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Tive conhecimento apenas há dias da morte de Manuel Luciano da Silva, que passou de forma mais discreta que José Hermano Saraiva, ambos falecidos neste ano de 2012. O meu conhecimento dos dois resumiu-se ao que divulgaram, cada qual à sua maneira e contexto. Há três anos quando começava a pesquisar sobre estes assuntos, o site DightonRock foi talvez dos primeiros onde vi alguma contestação mais consistente às versões oficiais. Nessa altura foram ainda importantes:
- Portugalliae de José Manuel Oliveira, 
- Ilhas Míticas do Atlântico de Rui P. Martins, 
- Causa Mérita de Rui Duque. 

É reveladora a frase que Rui P. Martins tem no final da sua página:
Fica já agora um agradecimento a todos os editores que rejeitaram os meus livros por não ter já publicado (o chamado ciclo vicioso) e por não ser um descendente de alguém famoso. Bem hajam! (e que ardam todos no Inferno)
Esta é uma pura informação de marinheiro, que serve de aviso à navegação seguinte. É um aviso de baixios, onde encalharam tantos esforços de divulgação.
Para que conste, acho que são tudo esforços infantis contra-a-corrente, e refiro-me apenas aos dos editores e seus mentores encobertos. 
A parte não tem nenhum poder sobre o todo. 
Por isso, toda a ilusão de domínio, controlo, poder, etc... não passa disso mesmo, de uma ilusão temporária. No máximo, as dificuldades levantadas, os dramas vividos, cumprirão a posteriori uma justificação de apuramento da consciência.

Um ponto comum nos autores que citei foi dar relevo à exploração dos Corte-Real, e nesse sentido junto mais alguma informação sobre o
Fretum trium fratrum (Estreito dos Três Irmãos)
Esta designação é comummente atribuída aos três irmãos Corte-Real, na expedição de 1500, a mando do Rei D. Manuel, e que já aqui referimos muitas vezes.

No livro "Voyages in Search of the North-west Passage", de Richard Hakluyt (1552-1616) é elucidativa a menção:
And the King of Portugal, fearing lest the emperor would have persevered in this his enterprise, gave him, to leave the matter unattempted, the sum of 350,000 crowns; and it is to be supposed that the King of Portugal would not have given to the emperor such sums of money for eggs in moonshine.
It hath been attempted by Corterialis the Portuguese, Scolmus the Dane, and by Sebastian Cabot in the time of King Henry VII.
And it hath been performed by the three brethren, the Indians aforesaid, and by Urdaneta, the friar of Mexico.
Portanto, temos uma compra do Rei de Portugal (provavelmente D. João III) no valor de 350 mil coroas, dadas ao Imperador de Espanha, que teriam o objectivo natural de silenciar a Passagem Noroeste.
Como Hakluyt diz ironicamente, tal valor não seria dado para "ovos ao luar" (uma receita da época)... seria naturalmente para manter a exclusividade da Rota das Índias.
Por isso, a ocultação de que nos podemos queixar hoje, foi também, como é óbvio, resultado da política comercial que privilegiava "o segredo do negócio".

Hayklut refere-se à tentativa de João Vaz Corte Real e de John Scolvus (John Scolmus, ou ainda Jan Kolna), que teriam participado na expedição comum organizada por Afonso V e Cristiano I da Dinamarca, em 1473, que teria ainda Didrik PiningHans Pothorst (tidos como piratas), bem como Álvaro Martins. Estes exploradores foram recompensados, com capitanias (Corte Real e Álvaro Martins) e com o governo da Islândia (Pining)... e como diria Hakluyt não teria sido devido a "ovos ao luar".
Hakluyt inclui ainda na lista de tentativas falhadas Sebastião Caboto, filho de João Caboto, que teria sido forçado a regressar pela tripulação, ao tentar a Passagem Noroeste.

Mais notável é que Hakluyt não parece ter dúvidas que teria sido conseguida pelos três irmãos Corte-Real, sendo conhecida a história de Gaspar, que desaparece em 1501, do irmão Miguel que desaparece no seu encalce, e do irmão Vasco, que é proibido de os procurar por ordem de D. Manuel.

No entanto, aqui é preciso relativizar, e não cair no mesmo erro que criticamos (aceitar documentos sem olhar às intenções de quem os produz)... há intenções em Hakluyt - uma clara pretensão de convencer a Rainha Isabel I de Inglaterra a patrocinar as viagens pela Passagem Noroeste. Chega aliás a comparar a sua proposta, à proposta de Colombo à outra Isabel, a Católica. O objectivo era atingir o Oriente por essa Passagem Noroeste. 
Vai mais longe, e aqui vemos o problema de quem está fora do controlo da situação:
These things considered and impartially weighed together, with the wonderful commodities which this discovery may bring, especially to this realm of England, I must needs conclude with learned Baptista Ramusius, and divers other learned men, who said that this discovery hath been reserved for some noble prince or worthy man, thereby to make himself rich, and the world happy(...)
Ou seja, Hakluyt citava Ramusio (e "outros") para considerar que a descoberta estaria reservada para alguém devidamente "escolhido"... um autêntico "teórico da conspiração", este conselheiro de Isabel I. No entanto, é seguindo estes "teóricos da conspiração", que achavam que a Inglaterra estava a ficar "fora da submersa jogada" internacional, que Isabel I vai lançar as bases para a ascenção inglesa.
Richard Hakluyt (vitral na Catedral de Bristol)

Como já dissemos foi Hakluyt que traduziu António Galvão e o considerou uma preciosidade... tal como Galvão foi repudiado e acabou na miséria, Hakluyt cita outro exemplo:
Nevertheless, to approve that there lieth a way to Cathay at the north-west from out of Europe, we have experience, namely of three brethren that went that journey, as Gemma Frisius recordeth, and left a name unto that strait, whereby now it is called Fretum Trium Fratrum.  We do read again of a Portuguese that passed this strait, of whom Master Frobisher speaketh, that was imprisoned therefore many years in Lisbon, to verify the old Spanish proverb, “I suffer for doing well.”  Likewise, An. Urdaneta, a friar of Mexico, came out of Mare del Sur this way into Germany; his card, for he was a great discoverer, made by his own experience and travel in that voyage, hath been seen by gentlemen of good credit.
"Sofro por fazer bem...", é o ditado espanhol que Hakluyt usa para descrever a situação de um português que teria sido aprisionado muitos anos, por ter passado esse Estreito dos Três Irmãos, segundo Martin Frobisher. As explorações portuguesas pararam por decreto, e quem o desrespeitasse arriscava o cárcere. Hakluyt cita ainda o globo de Gemma Frisius que diz:

Fretum trium fratrum, per quod Lusitani ad Orientem et ad Moluccas nauigare e conati sunt

Esta afirmação de Frisius "Estreito dos Três Irmãos, pelo qual os Lusitanos navegaram e procuraram o  Oriente e Molucas" (assinalada por R.P.Martins), é uma das provas que Hakluyt usa para fundamentar a existência dessa mesma passagem. Ora, não são conhecidas razões que levassem o holandês Frisius a querer atribuir a navegação aos irmãos portugueses, a menos que ela tivesse de facto ocorrido. Para além disso, quer Ortelius, quer Lavanha, nos seus Theatrum Mundi, tinham contornos da zona ártica demasiado bons para serem apenas um mero acaso.
Há ainda uma curiosa menção ao frade e navegador espanhol André de Urdaneta, que também teria realizado a Passagem Noroeste, no sentido oposto. Porém, a partir daí, a partir do Séc. XVII, essa passagem irá revelar-se um plano falhado. A Inglaterra apostará nessa demanda, seguindo o conselho de Hayklut, e muitos dos nomes acabaram substituídos pelos nomes dos exploradores ingleses. Haveria um Promontório Corte-Real, perto de um rio Polisacus (referindo-se a Jan Scolvus), mas esses nomes foram convenientemente substituídos:
Moreover, the passage is certainly proved by a navigation that a Portuguese made, who passed through this strait, giving name to a promontory far within the same, calling it after his own name, Promontorium Corterialis, near adjoining unto Polisacus Fluvius.
Curiosamente, ainda hoje se mantém o nome "Labrador", referindo-se João Fernandes (Lavrador), que tem sido misturado na expedição de Caboto à Terra Nova. Injustamente parece que o nome de Caboto foi ignorado, e só permaneceu o nome do "lavrador"... Houve, é claro, um anterior João Fernandes ao serviço do Infante D. Henrique, mas não seria "lavrador". Até porque sabemos que as navegações do Infante iam sempre no contorno africano, e as do Atlântico resumiam-se a encontrar os Açores. Descobertos os Açores, que sentido é que fazia continuar para Ocidente? Parece que nenhum, parece que toda a exploração ocidental começara e terminara na descoberta dos Açores. Ora bem, nada mais lógico para a inteligência nacional.

