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Nota de Rodopé (bis)
Começamos com mais uma "Nota de Rodopé"... 
Já tínhamos falado de Rodopé, a propósito da fábulas de Esopo e de Perrault. 

Faltou-nos uma história de "sapatinho rosa-dourado"... de uma escrava grega, que apreciada pelo seu senhor recebe os tais sapatinhos, causando inveja nas outras escravas... que a sobrecarregam de trabalho!
Acontece que o faraó Amásis II convida todos para uma festa em Mênfis, mas a pobre escrava não pode ir... é sobrecarregada com trabalho pelas outras invejosas! 
Lembra uma história de gata borralheira... e enquanto a festa decorre em Mênfis (só faltaria ter a actuação de algum Elvis...), a pobre escrava, ao lavar a roupa, molha os chinelos. 
Pior, quando os deixa ao sol a secar, um pássaro pega num e foge com ele.
Porém, o pássaro era afinal o deus Hórus, que deixa cair o chinelo em frente a Amásis II.
Tomando tal sinal divino evidente, o faraó procura a donzela que tenha o outro chinelo rosa-dourado. Acaba por encontrar a escrava... essa escrava é Cinderela?... Não, é Rodopé!
  
Ponte Diavolski, Bulgaria - Montes Rodopé (Trácia)... e o sapato de Cinderela.

Parecerá de facto, a história da Cinderela, mas de quem? 
De Esopo, de Estrabão, de Perrault, dos Irmãos Grimm, ou de Disney?
Bom, parece que também há uma versão chinesa - com Ye Xian, que perde um sapatinho dourado, e também tem uma madrasta malvada. É sabida a importância que os chineses davam aos pés pequenos, por isso esta história é também antiga - encontra-se numa compilação do Séc. IX d.C. (ver também aqui).

Encontrei, por mero acaso, mais esta "nota de Rodopé". 
Não era sobre isso que queria falar. Mas, aparecendo contada por Estrabão, convirá situar a época. 
Rodopé tal como Spartacus seriam escravos da Trácia. A brutal repressão romana à revolta de Spartacus ainda estaria fresca na memória dos gregos, e não podendo falar de Spartacus, talvez ocorresse a Estrabão falar de Rodopé, enquanto símbolo escravo da vizinha Trácia.
Se o grego Esopo atribuíra a Rodopé uma das pirâmides egípcias, o grego Estrabão iria dar-lhe um pé, que colocaria, através de Hórus, ao lado do poder divino faraónico. 
Se o pé do trácio Spartacus, como o de mais 30 mil escravos, foi pregado numa cruz na Via Ápia, houve poucas décadas depois outro pé onde tal cruz ficou imortalizada, com uma Roma rendida a esse símbolo.

4) O declínio egípcio
Amásis II - o faraó que escolheria o pé de Rodopé - seria o último grande faraó egípcio. A partir daí, de Rodopé ficaria essencialmente um Canto, um canto de arquitectos e poetas. 
Logo a seguir à morte de Amásis II os egípcios iriam cair sob domínio persa, do Império Aqueménida, ficando como uma província (isto, à excepção de um curto período, onde por alguns anos a capital será a cidade egípcia de Mendes - XIX dinastia).

Se a civilização egípcia consegue resistir ao primeiro Império, ou primeira monarquia Assíria, o mesmo já não se passará na transição para o segundo Império, quando Medos, Caldeus e Persas passam o poder da velha capital assíria de Nínive para a Babilónia, e depois Persépolis.
Já falámos da descrição de Figueiredo que fazia a divisão em 7 monarquias em vez de 4 impérios.
Quando se fala na mitologia do "Quinto Império", há em comum a primeira monarquia iniciada com os Assírios, por Nimrod ou Nembroth (associado à Torre de Babel e à capital Nínive).
Após a queda assíria, com Assurbanípal, ou Sardanapalo, o segundo império de Medos e Caldeus, começaria na Babilónia, e ficaria marcado por Nabucodonosor, em particular pelo registo bíblico da deportação hebraica, que terminaria com a ascensão persa de Ciro (560-530 a.C), a quem Figueiredo associa a terceira monarquia, persa, que só seria deposta por Alexandre Magno, marcando também o fim do segundo império. O terceiro império será macedónio-grego, a que se seguiria o quarto, de Roma.

O declínio egípicio, a ascensão de Nabucodonosor, e depois de Ciro, no Séc. VI a.C. vai produzir uma significativa mudança global. É dessa época que nos vão chegar os antigos registos históricos, míticos e religiosos... notando que são contemporâneos, ou posteriores ao "grande" Ciro, os "veneráveis": 
- Sete Sábios Gregos (em particular, Sólon, ou antes Tales de Mileto, 624 a 554 a.C) 
- Buda, ou Sidarta Gautama (563 a 483 a.C), 
- Confúcio, ou Kung Fu Tziu (551 a 479 a.C).

O ponto principal é que é nesta época que se definem os registos que passam para as gerações seguintes.
O caso mais emblemático será a confusão hebraica-judaica. É reconhecido que quando Ciro recoloca hebreus e judeus no mesmo "território de origem" já se teria perdido grande parte da cultura pelo período no cativeiro da Babilónia... onde choraram por Sião. Até a língua hebraica seria estranha aos judeus, pelo que a recuperação bíblica será feita com a ajuda dos magos persas - os seus antigos captores.
Não será assim tão estranho que haja muitos pontos comuns entre os registos míticos babilónicos e aqueles que serão depois adoptados pelos judeus. 

Por outro lado, ainda antes do declínio, fica claro que há uma aproximação entre egípcios e gregos.
Sólon, um dos Sete Sábios Gregos do Séc. VI a.C. procura informações no Egipto... em particular será aí que terá o registo da Atlântida, que depois será contado por Platão. 
O aparecimento da cultura grega não pode ser desligado dessa clara influência egípcia, que assim procura uma oposição à expansão persa. O Egipto acabará por retomar o seu protagonismo através deste investimento, pela importância que a dinastia Ptolomaica de Alexandria assumirá até à queda de Cleópatra. 

A tragédia que envolve Júlio César, Cleópatra, Marco António e Augusto Octávio, é uma história que assinala a luta de poder na transição entre o 3º Império sediado em Alexandria e a passagem para o 4º Império sediado em Roma.
Não será imediata, pois mesmo durante o período romano, Alexandria com a sua Biblioteca continuará a ser o principal pólo de conhecimento da Antiguidade. Será apenas com a chegada de Constantino, e a consagração de Bizâncio, que Alexandria perderia a sua importância como capital oriental, entrando em declinio até à conquista árabe.

Se notamos uma influência egípcia na formação filosófica e científica grega, também podemos ver alguma exportação filosófica para Oriente. Em muitos aspectos encontramos noções da filosofia de Hermes ou de Zoroastro nas reflexões budistas, confucianas ou taoístas.  Nota-se uma mudança significativa na forma, mas há muitos pontos comuns no conteúdo, que passam por quase todas as filosofias e religiões.

5) Beroso - Anedotos e Caldeus
Há vários relatos sobre Beroso, mas a sua história dos Caldeus só teria chegado parcialmente através de alguns relatos de Eusébio. Encontrámos um notável trabalho de Isaac Cory que nos dá uma tradução em inglês das citações de Eusébio, e das passagens atribuídas a Beroso (Berossus).
Começamos por esta:
(...) then Ammenon the Chaldean, in whose time appeared the Musarus Oannes the Annedotus from the Erythrean sea.
Quem era esta abominação "Joanes, Anedoto do Mar Vermelho"? 
- Os anedotos eram homens-peixe!
Parecerá "anedota", mas estes "anedotos" eram apresentados como se estivessem "vestidos de peixe", vendo-se os pés, e a cabeça na posição das guelras, assim:
 
Dois Anedotos - Homens Peixe... (imagem) e um enorme bacalhau (imagem)

Se a ideia era dessa forma passarem por "homens-peixe", parece de facto "anedota", e o nome "anedoto" é apropriado. Para além de "Joanes", ou "Oanes", Beroso refere mais anedotos, sempre do Mar "Eritreu"-Vermelho, um outro teria o nome Odacon.
Num dos relatos é dito que o Anedoto conversava com os homens de dia, não comia, e ao pôr-do-sol mergulhava nas águas, onde ficava toda a noite. Parece que com esta anedota eram convencidos os assírios que ele era anfíbio... 
De qualquer forma, aprenderam dele as letras, ciências e outro tipo de artes, como das sementes e frutos. Teria ainda ensinado-os a construir casas, fundar templos, compilar leis, bem como os princípios de geometria. Os seus conhecimentos eram considerados tão universais que nada mais era necessário, tendo tornado os caldeus mais gentis e humanos.
Ao lado decidimos colocar uma imagem de um enorme bacalhau... para que se torne mais claro o que poderia ser um Anedoto ou uma anedota, um bacalhau ou uma cabala.


Não deixa de ser algo estranha esta reverência dos caldeus a esses homens-peixe, que vindos de um Mar Eritreu lhes teriam transmitido conhecimento fundamental. Já aqui referimos da ambiguidade sobre a designação "Eritreu", e de que o Mar Vermelho já foi tido e achado em lugares diferentes. Em particular, esta pesca de bacalhau poderia corresponder a uma secagem de pele noutras paragens, talvez na zona da ilha Eritreia, colocada na Iberia.

Por outro lado, um símbolo na hierarquia cristã é a Mitra, um barrete que já foi visto como perfil de cabeça de peixe. O nome "mitra" está também associado a uma religião persa que chegou a ter um destaque semelhante ao do cristianismo à época da sua implantação no Império Romano. Porém, o barrete do mitraísmo seria o barrete frígio, e não algo com uma abertura que lembra a boca de peixe, como a mitra papal.
Mitra de João XXIII.

Não é nenhuma novidade que um símbolo cristão é o peixe, mas não é convincente que tal se deva às iniciais ΙΧΘΥΣ que corresponderiam a Iesous Christos Theou Yios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador,  sendo Ichtys a palavra grega de peixe)... ou ainda a um "alfa" que tem a forma de peixe.
Se o hábito faz o monge, neste caso parece que há hábitos que vêm de longe, do fundo do mar...

6) Beroso - Dilúvio
No mesmo relato atribuído a Beroso fala-se do dilúvio. A divindade é Cronus, que aparece numa visão ao regente Xisuthrus (ou Sisithrus), avisando-o do dilúvio que destruiria a humanidade. Por isso, ele é encarregue de fazer uma história do mundo que guardaria na Cidade do Sol (ver Heliopolis) em Sippara, e de construir um navio onde levaria quem e tudo o que conseguisse, inclusivé todas as espécies de animais.
Depois, tal como na bem conhecida história de Noé, após o dilúvio, envia pássaros três vezes, até que eles não regressaram - o que significava que tinham encontrado terra firme. Num relato (via Abydenus) diz-se explicitamente que o navio se mantinha na Arménia, onde era ainda costume os habitantes fazerem pulseiras e amuletos a partir da sua madeira! (isto é visto como prova posterior da presença do barco no monte Ararat)

Nesse mesmo relato fala-se da construção de Torre de Babel, feita pelos habitantes da terra para desafiarem as alturas, contra vontade dos deuses, que através de ventos a demoliram caindo sobre os executantes, ao mesmo tempo que misturavam as diversas línguas, havendo antes apenas uma língua universal. Do desacordo teria surgido depois uma guerra entre Cronus e Titan...
A torre é colocada na Babilónia, e é dito que "para confusão é pelos Hebreus chamada Babel"...

Podemos concluir, que a menos de detalhes, e diferença de nomes, estas estórias caldeias-babilónicas do Dilúvio e de Babel são exactamente as mesmas que aparecem depois na tradição judaico-cristã. A grande diferença será o carácter monoteísta que parece associado a Cronus, eliminando referências a outros deuses ou a entidades míticas ou controversas, como o caso dos homens-peixe, os anedotos.

Será que podemos associar estes homens-peixe às figuras de sereias ou ao mito da Atlântida?
Até que ponto é que a questão do desaparecimento de uma potência atlântica não estaria ligada ao próprio mito do dilúvio?
- Afinal, havendo uma Idade do Gelo, quando essa termina para onde iria a água derretida?
- Não faria sentido considerar que o degelo teria provocado um considerável aumento da água do mar, afundando por completo povoações costeiras?
Se os gelos permanentes chegassem até ao Sul de França, como é habitualmente admitido, a retenção de água nesses gelos seria enorme, e a linha de costa seria bem diferente, estendendo-se muitos quilómetros no que hoje é Oceano. Um aquecimento do planeta teria como consequência uma catástrofe diluviana para civilizações costeiras. Só seriam sobreviventes as que assumissem algum carácter marítimo, ou que migrassem para zonas montanhosas. Essa mudança climática provocaria ainda uma mudança civilizacional, arruinando estruturas antigas, deixando perdidas várias tribos, e praticamente tudo teria que ser recomeçado.
Porém, quem sobrevivesse com a herança do passado perdido teria uma grande vantagem civilizacional face a todos os outros sobreviventes desorientados e espalhados por diversas partes, regressando à faceta de homens de cavernas.

