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Entre as diversas coisas que podem ser encontradas neste blog, e que contemplam uma História mais antiga, primordial, está a consideração básica de que o Universo evoluiu para formar a inteligência, porque sem a existência de seres inteligentes, um universo de escória e calhaus nunca ganharia consciência de si (ver Arquitecturas (3)).
Acabei, entretanto, por encontrar a mesma reflexão com o nome de
«Princípio Antrópico»
e que parece ter sido debatida desde os anos 1950, 60 e 70 (J. A. Wheeler, R. Dicke, J. Barrow, F. Tipler, B. Carter, entre reconhecidos físicos e matemáticos).
Isto é para mim pouco relevante, mesmo. Não procurei, nem me interessa saber, se o assunto teve, tem ou terá mais ou menos adeptos, e por que razão. No entanto, terá interesse para o leitor saber onde poderá encontrar outros autores com trabalhos publicados, e com ideias semelhantes.

Este "princípio antrópico" ao colocar a inteligência como objectivo da evolução universal, tem o inconveniente de ir contra a religião darwinista implantada, e sofre críticas primárias (p. ex.  dererummundi.blogspot.pt), mais próprias de quem não faz a mais pálida ideia do que está a falar.

Assim, é escusado fechar os olhos a que estas coisas suscitam paixões contrárias, com dedicadas legiões de fundamentalistas religiosos ateístas, promotores do niilismo total, até porque vêem este princípio antrópico ligado a uma ideia de desenho inteligente, ou seja, a uma certa perspectiva criacionista.
Como as minhas considerações não tiveram nada a ver com o "criacionismo divino", este chamado "princípio antrópico" só coloca o homem no centro, se admitirmos que a única inteligência possível é a humana.
Ora apesar de ter já tornado claro (p.ex. de-natura-deorum.html) que a inteligência artificial é uma impossibilidade, pelo simples absurdo de que uma máquina finita não pode conceptualizar o infinito (ou outras noções abstractas), isto não invalida que uma inteligência semelhante à nossa não se possa desenvolver noutros contextos, biológicos, ou mesmo cibernéticos.

Equivalências
A cegueira fundamentalista religiosa do ateísmo moderno, não conseguindo negar este princípio antrópico, onde o Homem aparece como objectivo da evolução, acusa-o de ser uma "verdade de La Palisse", como se a afirmação darwiniana da "sobrevivência dos mais aptos", não fosse também ela uma verdade de La Palisse, mas esta já aceite sem pruridos.
Depois, indo a truques baixos, vai chamar da tumba o positivismo de Karl Popper, para poder negar as verdades "auto-evidentes", que não são consideradas científicas, porque não são susceptíveis de falsificação. Esta "ciência da falsificação" convém a qualquer corja falsária, que recusa à aritmética a dignidade falsária da ciência, mas não prescinde dela para as continhas que dão jeito. 

O leitor racional deve tanto quanto possível afastar-se dos feiticeiros e seus aprendizes, e procurar entender que há até razões críticas de ambos os lados.
De facto, perante a constatação de que o Homem é o resultado improvável de uma evolução universal, é igualmente objectivo dizer que foi causa, ou que foi consequência, dessa evolução.
Porquê?
Foi causa, porque sem inteligência, este universo nunca teria nenhum observador inteligente, o que seria equivalente à sua inexistência. Pensar na existência de um universo sem seres inteligentes, é simplesmente esquecer que não há observado sem haver observador. No entanto, o nosso Universo é suficientemente abrangente para admitir o raciocínio de tolos dispostos a negar tudo. Se nenhum universo tivesse admitido inteligência, simplesmente não teria existido nenhum universo, por falta de observador. Os que negam isto, pensam nos seus universos inconsistentes perdidos, mas só o podem fazer porque foram salvos num universo consistente que os acolheu, para sequer poderem pensar nisso.
Assim, por mais absurdas e irracionais que sejam teorias, com os seus big-bangs e relatividades da moda, encontram espaço no imaginário de hoje para falar de um passado sem pés nem cabeça. O nosso passado só fez sentido tendo em vista uma consistência que nos trouxe a este presente. E é nesse sentido que também podemos nos encarar como consequência do passado, e não apenas como causa. O caminho que traçamos do presente para o passado tem que ter consistência, independente de uma nossa existência pré-assumida. 
Numa limitada perspectiva determinista, que vê o futuro condicionado pelo passado, é precisa essa consistência racional mínima para o caminho saído do "nada". Numa alargada perspectiva quântica, as possibilidades do passado só fizeram sentido pelo próprio resultado futuro. Ou seja, se o caos fosse meramente uma probabilidade acéfala, o único futuro que permitira perceber e assegurar a existência do passado, seria o que lhe pudesse ver o traço, invertendo o caminho. O que isto significa é que um passado indetectável, a partir do presente, seria igualmente equivalente a um passado inexistente. 
Para um niilista, onde o caos não tem ordem, a história é qualquer... é uma história da carochinha, e é definida pela liberdade de pensamento da moda dos mandantes inspirados, nunca interessando perceber de onde vêm as ideias do pensamento, que isso só atrapalha as certezas cegas da ciência moderna.

Dimensão 3
No referido artigo da wikipedia, fazem-se algumas considerações sobre a ordem do nosso universo, indo ao ponto de Barrow e Tipler sugerirem que "com grande probabilidade, a nossa espécie é a única inteligente na Via Láctea": An entire chapter argues that Homo Sapiens is, with high probability, the only intelligent species in the Milky Way.
Presumo que essa consideração é meramente estatística, tendo em atenção a necessidade de estar suficientemente afastada do centro galáctico, e dentro dessa hipótese considerar condições ideais para o desenvolvimento de vida com atmosfera, etc... acabam por ser tão reduzidas ou tão alargadas, quanto a vontade de distorcer estatísticas.

Porém, o mais interessante é a consideração sobre as 3 dimensões.
Num pequeno gráfico são analisadas as possibilidades de existirem mais dimensões, não apenas espaciais, mas até temporais. Foi concluído que universos com dimensões superiores a 3 seriam instáveis, não permitindo nem estabilidade atómica, nem mesmo ao nível das órbitas planetárias. A única possibilidade para evitar essa instabilidade seria aumentar também as dimensões temporais!

Aumentar as dimensões temporais é algo que não imaginamos facilmente, mas seria equivalente a admitir a possibilidade de varrer universos 3D simultaneamente. Ou seja, em vez de vermos apenas o futuro de uma maneira, veríamos todas as suas variações. Porque se o tempo não implicar apenas um desfecho, ficamos com um rasto de possíveis desfechos. O tempo ser único é que determina a noção de verdade e falsidade. Por isso, aumentar as dimensões temporais corresponderia a universos onde a verdade não se impõe contra um absurdo.  De certa forma, convivemos com duas dimensões temporais quando somos levados pela imaginação, pelo sonho, para um outro tempo e outra realidade, mas mantemos o regresso a um único tempo, o tempo em que estamos no "acordo", em que acordamos com os outros.

Abaixo de 3 dimensões aparece "demasiado simples", ou seja seriam universos onde não se manifestaria nenhum caos, e tudo seria demasiado previsível, não podendo levar a nenhuma inteligência. 
Por exemplo, se pensarmos num ser a 2 dimensões, simplesmente não poderia alimentar-se... já que o canal do estômago separaria o animal em duas partes (basta fazer um desenho de um boneco com o canal da boca ao ânus, para perceber que ficaria dividido em duas partes)!

O caso sem tempo corresponderia a um universo estático, congelado, e tal coisa pode ser encarada num agregado 3D+1T = 4D concluído. A simetria de possibilidades deveria ser mais evidente, e desconheço a razão de invocar os hipotéticos taquiões no caso 1D+3T... mas também não há grande interesse nesse assunto.
O único interesse adicional é a informação de que a luz, e todas as ondas de rádio funcionariam apenas em dimensão 3, e de certa maneira a ideia que a estabilização das constantes físicas sugere a convergência para um universo físico que não será de índole caótica. Isto é uma das ideias que reforça a adequação do universo à nossa compreensão facilitada dele.

Sinais do Tempo
Por razões que não interessam, fui "forçado" a pensar em várias dimensões espaciais, temporais, e não apenas finitas, como as consideradas acima. Nesse deambular interrogativo, é fácil perceber os caminhos onde o caos irá imperar... como por exemplo, quando assumimos "pretensos paraísos" onde somos levados para situações sem referencial de verdade. Pretensos paraísos, porque sugerem libertações de restrições temporais, podendo fixar ou revisitar momentos bons, mas todas essas ofertas têm um contraponto pouco evidente, mas claro... desacordo, isolamento, por afastamento de uma verdade.

Apesar da imaginação nestes assuntos poder parecer grande, não vi neste caso a consideração do sinal do tempo. E até ao momento em que tive que pensar nisso, de facto não me lembrara do problema. 
As ideias de futuro, as concepções futuristas, dificilmente podem ser explicadas do passado. Não é por razão do pequeno-almoço, ou de um bom almoço, que nos surgem ideias futuristas. É mais fácil que surjam de forma "inexplicável", por inspiração num sonho, ou por reflexão num simples detalhe. Seja como for, são ideias que, inexistentes num passado, só surgem no presente tendo em vista um certo futuro. Nesse sentido podemos vê-las como vislumbre de um certo futuro, como uma qualquer outra visão, mais ou menos racional. 
Se sobre o nosso passado, dificilmente podemos pensar em mudar as coisas, as pressões para seguir um ou outro caminho futuro, podem ter uma razão bem simples. Porque, apenas escolhendo um futuro, haverá múltiplos futuros que serão omitidos, obliterados. 
Ora, admitindo o princípio antrópico mais forte, não estamos apenas em um dos possíveis universos, estamos no Universo consistente que permite conceber os restantes, mas não com a mesma validade. Por razão de verdade, há o tempo único da realidade, e o resto é imaginário. O imaginário é a componente que escapa à realidade construída e definida pelas restrições consistentes do passado. E assim é nesse campo que se joga o futuro... porque uma certa imaginação leva a um futuro e outra ignora-o ou suprime-o. O que para nós será futuro, não significa que não seja em certa medida, um dos múltiplos resultados fundados e definidos pelo passado.
Ora o casamento entre o passado e o futuro faz-se a cada presente, mas sem poligamia... e por isso os futuros que se mostram na imaginação são convites à construção de uma realidade, tendo em vista esse futuro, normalmente apelativo ou assustador para o visitado, pela ideia de futuro que se lhe apresenta. Quanto mais claro se apresentar esse futuro, mais essa ideia o condena um determinado desenrolar previsto, e fará sentido se se conjugar com o passado que conhece, mas será uma completa ilusão infernal, se ao puxar a cabeça as tentações fizerem esquecer os pés assentes na Terra, pela ordem do passado. 
Por razões de desvios, de mentiras cimentadas, o próprio passado consistente só está completamente definido em consistências físicas, e não em escritos ancestrais. Há o que tem a flexibilidade de ser encaixado e modificado - e aí cai praticamente toda a história da carochinha mal contada, e o que dificilmente pode ser modificado, pelos registos de verdadeira ciência. 

Quando chegamos a momentos cruciais, podemos ou não ter a ideia da colisão entre mundos que vão ficar condenados à parte imaginária, ignorados pelo mundo que será realidade. Nessa colisão, que define sempre o presente, o maior conhecimento da ordem científica, estreitará cada vez mais o passado, e com isso limitará cada vez mais o futuro. Assim, do futuro surge o habitual caos pronto a reformular tudo, a arrasar o passado, para um vislumbre de futuro risonho, mas limitado. Nesse caso, a agitação das cabeças faz levantar a temperatura a valores escaldantes. Enquanto pela imposição restritiva de um passado, as possibilidades futuras procuram ser condicionadas exclusivamente por essa ordem conhecida, que tenta manter tudo previsível, congelando as cabeças, e estreitando as possibilidades futuras. 
Escusado será dizer que é inevitável um compromisso entre o caos e ordem, mas isso nem sequer será preciso definir... o piloto automático já foi ligado (pois), e resta assistir e procurar compreender.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 05:20

Entre as diversas coisas que podem ser encontradas neste blog, e que contemplam uma História mais antiga, primordial, está a consideração básica de que o Universo evoluiu para formar a inteligência, porque sem a existência de seres inteligentes, um universo de escória e calhaus nunca ganharia consciência de si (ver Arquitecturas (3)).
Acabei, entretanto, por encontrar a mesma reflexão com o nome de
«Princípio Antrópico»
e que parece ter sido debatida desde os anos 1950, 60 e 70 (J. A. Wheeler, R. Dicke, J. Barrow, F. Tipler, B. Carter, entre reconhecidos físicos e matemáticos).
Isto é para mim pouco relevante, mesmo. Não procurei, nem me interessa saber, se o assunto teve, tem ou terá mais ou menos adeptos, e por que razão. No entanto, terá interesse para o leitor saber onde poderá encontrar outros autores com trabalhos publicados, e com ideias semelhantes.

Este "princípio antrópico" ao colocar a inteligência como objectivo da evolução universal, tem o inconveniente de ir contra a religião darwinista implantada, e sofre críticas primárias (p. ex.  dererummundi.blogspot.pt), mais próprias de quem não faz a mais pálida ideia do que está a falar.

Assim, é escusado fechar os olhos a que estas coisas suscitam paixões contrárias, com dedicadas legiões de fundamentalistas religiosos ateístas, promotores do niilismo total, até porque vêem este princípio antrópico ligado a uma ideia de desenho inteligente, ou seja, a uma certa perspectiva criacionista.
Como as minhas considerações não tiveram nada a ver com o "criacionismo divino", este chamado "princípio antrópico" só coloca o homem no centro, se admitirmos que a única inteligência possível é a humana.
Ora apesar de ter já tornado claro (p.ex. de-natura-deorum.html) que a inteligência artificial é uma impossibilidade, pelo simples absurdo de que uma máquina finita não pode conceptualizar o infinito (ou outras noções abstractas), isto não invalida que uma inteligência semelhante à nossa não se possa desenvolver noutros contextos, biológicos, ou mesmo cibernéticos.

Equivalências
A cegueira fundamentalista religiosa do ateísmo moderno, não conseguindo negar este princípio antrópico, onde o Homem aparece como objectivo da evolução, acusa-o de ser uma "verdade de La Palisse", como se a afirmação darwiniana da "sobrevivência dos mais aptos", não fosse também ela uma verdade de La Palisse, mas esta já aceite sem pruridos.
Depois, indo a truques baixos, vai chamar da tumba o positivismo de Karl Popper, para poder negar as verdades "auto-evidentes", que não são consideradas científicas, porque não são susceptíveis de falsificação. Esta "ciência da falsificação" convém a qualquer corja falsária, que recusa à aritmética a dignidade falsária da ciência, mas não prescinde dela para as continhas que dão jeito. 

