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Começam assim as "Tripas" do Padre José Agostinho de Macedo (1823):
Se quem se mete com rapazes amanhece borrado, como poderia eu ficar muito limpo metendo-me com Tripas! E que tirei eu a limpo de todos os meus combates? Livros, e livros, escritos, e escritos contra a Seita Pedreiral, um denodo, uma valentia a toda a prova na época em que a Veneranda com as mãos de fora, com a faca, e queijo na mão, partia e repartia muito à sua vontade, ataquei esta vil canalha, ou miserável cambada de gaiatos (...)
Macedo escreve as Tripas numa altura de mudanças, de oscilação entre liberais e miguelistas... e ele próprio acabará por oscilar, apesar desta veemência: 
(...) nem os temi, quando os via de dia no Gabinete e de noite na Loja, e com arrojo tal que não há um bom Português, que quer dizer um bom Realista, que não conhecesse que a minha vida andava em perigo, porque ousei ser o mais franco Campeão da Pátria, das Leis, da Religião, do Trono, da virtude, e da verdade. Com tudo isto dei bom burro a dizimo! Acho-me com as mãos atadas. Boa recompensa! Ah Portugal, Portugal! Se eu me tivera lançado no partido infame dos Pedreiros Livres, teria em sua época chegado às honras, e ao fastigio das coisas humanas e menos pateta do que eles, ainda no mais eminente boleo, eu me saberia conservar seguro, e teria cravado hum prego de galiota na roda da fortuna. Mas seja embora o meu jantar uma sardinha, ou sardinha nenhuma, nunca farei nada bom, e nada mau, por paga, ou recompensa humana.
Mas, dificilmente encontramos uma denúncia tão explícita contra a Maçonaria:
Está dito ate à saciedade, e mostrada até evidência, que um dos fitos da Pedreirada é o extermínio da Religião; a terra com os altares (e quando se consertarão muitos que eles agora demoliram?) Eles crêem tanto em Deus, como eu creio neles. Mesmo a frasezinha que trazem sempre no bico — O Supremo Arquitecto, o Grande Arquitecto, é uma irrisão manifesta. Tirado este principio da existência de Deus, e de Deus revelado, que Religião pode ter quem nega seu Divino Autor? Só para os Pedreiros há a Religião do Juramento, sendo um dos preceitos do Decálogo, é cousa para eles de zombaria, porque o anunciador do Decálogo - Moisés; é para os Pedreiros Livres um dos três Impostores, Moisés, Jesus Cristo e Maomé; e sendo para eles galhofa o Juramento, não há cousa em que estes patifes mais tenham insistido. Desde que apontou a Regeneração não temos feito mais que jurar, jurar, jurar, e para quê, ou porquê? 
Porque eles conhecem que a totalidade da Nação é sã, e querem segurar-se com a Religião do juramento que liga a consciência. 
O discurso gira em torno da aprovação da Constituição de 1820 (notando que 24 de Agosto carregava o simbolismo do Massacre de S. Bartolomeu, algo que não teria passado despercebido à tendência jacobina, ateia, influenciada directamente pela Maçonaria Francesa, enquanto que a tendência liberal, teísta, estava mais ligada à Maçonaria Inglesa). Ainda sob o espectro do "reino de terror" jacobino, da Revolução Francesa, continuava José Agostinho de Macedo:
Converteram-se de Procuradores em Déspotas descarados. Proclamaram, a Soberania do Povo; mas este Povo não éramos nós, eram eles. Depois de extorquirem a maior parte das Procurações como nós sabemos, não nos deixaram mais acto algum de soberania, e fizeram irrevogáveis os poderes que lhe concedemos. (...) 
O primeiro sinal do Despotismo, e da nossa desgraça foi a enorme força armada de que se fizeram continuamente cercados nossos Augustos, e Soberanos Procuradores. Com Bayonetas nos trouxeram a quimérica, e ilusória Regeneração, com Bayonetas nos ditam Leis com mais orgulho e soberania que o Sultão aos Eunucos do Serralho. 