O problema posterior, explica-se com um gráfico de alteração da temperatura:
Variação de Temperatura nos últimos 1000 anos (de john-daly.com)

Ao contrário do que tem sido propagandeado, o aumento de temperatura recente nada tem de tão artificial... e com isto ninguém está aqui a dizer que não há óbvios cuidados a ter com o meio-ambiente e poluição.
O que se passa é que há alguns ciclos naturais de temperatura (talvez pela actividade solar). A temperatura começou a aumentar no final da Idade Média ("Medieval Warm Period") atingindo o máximo no início das Descobertas, e depois vai começar a diminuir sucessivamente. No final do Séc. XIX terá atingido o seu mínimo global ("Little Ice Age").

Qual o problema disto? Os marinheiros dos Séc. XV e XVI estavam ainda a beneficiar desse período quente, as zonas árticas e antárticas não estavam tão inacessíveis à navegação quanto iriam ficar nos séculos seguintes. A Passagem Noroeste seria possível para os irmãos Corte-Real, mas começaria a ser quase impraticável para os exploradores que se seguiriam.

Talvez uma das mais dramáticas ocorrências é a de Hudson, que acabará abandonado pela tripulação, que se recusará a prosseguir na demanda pela Passagem Noroeste. A baía de Hudson que tomou o seu nome aparecia já sinalizada nos mapas de Ortelius e Lavanha. A concretização da passagem é atribuída a Amundsen, já no Séc. XX. 
No entanto, durante todo o Séc. XX a passagem esteve bloqueada pelos gelos, só sendo possível com quebra-gelos. Terá abrido recentemente com o degelo, que se atribui ao "aquecimento global", esquecendo o registo histórico da variação de temperaturas.
Ainda que haja uma nova passagem para os navios entre a Ásia e a Europa, parece que são preferidas as temperaturas mais frígidas, e o eventual perigo de desinteresse no Canal do Panamá é relativo, dada a cessão de controlo pelos EUA desde 1999.

O gráfico anterior é ainda instrutivo se atendermos a que se evidencia um ciclo de circa 500 anos, que colocaria a outra "pequena idade do gelo" no início da Idade Média, e um período mais quente na época romana, algo que já tínhamos sinalizado. Essa temperatura poderia ser de tal forma quente que os romanos consideravam as terras abaixo do Trópico de Cancer como inabitáveis.

Coloquei aqui apenas algumas citações do livro de Hakluyt relevantes para o tema, há ainda uma menção à chegada de índios na época do Império Romano e na época medieval, que Hakluyt associa à Passagem Noroeste. Provavelmente retira parte dessa informação de Galvão, conforme já mencionámos, mas o seu objectivo é forçar a via noroeste, negligenciando a rota nordeste, que depois será tomada por Melgueiro. A viagem de Melgueiro será especialmente notável, pois em 1660 os gelos já tornariam a navegação na Passagem Nordeste uma proeza única.

Nota: Hakluyt tem o nome numa Sociedade "The Hakluyt Society" onde se podem encontrar alguns textos que navegam contra a corrente oficial dos descobrimentos. Curiosamente tem também o nome associado a uma firma de "inteligência" que saiu do MI6 inglês -  Hakluyt Company.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:08

Tive conhecimento apenas há dias da morte de Manuel Luciano da Silva, que passou de forma mais discreta que José Hermano Saraiva, ambos falecidos neste ano de 2012. O meu conhecimento dos dois resumiu-se ao que divulgaram, cada qual à sua maneira e contexto. Há três anos quando começava a pesquisar sobre estes assuntos, o site DightonRock foi talvez dos primeiros onde vi alguma contestação mais consistente às versões oficiais. Nessa altura foram ainda importantes:
- Portugalliae de José Manuel Oliveira, 
- Ilhas Míticas do Atlântico de Rui P. Martins, 
- Causa Mérita de Rui Duque. 

É reveladora a frase que Rui P. Martins tem no final da sua página:
Fica já agora um agradecimento a todos os editores que rejeitaram os meus livros por não ter já publicado (o chamado ciclo vicioso) e por não ser um descendente de alguém famoso. Bem hajam! (e que ardam todos no Inferno)
Esta é uma pura informação de marinheiro, que serve de aviso à navegação seguinte. É um aviso de baixios, onde encalharam tantos esforços de divulgação.
Para que conste, acho que são tudo esforços infantis contra-a-corrente, e refiro-me apenas aos dos editores e seus mentores encobertos. 
A parte não tem nenhum poder sobre o todo. 
Por isso, toda a ilusão de domínio, controlo, poder, etc... não passa disso mesmo, de uma ilusão temporária. No máximo, as dificuldades levantadas, os dramas vividos, cumprirão a posteriori uma justificação de apuramento da consciência.

Um ponto comum nos autores que citei foi dar relevo à exploração dos Corte-Real, e nesse sentido junto mais alguma informação sobre o
Fretum trium fratrum (Estreito dos Três Irmãos)
Esta designação é comummente atribuída aos três irmãos Corte-Real, na expedição de 1500, a mando do Rei D. Manuel, e que já aqui referimos muitas vezes.

No livro "Voyages in Search of the North-west Passage", de Richard Hakluyt (1552-1616) é elucidativa a menção:
And the King of Portugal, fearing lest the emperor would have persevered in this his enterprise, gave him, to leave the matter unattempted, the sum of 350,000 crowns; and it is to be supposed that the King of Portugal would not have given to the emperor such sums of money for eggs in moonshine.
It hath been attempted by Corterialis the Portuguese, Scolmus the Dane, and by Sebastian Cabot in the time of King Henry VII.
And it hath been performed by the three brethren, the Indians aforesaid, and by Urdaneta, the friar of Mexico.
Portanto, temos uma compra do Rei de Portugal (provavelmente D. João III) no valor de 350 mil coroas, dadas ao Imperador de Espanha, que teriam o objectivo natural de silenciar a Passagem Noroeste.
Como Hakluyt diz ironicamente, tal valor não seria dado para "ovos ao luar" (uma receita da época)... seria naturalmente para manter a exclusividade da Rota das Índias.
Por isso, a ocultação de que nos podemos queixar hoje, foi também, como é óbvio, resultado da política comercial que privilegiava "o segredo do negócio".

Hayklut refere-se à tentativa de João Vaz Corte Real e de John Scolvus (John Scolmus, ou ainda Jan Kolna), que teriam participado na expedição comum organizada por Afonso V e Cristiano I da Dinamarca, em 1473, que teria ainda Didrik PiningHans Pothorst (tidos como piratas), bem como Álvaro Martins. Estes exploradores foram recompensados, com capitanias (Corte Real e Álvaro Martins) e com o governo da Islândia (Pining)... e como diria Hakluyt não teria sido devido a "ovos ao luar".
Hakluyt inclui ainda na lista de tentativas falhadas Sebastião Caboto, filho de João Caboto, que teria sido forçado a regressar pela tripulação, ao tentar a Passagem Noroeste.

Mais notável é que Hakluyt não parece ter dúvidas que teria sido conseguida pelos três irmãos Corte-Real, sendo conhecida a história de Gaspar, que desaparece em 1501, do irmão Miguel que desaparece no seu encalce, e do irmão Vasco, que é proibido de os procurar por ordem de D. Manuel.

No entanto, aqui é preciso relativizar, e não cair no mesmo erro que criticamos (aceitar documentos sem olhar às intenções de quem os produz)... há intenções em Hakluyt - uma clara pretensão de convencer a Rainha Isabel I de Inglaterra a patrocinar as viagens pela Passagem Noroeste. Chega aliás a comparar a sua proposta, à proposta de Colombo à outra Isabel, a Católica. O objectivo era atingir o Oriente por essa Passagem Noroeste. 
Vai mais longe, e aqui vemos o problema de quem está fora do controlo da situação:
These things considered and impartially weighed together, with the wonderful commodities which this discovery may bring, especially to this realm of England, I must needs conclude with learned Baptista Ramusius, and divers other learned men, who said that this discovery hath been reserved for some noble prince or worthy man, thereby to make himself rich, and the world happy(...)
Ou seja, Hakluyt citava Ramusio (e "outros") para considerar que a descoberta estaria reservada para alguém devidamente "escolhido"... um autêntico "teórico da conspiração", este conselheiro de Isabel I. No entanto, é seguindo estes "teóricos da conspiração", que achavam que a Inglaterra estava a ficar "fora da submersa jogada" internacional, que Isabel I vai lançar as bases para a ascenção inglesa.
Richard Hakluyt (vitral na Catedral de Bristol)