O leitor racional deve tanto quanto possível afastar-se dos feiticeiros e seus aprendizes, e procurar entender que há até razões críticas de ambos os lados.
De facto, perante a constatação de que o Homem é o resultado improvável de uma evolução universal, é igualmente objectivo dizer que foi causa, ou que foi consequência, dessa evolução.
Porquê?
Foi causa, porque sem inteligência, este universo nunca teria nenhum observador inteligente, o que seria equivalente à sua inexistência. Pensar na existência de um universo sem seres inteligentes, é simplesmente esquecer que não há observado sem haver observador. No entanto, o nosso Universo é suficientemente abrangente para admitir o raciocínio de tolos dispostos a negar tudo. Se nenhum universo tivesse admitido inteligência, simplesmente não teria existido nenhum universo, por falta de observador. Os que negam isto, pensam nos seus universos inconsistentes perdidos, mas só o podem fazer porque foram salvos num universo consistente que os acolheu, para sequer poderem pensar nisso.
Assim, por mais absurdas e irracionais que sejam teorias, com os seus big-bangs e relatividades da moda, encontram espaço no imaginário de hoje para falar de um passado sem pés nem cabeça. O nosso passado só fez sentido tendo em vista uma consistência que nos trouxe a este presente. E é nesse sentido que também podemos nos encarar como consequência do passado, e não apenas como causa. O caminho que traçamos do presente para o passado tem que ter consistência, independente de uma nossa existência pré-assumida. 
Numa limitada perspectiva determinista, que vê o futuro condicionado pelo passado, é precisa essa consistência racional mínima para o caminho saído do "nada". Numa alargada perspectiva quântica, as possibilidades do passado só fizeram sentido pelo próprio resultado futuro. Ou seja, se o caos fosse meramente uma probabilidade acéfala, o único futuro que permitira perceber e assegurar a existência do passado, seria o que lhe pudesse ver o traço, invertendo o caminho. O que isto significa é que um passado indetectável, a partir do presente, seria igualmente equivalente a um passado inexistente. 
Para um niilista, onde o caos não tem ordem, a história é qualquer... é uma história da carochinha, e é definida pela liberdade de pensamento da moda dos mandantes inspirados, nunca interessando perceber de onde vêm as ideias do pensamento, que isso só atrapalha as certezas cegas da ciência moderna.

Dimensão 3
No referido artigo da wikipedia, fazem-se algumas considerações sobre a ordem do nosso universo, indo ao ponto de Barrow e Tipler sugerirem que "com grande probabilidade, a nossa espécie é a única inteligente na Via Láctea": An entire chapter argues that Homo Sapiens is, with high probability, the only intelligent species in the Milky Way.
Presumo que essa consideração é meramente estatística, tendo em atenção a necessidade de estar suficientemente afastada do centro galáctico, e dentro dessa hipótese considerar condições ideais para o desenvolvimento de vida com atmosfera, etc... acabam por ser tão reduzidas ou tão alargadas, quanto a vontade de distorcer estatísticas.

Porém, o mais interessante é a consideração sobre as 3 dimensões.
Num pequeno gráfico são analisadas as possibilidades de existirem mais dimensões, não apenas espaciais, mas até temporais. Foi concluído que universos com dimensões superiores a 3 seriam instáveis, não permitindo nem estabilidade atómica, nem mesmo ao nível das órbitas planetárias. A única possibilidade para evitar essa instabilidade seria aumentar também as dimensões temporais!

Aumentar as dimensões temporais é algo que não imaginamos facilmente, mas seria equivalente a admitir a possibilidade de varrer universos 3D simultaneamente. Ou seja, em vez de vermos apenas o futuro de uma maneira, veríamos todas as suas variações. Porque se o tempo não implicar apenas um desfecho, ficamos com um rasto de possíveis desfechos. O tempo ser único é que determina a noção de verdade e falsidade. Por isso, aumentar as dimensões temporais corresponderia a universos onde a verdade não se impõe contra um absurdo.  De certa forma, convivemos com duas dimensões temporais quando somos levados pela imaginação, pelo sonho, para um outro tempo e outra realidade, mas mantemos o regresso a um único tempo, o tempo em que estamos no "acordo", em que acordamos com os outros.

Abaixo de 3 dimensões aparece "demasiado simples", ou seja seriam universos onde não se manifestaria nenhum caos, e tudo seria demasiado previsível, não podendo levar a nenhuma inteligência. 
Por exemplo, se pensarmos num ser a 2 dimensões, simplesmente não poderia alimentar-se... já que o canal do estômago separaria o animal em duas partes (basta fazer um desenho de um boneco com o canal da boca ao ânus, para perceber que ficaria dividido em duas partes)!

O caso sem tempo corresponderia a um universo estático, congelado, e tal coisa pode ser encarada num agregado 3D+1T = 4D concluído. A simetria de possibilidades deveria ser mais evidente, e desconheço a razão de invocar os hipotéticos taquiões no caso 1D+3T... mas também não há grande interesse nesse assunto.
O único interesse adicional é a informação de que a luz, e todas as ondas de rádio funcionariam apenas em dimensão 3, e de certa maneira a ideia que a estabilização das constantes físicas sugere a convergência para um universo físico que não será de índole caótica. Isto é uma das ideias que reforça a adequação do universo à nossa compreensão facilitada dele.

Sinais do Tempo
Por razões que não interessam, fui "forçado" a pensar em várias dimensões espaciais, temporais, e não apenas finitas, como as consideradas acima. Nesse deambular interrogativo, é fácil perceber os caminhos onde o caos irá imperar... como por exemplo, quando assumimos "pretensos paraísos" onde somos levados para situações sem referencial de verdade. Pretensos paraísos, porque sugerem libertações de restrições temporais, podendo fixar ou revisitar momentos bons, mas todas essas ofertas têm um contraponto pouco evidente, mas claro... desacordo, isolamento, por afastamento de uma verdade.

Apesar da imaginação nestes assuntos poder parecer grande, não vi neste caso a consideração do sinal do tempo. E até ao momento em que tive que pensar nisso, de facto não me lembrara do problema. 
As ideias de futuro, as concepções futuristas, dificilmente podem ser explicadas do passado. Não é por razão do pequeno-almoço, ou de um bom almoço, que nos surgem ideias futuristas. É mais fácil que surjam de forma "inexplicável", por inspiração num sonho, ou por reflexão num simples detalhe. Seja como for, são ideias que, inexistentes num passado, só surgem no presente tendo em vista um certo futuro. Nesse sentido podemos vê-las como vislumbre de um certo futuro, como uma qualquer outra visão, mais ou menos racional. 
Se sobre o nosso passado, dificilmente podemos pensar em mudar as coisas, as pressões para seguir um ou outro caminho futuro, podem ter uma razão bem simples. Porque, apenas escolhendo um futuro, haverá múltiplos futuros que serão omitidos, obliterados. 
Ora, admitindo o princípio antrópico mais forte, não estamos apenas em um dos possíveis universos, estamos no Universo consistente que permite conceber os restantes, mas não com a mesma validade. Por razão de verdade, há o tempo único da realidade, e o resto é imaginário. O imaginário é a componente que escapa à realidade construída e definida pelas restrições consistentes do passado. E assim é nesse campo que se joga o futuro... porque uma certa imaginação leva a um futuro e outra ignora-o ou suprime-o. O que para nós será futuro, não significa que não seja em certa medida, um dos múltiplos resultados fundados e definidos pelo passado.
Ora o casamento entre o passado e o futuro faz-se a cada presente, mas sem poligamia... e por isso os futuros que se mostram na imaginação são convites à construção de uma realidade, tendo em vista esse futuro, normalmente apelativo ou assustador para o visitado, pela ideia de futuro que se lhe apresenta. Quanto mais claro se apresentar esse futuro, mais essa ideia o condena um determinado desenrolar previsto, e fará sentido se se conjugar com o passado que conhece, mas será uma completa ilusão infernal, se ao puxar a cabeça as tentações fizerem esquecer os pés assentes na Terra, pela ordem do passado. 
Por razões de desvios, de mentiras cimentadas, o próprio passado consistente só está completamente definido em consistências físicas, e não em escritos ancestrais. Há o que tem a flexibilidade de ser encaixado e modificado - e aí cai praticamente toda a história da carochinha mal contada, e o que dificilmente pode ser modificado, pelos registos de verdadeira ciência. 

Quando chegamos a momentos cruciais, podemos ou não ter a ideia da colisão entre mundos que vão ficar condenados à parte imaginária, ignorados pelo mundo que será realidade. Nessa colisão, que define sempre o presente, o maior conhecimento da ordem científica, estreitará cada vez mais o passado, e com isso limitará cada vez mais o futuro. Assim, do futuro surge o habitual caos pronto a reformular tudo, a arrasar o passado, para um vislumbre de futuro risonho, mas limitado. Nesse caso, a agitação das cabeças faz levantar a temperatura a valores escaldantes. Enquanto pela imposição restritiva de um passado, as possibilidades futuras procuram ser condicionadas exclusivamente por essa ordem conhecida, que tenta manter tudo previsível, congelando as cabeças, e estreitando as possibilidades futuras. 
Escusado será dizer que é inevitável um compromisso entre o caos e ordem, mas isso nem sequer será preciso definir... o piloto automático já foi ligado (pois), e resta assistir e procurar compreender.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 05:20

O texto que se segue escrevi-o há quase duas semanas... era suposto ser sobre silêncio e ruído.
Tomou caminho diferente e tive que parar, porque por vezes as coisas ganham vida própria, e do que sabemos chegamos ao que não sabíamos.
Segue o texto conforme ficou... parado:
_______________________________________________ 
Zebras e Leões
Aprendemos de infância uma linguagem, pouco importa qual, interessa o processo.
Ninguém ensina uma criança a falar de forma sistemática... aliás a criança até quase pode dispensar o tutor individualizado, o que interessa é o despertar das palavras em si. Não das palavras, na forma de som, mas sim das noções que se associam a elas. 

Há um martelar do mesmo som associado a situação semelhante, e o som começa a fazer par com a situação que se repete. Até aqui não há nenhuma novidade, mas o "problema" é que não fica por aqui.

Os animais têm uma capacidade de aniquilar diferenças e remete-las ao mesmo tratamento igual.
Uma zebra aniquila a diferença entre leões com mais ou menos juba, pois a informação que lhe interessa é apenas a de se pôr a milhas de qualquer leão...
Pode parecer que o processo é destrutivo de informação, já que não cuidou de ver a distintiva juba do leão, mas a zebra não se podia estar a ralar menos para esse detalhe. De forma semelhante, o leão não parece muito interessado no padrão das listas da zebra, e presta-se a fazer refeição de qualquer uma.

O que interessa isto? 
Interessa que há uma criação de informação tomando por igual o que é diferente. Os leões são processados indistintamente pela zebra, e vice-versa. Se aí encontramos uma luta pela sobrevivência, podemos ver que o mesmo processo de tomar por igual o que é diferente permitiu definir a maior parte das noções abstractas que temos. 
Os copos, as mesas, as cadeiras, podem ser diferentes, mas retirámos as diferenças, e quando falamos num copo, não podemos dizer que falamos nalgum em particular, ainda que possamos nos referir a um em concreto.
Ora, como vimos, essa capacidade de abstracção simples parece estar presente nos animais.
Qualquer bicho tem processos inerentes desse género - servem a alimentação e a reprodução. Nalguns casos esses processos básicos evoluíram para uma socialização básica.

Uma socialização básica é apenas um apuramento desses instintos animais, onde o indivíduo procura obter vantagem aumentando o seu corpo. Ou seja, em vez de ser um único ser, a interacção de vários seres pode efectivamente levar à coordenação de um corpo maior. 
Não foge do seu aspecto animalesco se interagir com outros tendo em vista os fins animalescos.
Os leões ganham vantagem em caçar em manada, os humanos também, e em última análise fizeram exércitos para aumentar esse corpo. Os leões disputam a supremacia no grupo, e entre as fêmeas, e os humanos também... ainda que usem doutros artifícios de despiste. O maior do bairro, da paróquia, ou o mayor da cidade, do país, etc... poucas vezes é mais motivado do que por esse processo animalesco. Seja em que campo for, desde o campo de futebol, ao campo intelectual. 
A situação é tanto mais caricata que o macho em questão raramente pretende ser alfa, pretende que os alfas lhe reconheçam o estatuto de beta...

Quando deixa a socialização de ser básica?
Creio que a maior demonstração de uma socialização que ultrapassa o básico se dá quando o indivíduo abdica dos interesses próprios, para se colocar verdadeiramente noutros interesses.
Quando uma mãe defende uma cria, ainda que defenda a sua reprodução, coloca um futuro doutrém acima do seu interesse individual presente. Se é instintivo, radicado nos genes, então esses genes codificaram o destino presente do indivíduo como irrelevante face ao futuro.

Portanto, a socialização não básica é a dos parvos.
Quando o indivíduo coloca outros interesses acima do seu interesse individual animal, está a ser agente de um processo que ultrapassa os interesses do seu corpo. No entanto, continua a servir a lógica animalesca se tomar como destino apenas os seus filhos, ou alguma descendência comunitária específica. A noção primitiva podemos vê-la na mãe que defende a cria, mas o seu entendimento é limitado, provavelmente limitado pelos genes que lhe programam esse instinto. Esse é ainda o enquadramento fundamental, na ligação ao semelhante, mas deve ser estendido quando a compreensão das semelhanças se alarga à compreensão de todo o universo onde se insere. 

Ora, para a compreensão plena dessa parvoíce altruísta, a que também se chama "amor", os genes não são suficientes... porquê?

O Sísifo das Formigas
As formigas desenvolveram um processo de orientação baseado em feromonas, que lhes é muito útil na definição de caminhos, por onde umas se seguem às outras, mas ocorre um fenómeno interessante que é a possibilidade desse caminho definir um circuito. Como as formigas se basearam exclusivamente na orientação de feromonas, se esse caminho ficar circular, ficam aí presas... É algo ridículo para quem vê de fora, mas a condição de processamento animalesco, baseado numa programação genética, leva àquilo a que se chama um "loop infinito", e ao que é dito, o circuito pode não ser desfeito, ficando sucessivamente a andar em círculos até ao seu esgotamento e morte.

Portanto, nem toda a programação instintiva codificada nos genes ficou à prova de situações absurdas. 
E se a natureza foi madrasta para estas formigas não prevendo este detalhe ao dotá-las de feromonas, ofereceu-nos a possibilidade de ver o fenómeno, e tirar daí algumas ilações... nomeadamente sobre o comportamento de manadas presas a uma repetição tirada da história das suas feromonas.

Qual o principal problema nesta repetição? 
A incapacidade de ver a repetição.
Poderíamos dizer que as formigas não poderiam fazer de forma diferente, dada a informação circular... mas não é assim. Tão confiantes estavam nas suas feromonas que não abdicaram dessa orientação instintiva, apesar de ficarem cada vez mais fracas e sem alimento.

Ora, o que acontece com as formigas, acontecerá sempre com qualquer processo pré-determinado.
Qualquer regra escrita leva às mesmas acções perante as mesmas condições.
Assim, qualquer definição genética sofreria sempre do mesmo problema... do problema das formigas.
Sendo determinadas geneticamente, as acções seriam as mesmas perante situações semelhantes.
Pode argumentar-se que o cérebro se desenvolve distintamente, permitindo reacções diferentes perante situações similares... mas isso já é propriedade de cérebros mais evoluídos, e ainda assim não sairia do mesmo vício circular. Porquê? 
Porque se o cérebro fosse definido por um número finito de genes então esse próprio cérebro seria definido por um número finito de ligações (os neurónios não são infinitos), e a certa altura entrava em repetição, ao esgotarem-se todas as combinações possíveis. E isto é independente do exterior... quando o exterior se repete.