Macedo não resiste a personalizar: Ferreira Borges, e em particular Manuel Fernandes Tomás...
Chorai Povos, que morreu Manoel Fernandes! Quem não estoiraria de riso por, baixo, e por cima? Sairmos no outro dia de nossas casas cobertos de dó, alimpando os olhos, e respondendo aos que nos perguntassem porque chorávamos? Morreu o Manoel Fernandes . . . . E quem era esse Manoel Fernandes? Era o Patriarca .... De quem ? Dos patifes.
O discurso do maçon "Manoel Fernandes", dito "patriarca dos patifes"... pois, pois, mas findo o riso de Macedo, 
Manuel Fernandes Tomás acabou mesmo imortalizado no frontispício do parlamento, na Assembleia República.
Macedo, é claro, não se coibiu à época de propor outro epitáfio: 
"Aqui jaz Manoel Fernandes, que escapou de morte de forca, porque morreu de diarreia.
O que devia fazer o Carrasco, fez o Boticário."
Sim, no Séc. XIX, a censura do "politicamente correcto" não estava tão implantada...

Macedo, e muitos outros à época, consideravam que a nossa Constituição era uma variante pobre da Espanhola, mas vai mais longe, acusando mesmo a traição de um projecto de união ibérica (a união de estados europeus sob a mesma lei, consolidaria o projecto maçónico): 
(...) que acarretaram toda a qualidade de males, e desventuras sobre este Reino; que nos reduziram à extrema indigência: que dissolveram todos os vínculos do estado social: que abrogaram todos os foros Nacionais: que nos venderam ou ajustaram vender aos Castelhanos, pois a união à Espanha era o seu ultimo recurso, como eles mesmos sem pejo declararam, não só em seus burricais discursos, mas em seus miseráveis escritos: que nos deram, e nos obrigaram a jurar a Constituição Espanhola mais abrejeirada (...)
É especialmente interessante, e por muitos transponível para um discurso acusatório recente:
 (...) que conceberam projectos de destruição, com especialidade no segundo Club Maçónico chamado, Cortes Ordinárias: que puseram um jugo de ferro a todo o Povo Português, fazendo-lhe a mais escandalosa traição que ainda se viu no mundo; que espoliaram o Real Erário, a que davam o nome de Tesouro Público, aumentando a Dívida Nacional até ao ponto de ser insolúvel por séculos.
Pois, nota-se aqui um problema que parece herdar protagonistas com 200 anos de história, e que continua no modo:
(...) que reduziram à mendicidade inumeráveis famílias, privando os seus respectivos chefes de seus ordenados: que excluíram dos empregos os que legitimamente os tinham, e ocupavam, para introduzirem em seu lugar os adeptos da Maçonaria (...)
É claro que a exclusão de empregos, ou a espoliação do Erário Público, não terão o mesmo correspondente  em termos de método e modo, ao fim de dois séculos, mas não deixa de haver um certo tom profético, até porque no original os verbos aparecem na forma antiga como "reduzirão", "conceberão", "espoliarão", remetendo para um futuro que encontra paralelo no presente, até no club, e na assembleia...  
(...) que atropelaram todos os princípios da Justiça confíscando, prendendo, degradando, e expatriando homens beneméritos, conspícuos, e honrados, só por serem denunciados pelos Espiões, sem outra alguma forma de Processo, e só pela ridícula nomenclatura de Corcundas (...) 
Esta parte é mais radical, mas é instrutiva para compreendermos a noção de "Corcunda", que se projecta figurativamente no "Corcunda de Notre-Dame", de Victor Hugo, é de 1831 (escrito oito anos depois), onde a figura de "corcundas" se aplicaria aos opositores da Revolução de Julho de 1830, que Vitor Hugo apoiaria, após éditos do anterior rei francês, Charles X (que em particular impunham o fim da liberdade de imprensa).
A "Liberdade", de Delacroix, marchando contra os éditos reais franceses de Julho 1830.