Num dos relatos atribuído a Beroso é dito que o mesmo Oanes indicava que no início os homens teriam aparecido também com duas asas, outros com quatro asas e duas caras... podendo ser de homem e mulher.
Haveria ainda figuras humanas com cornos e pernas de cabras, outros pés de cavalo, touros com cabeça humana, etc... toda uma mistura zoológica, que teria sido desenhada no templo de Belus na Babilónia!
Não será assim de admirar que também no Egipto, por altura semelhante, tivessem aparecido representações mistas, que invocavam uma parte humana e outra parte animal... assim se constitui uma boa parte do panteão de divindades egípcias, que também foi exportada para mitos gregos.

Que propósito haveria nestes anedotos, ou nestas anedotas?...
Ou antes, como se manifestaria uma civilização mais avançada no contacto com tribos que estavam praticamente na pré-história? 
Teria paciência para fazer evoluir essas tribos para o mesmo nível? 
Aparecia como elite e tratava os restantes como servos? 
Interviria pontualmente como deuses e deixaria as tribos prosseguir a sua evolução?

Há alguns pontos na mitologia que podem ser encarados como abordagens a estas perguntas.
A civilização preponderante poderia ser encarada como um deus dominante, imortal, que decidiria sobre o futuro das civilizações que nasciam. A diferença de poder seria tal que permitiria intervir para proteger ou aniquilar civilizações emergentes. 
Neste sentido, apenas uma civilização, ou estrutura civilizacional, seria imortalizada... as outras passariam por fados, por jogos de poder, que as levariam a aniquilar-se. Não admitiria filhos... no sentido em que evitaria a competição interna com uma fonte semelhante de poder. 
Estamos perante uma figuração semelhante à de Cronos... que será deposto por Zeus.
O poder com Zeus substituiria essa dominância absoluta de Cronos, partilhando o Olimpo com os seus irmãos, numa oligarquia divina. Figurativamente, seria como substituir uma civilização dominante por uma assembleia olímpica de estruturas civilizacionais dominantes. Seria como se houvesse apenas doze tribos (o número de elementos no Olimpo) que decidissem sobre o futuro das guerras entre todas as outras... 
(ou ainda, seria como um conselho de segurança da ONU, onde cinco estados detêm o poder de veto)

De uma forma, ou de outra, não importa muito, os impérios ou monarquias que dominaram o mundo a partir dos Assírios, parecem ter tido um patrocínio externo, uma influência civilizacional superior que se constituiu como mitologia. Há quem refira os Anunnaki, o que parece ser apenas nome alternativo para a figuração dos Anedotos (um nome por interpretação cuneiforme, o outro das transcrições gregas de Beroso). 



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publicado às 02:09

Nota de Rodopé (bis)
Começamos com mais uma "Nota de Rodopé"... 
Já tínhamos falado de Rodopé, a propósito da fábulas de Esopo e de Perrault. 

Faltou-nos uma história de "sapatinho rosa-dourado"... de uma escrava grega, que apreciada pelo seu senhor recebe os tais sapatinhos, causando inveja nas outras escravas... que a sobrecarregam de trabalho!
Acontece que o faraó Amásis II convida todos para uma festa em Mênfis, mas a pobre escrava não pode ir... é sobrecarregada com trabalho pelas outras invejosas! 
Lembra uma história de gata borralheira... e enquanto a festa decorre em Mênfis (só faltaria ter a actuação de algum Elvis...), a pobre escrava, ao lavar a roupa, molha os chinelos. 
Pior, quando os deixa ao sol a secar, um pássaro pega num e foge com ele.
Porém, o pássaro era afinal o deus Hórus, que deixa cair o chinelo em frente a Amásis II.
Tomando tal sinal divino evidente, o faraó procura a donzela que tenha o outro chinelo rosa-dourado. Acaba por encontrar a escrava... essa escrava é Cinderela?... Não, é Rodopé!
 
Ponte Diavolski, Bulgaria - Montes Rodopé (Trácia)... e o sapato de Cinderela.

Parecerá de facto, a história da Cinderela, mas de quem? 
De Esopo, de Estrabão, de Perrault, dos Irmãos Grimm, ou de Disney?
Bom, parece que também há uma versão chinesa - com Ye Xian, que perde um sapatinho dourado, e também tem uma madrasta malvada. É sabida a importância que os chineses davam aos pés pequenos, por isso esta história é também antiga - encontra-se numa compilação do Séc. IX d.C. (ver também aqui).

Encontrei, por mero acaso, mais esta "nota de Rodopé". 
Não era sobre isso que queria falar. Mas, aparecendo contada por Estrabão, convirá situar a época. 
Rodopé tal como Spartacus seriam escravos da Trácia. A brutal repressão romana à revolta de Spartacus ainda estaria fresca na memória dos gregos, e não podendo falar de Spartacus, talvez ocorresse a Estrabão falar de Rodopé, enquanto símbolo escravo da vizinha Trácia.
Se o grego Esopo atribuíra a Rodopé uma das pirâmides egípcias, o grego Estrabão iria dar-lhe um pé, que colocaria, através de Hórus, ao lado do poder divino faraónico. 
Se o pé do trácio Spartacus, como o de mais 30 mil escravos, foi pregado numa cruz na Via Ápia, houve poucas décadas depois outro pé onde tal cruz ficou imortalizada, com uma Roma rendida a esse símbolo.

4) O declínio egípcio
Amásis II - o faraó que escolheria o pé de Rodopé - seria o último grande faraó egípcio. A partir daí, de Rodopé ficaria essencialmente um Canto, um canto de arquitectos e poetas. 
Logo a seguir à morte de Amásis II os egípcios iriam cair sob domínio persa, do Império Aqueménida, ficando como uma província (isto, à excepção de um curto período, onde por alguns anos a capital será a cidade egípcia de Mendes - XIX dinastia).

Se a civilização egípcia consegue resistir ao primeiro Império, ou primeira monarquia Assíria, o mesmo já não se passará na transição para o segundo Império, quando Medos, Caldeus e Persas passam o poder da velha capital assíria de Nínive para a Babilónia, e depois Persépolis.
Já falámos da descrição de Figueiredo que fazia a divisão em 7 monarquias em vez de 4 impérios.
Quando se fala na mitologia do "Quinto Império", há em comum a primeira monarquia iniciada com os Assírios, por Nimrod ou Nembroth (associado à Torre de Babel e à capital Nínive).
Após a queda assíria, com Assurbanípal, ou Sardanapalo, o segundo império de Medos e Caldeus, começaria na Babilónia, e ficaria marcado por Nabucodonosor, em particular pelo registo bíblico da deportação hebraica, que terminaria com a ascensão persa de Ciro (560-530 a.C), a quem Figueiredo associa a terceira monarquia, persa, que só seria deposta por Alexandre Magno, marcando também o fim do segundo império. O terceiro império será macedónio-grego, a que se seguiria o quarto, de Roma.

O declínio egípicio, a ascensão de Nabucodonosor, e depois de Ciro, no Séc. VI a.C. vai produzir uma significativa mudança global. É dessa época que nos vão chegar os antigos registos históricos, míticos e religiosos... notando que são contemporâneos, ou posteriores ao "grande" Ciro, os "veneráveis": 
- Sete Sábios Gregos (em particular, Sólon, ou antes Tales de Mileto, 624 a 554 a.C) 
- Buda, ou Sidarta Gautama (563 a 483 a.C), 
- Confúcio, ou Kung Fu Tziu (551 a 479 a.C).

O ponto principal é que é nesta época que se definem os registos que passam para as gerações seguintes.
O caso mais emblemático será a confusão hebraica-judaica. É reconhecido que quando Ciro recoloca hebreus e judeus no mesmo "território de origem" já se teria perdido grande parte da cultura pelo período no cativeiro da Babilónia... onde choraram por Sião. Até a língua hebraica seria estranha aos judeus, pelo que a recuperação bíblica será feita com a ajuda dos magos persas - os seus antigos captores.
Não será assim tão estranho que haja muitos pontos comuns entre os registos míticos babilónicos e aqueles que serão depois adoptados pelos judeus. 

Por outro lado, ainda antes do declínio, fica claro que há uma aproximação entre egípcios e gregos.
Sólon, um dos Sete Sábios Gregos do Séc. VI a.C. procura informações no Egipto... em particular será aí que terá o registo da Atlântida, que depois será contado por Platão. 
O aparecimento da cultura grega não pode ser desligado dessa clara influência egípcia, que assim procura uma oposição à expansão persa. O Egipto acabará por retomar o seu protagonismo através deste investimento, pela importância que a dinastia Ptolomaica de Alexandria assumirá até à queda de Cleópatra. 

A tragédia que envolve Júlio César, Cleópatra, Marco António e Augusto Octávio, é uma história que assinala a luta de poder na transição entre o 3º Império sediado em Alexandria e a passagem para o 4º Império sediado em Roma.
Não será imediata, pois mesmo durante o período romano, Alexandria com a sua Biblioteca continuará a ser o principal pólo de conhecimento da Antiguidade. Será apenas com a chegada de Constantino, e a consagração de Bizâncio, que Alexandria perderia a sua importância como capital oriental, entrando em declinio até à conquista árabe.

Se notamos uma influência egípcia na formação filosófica e científica grega, também podemos ver alguma exportação filosófica para Oriente. Em muitos aspectos encontramos noções da filosofia de Hermes ou de Zoroastro nas reflexões budistas, confucianas ou taoístas.  Nota-se uma mudança significativa na forma, mas há muitos pontos comuns no conteúdo, que passam por quase todas as filosofias e religiões.

5) Beroso - Anedotos e Caldeus
Há vários relatos sobre Beroso, mas a sua história dos Caldeus só teria chegado parcialmente através de alguns relatos de Eusébio. Encontrámos um notável trabalho de Isaac Cory que nos dá uma tradução em inglês das citações de Eusébio, e das passagens atribuídas a Beroso (Berossus).
Começamos por esta:
(...) then Ammenon the Chaldean, in whose time appeared the Musarus Oannes the Annedotus from the Erythrean sea.
Quem era esta abominação "Joanes, Anedoto do Mar Vermelho"? 
- Os anedotos eram homens-peixe!
Parecerá "anedota", mas estes "anedotos" eram apresentados como se estivessem "vestidos de peixe", vendo-se os pés, e a cabeça na posição das guelras, assim:
 
Dois Anedotos - Homens Peixe... (imagem) e um enorme bacalhau (imagem)

Se a ideia era dessa forma passarem por "homens-peixe", parece de facto "anedota", e o nome "anedoto" é apropriado. Para além de "Joanes", ou "Oanes", Beroso refere mais anedotos, sempre do Mar "Eritreu"-Vermelho, um outro teria o nome Odacon.
Num dos relatos é dito que o Anedoto conversava com os homens de dia, não comia, e ao pôr-do-sol mergulhava nas águas, onde ficava toda a noite. Parece que com esta anedota eram convencidos os assírios que ele era anfíbio... 
De qualquer forma, aprenderam dele as letras, ciências e outro tipo de artes, como das sementes e frutos. Teria ainda ensinado-os a construir casas, fundar templos, compilar leis, bem como os princípios de geometria. Os seus conhecimentos eram considerados tão universais que nada mais era necessário, tendo tornado os caldeus mais gentis e humanos.
Ao lado decidimos colocar uma imagem de um enorme bacalhau... para que se torne mais claro o que poderia ser um Anedoto ou uma anedota, um bacalhau ou uma cabala.


Não deixa de ser algo estranha esta reverência dos caldeus a esses homens-peixe, que vindos de um Mar Eritreu lhes teriam transmitido conhecimento fundamental. Já aqui referimos da ambiguidade sobre a designação "Eritreu", e de que o Mar Vermelho já foi tido e achado em lugares diferentes. Em particular, esta pesca de bacalhau poderia corresponder a uma secagem de pele noutras paragens, talvez na zona da ilha Eritreia, colocada na Iberia.

Por outro lado, um símbolo na hierarquia cristã é a Mitra, um barrete que já foi visto como perfil de cabeça de peixe. O nome "mitra" está também associado a uma religião persa que chegou a ter um destaque semelhante ao do cristianismo à época da sua implantação no Império Romano. Porém, o barrete do mitraísmo seria o barrete frígio, e não algo com uma abertura que lembra a boca de peixe, como a mitra papal.
Mitra de João XXIII.

Não é nenhuma novidade que um símbolo cristão é o peixe, mas não é convincente que tal se deva às iniciais ΙΧΘΥΣ que corresponderiam a Iesous Christos Theou Yios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador,  sendo Ichtys a palavra grega de peixe)... ou ainda a um "alfa" que tem a forma de peixe.
Se o hábito faz o monge, neste caso parece que há hábitos que vêm de longe, do fundo do mar...