Como já dissemos foi Hakluyt que traduziu António Galvão e o considerou uma preciosidade... tal como Galvão foi repudiado e acabou na miséria, Hakluyt cita outro exemplo:
Nevertheless, to approve that there lieth a way to Cathay at the north-west from out of Europe, we have experience, namely of three brethren that went that journey, as Gemma Frisius recordeth, and left a name unto that strait, whereby now it is called Fretum Trium Fratrum.  We do read again of a Portuguese that passed this strait, of whom Master Frobisher speaketh, that was imprisoned therefore many years in Lisbon, to verify the old Spanish proverb, “I suffer for doing well.”  Likewise, An. Urdaneta, a friar of Mexico, came out of Mare del Sur this way into Germany; his card, for he was a great discoverer, made by his own experience and travel in that voyage, hath been seen by gentlemen of good credit.
"Sofro por fazer bem...", é o ditado espanhol que Hakluyt usa para descrever a situação de um português que teria sido aprisionado muitos anos, por ter passado esse Estreito dos Três Irmãos, segundo Martin Frobisher. As explorações portuguesas pararam por decreto, e quem o desrespeitasse arriscava o cárcere. Hakluyt cita ainda o globo de Gemma Frisius que diz:

Fretum trium fratrum, per quod Lusitani ad Orientem et ad Moluccas nauigare e conati sunt

Esta afirmação de Frisius "Estreito dos Três Irmãos, pelo qual os Lusitanos navegaram e procuraram o  Oriente e Molucas" (assinalada por R.P.Martins), é uma das provas que Hakluyt usa para fundamentar a existência dessa mesma passagem. Ora, não são conhecidas razões que levassem o holandês Frisius a querer atribuir a navegação aos irmãos portugueses, a menos que ela tivesse de facto ocorrido. Para além disso, quer Ortelius, quer Lavanha, nos seus Theatrum Mundi, tinham contornos da zona ártica demasiado bons para serem apenas um mero acaso.
Há ainda uma curiosa menção ao frade e navegador espanhol André de Urdaneta, que também teria realizado a Passagem Noroeste, no sentido oposto. Porém, a partir daí, a partir do Séc. XVII, essa passagem irá revelar-se um plano falhado. A Inglaterra apostará nessa demanda, seguindo o conselho de Hayklut, e muitos dos nomes acabaram substituídos pelos nomes dos exploradores ingleses. Haveria um Promontório Corte-Real, perto de um rio Polisacus (referindo-se a Jan Scolvus), mas esses nomes foram convenientemente substituídos:
Moreover, the passage is certainly proved by a navigation that a Portuguese made, who passed through this strait, giving name to a promontory far within the same, calling it after his own name, Promontorium Corterialis, near adjoining unto Polisacus Fluvius.
Curiosamente, ainda hoje se mantém o nome "Labrador", referindo-se João Fernandes (Lavrador), que tem sido misturado na expedição de Caboto à Terra Nova. Injustamente parece que o nome de Caboto foi ignorado, e só permaneceu o nome do "lavrador"... Houve, é claro, um anterior João Fernandes ao serviço do Infante D. Henrique, mas não seria "lavrador". Até porque sabemos que as navegações do Infante iam sempre no contorno africano, e as do Atlântico resumiam-se a encontrar os Açores. Descobertos os Açores, que sentido é que fazia continuar para Ocidente? Parece que nenhum, parece que toda a exploração ocidental começara e terminara na descoberta dos Açores. Ora bem, nada mais lógico para a inteligência nacional.

O problema posterior, explica-se com um gráfico de alteração da temperatura:
Variação de Temperatura nos últimos 1000 anos (de john-daly.com)

Ao contrário do que tem sido propagandeado, o aumento de temperatura recente nada tem de tão artificial... e com isto ninguém está aqui a dizer que não há óbvios cuidados a ter com o meio-ambiente e poluição.
O que se passa é que há alguns ciclos naturais de temperatura (talvez pela actividade solar). A temperatura começou a aumentar no final da Idade Média ("Medieval Warm Period") atingindo o máximo no início das Descobertas, e depois vai começar a diminuir sucessivamente. No final do Séc. XIX terá atingido o seu mínimo global ("Little Ice Age").

Qual o problema disto? Os marinheiros dos Séc. XV e XVI estavam ainda a beneficiar desse período quente, as zonas árticas e antárticas não estavam tão inacessíveis à navegação quanto iriam ficar nos séculos seguintes. A Passagem Noroeste seria possível para os irmãos Corte-Real, mas começaria a ser quase impraticável para os exploradores que se seguiriam.

Talvez uma das mais dramáticas ocorrências é a de Hudson, que acabará abandonado pela tripulação, que se recusará a prosseguir na demanda pela Passagem Noroeste. A baía de Hudson que tomou o seu nome aparecia já sinalizada nos mapas de Ortelius e Lavanha. A concretização da passagem é atribuída a Amundsen, já no Séc. XX. 
No entanto, durante todo o Séc. XX a passagem esteve bloqueada pelos gelos, só sendo possível com quebra-gelos. Terá abrido recentemente com o degelo, que se atribui ao "aquecimento global", esquecendo o registo histórico da variação de temperaturas.
Ainda que haja uma nova passagem para os navios entre a Ásia e a Europa, parece que são preferidas as temperaturas mais frígidas, e o eventual perigo de desinteresse no Canal do Panamá é relativo, dada a cessão de controlo pelos EUA desde 1999.

O gráfico anterior é ainda instrutivo se atendermos a que se evidencia um ciclo de circa 500 anos, que colocaria a outra "pequena idade do gelo" no início da Idade Média, e um período mais quente na época romana, algo que já tínhamos sinalizado. Essa temperatura poderia ser de tal forma quente que os romanos consideravam as terras abaixo do Trópico de Cancer como inabitáveis.

Coloquei aqui apenas algumas citações do livro de Hakluyt relevantes para o tema, há ainda uma menção à chegada de índios na época do Império Romano e na época medieval, que Hakluyt associa à Passagem Noroeste. Provavelmente retira parte dessa informação de Galvão, conforme já mencionámos, mas o seu objectivo é forçar a via noroeste, negligenciando a rota nordeste, que depois será tomada por Melgueiro. A viagem de Melgueiro será especialmente notável, pois em 1660 os gelos já tornariam a navegação na Passagem Nordeste uma proeza única.

Nota: Hakluyt tem o nome numa Sociedade "The Hakluyt Society" onde se podem encontrar alguns textos que navegam contra a corrente oficial dos descobrimentos. Curiosamente tem também o nome associado a uma firma de "inteligência" que saiu do MI6 inglês -  Hakluyt Company.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:08

Tive conhecimento apenas há dias da morte de Manuel Luciano da Silva, que passou de forma mais discreta que José Hermano Saraiva, ambos falecidos neste ano de 2012. O meu conhecimento dos dois resumiu-se ao que divulgaram, cada qual à sua maneira e contexto. Há três anos quando começava a pesquisar sobre estes assuntos, o site DightonRock foi talvez dos primeiros onde vi alguma contestação mais consistente às versões oficiais. Nessa altura foram ainda importantes:
- Portugalliae de José Manuel Oliveira, 
- Ilhas Míticas do Atlântico de Rui P. Martins, 
- Causa Mérita de Rui Duque. 

É reveladora a frase que Rui P. Martins tem no final da sua página:
Fica já agora um agradecimento a todos os editores que rejeitaram os meus livros por não ter já publicado (o chamado ciclo vicioso) e por não ser um descendente de alguém famoso. Bem hajam! (e que ardam todos no Inferno)
Esta é uma pura informação de marinheiro, que serve de aviso à navegação seguinte. É um aviso de baixios, onde encalharam tantos esforços de divulgação.
Para que conste, acho que são tudo esforços infantis contra-a-corrente, e refiro-me apenas aos dos editores e seus mentores encobertos. 
A parte não tem nenhum poder sobre o todo. 
Por isso, toda a ilusão de domínio, controlo, poder, etc... não passa disso mesmo, de uma ilusão temporária. No máximo, as dificuldades levantadas, os dramas vividos, cumprirão a posteriori uma justificação de apuramento da consciência.

Um ponto comum nos autores que citei foi dar relevo à exploração dos Corte-Real, e nesse sentido junto mais alguma informação sobre o
Fretum trium fratrum (Estreito dos Três Irmãos)
Esta designação é comummente atribuída aos três irmãos Corte-Real, na expedição de 1500, a mando do Rei D. Manuel, e que já aqui referimos muitas vezes.

No livro "Voyages in Search of the North-west Passage", de Richard Hakluyt (1552-1616) é elucidativa a menção:
And the King of Portugal, fearing lest the emperor would have persevered in this his enterprise, gave him, to leave the matter unattempted, the sum of 350,000 crowns; and it is to be supposed that the King of Portugal would not have given to the emperor such sums of money for eggs in moonshine.
It hath been attempted by Corterialis the Portuguese, Scolmus the Dane, and by Sebastian Cabot in the time of King Henry VII.
And it hath been performed by the three brethren, the Indians aforesaid, and by Urdaneta, the friar of Mexico.
Portanto, temos uma compra do Rei de Portugal (provavelmente D. João III) no valor de 350 mil coroas, dadas ao Imperador de Espanha, que teriam o objectivo natural de silenciar a Passagem Noroeste.
Como Hakluyt diz ironicamente, tal valor não seria dado para "ovos ao luar" (uma receita da época)... seria naturalmente para manter a exclusividade da Rota das Índias.
Por isso, a ocultação de que nos podemos queixar hoje, foi também, como é óbvio, resultado da política comercial que privilegiava "o segredo do negócio".