É claro que há duas faces nesta moeda. Se Macedo lhe mostra a Cara, havia também a Coroa... como Macedo acaba por reconhecer, as últimas Cortes legislativas eram de 1697. Ou seja, a Lei não era actualizada há mais de 120 anos... mas depois vem o espanto, à época - e a que nós já nos habituámos:
(...) porque tudo quanto se tratou no espaço de anos e meses se podia discutir, e resolver em oito dias (...)
Macedo fala então das célebres Cortes de Lamego, e que "a nossa Legislação civil, e económica, talvez fosse a mais luminosa dos povos civilizados da Europa". Por isso estranha a adulação dos legisladores a Benjamin Constant e a Jeremy Bentham, salientando 
(...) este Gebo Londrino é o ídolo dos Publicistas Regeneradores da infeliz Lusitania, e havia quem exigisse o busto de corpo inteiro, só para ter a feliz ocasião de lhe imprimir todos os dias ardentes beijos em sua parte posterior. Eu não sei o que eles liam de Jeremias Bentham? (...)
Não sabemos se terá ou não escapado ao Padre Macedo que Jeremy Bentham tinha proposto o Sistema Panóptico, de que já falámos... ou seja, o sistema de controlo em que os guardas não são vistos pelos prisioneiros. Se soubesse, talvez não tivesse realizado como isso se poderia aplicar ao controlo de toda a sociedade. Afinal, os legisladores iriam mudar constantemente as leis, sob representação popular, um controlo exercido por guardas, que se sentavam confortavelmente nas assembleias legislativas, recebendo ordens de uma aristocracia invisível na manifestação do seu poder.

Macedo ironiza a verborreia legislativa, com a venda do vinho aos quartilhos:
"- Oh! Questão importantíssima! Oh coluna firmissima da publica prosperidade! Quem há-de vender vinho aos quartilhos?"
E, é claro, depois denuncia uma prática que se revelou secular...
Ah! Mandriões! (...) São Legisladores e encomendam as Leis a outros de fora? (...) Com que a Nação paga 4$800 diários a cada um de vocês para fazerem as Leis, e ainda em cima há-de pagar aqueles a quem vocês as encomendam, pois estão prometendo tantos, e mais quantos de prémios a quem fizer Códigos: e isto quando? Quando a Mãe Pátria anda a ponto de pedir uma esmola, ou em perigos de perder a sua honestidade, e flor, só para lhe meter na barriga a vocês Mandriões de alto bordo!!
Poderia continuar com as citações do Padre Macedo, que pelo seu tom directo, aguerrido, levam-nos a um tempo passado, onde ainda se via uma exposição contundente dos perigos do regime parlamentar que se iria instituir como "o melhor sistema". 
Um sistema de fabrico perpétuo de leis, que baralham os povos pela sua ignorância, e protegem as elites pela sua flexibilidade. Afinal, não podemos invocar o desconhecimento de leis... de leis em constante fabrico, de códigos com alçapões para fuga de um capital e armadilhas para capturar o outro. Um sistema onde as leis são chaves, para manter uns presos, e deixar os outros livres da sua aplicação.

Hoje, o politicamente correcto evita a crítica deste parlamentarismo, convocando todos os demónios que alertam para os perigos doutros regimes... evitando assim a objectiva crítica do sistema actual.
A moeda esconde agora a Cara, e exibe a Coroa, uma coroa que falsamente ilude a população para a responsabilidade de um poder que perdeu, quando foi enfiada numa prisão de espelhos, num Panóptico, que lhe ilude uma liberdade, uma falsa representação, e lhe esconde a face da maioria dos seus carcereiros, que usufruem do trabalho forçado duma população encarcerada.

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publicado às 06:44

Começam assim as "Tripas" do Padre José Agostinho de Macedo (1823):
Se quem se mete com rapazes amanhece borrado, como poderia eu ficar muito limpo metendo-me com Tripas! E que tirei eu a limpo de todos os meus combates? Livros, e livros, escritos, e escritos contra a Seita Pedreiral, um denodo, uma valentia a toda a prova na época em que a Veneranda com as mãos de fora, com a faca, e queijo na mão, partia e repartia muito à sua vontade, ataquei esta vil canalha, ou miserável cambada de gaiatos (...)