Portanto, para abdicar de andar à volta em repetições, o indivíduo teria que ter capacidade de questionar os seus instintos genéticos, ou animalescos. Teria que ter capacidade de se questionar, de ser parvo ao ponto de recusar o caminho por onde todos seguiam, e que instintivamente deveria seguir.
Ora, essa capacidade de auto-análise não é programável geneticamente.
Porquê? Porque é anti-instintiva, recusando o que é programado geneticamente.
A única coisa que a genética pode fazer é abrir a porta à programação exterior, ou seja, deixar que o caos externo se possa sobrepor à ordem interna inerente. A programação cerebral deixa de depender dos genes, e encontrando outra ordem nesse caos, é a ordem do caos exterior que definirá as noções infinitas.

Isto é apenas um pequeno complemento à evidência, já falada, de que um número finito de genes nunca poderiam programar um ser capaz de conceber o infinito. Num mundo de bezerros dourados pode ocultar-se que a inteligência artificial é impossível, pelo simples facto de ser impossível aritmeticamente a uma máquina finita desenvolver conceitos infinitos, mas isso seria voltar a falar do vortex de formigas. Isso seria falar do ruído do silêncio... 
____________________________________ 5/05/2014

Por que razão parei o texto?
Ora, o texto até estava a fluir, e apesar de extenso, até a questão maternal ligava bem com o "dia da mãe".
Apareciam várias ideias novas, que ainda não tinha aqui falado, e iria aproveitar para pegar noutras para o contexto do "Sísifo das formigas".
A parte que está a cinzento, era o fluxo planeado. A conclusão já a tinha, antes de aparecer outra.
É essa nova conclusão que remete a mais um item no tópico "Arquitecturas".

Poderia não escrever mais nada, mas não sei se fica suficientemente claro o que escrevi.
Ora, eu estava a seguir a argumentação genética, conforme a ciência tanto gosta.
O meu ponto era repetir que essa argumentação genética não podia funcionar no nosso caso, pela capacidade de conceber o infinito, pela capacidade de auto-análise, etc.
Porém, subitamente vi que poderia funcionar na mesma... e isso não estava à espera.

Ia para o argumento negativo porque não via o argumento científico positivo.
Ia para o argumento negativo porque estamos habituados a ver-nos de dentro para fora.
No entanto, bastava aceitar que a visão era feita de fora para dentro... e tudo encaixava!

O que significa isto?
Algo muito complicado e muito simples ao mesmo tempo.
Complicado porque é contra-intuitivo, simples porque é compreensível.
Significa que estamos fora do universo que vemos.
O universo físico é apenas uma plataforma de informação e comunicação.
Ninguém está dentro da internet... liga-se ao universo da internet.
Se se desligar, apenas perde a possibilidade de aí interagir e comunicar...

Até aqui seria apenas uma teoria normal, própria de um livro de sci-fi.
O problema é o encaixe. E o encaixe é perfeito.

Começa pela linguagem.
Como já disse várias vezes, ter a noção de infinito só poderia ocorrer num ser infinito. Se o nosso interior físico é limitado, o exterior não é. Por isso, a nossa noção de infinito tinha que estar fora do corpo.
O mesmo acontece com a simples noção de número.
Sabemos o que são 7 maçãs ou 7 laranjas, mas em que parte física está o número 7?
O número 7 não está em nenhuma natureza que conheçamos. Transcende toda a natureza, porque sabemos que podemos identificar 7 coisas, e estas coisas são o quê? São só o que conhecemos?
Não! A noção do número 7 aplica-se a coisas desconhecidas também.
Ora, como podemos ter esta certeza sobre o desconhecido?
O número 7 não se aplica a sete coisas... aplica-se a uma infinidade de coisas e à nossa capacidade de agrupá-las, contando sete... Pior, estabelece uma tal identificação que permite misturar na contagem alhos com bugalhos.
Tal noção só pode ter emergido depois de se ter formado. Esse invariante numérico é uma noção que o universo repetiu e repetirá pela eternidade. Só depois do número ter ficado como invariante universal, é que é impensável ser colocado em causa. Só depois é que pudemos pensar nele dessa forma.

Portanto a linguagem trouxe-nos noções infinitas invariantes que resistiram a todos os tempos.
São despoletadas nas crianças pela repetição, e ecoam firmes no infinito da sua mente onde se alicerçaram.

O processo vem de fora para dentro biologicamente... e essa foi a conclusão.
Foi a conclusão quando os genes que determinavam o indivíduo levaram a um cérebro.
Os animais passavam a ter uma possibilidade de ajustar a sua acção com o exterior. A programação ordenada geneticamente passou a aceitar modificações no comportamento através do cérebro. A formação do cérebro era interior pelo lado genético, mas exterior pela sua reprogramação na aprendizagem.
Se os instintos resultavam de ordens finitas programadas, a ordem que emergia do caos exterior permitia um novo conhecimento. O cérebro passou a ser programado como máquina formatada, com alguns programas de sobrevivência, vindos da genética, mas abriu-se também à programação externa. Se não existisse alguma ordem no caos exterior, nenhumas noções teriam sido adquiridas. Porém, o cérebro aberto a esse exterior incorporou essas manifestações externas, e fixou-as pelas noções invariantes.
Portanto, o nosso pensamento abstracto não vem do interior, está cimentado no exterior, e encontrou nos cérebros humanos uma maneira de manifestar as noções que tem... porque a arquitectura do cérebro humano era suficientemente flexível para o aceitar consistentemente.

Ora, esse exterior é comum, e por isso as noções abstractas são comuns, permitindo a linguagem.
Doutra forma, seria até suficientemente estranho que as noções abstractas fossem as mesmas, não havendo ponto comum.
Aquilo que estou a dizer nem sequer vai contra o que é assumido habitualmente... porque é obviamente pelo exterior que o cérebro aprende a linguagem. A grande diferença é que admitido que o exterior conseguiria com umas tantas repetições fazer despertar numa criança as noções da linguagem... que são infinitas, mas que ficariam dominadas "magicamente" por um cérebro finito. Isso é que é impossível matematicamente.
Por isso o nosso pensamento não pode residir nessa limitação, pode é ser condicionado por ela.

Por outro lado, ao colocar o pensamento num exterior que se manifesta e é condicionado por um avatar corpóreo, isso parece implicar que para além dessa condicionante corpórea, o substrato comum é o mesmo.
Digamos, vindos do exterior, os diversos pensamentos são canalizados para o cérebro onde fazem sentido no contexto corpóreo que o definiu. Como é óbvio, ainda que não tenham nenhuma manifestação física, ideias abstractas comuns existem... e com o contexto físico apropriado, podem ser partilhadas, mesmo para além da linguagem. Ou seja, se temos noções comuns, só condicionantes físicas implicam que não possamos ter pensamentos comuns. No entanto, quanto mais não seja a bem da diversidade, haver pensamento distinto é uma benesse contra o isolamento numa única entidade.

Este texto não será tão fundamental quanto os anteriores desta série, mas pela constatação dessa localização comum externa da abstracção do pensamento, apresenta uma visão bem diferente do habitual.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 03:59

O texto que se segue escrevi-o há quase duas semanas... era suposto ser sobre silêncio e ruído.
Tomou caminho diferente e tive que parar, porque por vezes as coisas ganham vida própria, e do que sabemos chegamos ao que não sabíamos.
Segue o texto conforme ficou... parado:
_______________________________________________ 
Zebras e Leões
Aprendemos de infância uma linguagem, pouco importa qual, interessa o processo.
Ninguém ensina uma criança a falar de forma sistemática... aliás a criança até quase pode dispensar o tutor individualizado, o que interessa é o despertar das palavras em si. Não das palavras, na forma de som, mas sim das noções que se associam a elas. 

Há um martelar do mesmo som associado a situação semelhante, e o som começa a fazer par com a situação que se repete. Até aqui não há nenhuma novidade, mas o "problema" é que não fica por aqui.

Os animais têm uma capacidade de aniquilar diferenças e remete-las ao mesmo tratamento igual.
Uma zebra aniquila a diferença entre leões com mais ou menos juba, pois a informação que lhe interessa é apenas a de se pôr a milhas de qualquer leão...
Pode parecer que o processo é destrutivo de informação, já que não cuidou de ver a distintiva juba do leão, mas a zebra não se podia estar a ralar menos para esse detalhe. De forma semelhante, o leão não parece muito interessado no padrão das listas da zebra, e presta-se a fazer refeição de qualquer uma.

O que interessa isto? 
Interessa que há uma criação de informação tomando por igual o que é diferente. Os leões são processados indistintamente pela zebra, e vice-versa. Se aí encontramos uma luta pela sobrevivência, podemos ver que o mesmo processo de tomar por igual o que é diferente permitiu definir a maior parte das noções abstractas que temos. 
Os copos, as mesas, as cadeiras, podem ser diferentes, mas retirámos as diferenças, e quando falamos num copo, não podemos dizer que falamos nalgum em particular, ainda que possamos nos referir a um em concreto.
Ora, como vimos, essa capacidade de abstracção simples parece estar presente nos animais.
Qualquer bicho tem processos inerentes desse género - servem a alimentação e a reprodução. Nalguns casos esses processos básicos evoluíram para uma socialização básica.

Uma socialização básica é apenas um apuramento desses instintos animais, onde o indivíduo procura obter vantagem aumentando o seu corpo. Ou seja, em vez de ser um único ser, a interacção de vários seres pode efectivamente levar à coordenação de um corpo maior. 
Não foge do seu aspecto animalesco se interagir com outros tendo em vista os fins animalescos.
Os leões ganham vantagem em caçar em manada, os humanos também, e em última análise fizeram exércitos para aumentar esse corpo. Os leões disputam a supremacia no grupo, e entre as fêmeas, e os humanos também... ainda que usem doutros artifícios de despiste. O maior do bairro, da paróquia, ou o mayor da cidade, do país, etc... poucas vezes é mais motivado do que por esse processo animalesco. Seja em que campo for, desde o campo de futebol, ao campo intelectual. 
A situação é tanto mais caricata que o macho em questão raramente pretende ser alfa, pretende que os alfas lhe reconheçam o estatuto de beta...

Quando deixa a socialização de ser básica?
Creio que a maior demonstração de uma socialização que ultrapassa o básico se dá quando o indivíduo abdica dos interesses próprios, para se colocar verdadeiramente noutros interesses.
Quando uma mãe defende uma cria, ainda que defenda a sua reprodução, coloca um futuro doutrém acima do seu interesse individual presente. Se é instintivo, radicado nos genes, então esses genes codificaram o destino presente do indivíduo como irrelevante face ao futuro.

Portanto, a socialização não básica é a dos parvos.
Quando o indivíduo coloca outros interesses acima do seu interesse individual animal, está a ser agente de um processo que ultrapassa os interesses do seu corpo. No entanto, continua a servir a lógica animalesca se tomar como destino apenas os seus filhos, ou alguma descendência comunitária específica. A noção primitiva podemos vê-la na mãe que defende a cria, mas o seu entendimento é limitado, provavelmente limitado pelos genes que lhe programam esse instinto. Esse é ainda o enquadramento fundamental, na ligação ao semelhante, mas deve ser estendido quando a compreensão das semelhanças se alarga à compreensão de todo o universo onde se insere. 

Ora, para a compreensão plena dessa parvoíce altruísta, a que também se chama "amor", os genes não são suficientes... porquê?

O Sísifo das Formigas
As formigas desenvolveram um processo de orientação baseado em feromonas, que lhes é muito útil na definição de caminhos, por onde umas se seguem às outras, mas ocorre um fenómeno interessante que é a possibilidade desse caminho definir um circuito. Como as formigas se basearam exclusivamente na orientação de feromonas, se esse caminho ficar circular, ficam aí presas... É algo ridículo para quem vê de fora, mas a condição de processamento animalesco, baseado numa programação genética, leva àquilo a que se chama um "loop infinito", e ao que é dito, o circuito pode não ser desfeito, ficando sucessivamente a andar em círculos até ao seu esgotamento e morte.

Portanto, nem toda a programação instintiva codificada nos genes ficou à prova de situações absurdas. 
E se a natureza foi madrasta para estas formigas não prevendo este detalhe ao dotá-las de feromonas, ofereceu-nos a possibilidade de ver o fenómeno, e tirar daí algumas ilações... nomeadamente sobre o comportamento de manadas presas a uma repetição tirada da história das suas feromonas.

Qual o principal problema nesta repetição? 
A incapacidade de ver a repetição.
Poderíamos dizer que as formigas não poderiam fazer de forma diferente, dada a informação circular... mas não é assim. Tão confiantes estavam nas suas feromonas que não abdicaram dessa orientação instintiva, apesar de ficarem cada vez mais fracas e sem alimento.

Ora, o que acontece com as formigas, acontecerá sempre com qualquer processo pré-determinado.
Qualquer regra escrita leva às mesmas acções perante as mesmas condições.
Assim, qualquer definição genética sofreria sempre do mesmo problema... do problema das formigas.
Sendo determinadas geneticamente, as acções seriam as mesmas perante situações semelhantes.
Pode argumentar-se que o cérebro se desenvolve distintamente, permitindo reacções diferentes perante situações similares... mas isso já é propriedade de cérebros mais evoluídos, e ainda assim não sairia do mesmo vício circular. Porquê? 
Porque se o cérebro fosse definido por um número finito de genes então esse próprio cérebro seria definido por um número finito de ligações (os neurónios não são infinitos), e a certa altura entrava em repetição, ao esgotarem-se todas as combinações possíveis. E isto é independente do exterior... quando o exterior se repete.

Portanto, para abdicar de andar à volta em repetições, o indivíduo teria que ter capacidade de questionar os seus instintos genéticos, ou animalescos. Teria que ter capacidade de se questionar, de ser parvo ao ponto de recusar o caminho por onde todos seguiam, e que instintivamente deveria seguir.
Ora, essa capacidade de auto-análise não é programável geneticamente.
Porquê? Porque é anti-instintiva, recusando o que é programado geneticamente.
A única coisa que a genética pode fazer é abrir a porta à programação exterior, ou seja, deixar que o caos externo se possa sobrepor à ordem interna inerente. A programação cerebral deixa de depender dos genes, e encontrando outra ordem nesse caos, é a ordem do caos exterior que definirá as noções infinitas.

Isto é apenas um pequeno complemento à evidência, já falada, de que um número finito de genes nunca poderiam programar um ser capaz de conceber o infinito. Num mundo de bezerros dourados pode ocultar-se que a inteligência artificial é impossível, pelo simples facto de ser impossível aritmeticamente a uma máquina finita desenvolver conceitos infinitos, mas isso seria voltar a falar do vortex de formigas. Isso seria falar do ruído do silêncio... 
____________________________________ 5/05/2014

Por que razão parei o texto?
Ora, o texto até estava a fluir, e apesar de extenso, até a questão maternal ligava bem com o "dia da mãe".
Apareciam várias ideias novas, que ainda não tinha aqui falado, e iria aproveitar para pegar noutras para o contexto do "Sísifo das formigas".
A parte que está a cinzento, era o fluxo planeado. A conclusão já a tinha, antes de aparecer outra.
É essa nova conclusão que remete a mais um item no tópico "Arquitecturas".