Hayklut refere-se à tentativa de João Vaz Corte Real e de John Scolvus (John Scolmus, ou ainda Jan Kolna), que teriam participado na expedição comum organizada por Afonso V e Cristiano I da Dinamarca, em 1473, que teria ainda Didrik PiningHans Pothorst (tidos como piratas), bem como Álvaro Martins. Estes exploradores foram recompensados, com capitanias (Corte Real e Álvaro Martins) e com o governo da Islândia (Pining)... e como diria Hakluyt não teria sido devido a "ovos ao luar".
Hakluyt inclui ainda na lista de tentativas falhadas Sebastião Caboto, filho de João Caboto, que teria sido forçado a regressar pela tripulação, ao tentar a Passagem Noroeste.

Mais notável é que Hakluyt não parece ter dúvidas que teria sido conseguida pelos três irmãos Corte-Real, sendo conhecida a história de Gaspar, que desaparece em 1501, do irmão Miguel que desaparece no seu encalce, e do irmão Vasco, que é proibido de os procurar por ordem de D. Manuel.

No entanto, aqui é preciso relativizar, e não cair no mesmo erro que criticamos (aceitar documentos sem olhar às intenções de quem os produz)... há intenções em Hakluyt - uma clara pretensão de convencer a Rainha Isabel I de Inglaterra a patrocinar as viagens pela Passagem Noroeste. Chega aliás a comparar a sua proposta, à proposta de Colombo à outra Isabel, a Católica. O objectivo era atingir o Oriente por essa Passagem Noroeste. 
Vai mais longe, e aqui vemos o problema de quem está fora do controlo da situação:
These things considered and impartially weighed together, with the wonderful commodities which this discovery may bring, especially to this realm of England, I must needs conclude with learned Baptista Ramusius, and divers other learned men, who said that this discovery hath been reserved for some noble prince or worthy man, thereby to make himself rich, and the world happy(...)
Ou seja, Hakluyt citava Ramusio (e "outros") para considerar que a descoberta estaria reservada para alguém devidamente "escolhido"... um autêntico "teórico da conspiração", este conselheiro de Isabel I. No entanto, é seguindo estes "teóricos da conspiração", que achavam que a Inglaterra estava a ficar "fora da submersa jogada" internacional, que Isabel I vai lançar as bases para a ascenção inglesa.
Richard Hakluyt (vitral na Catedral de Bristol)

Como já dissemos foi Hakluyt que traduziu António Galvão e o considerou uma preciosidade... tal como Galvão foi repudiado e acabou na miséria, Hakluyt cita outro exemplo:
Nevertheless, to approve that there lieth a way to Cathay at the north-west from out of Europe, we have experience, namely of three brethren that went that journey, as Gemma Frisius recordeth, and left a name unto that strait, whereby now it is called Fretum Trium Fratrum.  We do read again of a Portuguese that passed this strait, of whom Master Frobisher speaketh, that was imprisoned therefore many years in Lisbon, to verify the old Spanish proverb, “I suffer for doing well.”  Likewise, An. Urdaneta, a friar of Mexico, came out of Mare del Sur this way into Germany; his card, for he was a great discoverer, made by his own experience and travel in that voyage, hath been seen by gentlemen of good credit.
"Sofro por fazer bem...", é o ditado espanhol que Hakluyt usa para descrever a situação de um português que teria sido aprisionado muitos anos, por ter passado esse Estreito dos Três Irmãos, segundo Martin Frobisher. As explorações portuguesas pararam por decreto, e quem o desrespeitasse arriscava o cárcere. Hakluyt cita ainda o globo de Gemma Frisius que diz:

Fretum trium fratrum, per quod Lusitani ad Orientem et ad Moluccas nauigare e conati sunt

Esta afirmação de Frisius "Estreito dos Três Irmãos, pelo qual os Lusitanos navegaram e procuraram o  Oriente e Molucas" (assinalada por R.P.Martins), é uma das provas que Hakluyt usa para fundamentar a existência dessa mesma passagem. Ora, não são conhecidas razões que levassem o holandês Frisius a querer atribuir a navegação aos irmãos portugueses, a menos que ela tivesse de facto ocorrido. Para além disso, quer Ortelius, quer Lavanha, nos seus Theatrum Mundi, tinham contornos da zona ártica demasiado bons para serem apenas um mero acaso.
Há ainda uma curiosa menção ao frade e navegador espanhol André de Urdaneta, que também teria realizado a Passagem Noroeste, no sentido oposto. Porém, a partir daí, a partir do Séc. XVII, essa passagem irá revelar-se um plano falhado. A Inglaterra apostará nessa demanda, seguindo o conselho de Hayklut, e muitos dos nomes acabaram substituídos pelos nomes dos exploradores ingleses. Haveria um Promontório Corte-Real, perto de um rio Polisacus (referindo-se a Jan Scolvus), mas esses nomes foram convenientemente substituídos:
Moreover, the passage is certainly proved by a navigation that a Portuguese made, who passed through this strait, giving name to a promontory far within the same, calling it after his own name, Promontorium Corterialis, near adjoining unto Polisacus Fluvius.
Curiosamente, ainda hoje se mantém o nome "Labrador", referindo-se João Fernandes (Lavrador), que tem sido misturado na expedição de Caboto à Terra Nova. Injustamente parece que o nome de Caboto foi ignorado, e só permaneceu o nome do "lavrador"... Houve, é claro, um anterior João Fernandes ao serviço do Infante D. Henrique, mas não seria "lavrador". Até porque sabemos que as navegações do Infante iam sempre no contorno africano, e as do Atlântico resumiam-se a encontrar os Açores. Descobertos os Açores, que sentido é que fazia continuar para Ocidente? Parece que nenhum, parece que toda a exploração ocidental começara e terminara na descoberta dos Açores. Ora bem, nada mais lógico para a inteligência nacional.

O problema posterior, explica-se com um gráfico de alteração da temperatura:
Variação de Temperatura nos últimos 1000 anos (de john-daly.com)

Ao contrário do que tem sido propagandeado, o aumento de temperatura recente nada tem de tão artificial... e com isto ninguém está aqui a dizer que não há óbvios cuidados a ter com o meio-ambiente e poluição.
O que se passa é que há alguns ciclos naturais de temperatura (talvez pela actividade solar). A temperatura começou a aumentar no final da Idade Média ("Medieval Warm Period") atingindo o máximo no início das Descobertas, e depois vai começar a diminuir sucessivamente. No final do Séc. XIX terá atingido o seu mínimo global ("Little Ice Age").

Qual o problema disto? Os marinheiros dos Séc. XV e XVI estavam ainda a beneficiar desse período quente, as zonas árticas e antárticas não estavam tão inacessíveis à navegação quanto iriam ficar nos séculos seguintes. A Passagem Noroeste seria possível para os irmãos Corte-Real, mas começaria a ser quase impraticável para os exploradores que se seguiriam.

Talvez uma das mais dramáticas ocorrências é a de Hudson, que acabará abandonado pela tripulação, que se recusará a prosseguir na demanda pela Passagem Noroeste. A baía de Hudson que tomou o seu nome aparecia já sinalizada nos mapas de Ortelius e Lavanha. A concretização da passagem é atribuída a Amundsen, já no Séc. XX. 
No entanto, durante todo o Séc. XX a passagem esteve bloqueada pelos gelos, só sendo possível com quebra-gelos. Terá abrido recentemente com o degelo, que se atribui ao "aquecimento global", esquecendo o registo histórico da variação de temperaturas.
Ainda que haja uma nova passagem para os navios entre a Ásia e a Europa, parece que são preferidas as temperaturas mais frígidas, e o eventual perigo de desinteresse no Canal do Panamá é relativo, dada a cessão de controlo pelos EUA desde 1999.

O gráfico anterior é ainda instrutivo se atendermos a que se evidencia um ciclo de circa 500 anos, que colocaria a outra "pequena idade do gelo" no início da Idade Média, e um período mais quente na época romana, algo que já tínhamos sinalizado. Essa temperatura poderia ser de tal forma quente que os romanos consideravam as terras abaixo do Trópico de Cancer como inabitáveis.

Coloquei aqui apenas algumas citações do livro de Hakluyt relevantes para o tema, há ainda uma menção à chegada de índios na época do Império Romano e na época medieval, que Hakluyt associa à Passagem Noroeste. Provavelmente retira parte dessa informação de Galvão, conforme já mencionámos, mas o seu objectivo é forçar a via noroeste, negligenciando a rota nordeste, que depois será tomada por Melgueiro. A viagem de Melgueiro será especialmente notável, pois em 1660 os gelos já tornariam a navegação na Passagem Nordeste uma proeza única.

Nota: Hakluyt tem o nome numa Sociedade "The Hakluyt Society" onde se podem encontrar alguns textos que navegam contra a corrente oficial dos descobrimentos. Curiosamente tem também o nome associado a uma firma de "inteligência" que saiu do MI6 inglês -  Hakluyt Company.