Macedo escreve as Tripas numa altura de mudanças, de oscilação entre liberais e miguelistas... e ele próprio acabará por oscilar, apesar desta veemência: 
(...) nem os temi, quando os via de dia no Gabinete e de noite na Loja, e com arrojo tal que não há um bom Português, que quer dizer um bom Realista, que não conhecesse que a minha vida andava em perigo, porque ousei ser o mais franco Campeão da Pátria, das Leis, da Religião, do Trono, da virtude, e da verdade. Com tudo isto dei bom burro a dizimo! Acho-me com as mãos atadas. Boa recompensa! Ah Portugal, Portugal! Se eu me tivera lançado no partido infame dos Pedreiros Livres, teria em sua época chegado às honras, e ao fastigio das coisas humanas e menos pateta do que eles, ainda no mais eminente boleo, eu me saberia conservar seguro, e teria cravado hum prego de galiota na roda da fortuna. Mas seja embora o meu jantar uma sardinha, ou sardinha nenhuma, nunca farei nada bom, e nada mau, por paga, ou recompensa humana.
Mas, dificilmente encontramos uma denúncia tão explícita contra a Maçonaria:
Está dito ate à saciedade, e mostrada até evidência, que um dos fitos da Pedreirada é o extermínio da Religião; a terra com os altares (e quando se consertarão muitos que eles agora demoliram?) Eles crêem tanto em Deus, como eu creio neles. Mesmo a frasezinha que trazem sempre no bico — O Supremo Arquitecto, o Grande Arquitecto, é uma irrisão manifesta. Tirado este principio da existência de Deus, e de Deus revelado, que Religião pode ter quem nega seu Divino Autor? Só para os Pedreiros há a Religião do Juramento, sendo um dos preceitos do Decálogo, é cousa para eles de zombaria, porque o anunciador do Decálogo - Moisés; é para os Pedreiros Livres um dos três Impostores, Moisés, Jesus Cristo e Maomé; e sendo para eles galhofa o Juramento, não há cousa em que estes patifes mais tenham insistido. Desde que apontou a Regeneração não temos feito mais que jurar, jurar, jurar, e para quê, ou porquê? 
Porque eles conhecem que a totalidade da Nação é sã, e querem segurar-se com a Religião do juramento que liga a consciência. 
O discurso gira em torno da aprovação da Constituição de 1820 (notando que 24 de Agosto carregava o simbolismo do Massacre de S. Bartolomeu, algo que não teria passado despercebido à tendência jacobina, ateia, influenciada directamente pela Maçonaria Francesa, enquanto que a tendência liberal, teísta, estava mais ligada à Maçonaria Inglesa). Ainda sob o espectro do "reino de terror" jacobino, da Revolução Francesa, continuava José Agostinho de Macedo:
Converteram-se de Procuradores em Déspotas descarados. Proclamaram, a Soberania do Povo; mas este Povo não éramos nós, eram eles. Depois de extorquirem a maior parte das Procurações como nós sabemos, não nos deixaram mais acto algum de soberania, e fizeram irrevogáveis os poderes que lhe concedemos. (...) 
O primeiro sinal do Despotismo, e da nossa desgraça foi a enorme força armada de que se fizeram continuamente cercados nossos Augustos, e Soberanos Procuradores. Com Bayonetas nos trouxeram a quimérica, e ilusória Regeneração, com Bayonetas nos ditam Leis com mais orgulho e soberania que o Sultão aos Eunucos do Serralho. 
Macedo não resiste a personalizar: Ferreira Borges, e em particular Manuel Fernandes Tomás...
Chorai Povos, que morreu Manoel Fernandes! Quem não estoiraria de riso por, baixo, e por cima? Sairmos no outro dia de nossas casas cobertos de dó, alimpando os olhos, e respondendo aos que nos perguntassem porque chorávamos? Morreu o Manoel Fernandes . . . . E quem era esse Manoel Fernandes? Era o Patriarca .... De quem ? Dos patifes.