Poderia não escrever mais nada, mas não sei se fica suficientemente claro o que escrevi.
Ora, eu estava a seguir a argumentação genética, conforme a ciência tanto gosta.
O meu ponto era repetir que essa argumentação genética não podia funcionar no nosso caso, pela capacidade de conceber o infinito, pela capacidade de auto-análise, etc.
Porém, subitamente vi que poderia funcionar na mesma... e isso não estava à espera.

Ia para o argumento negativo porque não via o argumento científico positivo.
Ia para o argumento negativo porque estamos habituados a ver-nos de dentro para fora.
No entanto, bastava aceitar que a visão era feita de fora para dentro... e tudo encaixava!

O que significa isto?
Algo muito complicado e muito simples ao mesmo tempo.
Complicado porque é contra-intuitivo, simples porque é compreensível.
Significa que estamos fora do universo que vemos.
O universo físico é apenas uma plataforma de informação e comunicação.
Ninguém está dentro da internet... liga-se ao universo da internet.
Se se desligar, apenas perde a possibilidade de aí interagir e comunicar...

Até aqui seria apenas uma teoria normal, própria de um livro de sci-fi.
O problema é o encaixe. E o encaixe é perfeito.

Começa pela linguagem.
Como já disse várias vezes, ter a noção de infinito só poderia ocorrer num ser infinito. Se o nosso interior físico é limitado, o exterior não é. Por isso, a nossa noção de infinito tinha que estar fora do corpo.
O mesmo acontece com a simples noção de número.
Sabemos o que são 7 maçãs ou 7 laranjas, mas em que parte física está o número 7?
O número 7 não está em nenhuma natureza que conheçamos. Transcende toda a natureza, porque sabemos que podemos identificar 7 coisas, e estas coisas são o quê? São só o que conhecemos?
Não! A noção do número 7 aplica-se a coisas desconhecidas também.
Ora, como podemos ter esta certeza sobre o desconhecido?
O número 7 não se aplica a sete coisas... aplica-se a uma infinidade de coisas e à nossa capacidade de agrupá-las, contando sete... Pior, estabelece uma tal identificação que permite misturar na contagem alhos com bugalhos.
Tal noção só pode ter emergido depois de se ter formado. Esse invariante numérico é uma noção que o universo repetiu e repetirá pela eternidade. Só depois do número ter ficado como invariante universal, é que é impensável ser colocado em causa. Só depois é que pudemos pensar nele dessa forma.

Portanto a linguagem trouxe-nos noções infinitas invariantes que resistiram a todos os tempos.
São despoletadas nas crianças pela repetição, e ecoam firmes no infinito da sua mente onde se alicerçaram.

O processo vem de fora para dentro biologicamente... e essa foi a conclusão.
Foi a conclusão quando os genes que determinavam o indivíduo levaram a um cérebro.
Os animais passavam a ter uma possibilidade de ajustar a sua acção com o exterior. A programação ordenada geneticamente passou a aceitar modificações no comportamento através do cérebro. A formação do cérebro era interior pelo lado genético, mas exterior pela sua reprogramação na aprendizagem.
Se os instintos resultavam de ordens finitas programadas, a ordem que emergia do caos exterior permitia um novo conhecimento. O cérebro passou a ser programado como máquina formatada, com alguns programas de sobrevivência, vindos da genética, mas abriu-se também à programação externa. Se não existisse alguma ordem no caos exterior, nenhumas noções teriam sido adquiridas. Porém, o cérebro aberto a esse exterior incorporou essas manifestações externas, e fixou-as pelas noções invariantes.
Portanto, o nosso pensamento abstracto não vem do interior, está cimentado no exterior, e encontrou nos cérebros humanos uma maneira de manifestar as noções que tem... porque a arquitectura do cérebro humano era suficientemente flexível para o aceitar consistentemente.

Ora, esse exterior é comum, e por isso as noções abstractas são comuns, permitindo a linguagem.
Doutra forma, seria até suficientemente estranho que as noções abstractas fossem as mesmas, não havendo ponto comum.
Aquilo que estou a dizer nem sequer vai contra o que é assumido habitualmente... porque é obviamente pelo exterior que o cérebro aprende a linguagem. A grande diferença é que admitido que o exterior conseguiria com umas tantas repetições fazer despertar numa criança as noções da linguagem... que são infinitas, mas que ficariam dominadas "magicamente" por um cérebro finito. Isso é que é impossível matematicamente.
Por isso o nosso pensamento não pode residir nessa limitação, pode é ser condicionado por ela.

Por outro lado, ao colocar o pensamento num exterior que se manifesta e é condicionado por um avatar corpóreo, isso parece implicar que para além dessa condicionante corpórea, o substrato comum é o mesmo.
Digamos, vindos do exterior, os diversos pensamentos são canalizados para o cérebro onde fazem sentido no contexto corpóreo que o definiu. Como é óbvio, ainda que não tenham nenhuma manifestação física, ideias abstractas comuns existem... e com o contexto físico apropriado, podem ser partilhadas, mesmo para além da linguagem. Ou seja, se temos noções comuns, só condicionantes físicas implicam que não possamos ter pensamentos comuns. No entanto, quanto mais não seja a bem da diversidade, haver pensamento distinto é uma benesse contra o isolamento numa única entidade.

Este texto não será tão fundamental quanto os anteriores desta série, mas pela constatação dessa localização comum externa da abstracção do pensamento, apresenta uma visão bem diferente do habitual.

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publicado às 03:59

Procurando seguir a linha científica mais sustentada, afastando-nos apenas por ausência ou insuficiência explicativa, vamos tentar apresentar um resumo actualizado do que foi aqui apresentado, juntando outras informações.

A ligação genética coloca quase como evidente uma evolução com ponto comum nalgum primata. Não é por aí que contestamos o darwinismo: - o problema é que quem fala em origem acidental omite a origem do acidente!
De forma análoga, quem fala em origem fabricada não responde sobre a origem do fabricante... e por aí contestamos a pertinência do criacionismo, seja ele extra-terrestre ou divino.
A perspectiva que seguimos é a da inevitabilidade lógica - foi assim, pois não podia ter sido doutra forma. Esta filosofia de inevitabilidade não serve a previsão, serve a pós-visão. Serve o compreender descomprometido e não o prever pré-intencionado.

A existência requer uma observação... mas não observação literal, não é uma réplica ou espelho.
A existência confronta a não-existência, e portanto há um olhar além do simples constatar.
Assim, a existência do universo implicaria um "olhar inteligente" - é o caso humano.
A história serve o nexo da formação desse olhar.

Saindo da macacada
A vivência pacífica de hominídeos em estado tribal podia ter prosseguido por gerações incontáveis.
O desejo de subjugar o adversário não se deve ter mostrado imediatamente. A competição entre elementos da mesma espécie é ocorrência animal recente. Passou por três fases notórias, desde a competição se resumir à constatação de selecção pela alimentação e reprodução, a uma competição por confronto singular - na disputa da liderança local por um território, e finalmente à competição por confronto de grupos, tribos, algo que se manifesta nalguns hominídeos e de forma clara nos humanos.

Quando os animais se organizam em grupos, podemos entender que é formada uma nova estrutura animal, diferente do animal singular. O indivíduo aparece fragilizado e pode ser vítima do novo predador, que é o grupo. Essa nova estrutura domina e pode alimentar-se dos indivíduos de diferentes formas. Uma é a simples aniquilação, outra é a exploração, e ainda outra, a cooperação.
Na aniquilação, o indivíduo pode ser destruído ou não integrado - visando o desaparecimento daquele indivíduo, mas ignorando que o problema não desaparece. Na exploração, o indivíduo é inserido na estrutura como uma parte funcional dela, faz parte de um órgão, mas o peso da sua individualidade é apenas o de uma unidade na funcionalidade. Finalmente, na cooperação, o indivíduo insere-se na estrutura, num órgão, e a sua individualidade é tão importante quanto o conjunto, pois o conjunto visa o benefício de todos os indivíduos, e o número não se sobrepõe à unidade.

Portanto, numa fase inicial é natural que os hominídeos se preocupassem mais em estabelecer a sua sobrevivência e domínio sobre as outras espécies, e não vissem os outros com preocupação, excepto na questão de alguma interacção social ligada a uma hierarquia tribal. 
Os primatas mais próximos dos humanos são os chimpanzés e bonobos. Ao partilharem 90-98% da genética, estão mais próximos de humanos que de gorilas ou orangotangos (os outros hominídeos), mas têm atitudes sociais diferentes. Ao invés da agressividade característica dos chimpanzés, os bonobos são mais cooperativos, resolvendo muitos dos seus problemas por interacção sexual. 
É aliás bem conhecido que os bonobos e chimpanzés conseguem realizar tarefas de forma muito similar aos humanos, e são sujeitos a experimentação no campo da linguagem, onde os resultados são quase sempre limitados. A palavra "limitado" é propositada, pois a questão é justamente essa... o que faltará a esses hominídeos será uma constatação da sua limitação. Não procuram por si próprios colmatar as suas falhas, e estando satisfeitos com o seu conhecimento, com a sua compreensão, não os move o desejo do ilimitado, do infinito. Não estando condenados a essa permanente insatisfação humana, podem reagir, mas não têm a necessária curiosidade que move um evoluir, por aceitarem as lacunas. Afinal, o seu conservadorismo, pode ter mantido a herança da sua ancestral linhagem genealógica, mas nunca os aventurou para além das florestas tropicais.
Bonobos -África Central

A ideia de que os primeiros hominídeos seriam agressivos (ao contrário dos bonobos ou orangotangos), mais agressivos que gorilas, ou até que os chimpanzés, parece carecer de sustentação: 
However, the picture of early hominins as “killer ape‑like creatures” is not realistic, considering the hard evidence from fossil remains, primatology, and ethnography (cf. Sousa e Casanova, 2006)

Portanto, inicialmente não terá havido uma movimentação de conquista, nem domínio, mas uma natural expansão territorial, semelhante à que acontece com outros animais. As florestas tropicais da África Central (bonobos, chimpanzés, gorilas) e da Indonésia-Melanésia (orangotangos), podem revelar uma expansão antiga de hominídeos, entre África e o sul da Ásia, mas que não chegou a paragens americanas. A chegada americana deu-se posteriormente, com migrações humanas.

Do saber à compreensão
Algumas proezas humanas estão longe de ser proezas absolutas. O homem mais rápido não é o animal mais rápido, muito menos será o veículo mais rápido ou mais forte. Nem o homem com melhor memória ou maior capacidade de cálculo suplanta uma máquina programada para a mesma tarefa.
A capacidade de memorizar ou efectuar tarefas mecanicamente não é sintoma de nenhuma inteligência humana. Um robot pode ser programado para saber fazer tarefas mecânicas específicas. A inteligência humana manifesta-se na capacidade de compreensão, pela abstracção subjacente, podendo ser aplicada noutros contextos. Assim acontece com as simples histórias infantis, onde não é tão importante o enredo literal, mas sim a apreensão da moral subjacente.

Por isso, quando vemos algumas pedras lascadas, e outros artefactos que denunciam intencionalidade de aplicação, não significam "inteligência humana", apesar de poderem ter precedido essa inteligência humana. O mesmo olhar que vê inteligência no uso de uma pedra lascada, não pode deixar de ver inteligência num camaleão que adopta uma cor de camuflagem. Porém onde está essa inteligência?
É um reflexo interpretativo, está na génese do executor, ou no executor?
A simples constatação de que uma pedra lascada serviria o propósito de trinchar alimentos, de que uma lança poderia perfurar, ou de que o uso do fogo permitia cozinhar alimentos não é ainda revelador da transcendência humana. Há vários exemplos de animais que recorrem a utensílios, e mesmo a agricultura não é um sintoma claro dessa inteligência humana. As formigas saúvas (leaf-cutters) usam folhas para cultivar fungos, entre outros exemplos (há inclusive um peixe da família da  Castanheta que cultiva algas). Mesmo o simples construir de estruturas não revelaria essa inteligência não-programada, bastando lembrar os ninhos das aves, ou as construções das térmitas. Também encontramos entre vários animais uma interacção em estrutura social, pré-programada, onde os esquemas de servidão, actuação em matilha, obediência a hierarquia, etc... estão bem presentes e dificilmente denunciam mais inteligência do que a simples vivência para sobrevivência. 
Castanheta néon (Pomacentrus coelestis, Timor Leste)

Onde se manifesta então a inteligência humana? Na necessidade de compreender o desconhecido, na aquisição e incorporação desse desconhecido numa linguagem não literal. A religiosidade, a filosofia, ao procurarem um significado para a compreensão da existência, manifestam isso. O activo entendimento superior da natureza, procurando uma previsão de fenómenos naturais, também.
O ponto comum é a capacidade de o homem subir para se ver a si próprio e ao restante, não aceitar apenas a oferta das suas faculdades, compreender que há um racional para além delas. Por isso, o homem ciente duma ilimitação vê-se inicialmente incompleto por constatar a sua limitação... se não adquirir que, ao poder interiorizar o ilimitado, isso é prova de que não é limitado.
Máquinas ou animais que não questionem o nexo, não precisam de nexo. No entanto, o nexo ganhou existência a partir do momento em que houve animais que o viram - os humanos. Esse nexo funciona como um estômago faminto, que precisa de ser alimentado, até à completa consistência. Toda a filosofia humana passou a alimentar essa fome de compreensão, que a espécie herdou. A incompreensão gerava incompreensão... e se os bonobos podiam usar a actividade sexual para resolver os seus problemas sociais, aos humanos restava ainda resolver os problemas existenciais.

Panspérmia e Gaya
Entendendo a vida como um corpo "Gaya", que engloba todos os seres vivos, a vida apareceu e nunca desapareceu. A morte de uma célula não é a morte do corpo, e olhando o conjunto, a morte de um ser pouco afecta o conjunto da vida.
Analogamente, a vida, enquanto conjunto, esteve a evoluir, como evolui um embrião, desde a sua formação até atingir a fase adulta.
Um ser complexo tem uma individualidade que está para além da individualidade celular. Nesse mesmo sentido o conjunto da vida pode bem ser encarada como uma individualidade para além dos seus seres. Tem múltiplos componentes, tal como os animais tem múltiplos órgãos. As células morrem, o animal não. Os seres morrem, a vida na Terra não.
E, se a vida nunca cessou, esse organismo global apenas esteve em processo de formação... passando por várias fases, como uma borboleta. Podemos ter o preconceito de ver um corpo conectado pela união das células, mas se pela disjunção há diferença, há também um património genético comum entre todos os seres vivos... tal como há diferença entre as células dos diferentes órgãos de um mesmo corpo, não deixando de terem o mesmo DNA.
Os transplantes mostram até que as células não têm uma fidelidade excessiva, podendo servir a diferentes corpos. Assim, mais do que servirem exclusivamente um ser, servem o propósito maior do conjunto da vida.