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publicado às 22:08

Há já bastante tempo coloquei aqui um mapa datado de 1970, do Museu da Marinha, que pretendia ilustrar os descobrimentos portugueses.
Apesar do mapa dizer ser feito pelo "pessoal técnico do Museu da Marinha", não deixava de conter indicações algo enigmáticas. Uma que notei foi a presença de pinguins na Gronelândia, a que erradamente atribuí um erro de execução, e também a de cangurus na Austrália (algo que não se parece observar em nenhum mapa anterior a Cook):

Acontece que desenhar pinguins árticos num mapa de 1970 parece muito estranho, mas não o seria se fosse baseado num original, desconhecido... Porquê? Porque os últimos pinguins árticos foram mortos em 1844, perto da Islândia. Isso eu não sabia, e parece ser propositadamente pouco divulgado!
Encontrei essa informação neste blog: oeco.com.br, e daí encontrei depois a informação natural sobre as "grandes alcas" - assim se chamavam os pinguins do Ártico:

Assim, a menos que se pretenda a coincidência do erro, a ilustração do Museu da Marinha assentará num mapa que tinha esses pinguins do norte e que colocava a Terra de Corte Real sob coroa portuguesa. E como a coroa está aberta, não será provavelmente de D. Sebastião, que a veio a fechar, em sinal de independência ao poder imperial, será talvez do seu avô, D. João III. No entanto, tal como se ilustram os pinguins do norte, também aparecem desenhos de cangurus na Austrália, com uma imprecisão que até sugere autenticidade...

Sobre estes pinguins e sobre a presença portuguesa na Terra Nova e Canada, acho que é suficientemente esclarecedora a obra de Jean de Laet, "L'Histoire du Nouveau Monde...", 1640. 
Na página 33, introduz a Nova França e Terra Nova, atribuindo a descoberta da Terra Nova aos Cabotos, venezianos a serviço de Inglaterra, tal como Colombo seria genovês a serviço de Espanha.
A rivalidade Génova-Veneza, habitual na escolha dos Papas, era transportada na legalização da descoberta americana... um genovês para as Antilhas, em 1492, e um veneziano para as Satanazes - Terra Nova, em 1498. É praticamente óbvio que Génova e Veneza sabiam perfeitamente os contornos desse mundo, mas pelas suas limitações logísticas seguiam os cuidados necessários para a aceitação das descobertas - navegaram em serviço de potências externas.

No entanto, Laet não deixa de referir Gaspar Corte Real, dizendo 
"Pouco depois dos Cabotos, a saber no ano 1500, Gaspar Corterealis visita as mesmas terras a comando do rei de Portugal e as descobre pouco depois" (pág. 34). 
Algo perfeitamente justificável... D. Manuel queria definir as possessões outorgadas por Tordesilhas, e assim em 1500, dois anos depois da incursão de Caboto a norte, retira do encobrimento a Terra Nova e o Brasil. Durante um século os ingleses não mais se aventuraram aí e, até à morte de D. Manuel, ninguém reclamou a Terra Nova ou o Canadá.

Depois, Laet justifica o nome "Nova França", dizendo que se chama assim porque os franceses foram os primeiros a penetrar no meio do país, e a se estabelecer a mando do rei. Portanto, é suficientemente lúcido para não atribuir nenhum papel especial de descoberta a Jacques Cartier, que apenas ali chegou em 1535, uma quinzena de anos após a morte de D. Manuel, quase quarenta anos após Caboto.

É sempre instrutivo rever a carta "Pedro Reinel a fez", datada de 1504, mas que suspeitamos ser contemporânea ao Tratado de Tordesilhas. Para além das outras suspeitas, de representação implícita, atentemos aos nomes atribuídos à parte da carta respeitante à Terra Nova (clicar p/ aumentar):

De cima para baixo, podemos ver os nomes:

- y da fortuna,   - y da tormenta
- c do marco,     - sam joham
- sam pedro,      - y das aves
- a dos gamas,           - c de boa ventura
- y de boa ventura,    - c do marco
- y de frey luis,         - b de santa ana (?)
- y dos bacalhaos,     - b da comcepção
- c da espera,            - r das pa...
- r de sam (?)...
- c Raso
( mais em baixo: sam johã e santa cruz)







Uma boa parte destes nomes vai ser mantida na descrição de Jean de Laet, que fala no Cabo de Raz (cabo raso), na ilha das aves, na ilha dos bacalhaus, baía da concepção, na ilha de Frei Luís, e na ilha da tormenta (nome a que associava origem francesa, e de que já falámos a propósito de Melgueiro).

Os nomes portugueses ainda por lá estão: Baccalieu Island na Conception Bay (baía da Concepção), Bonavista, o Manuel's river e St. Johns, sendo o mais explícito Portugal Cove (já mencionado no Portugalliae.blogspot) que, tendo sido destruída e incendiada pelos franceses em 1696, talvez reporte a si o incidente ilustrado "na descida dos franceses à Terra Nova".

Jean de Laet dá-nos uma imagem diferente do simples aportar de Corte Real à Terra Nova. Numa citação (carta enviada a Hayklut), fala-se claramente numa seca de peixe (bacalhaus, claro) e no Cap. III, dá uma descrição dos portos que vão desde o Cabo Raso, falando nos nomes e seguindo as cartas portuguesas:
- Porto Formoso, Água Forte, Ponta do Farilhão, Iheu de Galeotas, Ponta de Ferro, Cabo de Esp(h)era,  St. Jean (São João), Baía da Concepcion, Ilha dos Bacalhaos, Cabo da Boa Vista, Ponta dos Ilhéus de Frei Luis... ilhas de S. Pierre - São Pedro, e ainda uma Ilha dos Pinguins - certamente as Grandes Alcas, que viriam a ser extintas dois séculos mais tarde.
Depois retornando ao Cabo Raso, no outro sentido, fala da Angra dos Trespassam, de um rio Chincheta, indo em direcção ao Cabo dos Bretões (Cap Breton) e passando pelo Porto dos Bascos... (o que dá uma clara ideia de que os pescadores da orla do atlântico, não apenas portugueses, mas também galegos, bascos, bretões e até irlandeses, cruzavam aqueles mares, pela abundância de peixe nos grandes bancos da Terranova).
Fala ainda claramente (pg. 40) de estabelecimentos portugueses na Ilha do Cap Breton, nomeando Ninganis ("enganos" hoje Ingonish, segundo o site dightonrock.com), que depois foi abandonado, bem como outros lugares, devido ao rigor climático. Também diz que os portugueses se tentaram estabelecer na Ilha de Sable, mas sem sucesso, como aconteceria com os franceses através do Marquês de la Roche.

Ou seja, acaba por ser através de Jean de Laet que temos o melhor panorama da presença portuguesa na Terra Nova. Sendo um relato francês, restam poucas dúvidas sobre a permanência naquelas paragens, pelo menos desde 1500 até 1696, aquando da "descida dos franceses"... 
Dada a existência de material estrangeiro atestando a presença nacional na Terra Nova e Nova Escócia (as Satanazes no mapa de Pizzigano de 1424), quanto mais não fosse pela presença para secar o bacalhau... percebe-se pouco a persistência interna em ignorar o assunto, talvez porque se tenha vergonha de assumir que a colónia foi abandonada à sua sorte.
Para além disso, existem mapas que atestam esse senhorio da Terra Nova e Lavrador ao Rei de Portugal e em particular aos Corte-Reais (cf. JM-CH, ver o Catálogo Huntington HM41- folha 4).

Note-se que "Canada" é uma palavra portuguesa antiga para medidas líquidas - era um duodécimo do almude, e dividia-se em seis quartilhos. À época de D. Manuel, uma "canada" seria um litro e meio, em Lisboa, e chegava a mais de dois litros a norte (ver "Mosteiro de St. Tirso", de F. Carvalho Correia). No site dightonrock.com fala-se num imposto de um décimo para o pescado na Terra Nova, sendo a "canada" um duodécimo do almude, não é de descartar que o termo se aplicasse nesse sentido de um imposto menor (8% em vez de 10%...).

Os pinguins do ártico acabaram por desaparecer, tal como praticamente a notícia dos portugueses que colonizaram a Terra Nova, ficou talvez a pequena "Portugal cove". Com o perigo da extinção dos bacalhaus no Canada, a criação de cotas restritivas no início dos anos 1970, e depois o fim dos navios coloniais em 1975, colocaram um ponto final na grande tradição marítima portuguesa. O patrocínio ao abate das frotas de pesca, no final dos anos 80, foi o golpe final. Em pouco menos de 10 anos, a tradição da nação de navegadores reduzia-se à pesca costeira artesanal.

Os colombos americanos
Termino com um outro apontamento de extinção surpreendente.
No Séc. XIX a colombofilia norte-americana parecia concentrar-se na figura de Colombo, recuperando o mito do descobridor caído em desgraça. Do outro lado, para os nativos pombos americanos, os pombos-migratórios, a columbofilia foi diferente. 
Último pombo-migratório (passenger pigeon) - Cincinati zoo.