6) Beroso - Dilúvio
No mesmo relato atribuído a Beroso fala-se do dilúvio. A divindade é Cronus, que aparece numa visão ao regente Xisuthrus (ou Sisithrus), avisando-o do dilúvio que destruiria a humanidade. Por isso, ele é encarregue de fazer uma história do mundo que guardaria na Cidade do Sol (ver Heliopolis) em Sippara, e de construir um navio onde levaria quem e tudo o que conseguisse, inclusivé todas as espécies de animais.
Depois, tal como na bem conhecida história de Noé, após o dilúvio, envia pássaros três vezes, até que eles não regressaram - o que significava que tinham encontrado terra firme. Num relato (via Abydenus) diz-se explicitamente que o navio se mantinha na Arménia, onde era ainda costume os habitantes fazerem pulseiras e amuletos a partir da sua madeira! (isto é visto como prova posterior da presença do barco no monte Ararat)

Nesse mesmo relato fala-se da construção de Torre de Babel, feita pelos habitantes da terra para desafiarem as alturas, contra vontade dos deuses, que através de ventos a demoliram caindo sobre os executantes, ao mesmo tempo que misturavam as diversas línguas, havendo antes apenas uma língua universal. Do desacordo teria surgido depois uma guerra entre Cronus e Titan...
A torre é colocada na Babilónia, e é dito que "para confusão é pelos Hebreus chamada Babel"...

Podemos concluir, que a menos de detalhes, e diferença de nomes, estas estórias caldeias-babilónicas do Dilúvio e de Babel são exactamente as mesmas que aparecem depois na tradição judaico-cristã. A grande diferença será o carácter monoteísta que parece associado a Cronus, eliminando referências a outros deuses ou a entidades míticas ou controversas, como o caso dos homens-peixe, os anedotos.

Será que podemos associar estes homens-peixe às figuras de sereias ou ao mito da Atlântida?
Até que ponto é que a questão do desaparecimento de uma potência atlântica não estaria ligada ao próprio mito do dilúvio?
- Afinal, havendo uma Idade do Gelo, quando essa termina para onde iria a água derretida?
- Não faria sentido considerar que o degelo teria provocado um considerável aumento da água do mar, afundando por completo povoações costeiras?
Se os gelos permanentes chegassem até ao Sul de França, como é habitualmente admitido, a retenção de água nesses gelos seria enorme, e a linha de costa seria bem diferente, estendendo-se muitos quilómetros no que hoje é Oceano. Um aquecimento do planeta teria como consequência uma catástrofe diluviana para civilizações costeiras. Só seriam sobreviventes as que assumissem algum carácter marítimo, ou que migrassem para zonas montanhosas. Essa mudança climática provocaria ainda uma mudança civilizacional, arruinando estruturas antigas, deixando perdidas várias tribos, e praticamente tudo teria que ser recomeçado.
Porém, quem sobrevivesse com a herança do passado perdido teria uma grande vantagem civilizacional face a todos os outros sobreviventes desorientados e espalhados por diversas partes, regressando à faceta de homens de cavernas.

Num dos relatos atribuído a Beroso é dito que o mesmo Oanes indicava que no início os homens teriam aparecido também com duas asas, outros com quatro asas e duas caras... podendo ser de homem e mulher.
Haveria ainda figuras humanas com cornos e pernas de cabras, outros pés de cavalo, touros com cabeça humana, etc... toda uma mistura zoológica, que teria sido desenhada no templo de Belus na Babilónia!
Não será assim de admirar que também no Egipto, por altura semelhante, tivessem aparecido representações mistas, que invocavam uma parte humana e outra parte animal... assim se constitui uma boa parte do panteão de divindades egípcias, que também foi exportada para mitos gregos.

Que propósito haveria nestes anedotos, ou nestas anedotas?...
Ou antes, como se manifestaria uma civilização mais avançada no contacto com tribos que estavam praticamente na pré-história? 
Teria paciência para fazer evoluir essas tribos para o mesmo nível? 
Aparecia como elite e tratava os restantes como servos? 
Interviria pontualmente como deuses e deixaria as tribos prosseguir a sua evolução?

Há alguns pontos na mitologia que podem ser encarados como abordagens a estas perguntas.
A civilização preponderante poderia ser encarada como um deus dominante, imortal, que decidiria sobre o futuro das civilizações que nasciam. A diferença de poder seria tal que permitiria intervir para proteger ou aniquilar civilizações emergentes. 
Neste sentido, apenas uma civilização, ou estrutura civilizacional, seria imortalizada... as outras passariam por fados, por jogos de poder, que as levariam a aniquilar-se. Não admitiria filhos... no sentido em que evitaria a competição interna com uma fonte semelhante de poder. 
Estamos perante uma figuração semelhante à de Cronos... que será deposto por Zeus.
O poder com Zeus substituiria essa dominância absoluta de Cronos, partilhando o Olimpo com os seus irmãos, numa oligarquia divina. Figurativamente, seria como substituir uma civilização dominante por uma assembleia olímpica de estruturas civilizacionais dominantes. Seria como se houvesse apenas doze tribos (o número de elementos no Olimpo) que decidissem sobre o futuro das guerras entre todas as outras... 
(ou ainda, seria como um conselho de segurança da ONU, onde cinco estados detêm o poder de veto)

De uma forma, ou de outra, não importa muito, os impérios ou monarquias que dominaram o mundo a partir dos Assírios, parecem ter tido um patrocínio externo, uma influência civilizacional superior que se constituiu como mitologia. Há quem refira os Anunnaki, o que parece ser apenas nome alternativo para a figuração dos Anedotos (um nome por interpretação cuneiforme, o outro das transcrições gregas de Beroso). 



Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 02:09

Há um ponto que ficou por esclarecer naquilo que fui escrevendo até aqui.
Creio que deixei claro que há fortes motivos para suspeitar de uma ocultação que antecedeu o período de descobrimentos, dizendo respeito a todas as descobertas, indo até à Antiguidade, proibindo praticamente contactos entre as civilizações ocidentais e orientais, ou as explorações marítimas.
No entanto, não apresentei qualquer conexão que se impusesse a Oriente e a Ocidente, de forma minimamente semelhante. Por que razão a China e Índia se haveriam de fechar? Se o Budismo foi uma religião que procurou difusão, que obstáculos tão grandes impediriam uma tentativa de propagação a ocidente? Por que razão o Império Romano, durante vários séculos de apogeu, não procuraria entrar em contacto com as zonas orientais, seguindo a rota de Alexandre Magno, pelo menos em direcção à Índia. Afinal, seria esse "descuido" a oriente que levaria os hunos às suas portas, precipitando o fim do império.

Há uns jogos instrutivos na internet, que permitem simular a evolução de um domínio. O utilizador pode começar em igualdade de circunstâncias numa "aldeia" numa "ilha", estabelece algumas alianças locais, mas rapidamente perceberá que nem todos chegaram ao mesmo tempo, e noutras "ilhas" haverá "alianças mais desenvolvidas". Esquecendo as finalidades comerciais, que deturpam as prestações, os novos jogadores são aliciados para fazerem parte de alianças com jogadores mais experientes... e a filosofia rapidamente se torna num "join or die". A pequena ilha que pareceria inicialmente imune a ataques externos, ver-se-à rapidamente envolvida num jogo global entre duas ou três alianças principais, que se formaram no início do jogo. Em casos mais subtis, as alianças, que parecem antagónicas, são controladas pelo mesmo jogador, que garantirá assim a vitória, fazendo jogo duplo, ou triplo, de aparente oposição a si próprio. Aos iniciados, esse tipo de estratégia escapa-lhes por completo, pelo menos até passarem uns meses, ou anos... porque alguns jogos mentais conseguem ser viciantes, e há muita gente entretida no mercado de "realidades" paralelas ou virtuais.

Isto é apenas ilustrativo de como é possível dissimular antagonismos, objectivos, deturpando a imagem que os outros fazem do seu oponente. Um oponente dissimulado é muitíssimo mais difícil de combater, mas por outro lado requer uma sofisticação, uma sólida ligação entre intervenientes, e precisa ainda de um motivo unificador. Num jogo estabelece-se normalmente um objectivo, agora em termos da nossa vivência humana, os pequenos objectivos tendem-se a confundir com objectivos maiores, ou até com a profunda inexistência de objectivo declarado, na existência humana.

É claro que a nossa raiz animal traz alguns objectivos inerentes, que se prendem com a constituição familiar, com a identificação de um parentesco, de um povo... mas quando a civilização começou a ganhar ascendente por via de novas ideias, essas ideias não tinham marca genética. Podem ter sido entendidas assim pela ligação entre o povo e a sua cultura, mas se as culturas não fossem hostis, só períodos de carência levariam a conflitos, a disputas territoriais, onde regressavam os valores de "base animal", ligados à própria sobrevivência.
O esquema agredir-para-não-ser-agredido deve ter-se tornado rapidamente numa real-politik, e as populações destroçadas passaram a ser remetidas para uma condição de escravatura, onde a sua utilização seria semelhante à que os humanos fariam dos restantes animais. Uns seriam tratados como "bestas de carga", outros seriam mais acarinhados... passando a uma figura semelhante à de "animais de estimação".

Um aspecto, que ainda hoje se pratica, é a castração de "animais de estimação". Também é histórica a utilização de eunucos para serviço cortesão. A sua prática atravessou fronteiras, e encontrou especial aplicação a Oriente. Do Egipto, Babilónia, Pérsia, até à China, os eunucos atingiram um estatuto social que lhes permitia ganhar controlo sobre a pirâmide burocrática dos estados. Mas o que os motivaria?
Numa corte que estabelecia linhagem pela descendência familiar, aos eunucos estaria reservado o papel de meros espectadores, mais ou menos empenhados na garantia da descendência dos genes do seu "senhor", que não eram seguramente os seus. Se eles tinham poder, não serviria essa filosofia de carácter reprodutor... provavelmente o seu povo de origem estava escravizado em condições piores.
É fácil à distância dos factos esquecer os sofrimentos envolvidos, mas a nossa História é uma sucessão de dramas, alguns dos quais difíceis de compreender para além da mera barbárie envolvida.

Se haveria humanos receptivos a uma idealização da humanidade, para além do aspecto animal, da reprodução da espécie, é natural que se encontrassem entre os eunucos. Caso constituíssem uma fraternidade, sem fronteiras, ganhariam o poder de aconselhar os soberanos às melhores e piores decisões, consoante a sua estratégia global. E que motivo teriam eles para as fronteiras? Qual seria o seu povo, se lhes negavam descendência?

O texto já está a ficar longo, e ainda mal comecei... este assunto, ainda que hipotético, afigura-se complicado, pela sua verosimilidade, e génese "casual". 
Acontece que alguns estudiosos de Colombo salientaram que o seu nome "Colon" referiria uma afiliação secreta, representada na sua (e noutras) assinaturas com ":", e estas duas bolinhas têm o nome latino de "colon". Da mesma forma que são hoje usados para fazer os olhos de um "smile" :) nada impede que tivessem outro significado... Foi um pouco ao jeito de smile, que escrevi no blog  Delito de Opinião (onde fazem a gentileza de suportar os inconvenientes):
Quer Rosa, não Rosso, que o Cristobal, o Colón das Méricas não seja intestinal, mas sim um par de bolinhas ":" designadas por colon, que representa ainda "membro".
Sendo vulgar que, por castelhanização, o "ll" em Collon se leria de forma inconveniente, não deixo de reparar que Collons não faltaram, para grandes Mericas.
Mas não é dessa coragem organizada em confrarias, aí falo dos outros membros, "pomodoros", em italiano "tomates", essoutros membros que partiram para o jardim das Hespérides em busca das "maçãs de ouro"... e foram longe desencontrar o fruto proibido escondido no laranjal.

Esta prosa tem um contexto casual... e é claro que a partir desta pequena constatação informal, o "colon" ganha outros signicados, inclusivé o do feminino "cola" para cauda (e já dissertei sobre a cola do dragão, ou dra-cola).

Pareceu-me consequente que o símbolo ":" pudesse representar um drama, tal como a crux "+" representa outro. E é claro que se encontram casos particularmente significativos desses dramas.
Um deles é o do adolescente Sporus, ao tempo de Nero, que o apresentou publicamente castrado como sua "noiva", para substituir a mulher, Poppaea Sabina (que Nero tinha morto a pontapé, estando grávida, segundo Suetónio).  Após a morte de Nero, Sporus ficou de novo como escravo sexual de Sabino, Oto, e finalmente suicidou-se, quando Vitélio decidiu humilhá-lo publicamente com a representação da "violação de Perséfone (por Hades)".
Conjectura-se que Poppaea seria uma simpatizante do culto cristão, mas como Sabino tratava Sporus com o mesmo nome da anterior imperatriz, em alusão à substituição por Nero, poderá haver confusão de nomes. 
Parece provável que o sacrifício de Sporus tenha tido impacto na comunidade cristã.
O Evangelho de S. Mateus (19:12) refere esta passagem:
                      "Alguns são eunucos porque nasceram assim; outros foram feitos assim pelos homens; outros ainda fizeram-se eunucos por causa do Reino dos Céus. Quem puder aceitar isso, aceite."

São Mateus é contemporâneo do despotismo de Nero e da tragédia de Sporus. De qualquer forma, a Igreja aceita este evangelho, e a associação dos eunucos ao Reino dos Céus parece ligada a votos de castidade, em particular ao celibato na Igreja. 