Isto pode remeter para uma teoria chamada Panspérmia (ver Portugalliae - José Manuel).
O planeta Terra (ou outro planeta), funcionaria como óvulo, pronto a ser fecundado por matéria extraterrestre, da mesma forma que um óvulo aguarda a fecundação por um espermatozóide.
Se virmos essa matéria genética transportada por um cometa... as analogias são "claras no ovo".
O Sol seria a fonte materna de energia que iria alimentar essa vida, e embelezando o cenário, a própria Lua pode ser o que resta da colisão fecundadora, pairando vigilante sobre o embrião de vida que crescia e evoluía na Terra.
Tendo-se descoberto sinais de matéria orgânica nos cometas, isso dá algum suporte a uma teoria que remonta a Anaxágoras, ou mais recentemente a H. Helmholtz. Faltaria dizer de onde viria então essa matéria reprodutora, que inseria nos cometas matéria orgânica tão significativa que levaria à formação de vida em planetas distantes. Ou seja, podemos falar de um "Úrano" que fecunda Gaya?
[Escrevo "Gaya" e não Gaia, porque tenho usado o nome Gaia para algo muito maior, quase identificável ao próprio universo, e este conceito de Gaya é muito mais restrito, pois aplica-se apenas ao universo físico, e em concreto à vida na Terra. No entanto, e mais uma vez, podem ver-se analogias.]

Supernova Simeis 147 (Constelação de Touro)

Ora, há uma outra questão que normalmente é evitada. A Terra tem metais e outra "matéria pesada" que não cabe na simples produção nuclear solar, que envolve hidrogénio e hélio. Isso indica uma proveniência diferente - que remete à explosão de uma supernova, onde tal fusão seria possível. Ou seja, a matéria terrestre é suposto ter vindo de uma "estrela morta" (isto é a teoria oficial), a que acresce a própria matéria orgânica poder seguir, depois, em cometas ou asteróides. Assim sendo, um "Úrano" emissor de panspérmia, não seria destas paragens, e poderia ter gerado filhos em diversos sistemas solares.
A intencionalidade disso é assunto mais especulativo, e não liberta o criador de tal fonte emissora da sua própria origem... que até poderia ser semelhante. Por isso, como a ausência de intencionalidade precede sempre a intencionalidade, basta remeter a essa ausência. A introdução que fizemos explica onde está a razão das razões.
De qualquer forma, por um lado este é um quadro perfeitamente sustentável para admitir uma replicação de situações semelhantes à da Terra, à geração de vida análoga, e possibilidade de vida inteligente extra-terrestre. Por outro lado, interessa-nos apenas o quadro da origem sem nenhuma interferência inteligente externa, porque mais uma vez, o oposto iria remeter os "pais" aos "pais dos pais", e a uma estéril lengalenga da "galinha e do ovo".
Por perfeição, o nexo deverá ser simultaneamente circular e linear. Circular no que diz respeito à unidade, linear no que diz respeito à multiplicidade e diversidade. A junção desses dois olhares é um outro olhar, que não deixa de ser interior aos dois outros.




Inevitabilidade
Quando uma célula se divide em duas, o conjunto das duas não é visto por nenhuma delas, mas é inegável para o universo onde se dá. Uma pode ver a outra, mas quem vê as duas tem que estar num plano superior. Por isso, a duplicação, a réplica, não coloca de um lado o original e no outro a imagem literal. A duplicação não é vista pelo indivíduo, manifesta-se sim no observador acima.
No início dos inícios, o único observador disso, por inevitabilidade, seria o universo onde a réplica aparecia. Até criar um nível superior de análise, essa "visão-constatação" era exclusividade inerente.
Num nível superior podemos colocar seres que constatam o mundo anterior, podem estar acima e ver os outros, da mesma forma que o universo anterior constatava. Só que, mais uma vez, não se vêm a si mesmos... vêem o nível abaixo, mas não vêm o próprio nível onde estão. Essa diferença/união só é constatada pelo novo universo que os contém, noutro nível acima.
Voltamos por isso à situação anterior, que parece não ter fim...

Porém, esse não ter fim, é já uma constatação muito superior que, levada ao infinito, constata a sua invariância. E é nesse plano de observação, que esgota todos os planos de observação, que surgem constatações invariantes. São as noções abstractas que fundam a nossa linguagem, a nossa lógica e matemática, que constatamos como verdades universais... por exemplo, a parte está no todo, o número existe para além dos objectos contados, etc.
Esse é o nosso universo, o universo que se viu a si mesmo e onde as noções invariantes foram aparecer sob a forma de linguagem na comunicação. Tudo o resto abstracto seria redundante, no sentido em que poderia ser descrito por composição das noções base de uma linguagem.
O que faltava ver? Toda a matéria que sobrava, que não era definitiva, e que seria apresentada como deliciosos frutos ou perigosos monstros, passageiros.
Essa matéria não invariante poderia ser encapsulada de muitas formas, desde que entrasse na compreensão abstracta que era oferecida. O observado e o observador ajustam-se. Não podemos ver para além da compreensão que podemos ter, estamos apenas circunscritos à evolução dessa compreensão.
Temos a característica fundamental de sabermos que somos incompletos... como será sempre o universo, quando cada nível faz surgir um novo nível superior. Isso motiva-nos a ver mais, e nunca parece bastar o que sabemos. Porém há o outro lado... quanto mais soubermos menos resta por saber, quanto maior for o entendimento, menor será o deslumbre. Por isso, se as nossas capacidades fossem infinitas, apenas apressaríamos o fim... e o fim é tudo ver. Sendo que esse fim total é nada, porque nada mais restaria. Move-nos a incompletude, procurando a completude, mas faltava dizer que a completude é um total equivalente ao nada.
A parte e o todo coincidem na unidade... e tudo se repetiria desde o início.

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publicado às 20:17

Procurando seguir a linha científica mais sustentada, afastando-nos apenas por ausência ou insuficiência explicativa, vamos tentar apresentar um resumo actualizado do que foi aqui apresentado, juntando outras informações.

A ligação genética coloca quase como evidente uma evolução com ponto comum nalgum primata. Não é por aí que contestamos o darwinismo: - o problema é que quem fala em origem acidental omite a origem do acidente!
De forma análoga, quem fala em origem fabricada não responde sobre a origem do fabricante... e por aí contestamos a pertinência do criacionismo, seja ele extra-terrestre ou divino.
A perspectiva que seguimos é a da inevitabilidade lógica - foi assim, pois não podia ter sido doutra forma. Esta filosofia de inevitabilidade não serve a previsão, serve a pós-visão. Serve o compreender descomprometido e não o prever pré-intencionado.

A existência requer uma observação... mas não observação literal, não é uma réplica ou espelho.
A existência confronta a não-existência, e portanto há um olhar além do simples constatar.
Assim, a existência do universo implicaria um "olhar inteligente" - é o caso humano.
A história serve o nexo da formação desse olhar.

Saindo da macacada
A vivência pacífica de hominídeos em estado tribal podia ter prosseguido por gerações incontáveis.
O desejo de subjugar o adversário não se deve ter mostrado imediatamente. A competição entre elementos da mesma espécie é ocorrência animal recente. Passou por três fases notórias, desde a competição se resumir à constatação de selecção pela alimentação e reprodução, a uma competição por confronto singular - na disputa da liderança local por um território, e finalmente à competição por confronto de grupos, tribos, algo que se manifesta nalguns hominídeos e de forma clara nos humanos.

Quando os animais se organizam em grupos, podemos entender que é formada uma nova estrutura animal, diferente do animal singular. O indivíduo aparece fragilizado e pode ser vítima do novo predador, que é o grupo. Essa nova estrutura domina e pode alimentar-se dos indivíduos de diferentes formas. Uma é a simples aniquilação, outra é a exploração, e ainda outra, a cooperação.
Na aniquilação, o indivíduo pode ser destruído ou não integrado - visando o desaparecimento daquele indivíduo, mas ignorando que o problema não desaparece. Na exploração, o indivíduo é inserido na estrutura como uma parte funcional dela, faz parte de um órgão, mas o peso da sua individualidade é apenas o de uma unidade na funcionalidade. Finalmente, na cooperação, o indivíduo insere-se na estrutura, num órgão, e a sua individualidade é tão importante quanto o conjunto, pois o conjunto visa o benefício de todos os indivíduos, e o número não se sobrepõe à unidade.

Portanto, numa fase inicial é natural que os hominídeos se preocupassem mais em estabelecer a sua sobrevivência e domínio sobre as outras espécies, e não vissem os outros com preocupação, excepto na questão de alguma interacção social ligada a uma hierarquia tribal. 
Os primatas mais próximos dos humanos são os chimpanzés e bonobos. Ao partilharem 90-98% da genética, estão mais próximos de humanos que de gorilas ou orangotangos (os outros hominídeos), mas têm atitudes sociais diferentes. Ao invés da agressividade característica dos chimpanzés, os bonobos são mais cooperativos, resolvendo muitos dos seus problemas por interacção sexual. 
É aliás bem conhecido que os bonobos e chimpanzés conseguem realizar tarefas de forma muito similar aos humanos, e são sujeitos a experimentação no campo da linguagem, onde os resultados são quase sempre limitados. A palavra "limitado" é propositada, pois a questão é justamente essa... o que faltará a esses hominídeos será uma constatação da sua limitação. Não procuram por si próprios colmatar as suas falhas, e estando satisfeitos com o seu conhecimento, com a sua compreensão, não os move o desejo do ilimitado, do infinito. Não estando condenados a essa permanente insatisfação humana, podem reagir, mas não têm a necessária curiosidade que move um evoluir, por aceitarem as lacunas. Afinal, o seu conservadorismo, pode ter mantido a herança da sua ancestral linhagem genealógica, mas nunca os aventurou para além das florestas tropicais.
Bonobos -África Central

A ideia de que os primeiros hominídeos seriam agressivos (ao contrário dos bonobos ou orangotangos), mais agressivos que gorilas, ou até que os chimpanzés, parece carecer de sustentação: 
However, the picture of early hominins as “killer ape‑like creatures” is not realistic, considering the hard evidence from fossil remains, primatology, and ethnography (cf. Sousa e Casanova, 2006)

Portanto, inicialmente não terá havido uma movimentação de conquista, nem domínio, mas uma natural expansão territorial, semelhante à que acontece com outros animais. As florestas tropicais da África Central (bonobos, chimpanzés, gorilas) e da Indonésia-Melanésia (orangotangos), podem revelar uma expansão antiga de hominídeos, entre África e o sul da Ásia, mas que não chegou a paragens americanas. A chegada americana deu-se posteriormente, com migrações humanas.

Do saber à compreensão
Algumas proezas humanas estão longe de ser proezas absolutas. O homem mais rápido não é o animal mais rápido, muito menos será o veículo mais rápido ou mais forte. Nem o homem com melhor memória ou maior capacidade de cálculo suplanta uma máquina programada para a mesma tarefa.
A capacidade de memorizar ou efectuar tarefas mecanicamente não é sintoma de nenhuma inteligência humana. Um robot pode ser programado para saber fazer tarefas mecânicas específicas. A inteligência humana manifesta-se na capacidade de compreensão, pela abstracção subjacente, podendo ser aplicada noutros contextos. Assim acontece com as simples histórias infantis, onde não é tão importante o enredo literal, mas sim a apreensão da moral subjacente.

Por isso, quando vemos algumas pedras lascadas, e outros artefactos que denunciam intencionalidade de aplicação, não significam "inteligência humana", apesar de poderem ter precedido essa inteligência humana. O mesmo olhar que vê inteligência no uso de uma pedra lascada, não pode deixar de ver inteligência num camaleão que adopta uma cor de camuflagem. Porém onde está essa inteligência?
É um reflexo interpretativo, está na génese do executor, ou no executor?
A simples constatação de que uma pedra lascada serviria o propósito de trinchar alimentos, de que uma lança poderia perfurar, ou de que o uso do fogo permitia cozinhar alimentos não é ainda revelador da transcendência humana. Há vários exemplos de animais que recorrem a utensílios, e mesmo a agricultura não é um sintoma claro dessa inteligência humana. As formigas saúvas (leaf-cutters) usam folhas para cultivar fungos, entre outros exemplos (há inclusive um peixe da família da  Castanheta que cultiva algas). Mesmo o simples construir de estruturas não revelaria essa inteligência não-programada, bastando lembrar os ninhos das aves, ou as construções das térmitas. Também encontramos entre vários animais uma interacção em estrutura social, pré-programada, onde os esquemas de servidão, actuação em matilha, obediência a hierarquia, etc... estão bem presentes e dificilmente denunciam mais inteligência do que a simples vivência para sobrevivência. 
Castanheta néon (Pomacentrus coelestis, Timor Leste)

Onde se manifesta então a inteligência humana? Na necessidade de compreender o desconhecido, na aquisição e incorporação desse desconhecido numa linguagem não literal. A religiosidade, a filosofia, ao procurarem um significado para a compreensão da existência, manifestam isso. O activo entendimento superior da natureza, procurando uma previsão de fenómenos naturais, também.
O ponto comum é a capacidade de o homem subir para se ver a si próprio e ao restante, não aceitar apenas a oferta das suas faculdades, compreender que há um racional para além delas. Por isso, o homem ciente duma ilimitação vê-se inicialmente incompleto por constatar a sua limitação... se não adquirir que, ao poder interiorizar o ilimitado, isso é prova de que não é limitado.
Máquinas ou animais que não questionem o nexo, não precisam de nexo. No entanto, o nexo ganhou existência a partir do momento em que houve animais que o viram - os humanos. Esse nexo funciona como um estômago faminto, que precisa de ser alimentado, até à completa consistência. Toda a filosofia humana passou a alimentar essa fome de compreensão, que a espécie herdou. A incompreensão gerava incompreensão... e se os bonobos podiam usar a actividade sexual para resolver os seus problemas sociais, aos humanos restava ainda resolver os problemas existenciais.

Panspérmia e Gaya
Entendendo a vida como um corpo "Gaya", que engloba todos os seres vivos, a vida apareceu e nunca desapareceu. A morte de uma célula não é a morte do corpo, e olhando o conjunto, a morte de um ser pouco afecta o conjunto da vida.
Analogamente, a vida, enquanto conjunto, esteve a evoluir, como evolui um embrião, desde a sua formação até atingir a fase adulta.
Um ser complexo tem uma individualidade que está para além da individualidade celular. Nesse mesmo sentido o conjunto da vida pode bem ser encarada como uma individualidade para além dos seus seres. Tem múltiplos componentes, tal como os animais tem múltiplos órgãos. As células morrem, o animal não. Os seres morrem, a vida na Terra não.
E, se a vida nunca cessou, esse organismo global apenas esteve em processo de formação... passando por várias fases, como uma borboleta. Podemos ter o preconceito de ver um corpo conectado pela união das células, mas se pela disjunção há diferença, há também um património genético comum entre todos os seres vivos... tal como há diferença entre as células dos diferentes órgãos de um mesmo corpo, não deixando de terem o mesmo DNA.
Os transplantes mostram até que as células não têm uma fidelidade excessiva, podendo servir a diferentes corpos. Assim, mais do que servirem exclusivamente um ser, servem o propósito maior do conjunto da vida.