Consta que os sociáveis pombos-migratórios infestavam os céus americanos, estimando-se em milhares de milhões a sua população. Porém, este sucesso reprodutivo acabaria por levar à sua extinção num curto período de tempo. Foi instaurada uma caça ao pombo, que só pode ser satirizada com o clássico "Stop the pigeon", ainda que este desfecho nada tenha de comédia:

Compreende-se o efeito devastador nas colheitas que poderia ter um bando de pombos com centenas de milhares de indivíduos, e nesse sentido a sua caça indiscriminada pode ser vista nesse contexto. Porém, ao que parece houve um autêntico patrocínio à exterminação completa, terá havido caçadores que sozinhos abateram mais de um milhão de aves.  Havia competições e jogos cujo objectivo era o extermínio. Quando alguns ambientalistas solicitaram uma protecção no estado do Ohio, em 1857, foi considerada absurda pelo número de pássaros existente. Em 1897 as leis de protecção foram ineficazes para travar a extinção. O último exemplar em cativeiro morreria em 1914 no zoo de Cincinati.

Os pombos eram associados a paragens euro-asiáticas, e foi talvez com alguma surpresa que foram sendo encontrados em todo o globo, na África tropical, nas Américas e até na Nova Guiné (onde a espécie "columba coronata" é algo curiosa).

Não me parece que o carácter migrátorio particular aos pombos americanos carregasse alguma mensagem perigosa que levasse a colombofilia a atacar a columbofilia. Já aqui falámos no papel simbólico mensageiro dos pombos, e do seu contraponto na falcoaria.
E acaba por ser simbólico termos as Pleiades, as pombas filhas de Atlas, na Hespérida ocidental, a América, termos um "Colombo" a desencobrir essas paragens,  e depois olhar para a foto de Martha, a última dos pombos-migratórios, vítimas de um holocausto programado:

Nota complementar (2/12/2012): 
Na sequência do comentário do José Manuel, lembrando o acordo de exploração de 1461, entre Afonso V e Cristiano I da Dinamarca, que envolveu viagens ocidentais do pai dos Cortes-Reais, ficam aqui os links por ele indicados, que complementam a informação:
http://portugalliae.blogspot.ch/2009/06/o-amundsen-ex-quebra-gelo-sir-john.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pesca_do_bacalhau

Aproveito ainda para referir a página do Instituto Camões sobre Diogo Teive:
onde se fala da sua descoberta das ilhas do Corvo e Flores, em 1452, confirmada por cartas de régias de doação, de Afonso V. Em particular é relevante a informação do filho de Cristovão Colombo, que reportando uma viagem ocidental ao Faial de 150 léguas (aprox. 900 km), coloca Diogo Teive mais próximo da Terra Nova do que do Corvo ou Flores (a 200 km).
E também é relevante a informação de Lorenzo Anania já aqui citada, que fala sobre a partida (em 1576) de Aveiro de numerosa frota de navios para a pesca ao bacalhau na Terra Nova.

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Há já bastante tempo coloquei aqui um mapa datado de 1970, do Museu da Marinha, que pretendia ilustrar os descobrimentos portugueses.
Apesar do mapa dizer ser feito pelo "pessoal técnico do Museu da Marinha", não deixava de conter indicações algo enigmáticas. Uma que notei foi a presença de pinguins na Gronelândia, a que erradamente atribuí um erro de execução, e também a de cangurus na Austrália (algo que não se parece observar em nenhum mapa anterior a Cook):

Acontece que desenhar pinguins árticos num mapa de 1970 parece muito estranho, mas não o seria se fosse baseado num original, desconhecido... Porquê? Porque os últimos pinguins árticos foram mortos em 1844, perto da Islândia. Isso eu não sabia, e parece ser propositadamente pouco divulgado!
Encontrei essa informação neste blog: oeco.com.br, e daí encontrei depois a informação natural sobre as "grandes alcas" - assim se chamavam os pinguins do Ártico:

Assim, a menos que se pretenda a coincidência do erro, a ilustração do Museu da Marinha assentará num mapa que tinha esses pinguins do norte e que colocava a Terra de Corte Real sob coroa portuguesa. E como a coroa está aberta, não será provavelmente de D. Sebastião, que a veio a fechar, em sinal de independência ao poder imperial, será talvez do seu avô, D. João III. No entanto, tal como se ilustram os pinguins do norte, também aparecem desenhos de cangurus na Austrália, com uma imprecisão que até sugere autenticidade...

Sobre estes pinguins e sobre a presença portuguesa na Terra Nova e Canada, acho que é suficientemente esclarecedora a obra de Jean de Laet, "L'Histoire du Nouveau Monde...", 1640. 
Na página 33, introduz a Nova França e Terra Nova, atribuindo a descoberta da Terra Nova aos Cabotos, venezianos a serviço de Inglaterra, tal como Colombo seria genovês a serviço de Espanha.
A rivalidade Génova-Veneza, habitual na escolha dos Papas, era transportada na legalização da descoberta americana... um genovês para as Antilhas, em 1492, e um veneziano para as Satanazes - Terra Nova, em 1498. É praticamente óbvio que Génova e Veneza sabiam perfeitamente os contornos desse mundo, mas pelas suas limitações logísticas seguiam os cuidados necessários para a aceitação das descobertas - navegaram em serviço de potências externas.

No entanto, Laet não deixa de referir Gaspar Corte Real, dizendo 
"Pouco depois dos Cabotos, a saber no ano 1500, Gaspar Corterealis visita as mesmas terras a comando do rei de Portugal e as descobre pouco depois" (pág. 34). 
Algo perfeitamente justificável... D. Manuel queria definir as possessões outorgadas por Tordesilhas, e assim em 1500, dois anos depois da incursão de Caboto a norte, retira do encobrimento a Terra Nova e o Brasil. Durante um século os ingleses não mais se aventuraram aí e, até à morte de D. Manuel, ninguém reclamou a Terra Nova ou o Canadá.

Depois, Laet justifica o nome "Nova França", dizendo que se chama assim porque os franceses foram os primeiros a penetrar no meio do país, e a se estabelecer a mando do rei. Portanto, é suficientemente lúcido para não atribuir nenhum papel especial de descoberta a Jacques Cartier, que apenas ali chegou em 1535, uma quinzena de anos após a morte de D. Manuel, quase quarenta anos após Caboto.

É sempre instrutivo rever a carta "Pedro Reinel a fez", datada de 1504, mas que suspeitamos ser contemporânea ao Tratado de Tordesilhas. Para além das outras suspeitas, de representação implícita, atentemos aos nomes atribuídos à parte da carta respeitante à Terra Nova (clicar p/ aumentar):

De cima para baixo, podemos ver os nomes:

- y da fortuna,   - y da tormenta
- c do marco,     - sam joham
- sam pedro,      - y das aves
- a dos gamas,           - c de boa ventura
- y de boa ventura,    - c do marco
- y de frey luis,         - b de santa ana (?)
- y dos bacalhaos,     - b da comcepção
- c da espera,            - r das pa...
- r de sam (?)...
- c Raso
( mais em baixo: sam johã e santa cruz)







Uma boa parte destes nomes vai ser mantida na descrição de Jean de Laet, que fala no Cabo de Raz (cabo raso), na ilha das aves, na ilha dos bacalhaus, baía da concepção, na ilha de Frei Luís, e na ilha da tormenta (nome a que associava origem francesa, e de que já falámos a propósito de Melgueiro).

Os nomes portugueses ainda por lá estão: Baccalieu Island na Conception Bay (baía da Concepção), Bonavista, o Manuel's river e St. Johns, sendo o mais explícito Portugal Cove (já mencionado no Portugalliae.blogspot) que, tendo sido destruída e incendiada pelos franceses em 1696, talvez reporte a si o incidente ilustrado "na descida dos franceses à Terra Nova".

Jean de Laet dá-nos uma imagem diferente do simples aportar de Corte Real à Terra Nova. Numa citação (carta enviada a Hayklut), fala-se claramente numa seca de peixe (bacalhaus, claro) e no Cap. III, dá uma descrição dos portos que vão desde o Cabo Raso, falando nos nomes e seguindo as cartas portuguesas:
- Porto Formoso, Água Forte, Ponta do Farilhão, Iheu de Galeotas, Ponta de Ferro, Cabo de Esp(h)era,  St. Jean (São João), Baía da Concepcion, Ilha dos Bacalhaos, Cabo da Boa Vista, Ponta dos Ilhéus de Frei Luis... ilhas de S. Pierre - São Pedro, e ainda uma Ilha dos Pinguins - certamente as Grandes Alcas, que viriam a ser extintas dois séculos mais tarde.
Depois retornando ao Cabo Raso, no outro sentido, fala da Angra dos Trespassam, de um rio Chincheta, indo em direcção ao Cabo dos Bretões (Cap Breton) e passando pelo Porto dos Bascos... (o que dá uma clara ideia de que os pescadores da orla do atlântico, não apenas portugueses, mas também galegos, bascos, bretões e até irlandeses, cruzavam aqueles mares, pela abundância de peixe nos grandes bancos da Terranova).
Fala ainda claramente (pg. 40) de estabelecimentos portugueses na Ilha do Cap Breton, nomeando Ninganis ("enganos" hoje Ingonish, segundo o site dightonrock.com), que depois foi abandonado, bem como outros lugares, devido ao rigor climático. Também diz que os portugueses se tentaram estabelecer na Ilha de Sable, mas sem sucesso, como aconteceria com os franceses através do Marquês de la Roche.