Falando no celibato, temos o culto de Cíbele, entendida como equivalente a Raia, a Perséfone, talvez na sua variante mais popular, enquanto deusa-da-terra, a Maia. Os sacerdotes de Cibele eram eunucos, denominados "Galli" ou Galos, de origem "frígia"... e acho que já disse o suficiente sobre o prefixo "Galo", e a sua ligação a toda cultura "celta". Se por um lado os galos anunciam o amanhecer... e há todo um simbolismo com a alvorada. Por outro lado há uma relação a Cale - via, caminho, de onde surge a palavra "Galactica" - ou via láctea, por alterações entre "G" e "C".
Assim, a representação da violação de Perséfone, a ser feita a Sporus, eunuco, tinha uma conotação de perversidade cultural.

Cíbele era entendida como Magna Mater, ou Alma Mater, uma designação que se aplicaria depois à Virgem Maria. Também não deixei de notar que o Papa tem o poder de atribuir a Ordem da Espora Dourada, uma prestigiosa condecoração para a fé Católica, tendo como "patrono" a Virgem Maria.

A "espora" tornou-se um símbolo da cavalaria (também em westerns), e a sua forma de estrela não será acidental. Parece-me ter sido visto algo estelar num "esporo"... numa borboleta esmagada por uma roda, citando Pope, que pareceu ridicularizar Sporus. 

O outro ponto estelar acaba por ser representado literalmente por Ganimedes.

Ganimedes nesta representação com um barrete frígio, sendo a sua origem troiana, terá sido raptado por Júpiter/Zeus, por ser o mais belo de entre os mortais. Tal como os outros satélites de Júpiter, a saber - Io, Europa e Calisto, todos foram vítimas de rapto de Zeus, para atribuições sexuais.
Assim, o maior satélite natural de Júpiter, Ganimedes, foi nomeado desta forma, não porque Galileu quisesse (não quis), mas porque tinha que ser assim. Dessa forma não esquecemos que a potência de Zeus tinha também o seu lado perverso, num desequilíbrio de atribuições que não poderia ser estável.

Há muitos "eus" nesta história, e estão no plural, em "meus", "teus", "seus", "Deus", "Zeus", "Teos", "Céus"... Porquê "eu"? Por que não "eu"?, e raramente se conjuga no plural vendo todos os "Eus", apenas esperando que o outro "eu" também veja o seu "eu".

Voltamos ao "eu nuca", nuca no suporte da cabeça. Ganimedes foi também um eunuco egípcio que ficou famoso por combater Júlio César, sendo a nuca de Ptolomeu XIII e não de Cleópatra. Tempos complicados, em que Crasso cometia o "erro crasso" de crucificar 30 mil escravos na Via Ápia, após a revolta de Spartacus, dando uma outra dimensão para a crux "+", para além da que lhe reconhecemos.

Se a sociedade romana era violenta com os escravos, não usava eunucos, e o caso de Sporus pode ser considerado dentro das excepções a essa castração violenta. Aliás a sociedade romana (tal como a grega) teria costumes sexuais que não tornariam a posição de nenhum eunuco humilhante, o estatuto humilhante seria colocado na escravatura... tendo como escape romano nas Saturnálias, que estão na origem do Carnaval.

A abdicação religiosa de função sexual esteve ligada a esse ritual que remonta a Cibele, e que se liga aos eunucos, dedicados a um projecto social que ultrapassava o mero conceito da reprodução. Essa limitação sexual de uns pode ainda justificar toda a necessidade de ser imposta religiosamente a outros, não por uma mera questão "vingativa", mas para ligar a existência humana a objectivos que ultrapassassem a efemeridade. Por outro lado, convém não esquecer o papel secundário a que foram remetidas as mulheres, consideradas para o objectivo "menor", reprodutor, mais ligadas à sua descendência genética, e talvez consideradas menos aptas para uma visão que ultrapassasse o seio familiar, a que estariam instintivamente mais presas.

Por outro lado, um outro culto primitivo, ligado à terra, é o de Pan, ou Fauno.
A apresentação deste deus, com cornos e pés de cabra, tem uma conotação directa com uma figura popularizada do Diabo, e o quadro "El gran cabron" de Goya representa uma adoração pagã associada a bruxaria. Em português popular não é de desconsiderar o prefixo "pan" associado a "pânico", e as outras terminações  em "ilas", "asca", "eiro"... ainda que a natureza do deus seja mais a da luxúria e não a misogenia. É aliás habitual a sua ligação a Dionísio, ou a Baco, de onde vem a palavra "bacanal" e talvez "baca" (com "v"). Os seus cornos (talvez cifras em chifres) podem ser ligados à cornucópia de Cibele, e também tomam uma ligação a Cronos, não apenas linguística, mas pela sua origem ao panteão remoto. Tal como Zeus, Pan teria sido criado por Amalteia e alimentado da mesma cabra, podendo ser irmão de Arcas, havendo um outro Pan, mais antigo, filho de Cronos. Pelo lado de Arcas, encontramos a sua mãe Calisto, uma das vítimas dos apetites de Zeus, e colocada também como Ursa Maior, enquanto o seu filho Arcas, corresponde à Ursa Menor. 
Há uma ligação comum à Lua, que Pan cortejou, e digamos que uma floresta ao luar será o ambiente que associamos a faunos. Por outro lado, no rabo de peixe, é considerado Capricórnio, talvez devendo  ainda ser associado à figura mítica do centauro.

O prefixo "pan" leva-nos a outras considerações, nomeadamente globais, já que significa "tudo".
Em particular, o sistema "panóptico" desenhado por Bentham no Séc. XVIII para prisões:
foi também considerado por Michel Foucault como um modelo aplicável a outras vigilâncias. A ideia é a de um vigilante que vê todas as celas, sem que os presos se apercebam que estão a ser vigiados. No fundo, uma visão Orwelliana já com alguns séculos, mas que peca por ter apenas um olho, que julga que tudo vê. Estes sistemas são aplicados hoje em dia, e convivemos com eles sem dar por isso... e não será apenas nas câmaras de vigilância, nem só na comunicação da internet, nos telemóveis, ou nas webcameras. É já velho o ditado que diz "as paredes têm ouvidos"... porque apenas conhecemos uma parte da tecnologia que é divulgada. Hoje em dia há máquinas, e micro-máquinas...
Se essa concepção prisional favorece a nossa segurança, admitindo que o vigilante é bem intencionado, deixa-nos também numa fragilidade desconfortante, quando esse vigilante perde a noção dos seus limites éticos. 
Quando a intrusão não é consentida, trata-se de violação... seja ela de Sporus, de Perséfone, ou de Ganimedes, apareça Zeus ou Hades sob forma dissimulada, com pretensos propósitos de amor, que não passam de simples lascívia, escondida sob as cores do arco-íris, e pantominas de pote-de-ouro.

Foi este óvulo que se construiu, não um ovo, não de colombo, mas sim de colon.
No filme de Kubrick, "2001, Odisseia no Espaço", o epílogo é curiosamente uma nova forma de vida, que surge na ida a Júpiter. Há coisas que não são obviamente coincidência, nomeadamente o módulo chamar-se EVA, ou computador chamar-se HAL. O epilogo com uma nova forma de vida, posso entendê-lo, no sentido do "ovo de colon", quando colocado em Ganimedes... funcionando como o resultado final do projecto de gestação social, numa visão primeva de alguém a quem foi suprimida a possibilidade de outra descendência. Agora, o remake com um "2010, ano do contacto", só o consigo ver como sequela fortuita... tal como seria fortuita uma navegação em mar alto sem entender as estrelas, ou desaproveitado o entender as estrelas sem ousar navegar.

As ocultações podem servir um olho, mas comprometem definitivamente a visão de conjunto, remetendo-nos a uma sombra do que somos. Não se trata aqui do que uns sabem e outros não, mas sim do que uns não querem saber, enquanto que os outros caminharão inevitavelmente nesse sentido. Uns presos nos medos, outros movidos por sonhos. O controlo dos medos ou dos sonhos só superficialmente se condiciona. É um paradoxo do próprio julgar que domina o seu pensamento, e quem pensar o contrário, simplesmente não pensou no assunto. 

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publicado às 07:16

Há um ponto que ficou por esclarecer naquilo que fui escrevendo até aqui.
Creio que deixei claro que há fortes motivos para suspeitar de uma ocultação que antecedeu o período de descobrimentos, dizendo respeito a todas as descobertas, indo até à Antiguidade, proibindo praticamente contactos entre as civilizações ocidentais e orientais, ou as explorações marítimas.
No entanto, não apresentei qualquer conexão que se impusesse a Oriente e a Ocidente, de forma minimamente semelhante. Por que razão a China e Índia se haveriam de fechar? Se o Budismo foi uma religião que procurou difusão, que obstáculos tão grandes impediriam uma tentativa de propagação a ocidente? Por que razão o Império Romano, durante vários séculos de apogeu, não procuraria entrar em contacto com as zonas orientais, seguindo a rota de Alexandre Magno, pelo menos em direcção à Índia. Afinal, seria esse "descuido" a oriente que levaria os hunos às suas portas, precipitando o fim do império.

Há uns jogos instrutivos na internet, que permitem simular a evolução de um domínio. O utilizador pode começar em igualdade de circunstâncias numa "aldeia" numa "ilha", estabelece algumas alianças locais, mas rapidamente perceberá que nem todos chegaram ao mesmo tempo, e noutras "ilhas" haverá "alianças mais desenvolvidas". Esquecendo as finalidades comerciais, que deturpam as prestações, os novos jogadores são aliciados para fazerem parte de alianças com jogadores mais experientes... e a filosofia rapidamente se torna num "join or die". A pequena ilha que pareceria inicialmente imune a ataques externos, ver-se-à rapidamente envolvida num jogo global entre duas ou três alianças principais, que se formaram no início do jogo. Em casos mais subtis, as alianças, que parecem antagónicas, são controladas pelo mesmo jogador, que garantirá assim a vitória, fazendo jogo duplo, ou triplo, de aparente oposição a si próprio. Aos iniciados, esse tipo de estratégia escapa-lhes por completo, pelo menos até passarem uns meses, ou anos... porque alguns jogos mentais conseguem ser viciantes, e há muita gente entretida no mercado de "realidades" paralelas ou virtuais.

Isto é apenas ilustrativo de como é possível dissimular antagonismos, objectivos, deturpando a imagem que os outros fazem do seu oponente. Um oponente dissimulado é muitíssimo mais difícil de combater, mas por outro lado requer uma sofisticação, uma sólida ligação entre intervenientes, e precisa ainda de um motivo unificador. Num jogo estabelece-se normalmente um objectivo, agora em termos da nossa vivência humana, os pequenos objectivos tendem-se a confundir com objectivos maiores, ou até com a profunda inexistência de objectivo declarado, na existência humana.

É claro que a nossa raiz animal traz alguns objectivos inerentes, que se prendem com a constituição familiar, com a identificação de um parentesco, de um povo... mas quando a civilização começou a ganhar ascendente por via de novas ideias, essas ideias não tinham marca genética. Podem ter sido entendidas assim pela ligação entre o povo e a sua cultura, mas se as culturas não fossem hostis, só períodos de carência levariam a conflitos, a disputas territoriais, onde regressavam os valores de "base animal", ligados à própria sobrevivência.
O esquema agredir-para-não-ser-agredido deve ter-se tornado rapidamente numa real-politik, e as populações destroçadas passaram a ser remetidas para uma condição de escravatura, onde a sua utilização seria semelhante à que os humanos fariam dos restantes animais. Uns seriam tratados como "bestas de carga", outros seriam mais acarinhados... passando a uma figura semelhante à de "animais de estimação".

Um aspecto, que ainda hoje se pratica, é a castração de "animais de estimação". Também é histórica a utilização de eunucos para serviço cortesão. A sua prática atravessou fronteiras, e encontrou especial aplicação a Oriente. Do Egipto, Babilónia, Pérsia, até à China, os eunucos atingiram um estatuto social que lhes permitia ganhar controlo sobre a pirâmide burocrática dos estados. Mas o que os motivaria?
Numa corte que estabelecia linhagem pela descendência familiar, aos eunucos estaria reservado o papel de meros espectadores, mais ou menos empenhados na garantia da descendência dos genes do seu "senhor", que não eram seguramente os seus. Se eles tinham poder, não serviria essa filosofia de carácter reprodutor... provavelmente o seu povo de origem estava escravizado em condições piores.
É fácil à distância dos factos esquecer os sofrimentos envolvidos, mas a nossa História é uma sucessão de dramas, alguns dos quais difíceis de compreender para além da mera barbárie envolvida.

Se haveria humanos receptivos a uma idealização da humanidade, para além do aspecto animal, da reprodução da espécie, é natural que se encontrassem entre os eunucos. Caso constituíssem uma fraternidade, sem fronteiras, ganhariam o poder de aconselhar os soberanos às melhores e piores decisões, consoante a sua estratégia global. E que motivo teriam eles para as fronteiras? Qual seria o seu povo, se lhes negavam descendência?