Isto pode remeter para uma teoria chamada Panspérmia (ver Portugalliae - José Manuel).
O planeta Terra (ou outro planeta), funcionaria como óvulo, pronto a ser fecundado por matéria extraterrestre, da mesma forma que um óvulo aguarda a fecundação por um espermatozóide.
Se virmos essa matéria genética transportada por um cometa... as analogias são "claras no ovo".
O Sol seria a fonte materna de energia que iria alimentar essa vida, e embelezando o cenário, a própria Lua pode ser o que resta da colisão fecundadora, pairando vigilante sobre o embrião de vida que crescia e evoluía na Terra.
Tendo-se descoberto sinais de matéria orgânica nos cometas, isso dá algum suporte a uma teoria que remonta a Anaxágoras, ou mais recentemente a H. Helmholtz. Faltaria dizer de onde viria então essa matéria reprodutora, que inseria nos cometas matéria orgânica tão significativa que levaria à formação de vida em planetas distantes. Ou seja, podemos falar de um "Úrano" que fecunda Gaya?
[Escrevo "Gaya" e não Gaia, porque tenho usado o nome Gaia para algo muito maior, quase identificável ao próprio universo, e este conceito de Gaya é muito mais restrito, pois aplica-se apenas ao universo físico, e em concreto à vida na Terra. No entanto, e mais uma vez, podem ver-se analogias.]

Supernova Simeis 147 (Constelação de Touro)

Ora, há uma outra questão que normalmente é evitada. A Terra tem metais e outra "matéria pesada" que não cabe na simples produção nuclear solar, que envolve hidrogénio e hélio. Isso indica uma proveniência diferente - que remete à explosão de uma supernova, onde tal fusão seria possível. Ou seja, a matéria terrestre é suposto ter vindo de uma "estrela morta" (isto é a teoria oficial), a que acresce a própria matéria orgânica poder seguir, depois, em cometas ou asteróides. Assim sendo, um "Úrano" emissor de panspérmia, não seria destas paragens, e poderia ter gerado filhos em diversos sistemas solares.
A intencionalidade disso é assunto mais especulativo, e não liberta o criador de tal fonte emissora da sua própria origem... que até poderia ser semelhante. Por isso, como a ausência de intencionalidade precede sempre a intencionalidade, basta remeter a essa ausência. A introdução que fizemos explica onde está a razão das razões.
De qualquer forma, por um lado este é um quadro perfeitamente sustentável para admitir uma replicação de situações semelhantes à da Terra, à geração de vida análoga, e possibilidade de vida inteligente extra-terrestre. Por outro lado, interessa-nos apenas o quadro da origem sem nenhuma interferência inteligente externa, porque mais uma vez, o oposto iria remeter os "pais" aos "pais dos pais", e a uma estéril lengalenga da "galinha e do ovo".
Por perfeição, o nexo deverá ser simultaneamente circular e linear. Circular no que diz respeito à unidade, linear no que diz respeito à multiplicidade e diversidade. A junção desses dois olhares é um outro olhar, que não deixa de ser interior aos dois outros.




Inevitabilidade
Quando uma célula se divide em duas, o conjunto das duas não é visto por nenhuma delas, mas é inegável para o universo onde se dá. Uma pode ver a outra, mas quem vê as duas tem que estar num plano superior. Por isso, a duplicação, a réplica, não coloca de um lado o original e no outro a imagem literal. A duplicação não é vista pelo indivíduo, manifesta-se sim no observador acima.
No início dos inícios, o único observador disso, por inevitabilidade, seria o universo onde a réplica aparecia. Até criar um nível superior de análise, essa "visão-constatação" era exclusividade inerente.
Num nível superior podemos colocar seres que constatam o mundo anterior, podem estar acima e ver os outros, da mesma forma que o universo anterior constatava. Só que, mais uma vez, não se vêm a si mesmos... vêem o nível abaixo, mas não vêm o próprio nível onde estão. Essa diferença/união só é constatada pelo novo universo que os contém, noutro nível acima.
Voltamos por isso à situação anterior, que parece não ter fim...

Porém, esse não ter fim, é já uma constatação muito superior que, levada ao infinito, constata a sua invariância. E é nesse plano de observação, que esgota todos os planos de observação, que surgem constatações invariantes. São as noções abstractas que fundam a nossa linguagem, a nossa lógica e matemática, que constatamos como verdades universais... por exemplo, a parte está no todo, o número existe para além dos objectos contados, etc.
Esse é o nosso universo, o universo que se viu a si mesmo e onde as noções invariantes foram aparecer sob a forma de linguagem na comunicação. Tudo o resto abstracto seria redundante, no sentido em que poderia ser descrito por composição das noções base de uma linguagem.
O que faltava ver? Toda a matéria que sobrava, que não era definitiva, e que seria apresentada como deliciosos frutos ou perigosos monstros, passageiros.
Essa matéria não invariante poderia ser encapsulada de muitas formas, desde que entrasse na compreensão abstracta que era oferecida. O observado e o observador ajustam-se. Não podemos ver para além da compreensão que podemos ter, estamos apenas circunscritos à evolução dessa compreensão.
Temos a característica fundamental de sabermos que somos incompletos... como será sempre o universo, quando cada nível faz surgir um novo nível superior. Isso motiva-nos a ver mais, e nunca parece bastar o que sabemos. Porém há o outro lado... quanto mais soubermos menos resta por saber, quanto maior for o entendimento, menor será o deslumbre. Por isso, se as nossas capacidades fossem infinitas, apenas apressaríamos o fim... e o fim é tudo ver. Sendo que esse fim total é nada, porque nada mais restaria. Move-nos a incompletude, procurando a completude, mas faltava dizer que a completude é um total equivalente ao nada.
A parte e o todo coincidem na unidade... e tudo se repetiria desde o início.

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publicado às 20:17

Banho maria

17.10.13
A minha falta de cultura hermética nacional revela-se em pequenos detalhes, como o simples "usar sem pensar" de algumas expressões que nos foram legadas.
Uma delas estava em banho-maria.
É claro que é uma expressão conhecida desde criança, no que diz respeito a aquecer coisas... porém faltou a curiosidade de perguntar - quem era a Maria?
Como esta há tantas outras... e simplesmente não inspeccionamos a língua que herdámos.
Muitos podem considerar que é uma invocação da figura temperada de Santa Maria, e isso levaria a um texto mais indicado para o 13 de Outubro, e não para hoje.

Maria, a judia.
Maria, a judia, alquimista do Séc. III a.C.

Do que pude apurar, a expressão refere-se a uma percursora do alquimismo - Maria, a judia, também dita Maria, a profetisa, ou a copta.
Sendo uma figura semi-mítica, aparece em dois contextos diferentes. Ou como Miriam, irmã de Moisés, ou como discípula copta de um hermetismo de Hermes Trimegisto, onde é referida como tendo influência em Demócrito (o que a remeteria para o Séc. V a.C.), ou ainda vivendo já no período romano, sendo citada por Zosimo de Panopolis, numa panóplia de atribuições alquimistas. Para o gnóstico Zósimo os anjos caídos teriam ensinado às mulheres a arte da metalurgia, e o conhecimento fundamental estaria guardado pelos egípcios e hebreus, ou seja, passando a tempos modernos, é legado da maçonaria e judiaria.

Isto é praticamente irrelevante face aquilo a que se chama o Axioma de Maria, e que foi relacionado com a filosofia alquimista dos quatro elementos (terra, água, ar, fogo):
Um passa a Dois, Dois passa a Três, e pelo Terceiro aparece o Um como Quarto.

Esta aritmética hermética é praticamente a mesma que encontramos no taoísmo, em Laozi, conforme referi num texto anteriorO Caminho faz nascer a Unidade, a Unidade faz nascer a Dualidade, a Dualidade faz nascer a Trindade, e a Trindade faz nascer uma miríade de criaturas.

Nesse texto anterior (Arquitecturas-5) procurei dar um nexo a estas afirmações que parecem gratuitas, mas podem ter um substrato racional, se bem entendidas... algo que não está presente, mesmo hermeticamente, nas frases transmitidas. Não é o "um" que passa a "dois", nem é a "unidade" que gera a "dualidade", etc...
Para dar nexo racional, pode observar-se o boneco que coloquei no Odemaia:
... em que a construção é um simples enquadrar do desenhado anteriormente. 
Outra explicação pode ser vista como uma charada - "escreva numa frase tudo o que foi escrito":
0 - nada
1 - foi escrito "nada"
2 - foi escrito "nada" e ainda "foi escrito "nada""
3 - foi escrito "nada" e ainda "foi escrito "nada"" e ainda "foi escrito "nada" e ainda "foi escrito "nada""" 
etc...

O que parece uma brincadeira infantil é intrinsecamente mais que isso, pois evidencia uma inevitabilidade de uma geração, qualquer que seja o ponto de partida... mesmo que se comece do "nada".

Ver nisto uma brincadeira é infantil. Os antigos filósofos sabiam bem disso, pois prezavam a profundidade da simplicidade complexa. É nesse sentido que nos aparecem as frases herméticas, como o Axioma de Maria, ou o Caminho de Laozi.

A inexistência implicaria uma existência da inexistência, e o processo não pára.
É indiferente de onde se parte. Podemos chegar ao terceiro ponto e dizer que tudo aquilo é nada... mas voltar ao zero não nos deixa de remeter aos pontos seguintes. A tentativa de redução, de anulação, não resolve nada.
Quando dizemos "nada" podemos dizer "qualquer coisa", ou até "tudo"... o processo está lá e não pára, mesmo com tudo. Afinal, o tudo não tem fim, não é estático.
Numa visão estática isto parece contraditório, e baralhou filósofos e lógicos, como Russell, no início do Séc. XX... e é ainda hoje ensinado como paradoxo. Mas não há nenhum paradoxo... simplesmente não faz sentido querer parar o processo para o analisar. É tão ridículo quanto os propalados milhões gastos na investigação para descobrir o funcionamento profundo do cérebro humano. O ridículo é que um cérebro pode entender outro cérebro, mas não o próprio... a análise a qualquer momento seria desactualizada, pois não incluiria o novo conhecimento entretanto analisado.
Até uma criança percebe isto, mas mesmo assim o assunto colecta dinheiro e propaganda pseudo-científica, para disfarçar as insuficiências epistemológicas da ciência moderna.

Isto não significa que não haja matéria para o conhecimento profundo. Há. Simplesmente não envolve bisturis, envolve apenas pensar seriamente, sem os preconceitos induzidos pela modernidade.
O método experimental serve a experiência, e pouco serve à descoberta. A experimentação revela mais novos mundos por descobrir do que serve para a descoberta do inicial. E o ponto crucial é que todos os mundos são mundos, diferentes nuns aspectos, iguais noutros. E quando se trata do geral, olhar para as particularidades das diferenças é mera distracção.
À descoberta filosófica basta a simples observação e reflexão... o velho método aristotélico. Não foi esse o caminho seguido pelos alquimistas, que forçaram a experimentação aos limites, interessando-se pelo detalhe, pelo particular. Não se compreende melhor a água sabendo que é H2O, porque isso não responde em nada aos porquês. Por que razão a soma dos números atómicos da água é 1+1+8=10? Tudo isso serve apenas para levantar novas questões, esquecendo as fundamentais.

O Axioma de Maria, ou o Caminho de Laozi, têm uma tradução filosófica simples, própria dos gnósticos. 
A unidade começa por ser a consciência do eu, só que essa consciência do eu está para além do eu que observa, revela um não-eu, levando à dualidade entre o "eu" e o "não-eu". A unidade que se vê a si própria separa-se no observador e observado - o um gera o dois. Porém, "ver os dois" é uma terceira identidade, mas não deixa de ser ainda o observador, o eu inicial, o um. Ou seja, quem tem a consciência do "eu e não-eu" é o próprio eu, e a trindade fecha-se. O terceiro é o primeiro.
Na perspectiva mais abstracta não há qualquer necessidade de quarto ou quinto elemento... 
A sequência que leva ao quarto segundo Maria, ou a sequência de Laozi que leva à miríade natural, é já uma crença facultativa.
E isto é mais complicado de escrever, porque não se vê escrito em parte alguma... mas encarar o não-eu como uma entidade múltipla é uma mera opção do observador. O eu prefere encarar o mundo numa multiplicidade, em que o não-eu são muitas coisas e não uma só, uma única entidade que lhe é dual. Pior, isso é válido para o eu e para o não-eu... ou seja, o eu, que se vê como unitário, aparece ao não-eu como múltiplo. Esta dança a dois, com o seu carácter abstracto, aplica-se a tudo. Se o "eu" se vê pequeno e impotente perante um ameaçador "não-eu", que inclui os outros e toda a natureza restante, convém lembrar que o "eu" é o "não-eu" desse outro imenso. As dimensões equivalem-se pela complementaridade, tudo o que falha a um está no outro. Algo completamente diferente é a consciência do eu presente, já que essa complementaridade vai para além desse tempo. A nossa história não é feita a um tempo só, foi feita a dois tempos... o que já se cumpriu em potência, e o que se cumpre, que é uma revisitação em consciência.

Em suma, ambas as afirmações, de Maria ou Laozi, fazem sentido dentro de um hermetismo, mas é preciso entendê-las racionalmente.
Agora, é de facto um pouco estranho saber destas coisas em "banho-maria".

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publicado às 02:48

Banho maria

17.10.13
A minha falta de cultura hermética nacional revela-se em pequenos detalhes, como o simples "usar sem pensar" de algumas expressões que nos foram legadas.
Uma delas estava em banho-maria.
É claro que é uma expressão conhecida desde criança, no que diz respeito a aquecer coisas... porém faltou a curiosidade de perguntar - quem era a Maria?
Como esta há tantas outras... e simplesmente não inspeccionamos a língua que herdámos.
Muitos podem considerar que é uma invocação da figura temperada de Santa Maria, e isso levaria a um texto mais indicado para o 13 de Outubro, e não para hoje.

Maria, a judia.
Maria, a judia, alquimista do Séc. III a.C.

Do que pude apurar, a expressão refere-se a uma percursora do alquimismo - Maria, a judia, também dita Maria, a profetisa, ou a copta.
Sendo uma figura semi-mítica, aparece em dois contextos diferentes. Ou como Miriam, irmã de Moisés, ou como discípula copta de um hermetismo de Hermes Trimegisto, onde é referida como tendo influência em Demócrito (o que a remeteria para o Séc. V a.C.), ou ainda vivendo já no período romano, sendo citada por Zosimo de Panopolis, numa panóplia de atribuições alquimistas. Para o gnóstico Zósimo os anjos caídos teriam ensinado às mulheres a arte da metalurgia, e o conhecimento fundamental estaria guardado pelos egípcios e hebreus, ou seja, passando a tempos modernos, é legado da maçonaria e judiaria.

Isto é praticamente irrelevante face aquilo a que se chama o Axioma de Maria, e que foi relacionado com a filosofia alquimista dos quatro elementos (terra, água, ar, fogo):
Um passa a Dois, Dois passa a Três, e pelo Terceiro aparece o Um como Quarto.

Esta aritmética hermética é praticamente a mesma que encontramos no taoísmo, em Laozi, conforme referi num texto anteriorO Caminho faz nascer a Unidade, a Unidade faz nascer a Dualidade, a Dualidade faz nascer a Trindade, e a Trindade faz nascer uma miríade de criaturas.