Ou seja, acaba por ser através de Jean de Laet que temos o melhor panorama da presença portuguesa na Terra Nova. Sendo um relato francês, restam poucas dúvidas sobre a permanência naquelas paragens, pelo menos desde 1500 até 1696, aquando da "descida dos franceses"... 
Dada a existência de material estrangeiro atestando a presença nacional na Terra Nova e Nova Escócia (as Satanazes no mapa de Pizzigano de 1424), quanto mais não fosse pela presença para secar o bacalhau... percebe-se pouco a persistência interna em ignorar o assunto, talvez porque se tenha vergonha de assumir que a colónia foi abandonada à sua sorte.
Para além disso, existem mapas que atestam esse senhorio da Terra Nova e Lavrador ao Rei de Portugal e em particular aos Corte-Reais (cf. JM-CH, ver o Catálogo Huntington HM41- folha 4).

Note-se que "Canada" é uma palavra portuguesa antiga para medidas líquidas - era um duodécimo do almude, e dividia-se em seis quartilhos. À época de D. Manuel, uma "canada" seria um litro e meio, em Lisboa, e chegava a mais de dois litros a norte (ver "Mosteiro de St. Tirso", de F. Carvalho Correia). No site dightonrock.com fala-se num imposto de um décimo para o pescado na Terra Nova, sendo a "canada" um duodécimo do almude, não é de descartar que o termo se aplicasse nesse sentido de um imposto menor (8% em vez de 10%...).

Os pinguins do ártico acabaram por desaparecer, tal como praticamente a notícia dos portugueses que colonizaram a Terra Nova, ficou talvez a pequena "Portugal cove". Com o perigo da extinção dos bacalhaus no Canada, a criação de cotas restritivas no início dos anos 1970, e depois o fim dos navios coloniais em 1975, colocaram um ponto final na grande tradição marítima portuguesa. O patrocínio ao abate das frotas de pesca, no final dos anos 80, foi o golpe final. Em pouco menos de 10 anos, a tradição da nação de navegadores reduzia-se à pesca costeira artesanal.

Os colombos americanos
Termino com um outro apontamento de extinção surpreendente.
No Séc. XIX a colombofilia norte-americana parecia concentrar-se na figura de Colombo, recuperando o mito do descobridor caído em desgraça. Do outro lado, para os nativos pombos americanos, os pombos-migratórios, a columbofilia foi diferente. 
Último pombo-migratório (passenger pigeon) - Cincinati zoo.

Consta que os sociáveis pombos-migratórios infestavam os céus americanos, estimando-se em milhares de milhões a sua população. Porém, este sucesso reprodutivo acabaria por levar à sua extinção num curto período de tempo. Foi instaurada uma caça ao pombo, que só pode ser satirizada com o clássico "Stop the pigeon", ainda que este desfecho nada tenha de comédia:

Compreende-se o efeito devastador nas colheitas que poderia ter um bando de pombos com centenas de milhares de indivíduos, e nesse sentido a sua caça indiscriminada pode ser vista nesse contexto. Porém, ao que parece houve um autêntico patrocínio à exterminação completa, terá havido caçadores que sozinhos abateram mais de um milhão de aves.  Havia competições e jogos cujo objectivo era o extermínio. Quando alguns ambientalistas solicitaram uma protecção no estado do Ohio, em 1857, foi considerada absurda pelo número de pássaros existente. Em 1897 as leis de protecção foram ineficazes para travar a extinção. O último exemplar em cativeiro morreria em 1914 no zoo de Cincinati.

Os pombos eram associados a paragens euro-asiáticas, e foi talvez com alguma surpresa que foram sendo encontrados em todo o globo, na África tropical, nas Américas e até na Nova Guiné (onde a espécie "columba coronata" é algo curiosa).

Não me parece que o carácter migrátorio particular aos pombos americanos carregasse alguma mensagem perigosa que levasse a colombofilia a atacar a columbofilia. Já aqui falámos no papel simbólico mensageiro dos pombos, e do seu contraponto na falcoaria.
E acaba por ser simbólico termos as Pleiades, as pombas filhas de Atlas, na Hespérida ocidental, a América, termos um "Colombo" a desencobrir essas paragens,  e depois olhar para a foto de Martha, a última dos pombos-migratórios, vítimas de um holocausto programado:

Nota complementar (2/12/2012): 
Na sequência do comentário do José Manuel, lembrando o acordo de exploração de 1461, entre Afonso V e Cristiano I da Dinamarca, que envolveu viagens ocidentais do pai dos Cortes-Reais, ficam aqui os links por ele indicados, que complementam a informação:
http://portugalliae.blogspot.ch/2009/06/o-amundsen-ex-quebra-gelo-sir-john.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pesca_do_bacalhau

Aproveito ainda para referir a página do Instituto Camões sobre Diogo Teive:
onde se fala da sua descoberta das ilhas do Corvo e Flores, em 1452, confirmada por cartas de régias de doação, de Afonso V. Em particular é relevante a informação do filho de Cristovão Colombo, que reportando uma viagem ocidental ao Faial de 150 léguas (aprox. 900 km), coloca Diogo Teive mais próximo da Terra Nova do que do Corvo ou Flores (a 200 km).
E também é relevante a informação de Lorenzo Anania já aqui citada, que fala sobre a partida (em 1576) de Aveiro de numerosa frota de navios para a pesca ao bacalhau na Terra Nova.

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publicado às 03:23

Há já bastante tempo coloquei aqui um mapa datado de 1970, do Museu da Marinha, que pretendia ilustrar os descobrimentos portugueses.
Apesar do mapa dizer ser feito pelo "pessoal técnico do Museu da Marinha", não deixava de conter indicações algo enigmáticas. Uma que notei foi a presença de pinguins na Gronelândia, a que erradamente atribuí um erro de execução, e também a de cangurus na Austrália (algo que não se parece observar em nenhum mapa anterior a Cook):

Acontece que desenhar pinguins árticos num mapa de 1970 parece muito estranho, mas não o seria se fosse baseado num original, desconhecido... Porquê? Porque os últimos pinguins árticos foram mortos em 1844, perto da Islândia. Isso eu não sabia, e parece ser propositadamente pouco divulgado!
Encontrei essa informação neste blog: oeco.com.br, e daí encontrei depois a informação natural sobre as "grandes alcas" - assim se chamavam os pinguins do Ártico:

Assim, a menos que se pretenda a coincidência do erro, a ilustração do Museu da Marinha assentará num mapa que tinha esses pinguins do norte e que colocava a Terra de Corte Real sob coroa portuguesa. E como a coroa está aberta, não será provavelmente de D. Sebastião, que a veio a fechar, em sinal de independência ao poder imperial, será talvez do seu avô, D. João III. No entanto, tal como se ilustram os pinguins do norte, também aparecem desenhos de cangurus na Austrália, com uma imprecisão que até sugere autenticidade...

Sobre estes pinguins e sobre a presença portuguesa na Terra Nova e Canada, acho que é suficientemente esclarecedora a obra de Jean de Laet, "L'Histoire du Nouveau Monde...", 1640. 
Na página 33, introduz a Nova França e Terra Nova, atribuindo a descoberta da Terra Nova aos Cabotos, venezianos a serviço de Inglaterra, tal como Colombo seria genovês a serviço de Espanha.
A rivalidade Génova-Veneza, habitual na escolha dos Papas, era transportada na legalização da descoberta americana... um genovês para as Antilhas, em 1492, e um veneziano para as Satanazes - Terra Nova, em 1498. É praticamente óbvio que Génova e Veneza sabiam perfeitamente os contornos desse mundo, mas pelas suas limitações logísticas seguiam os cuidados necessários para a aceitação das descobertas - navegaram em serviço de potências externas.

No entanto, Laet não deixa de referir Gaspar Corte Real, dizendo 
"Pouco depois dos Cabotos, a saber no ano 1500, Gaspar Corterealis visita as mesmas terras a comando do rei de Portugal e as descobre pouco depois" (pág. 34). 
Algo perfeitamente justificável... D. Manuel queria definir as possessões outorgadas por Tordesilhas, e assim em 1500, dois anos depois da incursão de Caboto a norte, retira do encobrimento a Terra Nova e o Brasil. Durante um século os ingleses não mais se aventuraram aí e, até à morte de D. Manuel, ninguém reclamou a Terra Nova ou o Canadá.