O texto já está a ficar longo, e ainda mal comecei... este assunto, ainda que hipotético, afigura-se complicado, pela sua verosimilidade, e génese "casual". 
Acontece que alguns estudiosos de Colombo salientaram que o seu nome "Colon" referiria uma afiliação secreta, representada na sua (e noutras) assinaturas com ":", e estas duas bolinhas têm o nome latino de "colon". Da mesma forma que são hoje usados para fazer os olhos de um "smile" :) nada impede que tivessem outro significado... Foi um pouco ao jeito de smile, que escrevi no blog  Delito de Opinião (onde fazem a gentileza de suportar os inconvenientes):
Quer Rosa, não Rosso, que o Cristobal, o Colón das Méricas não seja intestinal, mas sim um par de bolinhas ":" designadas por colon, que representa ainda "membro".
Sendo vulgar que, por castelhanização, o "ll" em Collon se leria de forma inconveniente, não deixo de reparar que Collons não faltaram, para grandes Mericas.
Mas não é dessa coragem organizada em confrarias, aí falo dos outros membros, "pomodoros", em italiano "tomates", essoutros membros que partiram para o jardim das Hespérides em busca das "maçãs de ouro"... e foram longe desencontrar o fruto proibido escondido no laranjal.

Esta prosa tem um contexto casual... e é claro que a partir desta pequena constatação informal, o "colon" ganha outros signicados, inclusivé o do feminino "cola" para cauda (e já dissertei sobre a cola do dragão, ou dra-cola).

Pareceu-me consequente que o símbolo ":" pudesse representar um drama, tal como a crux "+" representa outro. E é claro que se encontram casos particularmente significativos desses dramas.
Um deles é o do adolescente Sporus, ao tempo de Nero, que o apresentou publicamente castrado como sua "noiva", para substituir a mulher, Poppaea Sabina (que Nero tinha morto a pontapé, estando grávida, segundo Suetónio).  Após a morte de Nero, Sporus ficou de novo como escravo sexual de Sabino, Oto, e finalmente suicidou-se, quando Vitélio decidiu humilhá-lo publicamente com a representação da "violação de Perséfone (por Hades)".
Conjectura-se que Poppaea seria uma simpatizante do culto cristão, mas como Sabino tratava Sporus com o mesmo nome da anterior imperatriz, em alusão à substituição por Nero, poderá haver confusão de nomes. 
Parece provável que o sacrifício de Sporus tenha tido impacto na comunidade cristã.
O Evangelho de S. Mateus (19:12) refere esta passagem:
                      "Alguns são eunucos porque nasceram assim; outros foram feitos assim pelos homens; outros ainda fizeram-se eunucos por causa do Reino dos Céus. Quem puder aceitar isso, aceite."

São Mateus é contemporâneo do despotismo de Nero e da tragédia de Sporus. De qualquer forma, a Igreja aceita este evangelho, e a associação dos eunucos ao Reino dos Céus parece ligada a votos de castidade, em particular ao celibato na Igreja. 


Falando no celibato, temos o culto de Cíbele, entendida como equivalente a Raia, a Perséfone, talvez na sua variante mais popular, enquanto deusa-da-terra, a Maia. Os sacerdotes de Cibele eram eunucos, denominados "Galli" ou Galos, de origem "frígia"... e acho que já disse o suficiente sobre o prefixo "Galo", e a sua ligação a toda cultura "celta". Se por um lado os galos anunciam o amanhecer... e há todo um simbolismo com a alvorada. Por outro lado há uma relação a Cale - via, caminho, de onde surge a palavra "Galactica" - ou via láctea, por alterações entre "G" e "C".
Assim, a representação da violação de Perséfone, a ser feita a Sporus, eunuco, tinha uma conotação de perversidade cultural.

Cíbele era entendida como Magna Mater, ou Alma Mater, uma designação que se aplicaria depois à Virgem Maria. Também não deixei de notar que o Papa tem o poder de atribuir a Ordem da Espora Dourada, uma prestigiosa condecoração para a fé Católica, tendo como "patrono" a Virgem Maria.

A "espora" tornou-se um símbolo da cavalaria (também em westerns), e a sua forma de estrela não será acidental. Parece-me ter sido visto algo estelar num "esporo"... numa borboleta esmagada por uma roda, citando Pope, que pareceu ridicularizar Sporus. 

O outro ponto estelar acaba por ser representado literalmente por Ganimedes.

Ganimedes nesta representação com um barrete frígio, sendo a sua origem troiana, terá sido raptado por Júpiter/Zeus, por ser o mais belo de entre os mortais. Tal como os outros satélites de Júpiter, a saber - Io, Europa e Calisto, todos foram vítimas de rapto de Zeus, para atribuições sexuais.
Assim, o maior satélite natural de Júpiter, Ganimedes, foi nomeado desta forma, não porque Galileu quisesse (não quis), mas porque tinha que ser assim. Dessa forma não esquecemos que a potência de Zeus tinha também o seu lado perverso, num desequilíbrio de atribuições que não poderia ser estável.

Há muitos "eus" nesta história, e estão no plural, em "meus", "teus", "seus", "Deus", "Zeus", "Teos", "Céus"... Porquê "eu"? Por que não "eu"?, e raramente se conjuga no plural vendo todos os "Eus", apenas esperando que o outro "eu" também veja o seu "eu".

Voltamos ao "eu nuca", nuca no suporte da cabeça. Ganimedes foi também um eunuco egípcio que ficou famoso por combater Júlio César, sendo a nuca de Ptolomeu XIII e não de Cleópatra. Tempos complicados, em que Crasso cometia o "erro crasso" de crucificar 30 mil escravos na Via Ápia, após a revolta de Spartacus, dando uma outra dimensão para a crux "+", para além da que lhe reconhecemos.

Se a sociedade romana era violenta com os escravos, não usava eunucos, e o caso de Sporus pode ser considerado dentro das excepções a essa castração violenta. Aliás a sociedade romana (tal como a grega) teria costumes sexuais que não tornariam a posição de nenhum eunuco humilhante, o estatuto humilhante seria colocado na escravatura... tendo como escape romano nas Saturnálias, que estão na origem do Carnaval.

A abdicação religiosa de função sexual esteve ligada a esse ritual que remonta a Cibele, e que se liga aos eunucos, dedicados a um projecto social que ultrapassava o mero conceito da reprodução. Essa limitação sexual de uns pode ainda justificar toda a necessidade de ser imposta religiosamente a outros, não por uma mera questão "vingativa", mas para ligar a existência humana a objectivos que ultrapassassem a efemeridade. Por outro lado, convém não esquecer o papel secundário a que foram remetidas as mulheres, consideradas para o objectivo "menor", reprodutor, mais ligadas à sua descendência genética, e talvez consideradas menos aptas para uma visão que ultrapassasse o seio familiar, a que estariam instintivamente mais presas.

Por outro lado, um outro culto primitivo, ligado à terra, é o de Pan, ou Fauno.
A apresentação deste deus, com cornos e pés de cabra, tem uma conotação directa com uma figura popularizada do Diabo, e o quadro "El gran cabron" de Goya representa uma adoração pagã associada a bruxaria. Em português popular não é de desconsiderar o prefixo "pan" associado a "pânico", e as outras terminações  em "ilas", "asca", "eiro"... ainda que a natureza do deus seja mais a da luxúria e não a misogenia. É aliás habitual a sua ligação a Dionísio, ou a Baco, de onde vem a palavra "bacanal" e talvez "baca" (com "v"). Os seus cornos (talvez cifras em chifres) podem ser ligados à cornucópia de Cibele, e também tomam uma ligação a Cronos, não apenas linguística, mas pela sua origem ao panteão remoto. Tal como Zeus, Pan teria sido criado por Amalteia e alimentado da mesma cabra, podendo ser irmão de Arcas, havendo um outro Pan, mais antigo, filho de Cronos. Pelo lado de Arcas, encontramos a sua mãe Calisto, uma das vítimas dos apetites de Zeus, e colocada também como Ursa Maior, enquanto o seu filho Arcas, corresponde à Ursa Menor. 
Há uma ligação comum à Lua, que Pan cortejou, e digamos que uma floresta ao luar será o ambiente que associamos a faunos. Por outro lado, no rabo de peixe, é considerado Capricórnio, talvez devendo  ainda ser associado à figura mítica do centauro.

O prefixo "pan" leva-nos a outras considerações, nomeadamente globais, já que significa "tudo".
Em particular, o sistema "panóptico" desenhado por Bentham no Séc. XVIII para prisões:
foi também considerado por Michel Foucault como um modelo aplicável a outras vigilâncias. A ideia é a de um vigilante que vê todas as celas, sem que os presos se apercebam que estão a ser vigiados. No fundo, uma visão Orwelliana já com alguns séculos, mas que peca por ter apenas um olho, que julga que tudo vê. Estes sistemas são aplicados hoje em dia, e convivemos com eles sem dar por isso... e não será apenas nas câmaras de vigilância, nem só na comunicação da internet, nos telemóveis, ou nas webcameras. É já velho o ditado que diz "as paredes têm ouvidos"... porque apenas conhecemos uma parte da tecnologia que é divulgada. Hoje em dia há máquinas, e micro-máquinas...
Se essa concepção prisional favorece a nossa segurança, admitindo que o vigilante é bem intencionado, deixa-nos também numa fragilidade desconfortante, quando esse vigilante perde a noção dos seus limites éticos. 
Quando a intrusão não é consentida, trata-se de violação... seja ela de Sporus, de Perséfone, ou de Ganimedes, apareça Zeus ou Hades sob forma dissimulada, com pretensos propósitos de amor, que não passam de simples lascívia, escondida sob as cores do arco-íris, e pantominas de pote-de-ouro.

Foi este óvulo que se construiu, não um ovo, não de colombo, mas sim de colon.
No filme de Kubrick, "2001, Odisseia no Espaço", o epílogo é curiosamente uma nova forma de vida, que surge na ida a Júpiter. Há coisas que não são obviamente coincidência, nomeadamente o módulo chamar-se EVA, ou computador chamar-se HAL. O epilogo com uma nova forma de vida, posso entendê-lo, no sentido do "ovo de colon", quando colocado em Ganimedes... funcionando como o resultado final do projecto de gestação social, numa visão primeva de alguém a quem foi suprimida a possibilidade de outra descendência. Agora, o remake com um "2010, ano do contacto", só o consigo ver como sequela fortuita... tal como seria fortuita uma navegação em mar alto sem entender as estrelas, ou desaproveitado o entender as estrelas sem ousar navegar.

As ocultações podem servir um olho, mas comprometem definitivamente a visão de conjunto, remetendo-nos a uma sombra do que somos. Não se trata aqui do que uns sabem e outros não, mas sim do que uns não querem saber, enquanto que os outros caminharão inevitavelmente nesse sentido. Uns presos nos medos, outros movidos por sonhos. O controlo dos medos ou dos sonhos só superficialmente se condiciona. É um paradoxo do próprio julgar que domina o seu pensamento, e quem pensar o contrário, simplesmente não pensou no assunto. 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:16

A mitologia grega, reportada por Hesíodo, ilustra uma Teogonia que já aqui comentei várias vezes.
Para quem estiver demasiado enredado em teorias que explicam "sim, porque sim", será fácil negligenciar eventuais mensagens e classificá-las como poesia. 
Vou por outro caminho, demonstrando como se pode retirar alguma filosofia interessante.

O universo existe, e cada um de nós é testemunha dessa existência.
Poderia não existir, ou o que seria equivalente, poderia não ganhar consciência da sua existência!

O universo puramente material, de pedras e calhaus, não poderia ter essa consciência.

Para ser observado, o universo precisa, pelo menos, de um observador... que estará obviamente dentro do universo, por definição de universo!
Um observador básico pode não ter consciência de si, pode apenas reflectir internamente o que vê externamente. 
Se puder ver tudo então o observador e o observado coincidem... por correspondência directa. Se o observador for superior ao observado, então é porque não se observa completamente a si próprio, e caso contrário, o observador tem uma óbvia lacuna na sua observação.
Para além de eventuais alegorias políticas, a mitologia grega dá a entender que de um "caos inicial", emergem estruturas, e para o que nos interessa, há uma Gaia universal que não fica satisfeita com a ocultação em que Úrano colocará alguns dos seus filhos.
Isto sugere justamente um problema de observação incompleta, e não ficaria resolvido se parte dos filhos de Gaia, estruturas emergentes do "caos inicial", ficassem ocultados... não vissem a luz.
Há por isso, uma segunda geração, onde aparece Cronos... associado ao tempo.
Podemos ver isto também como uma passagem da palavra ao verbo. O verbo induz sempre uma acção, nem que seja contemplativa, e pressupõe a existência de tempo.

A noção de tempo vai cortar o universo entre passado e futuro, no entanto não deixa numa posição definitiva os não-observados. Os titãs, remetidos antes à escuridão, poderiam ver a luz... poderiam ser observados. A noção de tempo permite uma alternância de observação, mas induz uma outra perda, o corte temporal originaria um passado, sem acesso imediato, pela ordenação. O corte de Úrano faz assim surgir uma Afrodite, deusa do amor, que reflecte uma preferência, que vai contra as alterações temporais. Essa noção de amor primordial reflectiria um desejo de preferência, no sentido contrário ao equilíbrio de tratamento pretendido por Gaia.
Aqui podemos encontrar ainda as antigas de noções orientais de Yin e Yang, que alternam, já que qualquer preferência num sentido, assume implicitamente a existência da sua negação. Se queremos algo, sabemos da hipótese contrária, e portanto as duas coexistem, nem que seja no plano ideal, dos sonhos (ou pesadelos).