Nesse texto anterior (Arquitecturas-5) procurei dar um nexo a estas afirmações que parecem gratuitas, mas podem ter um substrato racional, se bem entendidas... algo que não está presente, mesmo hermeticamente, nas frases transmitidas. Não é o "um" que passa a "dois", nem é a "unidade" que gera a "dualidade", etc...
Para dar nexo racional, pode observar-se o boneco que coloquei no Odemaia:
... em que a construção é um simples enquadrar do desenhado anteriormente. 
Outra explicação pode ser vista como uma charada - "escreva numa frase tudo o que foi escrito":
0 - nada
1 - foi escrito "nada"
2 - foi escrito "nada" e ainda "foi escrito "nada""
3 - foi escrito "nada" e ainda "foi escrito "nada"" e ainda "foi escrito "nada" e ainda "foi escrito "nada""" 
etc...

O que parece uma brincadeira infantil é intrinsecamente mais que isso, pois evidencia uma inevitabilidade de uma geração, qualquer que seja o ponto de partida... mesmo que se comece do "nada".

Ver nisto uma brincadeira é infantil. Os antigos filósofos sabiam bem disso, pois prezavam a profundidade da simplicidade complexa. É nesse sentido que nos aparecem as frases herméticas, como o Axioma de Maria, ou o Caminho de Laozi.

A inexistência implicaria uma existência da inexistência, e o processo não pára.
É indiferente de onde se parte. Podemos chegar ao terceiro ponto e dizer que tudo aquilo é nada... mas voltar ao zero não nos deixa de remeter aos pontos seguintes. A tentativa de redução, de anulação, não resolve nada.
Quando dizemos "nada" podemos dizer "qualquer coisa", ou até "tudo"... o processo está lá e não pára, mesmo com tudo. Afinal, o tudo não tem fim, não é estático.
Numa visão estática isto parece contraditório, e baralhou filósofos e lógicos, como Russell, no início do Séc. XX... e é ainda hoje ensinado como paradoxo. Mas não há nenhum paradoxo... simplesmente não faz sentido querer parar o processo para o analisar. É tão ridículo quanto os propalados milhões gastos na investigação para descobrir o funcionamento profundo do cérebro humano. O ridículo é que um cérebro pode entender outro cérebro, mas não o próprio... a análise a qualquer momento seria desactualizada, pois não incluiria o novo conhecimento entretanto analisado.
Até uma criança percebe isto, mas mesmo assim o assunto colecta dinheiro e propaganda pseudo-científica, para disfarçar as insuficiências epistemológicas da ciência moderna.

Isto não significa que não haja matéria para o conhecimento profundo. Há. Simplesmente não envolve bisturis, envolve apenas pensar seriamente, sem os preconceitos induzidos pela modernidade.
O método experimental serve a experiência, e pouco serve à descoberta. A experimentação revela mais novos mundos por descobrir do que serve para a descoberta do inicial. E o ponto crucial é que todos os mundos são mundos, diferentes nuns aspectos, iguais noutros. E quando se trata do geral, olhar para as particularidades das diferenças é mera distracção.
À descoberta filosófica basta a simples observação e reflexão... o velho método aristotélico. Não foi esse o caminho seguido pelos alquimistas, que forçaram a experimentação aos limites, interessando-se pelo detalhe, pelo particular. Não se compreende melhor a água sabendo que é H2O, porque isso não responde em nada aos porquês. Por que razão a soma dos números atómicos da água é 1+1+8=10? Tudo isso serve apenas para levantar novas questões, esquecendo as fundamentais.

O Axioma de Maria, ou o Caminho de Laozi, têm uma tradução filosófica simples, própria dos gnósticos. 
A unidade começa por ser a consciência do eu, só que essa consciência do eu está para além do eu que observa, revela um não-eu, levando à dualidade entre o "eu" e o "não-eu". A unidade que se vê a si própria separa-se no observador e observado - o um gera o dois. Porém, "ver os dois" é uma terceira identidade, mas não deixa de ser ainda o observador, o eu inicial, o um. Ou seja, quem tem a consciência do "eu e não-eu" é o próprio eu, e a trindade fecha-se. O terceiro é o primeiro.
Na perspectiva mais abstracta não há qualquer necessidade de quarto ou quinto elemento... 
A sequência que leva ao quarto segundo Maria, ou a sequência de Laozi que leva à miríade natural, é já uma crença facultativa.
E isto é mais complicado de escrever, porque não se vê escrito em parte alguma... mas encarar o não-eu como uma entidade múltipla é uma mera opção do observador. O eu prefere encarar o mundo numa multiplicidade, em que o não-eu são muitas coisas e não uma só, uma única entidade que lhe é dual. Pior, isso é válido para o eu e para o não-eu... ou seja, o eu, que se vê como unitário, aparece ao não-eu como múltiplo. Esta dança a dois, com o seu carácter abstracto, aplica-se a tudo. Se o "eu" se vê pequeno e impotente perante um ameaçador "não-eu", que inclui os outros e toda a natureza restante, convém lembrar que o "eu" é o "não-eu" desse outro imenso. As dimensões equivalem-se pela complementaridade, tudo o que falha a um está no outro. Algo completamente diferente é a consciência do eu presente, já que essa complementaridade vai para além desse tempo. A nossa história não é feita a um tempo só, foi feita a dois tempos... o que já se cumpriu em potência, e o que se cumpre, que é uma revisitação em consciência.

Em suma, ambas as afirmações, de Maria ou Laozi, fazem sentido dentro de um hermetismo, mas é preciso entendê-las racionalmente.
Agora, é de facto um pouco estranho saber destas coisas em "banho-maria".

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publicado às 02:48

Com chás (3)

23.07.13
Chá Mate.
O Chimarrão, ou Chá Mate, é uma infusão popular do Sul do Brasil até à Argentina, e também em toda a América do Sul. O recipiente por onde se bebe esta infusão é normalmente a parte inferior de uma cabaça (ou cuia):
Cabaça (cuia) por onde se bebe o chá mate.

O assunto do chá na cabaça parece ser aqui um pouco forçado, por via do título dos textos e tema anterior. No entanto, posso fazer uma ligação simples e interessante, indo parar rapidamente das pampas argentinas à zona sul, à Patagónia, cuja conquista se deu na transição para o Séc. XX. A partir daí, deixou-se de ouvir falar naquela raça de gigantes que enchia a imaginação europeia desde a viagem de Magalhães.
Sim, já falei disto aqui, aquiaqui ou aqui... e sendo certo que não gosto de me repetir, há um ligeiro detalhe que devo adicionar. Repisco a famosa imagem de contacto entre patagões e europeus, e ao lado coloco uma imagem do chinês Yao Ming, a estrela de basquetebol da NBA, que alinhou pelos Houston Rockets:
 
Imagem de Patagões no contacto europeu, e imagem de Yao Ming na NBA
(a ligação mostra ainda outros 5 jogadores de 2,30 m)
... a desproporção é muito semelhante.

Bom, e o que nos diz o "Viajante Universal", antes de falar sobre o Taiti... fala por acaso da "Terra Magallanica", da altura dos patagões, e de como era um mito infundado que fossem "gigantes", porque:
Sua controvertida estatura excede geralmente à dos Europeus: medidos escrupulosamente os mais altos, achou-se que não passavam de 7 pés e 1,25 polegadas (2,17 m); e a comum estatura era de 6,5 até 7 pés (ou seja, entre 2,00 e 2,13 metros). Segundo reflecte Mr. Bougainville não é tão notável seu talhe como sua corpulência, que em alguns chegava a 4 pés e 4 polegadas (1,35m) na circunferência do peito; porém seus pés e mãos não correspondem ao membrudo das outras partes (!) Todos estão cobertos de carne sem poder-se chamar gordos: a tensão de seus músculos manifesta a sua força, e não é desagradável sua figura (...)
Uma estatura que (nos medidos) variava entre 2 e 2,20 metros torna claro que a imagem da ilustração era bem verosímil, e estávamos em presença de um povo quase gigante, em que Yao Ming seria um indivíduo normal, e não uma excepção. Aliás, recordamos, era isso que dizia Buffon (1774-89):
- "As raças de gigantes antigamente tão comuns na Ásia, já aí não subsistem. Por que razão as encontramos hoje na América?"

Como dissemos, a pergunta de Buffon, teria uma actualização no Séc. XX:
- Por que razão desapareceram os gigantes do globo?
Há mercados e mercadorias, e a Argentina muito foi subsidiada pelos "mercados" na sua expansão irracional para o terreno patagão, conhecendo um crescimento económico notável no início do Séc. XX. Ao mesmo tempo os patagões foram aniquilados, e passaram a ser confundidos com os Tehuelche.

Por muito que tente a objectividade, há uma confusão de sentimentos associada ao drama de extinção de um povo que tinha o problema nato de ser diferente... dizia Camões (Lusíadas, Canto X - 141):
Dês que passar a via mais que meia
Que ao Antártico Pólo vai da Linha,
Düa estatura quási giganteia
Homens verá, da terra ali vizinha;
 
E mais avante o Estreito que se arreia
Co nome dele agora, o qual caminha
Pera outro mar e terra que fica onde
Com suas frias asas o Austro a esconde.
Agora, "Duma estatura quase gigantesca, homens já não verá..." porque a mediocridade assim o exigiu, e continuará a tentar exigir o impossível para que os ratos se possam esconder nos buracos financeiros, sendo certo que serão os primeiros a abandonar qualquer barca infernal que conduzam.

Qual a relação dos patagões com o chimarrão, com o chá mate?
Começa pelo nome dos seus fiéis cães:
- "São tão fieis companheiros destes Índios os cães, que rara vez os vimos sem um grande número deles: sua casta é quase semelhante à que em Buenos Aires chamam Cimarrões, dos quais certamente trazem a sua origem (...)"
Quanto à palavra "mate", talvez o "xeique-mate" tenha sido decidido à hora de Londres do chá, chá mate!
A pequena palha chamar-se bomba, também não remeterá necessariamente a bombear o líquido.
Depois, a história ganha detalhes mais sinistros, porque a própria zona Gaúcha, do Chimarrão, já teria uma imigração das Canárias, onde tinha ocorrido uma aniquilação dos Guanches, tidos também como gigantes, aquando da conquista espanhola... "com suas frias asas o Austro a esconde". Esta palavra "austro", que escondeu a ilha australiana, mostrou a bicéfala asa imperial da casa austríaca.

Infusão.
Poderia ficar por aqui, porque o tema assim se justificava.
Porém, esta relação está longe de ser suficiente para quem não aprecia chá...
Há muitas possibilidades de infusões... sendo que o simples chá de limão poderia ter constituído uma bebida popular. Porém, a própria escassez alimentar de citrinos, associada ao escorbuto, é outro facto que merece menção. O nome das laranjas estar associado ao nome de Portugal, é outro ponto que evidencia algo estranho. As laranjeiras eram árvores ornamentais, pelo menos entre persas e árabes.
Se é dito que o nome laranja vem do sânscrito "naranga", onde variou para "naranja" entre árabes, nós ficámos com essa derivação do nome, enquanto italianos, gregos, turcos, e outros árabes usavam "portocala" para designar a laranja. Portanto, usamos o nome vindo do Médio Oriente, e aí usa-se o nome vindo daqui? Não é isso que me leva a seguir o texto...

Afinal o que se bebia na Antiguidade até à Idade Média?... 
Não seria café, nem chá... nem sequer um cházinho de limão!
Bom, na Europa havia o vinho, as misturas com mel, hidromel, e variantes de cerveja. Porém, entre os árabes, por via religiosa, nem isso seria permitido. Há uma tradição do chá árabe, mas ainda assim parece vir da Pérsia, só no Séc. XV (tal como o café, por via etíope)... ou seja, quase ao mesmo tempo que os descobrimentos vão tomar essa importação de chá vinda da China. Na China seria já popular muitos séculos antes, sendo a sua introdução remetida a um dos 3 míticos soberanos chineses, Shennong.
Shenong faria uma investigação sobre a natureza das plantas, tal como os druídas celtas (simbolizados por Panoramix), ou outros xamãs, também se entreteriam com as suas "poções" e "mézinhas":

Da cabaça passamos ao caldeirão:
... afinal, quem estava associado à confecção de estranhas infusões com particularidades "mágicas"? 
... a livre ideia de ferver plantas colhidas no campo, seria benvinda a uma sociedade onde a apenas alguns estava reservado o direito de fazer "poções"?

Ou seja, para banir veleidades de experiências psicotrópicas com ervas, parecem ter sidos introduzidos bloqueadores morais. Na Idade Média fazer uma infusão num caldeirão seria algo associado à "bruxaria" ou "alquimia". Um simples cozinhado "não convencional" poderia ser conotado com práticas pouco recomendáveis de bruxaria. Se ao tempo dos druidas esses cozinhados estariam reservados a uma classe sacerdotal, com a chegada da Idade Média, nem tão pouco isso iria ser bem recebido.

As classes dirigentes da sociedade nunca viram o livre uso de plantas com bons olhos:
- o aspecto medicinal seria positivo, para alguns... mas o aspecto psicotrópico das drogas causaria um problema social grave. Uma coisa é a cocaína na Coca, outra coisa é o refrigerante Coca Cola.
Por isso, a chegada do chá, do café, coincidiu com uma prática alargada que foi recuperar medicamentos nas selvas tropicais, ou outras paragens remotas, como no caso das Quinas e do quinino.

Subitamente a sociedade admitia de novo a experimentação de plantas para o uso benéfico da população, com a contrapartida de controlar o problema nefasto do seu abuso... Mas, foi paradigmático a China, de onde saíra o simbólico chá, ver-se confrontada com a alienação da população por via da Guerra do Ópio.

Transversalmente, nas mais diversas tribos do globo, aparece uma prática religiosa de xamãs que criam condições de alteração de consciência, seja através de plantas, de venenos em doses toleradas, ou outras. A medicina ligava-se às práticas religiosas neste aspecto, sendo comum o duplo papel - médico e religioso, dos xamãs.
Os xamãs em diferentes culturas (imagem da wikipedia)

Nalgumas tribos índias o ritual de iniciação da adolescência passava por um retiro introspectivo do indivíduo, sujeito a alterações de consciência (plantas, veneno de serpente), que o confrontavam consigo próprio, com os seus medos e fantasmas. Serviria como uma entrada num mundo espiritual, mas não visaria apenas a educação do próprio jovem... serviria também para que desse relevo de realidade a um mundo de espíritos, onde contaria com o seu xamã como guardião.
Peter Gabriel - San Jacinto
(relatando a experiência iniciática de um jovem índio)
I hold the line - the line of strength that pulls me through the fear 
San Jacinto - I hold the line 
San Jacinto - the poison bite and darkness take my sight - 
I hold the line - And the tears roll down my swollen cheek - think I'm losing it - getting weaker 
I hold the line - I hold the line San Jacinto - yellow eagle flies down from the sun - from the sun

Ao contrário de uma sociedade tribal, as civilizações desenvolveram-se numa base de privacidade, onde a individualidade não é respeitada, é condicionada. Numa pequena tribo, os conceitos de privacidade fazem pouco sentido e, por outro lado, conhecendo-se melhor os convivas, os seus problemas serão problemas de todo o grupo. Ao contrário, as civilizações fizeram pagar a privacidade com a desconfiança... sendo permitidos segredos, são todos suspeitos disso mesmo. Por melhores sistemas de vigilância que sejam implementados, a desconfiança serve apenas como chama que se alimenta a si própria.