Depois, Laet justifica o nome "Nova França", dizendo que se chama assim porque os franceses foram os primeiros a penetrar no meio do país, e a se estabelecer a mando do rei. Portanto, é suficientemente lúcido para não atribuir nenhum papel especial de descoberta a Jacques Cartier, que apenas ali chegou em 1535, uma quinzena de anos após a morte de D. Manuel, quase quarenta anos após Caboto.

É sempre instrutivo rever a carta "Pedro Reinel a fez", datada de 1504, mas que suspeitamos ser contemporânea ao Tratado de Tordesilhas. Para além das outras suspeitas, de representação implícita, atentemos aos nomes atribuídos à parte da carta respeitante à Terra Nova (clicar p/ aumentar):

De cima para baixo, podemos ver os nomes:

- y da fortuna,   - y da tormenta
- c do marco,     - sam joham
- sam pedro,      - y das aves
- a dos gamas,           - c de boa ventura
- y de boa ventura,    - c do marco
- y de frey luis,         - b de santa ana (?)
- y dos bacalhaos,     - b da comcepção
- c da espera,            - r das pa...
- r de sam (?)...
- c Raso
( mais em baixo: sam johã e santa cruz)







Uma boa parte destes nomes vai ser mantida na descrição de Jean de Laet, que fala no Cabo de Raz (cabo raso), na ilha das aves, na ilha dos bacalhaus, baía da concepção, na ilha de Frei Luís, e na ilha da tormenta (nome a que associava origem francesa, e de que já falámos a propósito de Melgueiro).

Os nomes portugueses ainda por lá estão: Baccalieu Island na Conception Bay (baía da Concepção), Bonavista, o Manuel's river e St. Johns, sendo o mais explícito Portugal Cove (já mencionado no Portugalliae.blogspot) que, tendo sido destruída e incendiada pelos franceses em 1696, talvez reporte a si o incidente ilustrado "na descida dos franceses à Terra Nova".

Jean de Laet dá-nos uma imagem diferente do simples aportar de Corte Real à Terra Nova. Numa citação (carta enviada a Hayklut), fala-se claramente numa seca de peixe (bacalhaus, claro) e no Cap. III, dá uma descrição dos portos que vão desde o Cabo Raso, falando nos nomes e seguindo as cartas portuguesas:
- Porto Formoso, Água Forte, Ponta do Farilhão, Iheu de Galeotas, Ponta de Ferro, Cabo de Esp(h)era,  St. Jean (São João), Baía da Concepcion, Ilha dos Bacalhaos, Cabo da Boa Vista, Ponta dos Ilhéus de Frei Luis... ilhas de S. Pierre - São Pedro, e ainda uma Ilha dos Pinguins - certamente as Grandes Alcas, que viriam a ser extintas dois séculos mais tarde.
Depois retornando ao Cabo Raso, no outro sentido, fala da Angra dos Trespassam, de um rio Chincheta, indo em direcção ao Cabo dos Bretões (Cap Breton) e passando pelo Porto dos Bascos... (o que dá uma clara ideia de que os pescadores da orla do atlântico, não apenas portugueses, mas também galegos, bascos, bretões e até irlandeses, cruzavam aqueles mares, pela abundância de peixe nos grandes bancos da Terranova).
Fala ainda claramente (pg. 40) de estabelecimentos portugueses na Ilha do Cap Breton, nomeando Ninganis ("enganos" hoje Ingonish, segundo o site dightonrock.com), que depois foi abandonado, bem como outros lugares, devido ao rigor climático. Também diz que os portugueses se tentaram estabelecer na Ilha de Sable, mas sem sucesso, como aconteceria com os franceses através do Marquês de la Roche.

Ou seja, acaba por ser através de Jean de Laet que temos o melhor panorama da presença portuguesa na Terra Nova. Sendo um relato francês, restam poucas dúvidas sobre a permanência naquelas paragens, pelo menos desde 1500 até 1696, aquando da "descida dos franceses"... 
Dada a existência de material estrangeiro atestando a presença nacional na Terra Nova e Nova Escócia (as Satanazes no mapa de Pizzigano de 1424), quanto mais não fosse pela presença para secar o bacalhau... percebe-se pouco a persistência interna em ignorar o assunto, talvez porque se tenha vergonha de assumir que a colónia foi abandonada à sua sorte.
Para além disso, existem mapas que atestam esse senhorio da Terra Nova e Lavrador ao Rei de Portugal e em particular aos Corte-Reais (cf. JM-CH, ver o Catálogo Huntington HM41- folha 4).

Note-se que "Canada" é uma palavra portuguesa antiga para medidas líquidas - era um duodécimo do almude, e dividia-se em seis quartilhos. À época de D. Manuel, uma "canada" seria um litro e meio, em Lisboa, e chegava a mais de dois litros a norte (ver "Mosteiro de St. Tirso", de F. Carvalho Correia). No site dightonrock.com fala-se num imposto de um décimo para o pescado na Terra Nova, sendo a "canada" um duodécimo do almude, não é de descartar que o termo se aplicasse nesse sentido de um imposto menor (8% em vez de 10%...).

Os pinguins do ártico acabaram por desaparecer, tal como praticamente a notícia dos portugueses que colonizaram a Terra Nova, ficou talvez a pequena "Portugal cove". Com o perigo da extinção dos bacalhaus no Canada, a criação de cotas restritivas no início dos anos 1970, e depois o fim dos navios coloniais em 1975, colocaram um ponto final na grande tradição marítima portuguesa. O patrocínio ao abate das frotas de pesca, no final dos anos 80, foi o golpe final. Em pouco menos de 10 anos, a tradição da nação de navegadores reduzia-se à pesca costeira artesanal.

Os colombos americanos
Termino com um outro apontamento de extinção surpreendente.
No Séc. XIX a colombofilia norte-americana parecia concentrar-se na figura de Colombo, recuperando o mito do descobridor caído em desgraça. Do outro lado, para os nativos pombos americanos, os pombos-migratórios, a columbofilia foi diferente. 
Último pombo-migratório (passenger pigeon) - Cincinati zoo.

Consta que os sociáveis pombos-migratórios infestavam os céus americanos, estimando-se em milhares de milhões a sua população. Porém, este sucesso reprodutivo acabaria por levar à sua extinção num curto período de tempo. Foi instaurada uma caça ao pombo, que só pode ser satirizada com o clássico "Stop the pigeon", ainda que este desfecho nada tenha de comédia:

Compreende-se o efeito devastador nas colheitas que poderia ter um bando de pombos com centenas de milhares de indivíduos, e nesse sentido a sua caça indiscriminada pode ser vista nesse contexto. Porém, ao que parece houve um autêntico patrocínio à exterminação completa, terá havido caçadores que sozinhos abateram mais de um milhão de aves.  Havia competições e jogos cujo objectivo era o extermínio. Quando alguns ambientalistas solicitaram uma protecção no estado do Ohio, em 1857, foi considerada absurda pelo número de pássaros existente. Em 1897 as leis de protecção foram ineficazes para travar a extinção. O último exemplar em cativeiro morreria em 1914 no zoo de Cincinati.

Os pombos eram associados a paragens euro-asiáticas, e foi talvez com alguma surpresa que foram sendo encontrados em todo o globo, na África tropical, nas Américas e até na Nova Guiné (onde a espécie "columba coronata" é algo curiosa).

Não me parece que o carácter migrátorio particular aos pombos americanos carregasse alguma mensagem perigosa que levasse a colombofilia a atacar a columbofilia. Já aqui falámos no papel simbólico mensageiro dos pombos, e do seu contraponto na falcoaria.
E acaba por ser simbólico termos as Pleiades, as pombas filhas de Atlas, na Hespérida ocidental, a América, termos um "Colombo" a desencobrir essas paragens,  e depois olhar para a foto de Martha, a última dos pombos-migratórios, vítimas de um holocausto programado:

Nota complementar (2/12/2012): 
Na sequência do comentário do José Manuel, lembrando o acordo de exploração de 1461, entre Afonso V e Cristiano I da Dinamarca, que envolveu viagens ocidentais do pai dos Cortes-Reais, ficam aqui os links por ele indicados, que complementam a informação:
http://portugalliae.blogspot.ch/2009/06/o-amundsen-ex-quebra-gelo-sir-john.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pesca_do_bacalhau

Aproveito ainda para referir a página do Instituto Camões sobre Diogo Teive:
onde se fala da sua descoberta das ilhas do Corvo e Flores, em 1452, confirmada por cartas de régias de doação, de Afonso V. Em particular é relevante a informação do filho de Cristovão Colombo, que reportando uma viagem ocidental ao Faial de 150 léguas (aprox. 900 km), coloca Diogo Teive mais próximo da Terra Nova do que do Corvo ou Flores (a 200 km).
E também é relevante a informação de Lorenzo Anania já aqui citada, que fala sobre a partida (em 1576) de Aveiro de numerosa frota de navios para a pesca ao bacalhau na Terra Nova.

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publicado às 19:23


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