Ainda assim, Cronos, o filho de eleição de Gaia, vai originar uma nova ocultação, de si próprio... já que haverá filhos seus que são ocultados, engolidos dentro de si. Nesta segunda geração temporal é Raia que toma o papel de Gaia, e Cronos enfrentará um destino de deposição, tal como o pai Úrano, e assim previsto por ele... Afinal o problema temporal não resolvia a observação interna, apenas a incompletude das observações externas.
É neste sentido que aparece Zeus, o filho que liberta os irmãos, afinal iguais ao pai.
Nesta terceira geração pode encarar-se que se introduz a "observação do observador", e onde se poderia cumprir o desejo de Gaia-Raia, de ser contemplada em toda a sua beleza, mas eu diria que falta a Maia...
O problema, conforme relatado na Teogonia grega, é que Zeus irá remeter de novo alguns Titãs à escuridão, mesmo os que o ajudam na Titanomaquia contra Cronos.
A razão é perceptível... num mundo ideal, agora com o amor de Afrodite, alguns dos Titãs seriam menos amados, e cria-se uma divisão ao nível do desejo. Há simplesmente alguns Titãs que são remetidos definitivamente para o Tártaro... o inferno grego. Ou seja, acaba por haver conhecimento proibido, não por incapacidade, mas por vontade. Talvez nessa altura Gaia tenha começado a girar, fazendo oscilar entre a luz do dia, e as trevas nocturnas... onde o sonho faria emergir afinal o que não se queria ver.

Prometeu, um dos titãs não condenados, mas inconformado, criador dos humanos, obriga Zeus a uma escolha relativa às oferendas aos deuses. Das oferendas, resultantes do trabalho dos humanos, Zeus teria que escolher apenas uma das partes.
Zeus prometeu a Prometeu respeitar a escolha, não sabendo que o titã iludira "os ossos", que ficariam assim para os deuses, e deixando "a carne" para os humanos. 
Como Zeus não fez tenção de cumprir o prometido, Prometeu decide entregar o fogo, a centelha divina, aos humanos... que antes disso seriam provavelmente vistos como hominídeos.
Essa capacidade humana, semelhante à dos deuses, terá enfurecido definitivamente Zeus, que condenou o titã a ver o fígado ser devorado por uma águia, provavelmente a águia imperial. 

Ou seja, a mitologia grega leva-nos até ao momento em que os deuses constituíam uma elite, uma inteligência com alguns poderes superiores aos humanos vulgares, mas que interagia com ela, num acordo diferente do prometido a Prometeu.
O acordo era simples... os humanos submetiam-se à vontade divina, faziam as suas oferendas no sentido dos desejos de ambos. Esses desejos incluíam manter os titãs ocultos no Tártaro, e livrar-se de todas as más influências, ainda que para isso os humanos sofressem com os caprichos dos deuses.
Durante a vida terrena, os deuses serviriam como um garante de que os humanos poderiam ter os seus desejos satisfeitos, mediante as devidas oferendas, ou trocas comerciais. Os humanos alinhariam assim com estes deuses do Olimpo na ocultação de conhecimento.
Afinal, tal como a maçã, a caixa de Pandora seria demasiado perigosa.

Termino, com uma consideração final, no mesmo sentido, mas não tanto no aspecto mitológico, mas sim no aspecto mais racional.

Conforme dito, o universo puramente material, de pedras e calhaus, não poderia ter consciência de existência.
Os seres animais mais básicos conseguiriam observar uma parte do universo, mas com uma reflexão semelhante à do espelho. O que era interno reflectia o exterior, sem conhecimento acrescentado... dito doutra forma, limitavam-se a replicar, sem acrescentar nada de novo.
Não seria apenas assim que o universo tomaria consciência da sua existência.
Seria necessário ligar a essa informação exterior uma informação interior, diferente, nova... uma apreciação pessoal, interna ao ser.
Os seres poderiam evoluir no sentindo de organizarem internamente a informação externa, e a sua apreciação sobre ela, terminando numa capacidade de consciência... ou seja, que existiriam para além do exterior que viam!

Só que cada ser teria a capacidade de desenvolver uma visão individual do exterior, que poderia ser completamente arbitrária, variando de ser para ser, e não acrescentaria propriamente nada de novo.
A apreciação teria que ter um custo individual, para que tivesse algum valor.
É neste sentido que aparece a "necessidade" de uma "realidade" que interage com cada um dos seres... eles deixam de ser simples espectadores arbitrários de uma parte do universo.
A sua cognição é formada com um propósito de sobrevivência, uma cognição desadequada implicaria  a extinção antecipada, e assim por um processo de selecção seria determinada a cognição mais apta para interagir com a realidade comum criada.
Neste sentido funciona o "evolucionismo", já que a cognição que melhor modelar o mundo exterior, permitirá uma sobrevivência.
Porém, isso depende das leis do mundo exterior... e o objectivo não será encontrar o animal melhor capaz de sobreviver num determinado mundo exterior. Caso tivesse sido isso, podíamos ver os dinossauros, ou análogos muito maiores, como destino final evolutivo.
Do ovo de crescimento individual, não acompanhado, sem interacção social, não surgiu acréscimo cognitivo para além da transmissão genética. Foi a estrutura de acompanhamento familiar, típica dos mamíferos (e aves), que permitiu essa evolução, pela comunicação.
O acréscimo de cognição, que tornou o homem como mais apto à sobrevivência na Terra, trouxe uma capacidade de entendimento que vai para além da realidade que compreende. Trouxe o mundo de ideias abstractas, que não estão restritas a uma realidade particular, ainda que possam ter aí a sua origem.
A competição "evolucionista" que passou por uma capacidade de sobrevivência nesta realidade física, e que foi preservando genes pela reprodução, guardando material genético do mais apto, misturou-se com uma nova competição. O homem passou da competição pela guarda do código genético, para guerras motivadas por ideias. A competição pelo código genético seria ainda um comportamento animal, passado para tribos, povos, nações... mas a competição pela prevalência de ideias é algo completamente diferente. Os irmãos não são necessariamente irmãos de sangue, passam a irmãos de ideias, ainda que possam estar ligadas à cultura de um povo.
Isto é um salto, já que o espaço de algo imaterial, como uma ideia, ganha estatuto de máxima relevância material, ao ser disputado no campo de uma realidade, misturando os dois conceitos, e colocando em causa a própria sobrevivência individual, e consequentemente das ideias.

Como explicitei, o caminho será o do auto-conhecimento, mas não de um indivíduo particular.
O indivíduo é um detalhe no meio do processo... como já o tinha sido enquanto portador de genes. Os indivíduos foram dispensados na evolução, apenas ficando um traço genético, que permitiu o raciocínio complexo. Um puro materialista verá o raciocínio como consequência da evolução.
Evoluções haveria muitas, mas poucas levariam a privilegiar uma evolução no sentido do conhecimento. Se não houvesse qualquer objectivo, a evolução mais natural terminaria rapidamente em seres que nada tinham de pensante.
A evolução que levou ao estádio em que estamos teve como objectivo o conhecimento, e é por isso que a percepcionamos. Nesse sentido, o conhecimento é a causa da nossa evolução e não a consequência, e por isso foi tão frágil, misterioso, com saltos algo inexplicáveis, e não tão linear.
Limitar o conhecimento tem custos claros, já que podemos evitar procurar o que desconhecemos, mas arriscamos obviamente a que o desconhecido nos procure a nós.
(12 e 15 Maio 2012)

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A mitologia grega, reportada por Hesíodo, ilustra uma Teogonia que já aqui comentei várias vezes.
Para quem estiver demasiado enredado em teorias que explicam "sim, porque sim", será fácil negligenciar eventuais mensagens e classificá-las como poesia. 
Vou por outro caminho, demonstrando como se pode retirar alguma filosofia interessante.

O universo existe, e cada um de nós é testemunha dessa existência.
Poderia não existir, ou o que seria equivalente, poderia não ganhar consciência da sua existência!

O universo puramente material, de pedras e calhaus, não poderia ter essa consciência.

Para ser observado, o universo precisa, pelo menos, de um observador... que estará obviamente dentro do universo, por definição de universo!
Um observador básico pode não ter consciência de si, pode apenas reflectir internamente o que vê externamente. 
Se puder ver tudo então o observador e o observado coincidem... por correspondência directa. Se o observador for superior ao observado, então é porque não se observa completamente a si próprio, e caso contrário, o observador tem uma óbvia lacuna na sua observação.
Para além de eventuais alegorias políticas, a mitologia grega dá a entender que de um "caos inicial", emergem estruturas, e para o que nos interessa, há uma Gaia universal que não fica satisfeita com a ocultação em que Úrano colocará alguns dos seus filhos.
Isto sugere justamente um problema de observação incompleta, e não ficaria resolvido se parte dos filhos de Gaia, estruturas emergentes do "caos inicial", ficassem ocultados... não vissem a luz.
Há por isso, uma segunda geração, onde aparece Cronos... associado ao tempo.
Podemos ver isto também como uma passagem da palavra ao verbo. O verbo induz sempre uma acção, nem que seja contemplativa, e pressupõe a existência de tempo.

A noção de tempo vai cortar o universo entre passado e futuro, no entanto não deixa numa posição definitiva os não-observados. Os titãs, remetidos antes à escuridão, poderiam ver a luz... poderiam ser observados. A noção de tempo permite uma alternância de observação, mas induz uma outra perda, o corte temporal originaria um passado, sem acesso imediato, pela ordenação. O corte de Úrano faz assim surgir uma Afrodite, deusa do amor, que reflecte uma preferência, que vai contra as alterações temporais. Essa noção de amor primordial reflectiria um desejo de preferência, no sentido contrário ao equilíbrio de tratamento pretendido por Gaia.
Aqui podemos encontrar ainda as antigas de noções orientais de Yin e Yang, que alternam, já que qualquer preferência num sentido, assume implicitamente a existência da sua negação. Se queremos algo, sabemos da hipótese contrária, e portanto as duas coexistem, nem que seja no plano ideal, dos sonhos (ou pesadelos).

Ainda assim, Cronos, o filho de eleição de Gaia, vai originar uma nova ocultação, de si próprio... já que haverá filhos seus que são ocultados, engolidos dentro de si. Nesta segunda geração temporal é Raia que toma o papel de Gaia, e Cronos enfrentará um destino de deposição, tal como o pai Úrano, e assim previsto por ele... Afinal o problema temporal não resolvia a observação interna, apenas a incompletude das observações externas.
É neste sentido que aparece Zeus, o filho que liberta os irmãos, afinal iguais ao pai.
Nesta terceira geração pode encarar-se que se introduz a "observação do observador", e onde se poderia cumprir o desejo de Gaia-Raia, de ser contemplada em toda a sua beleza, mas eu diria que falta a Maia...
O problema, conforme relatado na Teogonia grega, é que Zeus irá remeter de novo alguns Titãs à escuridão, mesmo os que o ajudam na Titanomaquia contra Cronos.
A razão é perceptível... num mundo ideal, agora com o amor de Afrodite, alguns dos Titãs seriam menos amados, e cria-se uma divisão ao nível do desejo. Há simplesmente alguns Titãs que são remetidos definitivamente para o Tártaro... o inferno grego. Ou seja, acaba por haver conhecimento proibido, não por incapacidade, mas por vontade. Talvez nessa altura Gaia tenha começado a girar, fazendo oscilar entre a luz do dia, e as trevas nocturnas... onde o sonho faria emergir afinal o que não se queria ver.

Prometeu, um dos titãs não condenados, mas inconformado, criador dos humanos, obriga Zeus a uma escolha relativa às oferendas aos deuses. Das oferendas, resultantes do trabalho dos humanos, Zeus teria que escolher apenas uma das partes.
Zeus prometeu a Prometeu respeitar a escolha, não sabendo que o titã iludira "os ossos", que ficariam assim para os deuses, e deixando "a carne" para os humanos. 
Como Zeus não fez tenção de cumprir o prometido, Prometeu decide entregar o fogo, a centelha divina, aos humanos... que antes disso seriam provavelmente vistos como hominídeos.
Essa capacidade humana, semelhante à dos deuses, terá enfurecido definitivamente Zeus, que condenou o titã a ver o fígado ser devorado por uma águia, provavelmente a águia imperial. 

Ou seja, a mitologia grega leva-nos até ao momento em que os deuses constituíam uma elite, uma inteligência com alguns poderes superiores aos humanos vulgares, mas que interagia com ela, num acordo diferente do prometido a Prometeu.
O acordo era simples... os humanos submetiam-se à vontade divina, faziam as suas oferendas no sentido dos desejos de ambos. Esses desejos incluíam manter os titãs ocultos no Tártaro, e livrar-se de todas as más influências, ainda que para isso os humanos sofressem com os caprichos dos deuses.
Durante a vida terrena, os deuses serviriam como um garante de que os humanos poderiam ter os seus desejos satisfeitos, mediante as devidas oferendas, ou trocas comerciais. Os humanos alinhariam assim com estes deuses do Olimpo na ocultação de conhecimento.
Afinal, tal como a maçã, a caixa de Pandora seria demasiado perigosa.