Os xamãs, e análogos, encontram um mundo alternativo... de universos que se quiseram impor e sucumbiram às próprias contradições. Um caos ausente que encontra uma porta para se manifestar através de irracionalidades presentes... irracionalidades que na sua contradição têm tanto de destruidoras, como de criadoras de belos universos em manifestações artísticas. Um caos presente na iminência destruidora de uma simples sinapse de comando, contra uma ordem regeneradora, que se soube sobrepor à aniquilação. E falo no passado, porque é o passado de todos os universos que falharam, mas que reservaram o direito de se manifestar no único que os poderia albergar. Foi esse o preço da racionalidade albergar a irracionalidade, a beleza, a inocência do amor, as incertezas, e a perversidade hedonista e niilista das suas manipulações... é isso que teremos que transportar em cada presente - todas ilusões e mentiras colapsadas dos "amanhãs que cantariam", e que encontraram maior expressão na única porta que lhes ficou aberta - a irracionalidade e aparente fragilidade humana.


Nota adicional (24/7/2013)
Não sendo o chá, propriamente dito, objecto de análise destes textos que escrevi, não quero deixar de sinalizar uma bela obra: 
(1905)

Começa assim a prosa romantizada de Venceslau de Moraes:
É no Oriente, e em especial no Extremo-Oriente, que as coisas communs da creação ou os usos e costumes triviaes da vida são susceptiveis de merecer um tal requinte de solemnidade sentimental e de praxes de rito, que constituam um verdadeiro culto. No espirito do europeu, despoetizado pela chateza dos ideais da epoca, atribulado pelas multiplices exigencias da vida, pervertido pela febre do negocio, não medram de há muito os cultos. Especializando a observação ao chá, havemos de convir que este artigo de commercio, que de tão longe nos vem, propositadamente adulterado conforme o nosso gosto, no fim de contas se resume n'uma detestavel infusão que entrou em moda no sport social, simples pretexto para repastos pelintras, para reuniões banaes, para palestras vãs. 
Este parágrafo ilustra bem como a generalidade da sociedade ocidental iria tratar a informação... os barões assinalados teriam as suas bibliotecas privadas de espampanantes encadernações... de livros nunca abertos.
As camélias chinesas ou japonesas serviriam um ritual de chá que seria uma encadernação do livro que tinha outro significado quando reportado ao local de origem.
Num pequeno texto, fácil de ler, Moraes coloca muita informação sobre o ritual do chá no Japão, que vai desde mitos, costumes, histórias, até à própria produção, em particular no rio Uji:


O texto de Moraes está decorado com belas e informativas ilustrações japonesas da época, que servem como uma fotografia de tempos passados a Oriente, no quadro duma estabilidade colonial e comercial da belle époque que antecederia as convulsões mundiais do Séc. XX.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:05

Com chás (3)

23.07.13
Chá Mate.
O Chimarrão, ou Chá Mate, é uma infusão popular do Sul do Brasil até à Argentina, e também em toda a América do Sul. O recipiente por onde se bebe esta infusão é normalmente a parte inferior de uma cabaça (ou cuia):
Cabaça (cuia) por onde se bebe o chá mate.

O assunto do chá na cabaça parece ser aqui um pouco forçado, por via do título dos textos e tema anterior. No entanto, posso fazer uma ligação simples e interessante, indo parar rapidamente das pampas argentinas à zona sul, à Patagónia, cuja conquista se deu na transição para o Séc. XX. A partir daí, deixou-se de ouvir falar naquela raça de gigantes que enchia a imaginação europeia desde a viagem de Magalhães.
Sim, já falei disto aqui, aquiaqui ou aqui... e sendo certo que não gosto de me repetir, há um ligeiro detalhe que devo adicionar. Repisco a famosa imagem de contacto entre patagões e europeus, e ao lado coloco uma imagem do chinês Yao Ming, a estrela de basquetebol da NBA, que alinhou pelos Houston Rockets:
 
Imagem de Patagões no contacto europeu, e imagem de Yao Ming na NBA
(a ligação mostra ainda outros 5 jogadores de 2,30 m)
... a desproporção é muito semelhante.

Bom, e o que nos diz o "Viajante Universal", antes de falar sobre o Taiti... fala por acaso da "Terra Magallanica", da altura dos patagões, e de como era um mito infundado que fossem "gigantes", porque:
Sua controvertida estatura excede geralmente à dos Europeus: medidos escrupulosamente os mais altos, achou-se que não passavam de 7 pés e 1,25 polegadas (2,17 m); e a comum estatura era de 6,5 até 7 pés (ou seja, entre 2,00 e 2,13 metros). Segundo reflecte Mr. Bougainville não é tão notável seu talhe como sua corpulência, que em alguns chegava a 4 pés e 4 polegadas (1,35m) na circunferência do peito; porém seus pés e mãos não correspondem ao membrudo das outras partes (!) Todos estão cobertos de carne sem poder-se chamar gordos: a tensão de seus músculos manifesta a sua força, e não é desagradável sua figura (...)
Uma estatura que (nos medidos) variava entre 2 e 2,20 metros torna claro que a imagem da ilustração era bem verosímil, e estávamos em presença de um povo quase gigante, em que Yao Ming seria um indivíduo normal, e não uma excepção. Aliás, recordamos, era isso que dizia Buffon (1774-89):
- "As raças de gigantes antigamente tão comuns na Ásia, já aí não subsistem. Por que razão as encontramos hoje na América?"

Como dissemos, a pergunta de Buffon, teria uma actualização no Séc. XX:
- Por que razão desapareceram os gigantes do globo?
Há mercados e mercadorias, e a Argentina muito foi subsidiada pelos "mercados" na sua expansão irracional para o terreno patagão, conhecendo um crescimento económico notável no início do Séc. XX. Ao mesmo tempo os patagões foram aniquilados, e passaram a ser confundidos com os Tehuelche.

Por muito que tente a objectividade, há uma confusão de sentimentos associada ao drama de extinção de um povo que tinha o problema nato de ser diferente... dizia Camões (Lusíadas, Canto X - 141):
Dês que passar a via mais que meia
Que ao Antártico Pólo vai da Linha,
Düa estatura quási giganteia
Homens verá, da terra ali vizinha;
 
E mais avante o Estreito que se arreia
Co nome dele agora, o qual caminha
Pera outro mar e terra que fica onde
Com suas frias asas o Austro a esconde.
Agora, "Duma estatura quase gigantesca, homens já não verá..." porque a mediocridade assim o exigiu, e continuará a tentar exigir o impossível para que os ratos se possam esconder nos buracos financeiros, sendo certo que serão os primeiros a abandonar qualquer barca infernal que conduzam.

Qual a relação dos patagões com o chimarrão, com o chá mate?
Começa pelo nome dos seus fiéis cães:
- "São tão fieis companheiros destes Índios os cães, que rara vez os vimos sem um grande número deles: sua casta é quase semelhante à que em Buenos Aires chamam Cimarrões, dos quais certamente trazem a sua origem (...)"
Quanto à palavra "mate", talvez o "xeique-mate" tenha sido decidido à hora de Londres do chá, chá mate!
A pequena palha chamar-se bomba, também não remeterá necessariamente a bombear o líquido.
Depois, a história ganha detalhes mais sinistros, porque a própria zona Gaúcha, do Chimarrão, já teria uma imigração das Canárias, onde tinha ocorrido uma aniquilação dos Guanches, tidos também como gigantes, aquando da conquista espanhola... "com suas frias asas o Austro a esconde". Esta palavra "austro", que escondeu a ilha australiana, mostrou a bicéfala asa imperial da casa austríaca.

Infusão.
Poderia ficar por aqui, porque o tema assim se justificava.
Porém, esta relação está longe de ser suficiente para quem não aprecia chá...
Há muitas possibilidades de infusões... sendo que o simples chá de limão poderia ter constituído uma bebida popular. Porém, a própria escassez alimentar de citrinos, associada ao escorbuto, é outro facto que merece menção. O nome das laranjas estar associado ao nome de Portugal, é outro ponto que evidencia algo estranho. As laranjeiras eram árvores ornamentais, pelo menos entre persas e árabes.
Se é dito que o nome laranja vem do sânscrito "naranga", onde variou para "naranja" entre árabes, nós ficámos com essa derivação do nome, enquanto italianos, gregos, turcos, e outros árabes usavam "portocala" para designar a laranja. Portanto, usamos o nome vindo do Médio Oriente, e aí usa-se o nome vindo daqui? Não é isso que me leva a seguir o texto...

Afinal o que se bebia na Antiguidade até à Idade Média?... 
Não seria café, nem chá... nem sequer um cházinho de limão!
Bom, na Europa havia o vinho, as misturas com mel, hidromel, e variantes de cerveja. Porém, entre os árabes, por via religiosa, nem isso seria permitido. Há uma tradição do chá árabe, mas ainda assim parece vir da Pérsia, só no Séc. XV (tal como o café, por via etíope)... ou seja, quase ao mesmo tempo que os descobrimentos vão tomar essa importação de chá vinda da China. Na China seria já popular muitos séculos antes, sendo a sua introdução remetida a um dos 3 míticos soberanos chineses, Shennong.
Shenong faria uma investigação sobre a natureza das plantas, tal como os druídas celtas (simbolizados por Panoramix), ou outros xamãs, também se entreteriam com as suas "poções" e "mézinhas":

Da cabaça passamos ao caldeirão:
... afinal, quem estava associado à confecção de estranhas infusões com particularidades "mágicas"? 
... a livre ideia de ferver plantas colhidas no campo, seria benvinda a uma sociedade onde a apenas alguns estava reservado o direito de fazer "poções"?

Ou seja, para banir veleidades de experiências psicotrópicas com ervas, parecem ter sidos introduzidos bloqueadores morais. Na Idade Média fazer uma infusão num caldeirão seria algo associado à "bruxaria" ou "alquimia". Um simples cozinhado "não convencional" poderia ser conotado com práticas pouco recomendáveis de bruxaria. Se ao tempo dos druidas esses cozinhados estariam reservados a uma classe sacerdotal, com a chegada da Idade Média, nem tão pouco isso iria ser bem recebido.

As classes dirigentes da sociedade nunca viram o livre uso de plantas com bons olhos:
- o aspecto medicinal seria positivo, para alguns... mas o aspecto psicotrópico das drogas causaria um problema social grave. Uma coisa é a cocaína na Coca, outra coisa é o refrigerante Coca Cola.
Por isso, a chegada do chá, do café, coincidiu com uma prática alargada que foi recuperar medicamentos nas selvas tropicais, ou outras paragens remotas, como no caso das Quinas e do quinino.

Subitamente a sociedade admitia de novo a experimentação de plantas para o uso benéfico da população, com a contrapartida de controlar o problema nefasto do seu abuso... Mas, foi paradigmático a China, de onde saíra o simbólico chá, ver-se confrontada com a alienação da população por via da Guerra do Ópio.

Transversalmente, nas mais diversas tribos do globo, aparece uma prática religiosa de xamãs que criam condições de alteração de consciência, seja através de plantas, de venenos em doses toleradas, ou outras. A medicina ligava-se às práticas religiosas neste aspecto, sendo comum o duplo papel - médico e religioso, dos xamãs.
Os xamãs em diferentes culturas (imagem da wikipedia)

Nalgumas tribos índias o ritual de iniciação da adolescência passava por um retiro introspectivo do indivíduo, sujeito a alterações de consciência (plantas, veneno de serpente), que o confrontavam consigo próprio, com os seus medos e fantasmas. Serviria como uma entrada num mundo espiritual, mas não visaria apenas a educação do próprio jovem... serviria também para que desse relevo de realidade a um mundo de espíritos, onde contaria com o seu xamã como guardião.
Peter Gabriel - San Jacinto
(relatando a experiência iniciática de um jovem índio)
I hold the line - the line of strength that pulls me through the fear 
San Jacinto - I hold the line 
San Jacinto - the poison bite and darkness take my sight - 
I hold the line - And the tears roll down my swollen cheek - think I'm losing it - getting weaker 
I hold the line - I hold the line San Jacinto - yellow eagle flies down from the sun - from the sun

Ao contrário de uma sociedade tribal, as civilizações desenvolveram-se numa base de privacidade, onde a individualidade não é respeitada, é condicionada. Numa pequena tribo, os conceitos de privacidade fazem pouco sentido e, por outro lado, conhecendo-se melhor os convivas, os seus problemas serão problemas de todo o grupo. Ao contrário, as civilizações fizeram pagar a privacidade com a desconfiança... sendo permitidos segredos, são todos suspeitos disso mesmo. Por melhores sistemas de vigilância que sejam implementados, a desconfiança serve apenas como chama que se alimenta a si própria.

Os xamãs, e análogos, encontram um mundo alternativo... de universos que se quiseram impor e sucumbiram às próprias contradições. Um caos ausente que encontra uma porta para se manifestar através de irracionalidades presentes... irracionalidades que na sua contradição têm tanto de destruidoras, como de criadoras de belos universos em manifestações artísticas. Um caos presente na iminência destruidora de uma simples sinapse de comando, contra uma ordem regeneradora, que se soube sobrepor à aniquilação. E falo no passado, porque é o passado de todos os universos que falharam, mas que reservaram o direito de se manifestar no único que os poderia albergar. Foi esse o preço da racionalidade albergar a irracionalidade, a beleza, a inocência do amor, as incertezas, e a perversidade hedonista e niilista das suas manipulações... é isso que teremos que transportar em cada presente - todas ilusões e mentiras colapsadas dos "amanhãs que cantariam", e que encontraram maior expressão na única porta que lhes ficou aberta - a irracionalidade e aparente fragilidade humana.


Nota adicional (24/7/2013)
Não sendo o chá, propriamente dito, objecto de análise destes textos que escrevi, não quero deixar de sinalizar uma bela obra: 
(1905)

Começa assim a prosa romantizada de Venceslau de Moraes:
É no Oriente, e em especial no Extremo-Oriente, que as coisas communs da creação ou os usos e costumes triviaes da vida são susceptiveis de merecer um tal requinte de solemnidade sentimental e de praxes de rito, que constituam um verdadeiro culto. No espirito do europeu, despoetizado pela chateza dos ideais da epoca, atribulado pelas multiplices exigencias da vida, pervertido pela febre do negocio, não medram de há muito os cultos. Especializando a observação ao chá, havemos de convir que este artigo de commercio, que de tão longe nos vem, propositadamente adulterado conforme o nosso gosto, no fim de contas se resume n'uma detestavel infusão que entrou em moda no sport social, simples pretexto para repastos pelintras, para reuniões banaes, para palestras vãs. 
Este parágrafo ilustra bem como a generalidade da sociedade ocidental iria tratar a informação... os barões assinalados teriam as suas bibliotecas privadas de espampanantes encadernações... de livros nunca abertos.
As camélias chinesas ou japonesas serviriam um ritual de chá que seria uma encadernação do livro que tinha outro significado quando reportado ao local de origem.
Num pequeno texto, fácil de ler, Moraes coloca muita informação sobre o ritual do chá no Japão, que vai desde mitos, costumes, histórias, até à própria produção, em particular no rio Uji:


O texto de Moraes está decorado com belas e informativas ilustrações japonesas da época, que servem como uma fotografia de tempos passados a Oriente, no quadro duma estabilidade colonial e comercial da belle époque que antecederia as convulsões mundiais do Séc. XX.

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