algum compromisso com o culto, ou melhor cult-ura, lusitana, onde o Endovélico terá sido uma peça para a ocultação de cult-os, ou cult-uras, anteriores. Em particular, torna-se evidente que a fortaleza de Juromenha seria implantada por cima de uma fortaleza celta...
Esta tendência foi ainda reafirmada por Octávio, depois imperador Augusto, de tal forma que a Era Hispanica foi marcada a partir da sua presença na Hispania, e subsistiu na marcação de anos até D. João I.

Lucefece
Como bem observou Olinda Gil, perto de Terena corre a Ribeira de Lucefecit (ou Lucefece), afluente do Guadiana, e indicamos um excelente artigo de Heitor Pato sobre este tema.
Outras origens do nome já tinham sido abordadas pelo Padre António Carvalho da Costa em 1708:
(...) corre por ele uma ribeira chamada Lucefece, que tomou o nome do que disse um Capitão, o qual dando uma batalha na Serra d'Ossa assim chamada dos muitos ossos, que nela ficaram dos que na batalha morreram) indo-se recolhendo, & chegando a esta ribeira, vinha amanhecendo, disse para os seus Lucent fecit, & que desta palavra tomou o nome. Há neste termo uma Paróquia dedicada a N. Senhora do Rosário com um Cura da Ordem de Aviz, & uma Ermida do Arcanjo S. Miguel perto da Vila de Terena , fundada nas ruínas daquele célebre, & antiquíssimo templo dedicado a Cupido, chamado Endovelico na lingua dos antigos Lusitanos.
Não é explicado qual é o Capitão... mas sendo romano, poderia até ser o próprio Júlio César (*). O efeito terá sido devastador pela quantidade de ossos dar origem ao nome da serra... e este "Lucem fecit" ou "faz-se luz" fica com um significado carregado, um pouco diferente do "Lucifer" enquanto estrela de alva. 
Encontramos ainda nas margens dessa ribeira, a Igreja da Boa Nova, de Terena, já ligada a uma relação posterior, à filha de Afonso IV que convenceu o pai a apoiar o rei de Castela, seu marido, na Batalha do Salado. A imagem do Séc. XIX, que encontrámos na revista Panorama de 1847, é próxima da actual:

Vila do Cano, Sousel
Acabamos na Vila do Cano este pequeno périplo naquela zona alentejana, que muito provavelmente em tempos antigos seria quase costeira pela proximidade do extenso mar interior... É epíteto da vila ser "a mais vetusta das vetustas"... mas desconhecemos de onde vem tal pretensão de tão grande antiguidade.
tínhamos falado sobre esta vila, como exemplo alternativo aos Olhos de Fervença, pela referência aos tais olhos de água, sobre os quais o Padre António Carvalho da Costa, em 1708, diz:
Para o Nascente tem uns olheirões de água, que chamam a "fonte dos olhos", por estar neles fervendo tanta agua, donde sai um cano dela, com que moem azenhas, & pizão; Se a água das azenhas se converte em pedra dentro na caldeira, de sorte que muitas vezes se tira dentro dela outra caldeira de pedra, que se fez da agua & por tradição antiga se conta que já estes olheirões indo um homem com um carro о sorveram com carro & boys, & não apareceu mais.
Fica assim uma outra referência ao tal fenómeno popular de "desaparecimento" próximo de tais "olhos de água", que invocam alguma nascente de origem vulcânica, pela descrição.

Álamo
Regressamos assim ao "estrambólico", não apenas pela descrição destes fenómenos, mas pela descrição de uma eventual nascente termal, que tinha um cano... 
A Vila do Cano, que já no tempo romano teria a designação Cannum, mantém no seu brazão um enigmático cano... Carvalho da Costa fala dessa origem do nome, sugerindo os múltiplos canos, ou um cano de natureza singular.
Não muito longe vamos encontrar a Torre de Camões, ou Torre do Álamo:
Brazão da Vila do Cano, e Torre do Álamo, ou de Camões, concelho de Sousel

A associação da Torre do Álamo a Luís de Camões parece dever-se à história de que ali teria escrito grande parte dos Lusíadas... ou talvez dito de outra forma, que grande parte da História dos Lusíadas poderia ser encontrada por ali. No plural de Álamo(**)... Los Alamos ficou depois célebre nos EUA pelo projecto atómico, e adequadamente finalizamos com uma associação "estrambólica".

Habitualmente não consideramos invulgares fontes de águas sulfurosas, as ditas Caldas, em diversas povoações ibéricas, apesar de já não haver qualquer registo de actividade vulcânica há muito tempo! Essas fontes assumem uma origem interna, e um calor interno, que se manifesta nos vulcões, cuja distribuição é algo peculiar, conforme apontava Cláudio Barbuda. Essa erupção resultante de uma pressão e fonte interna de calor poderosa tem um problema temporal... se já não existe fonte de calor, a manifestação de actividade vulcânica tenderia a desaparecer rapidamente, pelo arrefecimento natural (equilíbrio térmico). Porém, nada disso acontece... e o fenómeno das erupções do Stromboli, razoavelmente periódicas e contínuas, indicia ao contrário uma permanência de fonte interna de calor durável. Qual?

Notas adicionais (7/6/2011)
(*) Esta hipótese vai ser completamente descartada no post seguinte.
(**) Convém notar que Álamo é um tipo de madeira semelhante ao Choupo. Ao nível da história americana, o episódio do Forte Álamo foi marcante na definição da independência do Texas (que veio depois a ser integrado voluntariamente como estado dos EUA).

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