Termino, com uma consideração final, no mesmo sentido, mas não tanto no aspecto mitológico, mas sim no aspecto mais racional.

Conforme dito, o universo puramente material, de pedras e calhaus, não poderia ter consciência de existência.
Os seres animais mais básicos conseguiriam observar uma parte do universo, mas com uma reflexão semelhante à do espelho. O que era interno reflectia o exterior, sem conhecimento acrescentado... dito doutra forma, limitavam-se a replicar, sem acrescentar nada de novo.
Não seria apenas assim que o universo tomaria consciência da sua existência.
Seria necessário ligar a essa informação exterior uma informação interior, diferente, nova... uma apreciação pessoal, interna ao ser.
Os seres poderiam evoluir no sentindo de organizarem internamente a informação externa, e a sua apreciação sobre ela, terminando numa capacidade de consciência... ou seja, que existiriam para além do exterior que viam!

Só que cada ser teria a capacidade de desenvolver uma visão individual do exterior, que poderia ser completamente arbitrária, variando de ser para ser, e não acrescentaria propriamente nada de novo.
A apreciação teria que ter um custo individual, para que tivesse algum valor.
É neste sentido que aparece a "necessidade" de uma "realidade" que interage com cada um dos seres... eles deixam de ser simples espectadores arbitrários de uma parte do universo.
A sua cognição é formada com um propósito de sobrevivência, uma cognição desadequada implicaria  a extinção antecipada, e assim por um processo de selecção seria determinada a cognição mais apta para interagir com a realidade comum criada.
Neste sentido funciona o "evolucionismo", já que a cognição que melhor modelar o mundo exterior, permitirá uma sobrevivência.
Porém, isso depende das leis do mundo exterior... e o objectivo não será encontrar o animal melhor capaz de sobreviver num determinado mundo exterior. Caso tivesse sido isso, podíamos ver os dinossauros, ou análogos muito maiores, como destino final evolutivo.
Do ovo de crescimento individual, não acompanhado, sem interacção social, não surgiu acréscimo cognitivo para além da transmissão genética. Foi a estrutura de acompanhamento familiar, típica dos mamíferos (e aves), que permitiu essa evolução, pela comunicação.
O acréscimo de cognição, que tornou o homem como mais apto à sobrevivência na Terra, trouxe uma capacidade de entendimento que vai para além da realidade que compreende. Trouxe o mundo de ideias abstractas, que não estão restritas a uma realidade particular, ainda que possam ter aí a sua origem.
A competição "evolucionista" que passou por uma capacidade de sobrevivência nesta realidade física, e que foi preservando genes pela reprodução, guardando material genético do mais apto, misturou-se com uma nova competição. O homem passou da competição pela guarda do código genético, para guerras motivadas por ideias. A competição pelo código genético seria ainda um comportamento animal, passado para tribos, povos, nações... mas a competição pela prevalência de ideias é algo completamente diferente. Os irmãos não são necessariamente irmãos de sangue, passam a irmãos de ideias, ainda que possam estar ligadas à cultura de um povo.
Isto é um salto, já que o espaço de algo imaterial, como uma ideia, ganha estatuto de máxima relevância material, ao ser disputado no campo de uma realidade, misturando os dois conceitos, e colocando em causa a própria sobrevivência individual, e consequentemente das ideias.

Como explicitei, o caminho será o do auto-conhecimento, mas não de um indivíduo particular.
O indivíduo é um detalhe no meio do processo... como já o tinha sido enquanto portador de genes. Os indivíduos foram dispensados na evolução, apenas ficando um traço genético, que permitiu o raciocínio complexo. Um puro materialista verá o raciocínio como consequência da evolução.
Evoluções haveria muitas, mas poucas levariam a privilegiar uma evolução no sentido do conhecimento. Se não houvesse qualquer objectivo, a evolução mais natural terminaria rapidamente em seres que nada tinham de pensante.
A evolução que levou ao estádio em que estamos teve como objectivo o conhecimento, e é por isso que a percepcionamos. Nesse sentido, o conhecimento é a causa da nossa evolução e não a consequência, e por isso foi tão frágil, misterioso, com saltos algo inexplicáveis, e não tão linear.
Limitar o conhecimento tem custos claros, já que podemos evitar procurar o que desconhecemos, mas arriscamos obviamente a que o desconhecido nos procure a nós.
(12 e 15 Maio 2012)

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A mitologia grega, reportada por Hesíodo, ilustra uma Teogonia que já aqui comentei várias vezes.
Para quem estiver demasiado enredado em teorias que explicam "sim, porque sim", será fácil negligenciar eventuais mensagens e classificá-las como poesia. 
Vou por outro caminho, demonstrando como se pode retirar alguma filosofia interessante.

O universo existe, e cada um de nós é testemunha dessa existência.
Poderia não existir, ou o que seria equivalente, poderia não ganhar consciência da sua existência!

O universo puramente material, de pedras e calhaus, não poderia ter essa consciência.

Para ser observado, o universo precisa, pelo menos, de um observador... que estará obviamente dentro do universo, por definição de universo!
Um observador básico pode não ter consciência de si, pode apenas reflectir internamente o que vê externamente. 
Se puder ver tudo então o observador e o observado coincidem... por correspondência directa. Se o observador for superior ao observado, então é porque não se observa completamente a si próprio, e caso contrário, o observador tem uma óbvia lacuna na sua observação.
Para além de eventuais alegorias políticas, a mitologia grega dá a entender que de um "caos inicial", emergem estruturas, e para o que nos interessa, há uma Gaia universal que não fica satisfeita com a ocultação em que Úrano colocará alguns dos seus filhos.
Isto sugere justamente um problema de observação incompleta, e não ficaria resolvido se parte dos filhos de Gaia, estruturas emergentes do "caos inicial", ficassem ocultados... não vissem a luz.
Há por isso, uma segunda geração, onde aparece Cronos... associado ao tempo.
Podemos ver isto também como uma passagem da palavra ao verbo. O verbo induz sempre uma acção, nem que seja contemplativa, e pressupõe a existência de tempo.

A noção de tempo vai cortar o universo entre passado e futuro, no entanto não deixa numa posição definitiva os não-observados. Os titãs, remetidos antes à escuridão, poderiam ver a luz... poderiam ser observados. A noção de tempo permite uma alternância de observação, mas induz uma outra perda, o corte temporal originaria um passado, sem acesso imediato, pela ordenação. O corte de Úrano faz assim surgir uma Afrodite, deusa do amor, que reflecte uma preferência, que vai contra as alterações temporais. Essa noção de amor primordial reflectiria um desejo de preferência, no sentido contrário ao equilíbrio de tratamento pretendido por Gaia.
Aqui podemos encontrar ainda as antigas de noções orientais de Yin e Yang, que alternam, já que qualquer preferência num sentido, assume implicitamente a existência da sua negação. Se queremos algo, sabemos da hipótese contrária, e portanto as duas coexistem, nem que seja no plano ideal, dos sonhos (ou pesadelos).

Ainda assim, Cronos, o filho de eleição de Gaia, vai originar uma nova ocultação, de si próprio... já que haverá filhos seus que são ocultados, engolidos dentro de si. Nesta segunda geração temporal é Raia que toma o papel de Gaia, e Cronos enfrentará um destino de deposição, tal como o pai Úrano, e assim previsto por ele... Afinal o problema temporal não resolvia a observação interna, apenas a incompletude das observações externas.
É neste sentido que aparece Zeus, o filho que liberta os irmãos, afinal iguais ao pai.
Nesta terceira geração pode encarar-se que se introduz a "observação do observador", e onde se poderia cumprir o desejo de Gaia-Raia, de ser contemplada em toda a sua beleza, mas eu diria que falta a Maia...
O problema, conforme relatado na Teogonia grega, é que Zeus irá remeter de novo alguns Titãs à escuridão, mesmo os que o ajudam na Titanomaquia contra Cronos.
A razão é perceptível... num mundo ideal, agora com o amor de Afrodite, alguns dos Titãs seriam menos amados, e cria-se uma divisão ao nível do desejo. Há simplesmente alguns Titãs que são remetidos definitivamente para o Tártaro... o inferno grego. Ou seja, acaba por haver conhecimento proibido, não por incapacidade, mas por vontade. Talvez nessa altura Gaia tenha começado a girar, fazendo oscilar entre a luz do dia, e as trevas nocturnas... onde o sonho faria emergir afinal o que não se queria ver.

Prometeu, um dos titãs não condenados, mas inconformado, criador dos humanos, obriga Zeus a uma escolha relativa às oferendas aos deuses. Das oferendas, resultantes do trabalho dos humanos, Zeus teria que escolher apenas uma das partes.
Zeus prometeu a Prometeu respeitar a escolha, não sabendo que o titã iludira "os ossos", que ficariam assim para os deuses, e deixando "a carne" para os humanos. 
Como Zeus não fez tenção de cumprir o prometido, Prometeu decide entregar o fogo, a centelha divina, aos humanos... que antes disso seriam provavelmente vistos como hominídeos.
Essa capacidade humana, semelhante à dos deuses, terá enfurecido definitivamente Zeus, que condenou o titã a ver o fígado ser devorado por uma águia, provavelmente a águia imperial. 

Ou seja, a mitologia grega leva-nos até ao momento em que os deuses constituíam uma elite, uma inteligência com alguns poderes superiores aos humanos vulgares, mas que interagia com ela, num acordo diferente do prometido a Prometeu.
O acordo era simples... os humanos submetiam-se à vontade divina, faziam as suas oferendas no sentido dos desejos de ambos. Esses desejos incluíam manter os titãs ocultos no Tártaro, e livrar-se de todas as más influências, ainda que para isso os humanos sofressem com os caprichos dos deuses.
Durante a vida terrena, os deuses serviriam como um garante de que os humanos poderiam ter os seus desejos satisfeitos, mediante as devidas oferendas, ou trocas comerciais. Os humanos alinhariam assim com estes deuses do Olimpo na ocultação de conhecimento.
Afinal, tal como a maçã, a caixa de Pandora seria demasiado perigosa.

Termino, com uma consideração final, no mesmo sentido, mas não tanto no aspecto mitológico, mas sim no aspecto mais racional.

Conforme dito, o universo puramente material, de pedras e calhaus, não poderia ter consciência de existência.
Os seres animais mais básicos conseguiriam observar uma parte do universo, mas com uma reflexão semelhante à do espelho. O que era interno reflectia o exterior, sem conhecimento acrescentado... dito doutra forma, limitavam-se a replicar, sem acrescentar nada de novo.
Não seria apenas assim que o universo tomaria consciência da sua existência.
Seria necessário ligar a essa informação exterior uma informação interior, diferente, nova... uma apreciação pessoal, interna ao ser.
Os seres poderiam evoluir no sentindo de organizarem internamente a informação externa, e a sua apreciação sobre ela, terminando numa capacidade de consciência... ou seja, que existiriam para além do exterior que viam!

Só que cada ser teria a capacidade de desenvolver uma visão individual do exterior, que poderia ser completamente arbitrária, variando de ser para ser, e não acrescentaria propriamente nada de novo.
A apreciação teria que ter um custo individual, para que tivesse algum valor.
É neste sentido que aparece a "necessidade" de uma "realidade" que interage com cada um dos seres... eles deixam de ser simples espectadores arbitrários de uma parte do universo.
A sua cognição é formada com um propósito de sobrevivência, uma cognição desadequada implicaria  a extinção antecipada, e assim por um processo de selecção seria determinada a cognição mais apta para interagir com a realidade comum criada.
Neste sentido funciona o "evolucionismo", já que a cognição que melhor modelar o mundo exterior, permitirá uma sobrevivência.
Porém, isso depende das leis do mundo exterior... e o objectivo não será encontrar o animal melhor capaz de sobreviver num determinado mundo exterior. Caso tivesse sido isso, podíamos ver os dinossauros, ou análogos muito maiores, como destino final evolutivo.
Do ovo de crescimento individual, não acompanhado, sem interacção social, não surgiu acréscimo cognitivo para além da transmissão genética. Foi a estrutura de acompanhamento familiar, típica dos mamíferos (e aves), que permitiu essa evolução, pela comunicação.
O acréscimo de cognição, que tornou o homem como mais apto à sobrevivência na Terra, trouxe uma capacidade de entendimento que vai para além da realidade que compreende. Trouxe o mundo de ideias abstractas, que não estão restritas a uma realidade particular, ainda que possam ter aí a sua origem.
A competição "evolucionista" que passou por uma capacidade de sobrevivência nesta realidade física, e que foi preservando genes pela reprodução, guardando material genético do mais apto, misturou-se com uma nova competição. O homem passou da competição pela guarda do código genético, para guerras motivadas por ideias. A competição pelo código genético seria ainda um comportamento animal, passado para tribos, povos, nações... mas a competição pela prevalência de ideias é algo completamente diferente. Os irmãos não são necessariamente irmãos de sangue, passam a irmãos de ideias, ainda que possam estar ligadas à cultura de um povo.
Isto é um salto, já que o espaço de algo imaterial, como uma ideia, ganha estatuto de máxima relevância material, ao ser disputado no campo de uma realidade, misturando os dois conceitos, e colocando em causa a própria sobrevivência individual, e consequentemente das ideias.

Como explicitei, o caminho será o do auto-conhecimento, mas não de um indivíduo particular.
O indivíduo é um detalhe no meio do processo... como já o tinha sido enquanto portador de genes. Os indivíduos foram dispensados na evolução, apenas ficando um traço genético, que permitiu o raciocínio complexo. Um puro materialista verá o raciocínio como consequência da evolução.
Evoluções haveria muitas, mas poucas levariam a privilegiar uma evolução no sentido do conhecimento. Se não houvesse qualquer objectivo, a evolução mais natural terminaria rapidamente em seres que nada tinham de pensante.
A evolução que levou ao estádio em que estamos teve como objectivo o conhecimento, e é por isso que a percepcionamos. Nesse sentido, o conhecimento é a causa da nossa evolução e não a consequência, e por isso foi tão frágil, misterioso, com saltos algo inexplicáveis, e não tão linear.
Limitar o conhecimento tem custos claros, já que podemos evitar procurar o que desconhecemos, mas arriscamos obviamente a que o desconhecido nos procure a nós.
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publicado às 23:47

Teogonias (2)

07.08.11
No mito grego da criação, Gaia apoia Cronos contra o pai Úrano, pelo facto deste ter relegado para as trevas alguns dos seus filhos, entre os quais os Ciclopes, que assim não poderiam ver a luz.
Digamos que esta alegoria pode ter uma interpretação perfeitamente racional. 
Cronos personifica o Tempo. (Sobre a dupla escrita Κρόνος ou Χρόνος percebemos estar ligada à introdução posterior que substituiu o Κ
Qualquer estado fixo (a menos que seja trivial) implica um desequilíbrio, e é através do tempo que esses estados vão alternando a sua posição, e se poderá cumprir um equilíbrio.
O tempo, Cronos, através da sua prevalência, permitiria a que os filhos de Gaia, os filhos da terra, tivessem igual tratamento... uma representação adequada pela maternidade que dispensa igual atenção aos filhos.

No entanto, Cronos será deposto pelo seu filho Zeus.
Esta sequência é ainda racional, já que a prevalência da personificação de uma estrutura mais poderosa não seguiria nessa linha de equilíbrio. O mito de um Cronos que "devora os filhos", mas que também corresponde a um "período de ouro", de felicidade humana, pode ser visto no sentido de impedir que esses filhos exercessem um poder despótico sobre as restante entidades. A Guerra dos Titãs (Titanomaquia) que se segue tem a ver justamente com esse desequilíbrio... com essa revolta dos Titãs perante um destino de desequilíbrio, onde não iriam pertencer ao Olimpo.

A deposição de Cronos apenas pode ser vista como aparente... o Tempo está longe de se ter esgotado.
Do ponto de vista puramente abstracto, qualquer Universo já cumpriu todo o seu Tempo.
Não há qualquer razão para admitir que o Universo parou no Tempo, e está à espera de ordens para definir o que vai ser a seguir... essas ordens viriam de onde? De algo que não pertencia ao Universo? - isso seria uma contradição da própria definição de Universo.
Aquilo que temos é uma visita, um pouco no sentido da Escola Pitagórica "A vida é como uma sala de espectáculos, entra-se, vê-se e sai-se" (ver o ponto 10 aqui). 

Há no entanto várias coisas que não seria experimentadas numa "posição divina".
A omnisciência não permite saber o que é o conhecimento... 
O conhecimento não se define pelo saber, define-se pela passagem do "não saber" ao "saber". O "não saber" é tão importante quanto o "saber". O acto de passagem de um estado ao outro, começa pela ignorância.
O desejo é manifestado pela transição entre o que "não se tem" e o que se "pretende ter"... digamos que esta e outras coisas são sensações exclusivas de seres incompletos, imperfeitos.
Apenas seres limitados podem experimentar e sentir a visita a uma pequena parte do Universo... essas sensações são a ilusão a que chamamos realidade, a realidade que experimentamos enquanto seres humanos.

Perante as diversas hipóteses, digamos bifurcações, todas são possíveis, e de alguma forma correspondem às "acções" que definiram este Universo... um universo que tem assim consciência da sua existência, através da diversa contemplação parcial de cada entidade. Outras possibilidades nas  bifurcações não levaram ao resultado final que vemos e em que nos inserimos... e que no fundo correspondem parcialmente às "escolhas que fizémos/fazemos". Parcialmente, porque muitas das bifurcações são "decididas" por outras entidades, a que nós chamamos "acaso", e que antigamente também eram personificadas como deuses de entidades titânicas, ou animais... digamos que era habitual atribuir a Poseidon, ou a Zeus, o controlo de factores imprevisíveis (terramotos e tempestades). E se é possível prever parcialmente fenómenos lineares, já sobre as bifurcações em fenómenos que admitem duas ou mais possibilidades, aí fica a indefinição sobre a escolha ocorrida, e que antigamente se personificava na forma de entidade consciente e divina.

Diz-se que Cronos/Saturno, depois de deposto por Zeus/Jove, assumiu estatuto humano... parece-me alegoria natural para quem tivesse uma visão equilibrada de todo o Tempo, e não apenas de uma parte.
Cronus/Saturno

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publicado às 16:48

Teogonias (2)

07.08.11
No mito grego da criação, Gaia apoia Cronos contra o pai Úrano, pelo facto deste ter relegado para as trevas alguns dos seus filhos, entre os quais os Ciclopes, que assim não poderiam ver a luz.
Digamos que esta alegoria pode ter uma interpretação perfeitamente racional. 
Cronos personifica o Tempo. (Sobre a dupla escrita Κρόνος ou Χρόνος percebemos estar ligada à introdução posterior que substituiu o Κ
Qualquer estado fixo (a menos que seja trivial) implica um desequilíbrio, e é através do tempo que esses estados vão alternando a sua posição, e se poderá cumprir um equilíbrio.
O tempo, Cronos, através da sua prevalência, permitiria a que os filhos de Gaia, os filhos da terra, tivessem igual tratamento... uma representação adequada pela maternidade que dispensa igual atenção aos filhos.

No entanto, Cronos será deposto pelo seu filho Zeus.
Esta sequência é ainda racional, já que a prevalência da personificação de uma estrutura mais poderosa não seguiria nessa linha de equilíbrio. O mito de um Cronos que "devora os filhos", mas que também corresponde a um "período de ouro", de felicidade humana, pode ser visto no sentido de impedir que esses filhos exercessem um poder despótico sobre as restante entidades. A Guerra dos Titãs (Titanomaquia) que se segue tem a ver justamente com esse desequilíbrio... com essa revolta dos Titãs perante um destino de desequilíbrio, onde não iriam pertencer ao Olimpo.

A deposição de Cronos apenas pode ser vista como aparente... o Tempo está longe de se ter esgotado.
Do ponto de vista puramente abstracto, qualquer Universo já cumpriu todo o seu Tempo.
Não há qualquer razão para admitir que o Universo parou no Tempo, e está à espera de ordens para definir o que vai ser a seguir... essas ordens viriam de onde? De algo que não pertencia ao Universo? - isso seria uma contradição da própria definição de Universo.
Aquilo que temos é uma visita, um pouco no sentido da Escola Pitagórica "A vida é como uma sala de espectáculos, entra-se, vê-se e sai-se" (ver o ponto 10 aqui). 

Há no entanto várias coisas que não seria experimentadas numa "posição divina".
A omnisciência não permite saber o que é o conhecimento... 
O conhecimento não se define pelo saber, define-se pela passagem do "não saber" ao "saber". O "não saber" é tão importante quanto o "saber". O acto de passagem de um estado ao outro, começa pela ignorância.
O desejo é manifestado pela transição entre o que "não se tem" e o que se "pretende ter"... digamos que esta e outras coisas são sensações exclusivas de seres incompletos, imperfeitos.
Apenas seres limitados podem experimentar e sentir a visita a uma pequena parte do Universo... essas sensações são a ilusão a que chamamos realidade, a realidade que experimentamos enquanto seres humanos.

Perante as diversas hipóteses, digamos bifurcações, todas são possíveis, e de alguma forma correspondem às "acções" que definiram este Universo... um universo que tem assim consciência da sua existência, através da diversa contemplação parcial de cada entidade. Outras possibilidades nas  bifurcações não levaram ao resultado final que vemos e em que nos inserimos... e que no fundo correspondem parcialmente às "escolhas que fizémos/fazemos". Parcialmente, porque muitas das bifurcações são "decididas" por outras entidades, a que nós chamamos "acaso", e que antigamente também eram personificadas como deuses de entidades titânicas, ou animais... digamos que era habitual atribuir a Poseidon, ou a Zeus, o controlo de factores imprevisíveis (terramotos e tempestades). E se é possível prever parcialmente fenómenos lineares, já sobre as bifurcações em fenómenos que admitem duas ou mais possibilidades, aí fica a indefinição sobre a escolha ocorrida, e que antigamente se personificava na forma de entidade consciente e divina.

Diz-se que Cronos/Saturno, depois de deposto por Zeus/Jove, assumiu estatuto humano... parece-me alegoria natural para quem tivesse uma visão equilibrada de todo o Tempo, e não apenas de uma parte.
Cronus/Saturno

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07.08.11
No mito grego da criação, Gaia apoia Cronos contra o pai Úrano, pelo facto deste ter relegado para as trevas alguns dos seus filhos, entre os quais os Ciclopes, que assim não poderiam ver a luz.
Digamos que esta alegoria pode ter uma interpretação perfeitamente racional. 
Cronos personifica o Tempo. (Sobre a dupla escrita Κρόνος ou Χρόνος percebemos estar ligada à introdução posterior que substituiu o Κ
Qualquer estado fixo (a menos que seja trivial) implica um desequilíbrio, e é através do tempo que esses estados vão alternando a sua posição, e se poderá cumprir um equilíbrio.
O tempo, Cronos, através da sua prevalência, permitiria a que os filhos de Gaia, os filhos da terra, tivessem igual tratamento... uma representação adequada pela maternidade que dispensa igual atenção aos filhos.

No entanto, Cronos será deposto pelo seu filho Zeus.
Esta sequência é ainda racional, já que a prevalência da personificação de uma estrutura mais poderosa não seguiria nessa linha de equilíbrio. O mito de um Cronos que "devora os filhos", mas que também corresponde a um "período de ouro", de felicidade humana, pode ser visto no sentido de impedir que esses filhos exercessem um poder despótico sobre as restante entidades. A Guerra dos Titãs (Titanomaquia) que se segue tem a ver justamente com esse desequilíbrio... com essa revolta dos Titãs perante um destino de desequilíbrio, onde não iriam pertencer ao Olimpo.

A deposição de Cronos apenas pode ser vista como aparente... o Tempo está longe de se ter esgotado.
Do ponto de vista puramente abstracto, qualquer Universo já cumpriu todo o seu Tempo.
Não há qualquer razão para admitir que o Universo parou no Tempo, e está à espera de ordens para definir o que vai ser a seguir... essas ordens viriam de onde? De algo que não pertencia ao Universo? - isso seria uma contradição da própria definição de Universo.
Aquilo que temos é uma visita, um pouco no sentido da Escola Pitagórica "A vida é como uma sala de espectáculos, entra-se, vê-se e sai-se" (ver o ponto 10 aqui). 

Há no entanto várias coisas que não seria experimentadas numa "posição divina".
A omnisciência não permite saber o que é o conhecimento... 
O conhecimento não se define pelo saber, define-se pela passagem do "não saber" ao "saber". O "não saber" é tão importante quanto o "saber". O acto de passagem de um estado ao outro, começa pela ignorância.
O desejo é manifestado pela transição entre o que "não se tem" e o que se "pretende ter"... digamos que esta e outras coisas são sensações exclusivas de seres incompletos, imperfeitos.
Apenas seres limitados podem experimentar e sentir a visita a uma pequena parte do Universo... essas sensações são a ilusão a que chamamos realidade, a realidade que experimentamos enquanto seres humanos.

Perante as diversas hipóteses, digamos bifurcações, todas são possíveis, e de alguma forma correspondem às "acções" que definiram este Universo... um universo que tem assim consciência da sua existência, através da diversa contemplação parcial de cada entidade. Outras possibilidades nas  bifurcações não levaram ao resultado final que vemos e em que nos inserimos... e que no fundo correspondem parcialmente às "escolhas que fizémos/fazemos". Parcialmente, porque muitas das bifurcações são "decididas" por outras entidades, a que nós chamamos "acaso", e que antigamente também eram personificadas como deuses de entidades titânicas, ou animais... digamos que era habitual atribuir a Poseidon, ou a Zeus, o controlo de factores imprevisíveis (terramotos e tempestades). E se é possível prever parcialmente fenómenos lineares, já sobre as bifurcações em fenómenos que admitem duas ou mais possibilidades, aí fica a indefinição sobre a escolha ocorrida, e que antigamente se personificava na forma de entidade consciente e divina.

Diz-se que Cronos/Saturno, depois de deposto por Zeus/Jove, assumiu estatuto humano... parece-me alegoria natural para quem tivesse uma visão equilibrada de todo o Tempo, e não apenas de uma parte.
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