O discurso do maçon "Manoel Fernandes", dito "patriarca dos patifes"... pois, pois, mas findo o riso de Macedo, 
Manuel Fernandes Tomás acabou mesmo imortalizado no frontispício do parlamento, na Assembleia República.
Macedo, é claro, não se coibiu à época de propor outro epitáfio: 
"Aqui jaz Manoel Fernandes, que escapou de morte de forca, porque morreu de diarreia.
O que devia fazer o Carrasco, fez o Boticário."
Sim, no Séc. XIX, a censura do "politicamente correcto" não estava tão implantada...

Macedo, e muitos outros à época, consideravam que a nossa Constituição era uma variante pobre da Espanhola, mas vai mais longe, acusando mesmo a traição de um projecto de união ibérica (a união de estados europeus sob a mesma lei, consolidaria o projecto maçónico): 
(...) que acarretaram toda a qualidade de males, e desventuras sobre este Reino; que nos reduziram à extrema indigência: que dissolveram todos os vínculos do estado social: que abrogaram todos os foros Nacionais: que nos venderam ou ajustaram vender aos Castelhanos, pois a união à Espanha era o seu ultimo recurso, como eles mesmos sem pejo declararam, não só em seus burricais discursos, mas em seus miseráveis escritos: que nos deram, e nos obrigaram a jurar a Constituição Espanhola mais abrejeirada (...)
É especialmente interessante, e por muitos transponível para um discurso acusatório recente:
 (...) que conceberam projectos de destruição, com especialidade no segundo Club Maçónico chamado, Cortes Ordinárias: que puseram um jugo de ferro a todo o Povo Português, fazendo-lhe a mais escandalosa traição que ainda se viu no mundo; que espoliaram o Real Erário, a que davam o nome de Tesouro Público, aumentando a Dívida Nacional até ao ponto de ser insolúvel por séculos.
Pois, nota-se aqui um problema que parece herdar protagonistas com 200 anos de história, e que continua no modo:
(...) que reduziram à mendicidade inumeráveis famílias, privando os seus respectivos chefes de seus ordenados: que excluíram dos empregos os que legitimamente os tinham, e ocupavam, para introduzirem em seu lugar os adeptos da Maçonaria (...)
É claro que a exclusão de empregos, ou a espoliação do Erário Público, não terão o mesmo correspondente  em termos de método e modo, ao fim de dois séculos, mas não deixa de haver um certo tom profético, até porque no original os verbos aparecem na forma antiga como "reduzirão", "conceberão", "espoliarão", remetendo para um futuro que encontra paralelo no presente, até no club, e na assembleia...  
(...) que atropelaram todos os princípios da Justiça confíscando, prendendo, degradando, e expatriando homens beneméritos, conspícuos, e honrados, só por serem denunciados pelos Espiões, sem outra alguma forma de Processo, e só pela ridícula nomenclatura de Corcundas (...) 
Esta parte é mais radical, mas é instrutiva para compreendermos a noção de "Corcunda", que se projecta figurativamente no "Corcunda de Notre-Dame", de Victor Hugo, é de 1831 (escrito oito anos depois), onde a figura de "corcundas" se aplicaria aos opositores da Revolução de Julho de 1830, que Vitor Hugo apoiaria, após éditos do anterior rei francês, Charles X (que em particular impunham o fim da liberdade de imprensa).
A "Liberdade", de Delacroix, marchando contra os éditos reais franceses de Julho 1830.

É claro que há duas faces nesta moeda. Se Macedo lhe mostra a Cara, havia também a Coroa... como Macedo acaba por reconhecer, as últimas Cortes legislativas eram de 1697. Ou seja, a Lei não era actualizada há mais de 120 anos... mas depois vem o espanto, à época - e a que nós já nos habituámos:
(...) porque tudo quanto se tratou no espaço de anos e meses se podia discutir, e resolver em oito dias (...)
Macedo fala então das célebres Cortes de Lamego, e que "a nossa Legislação civil, e económica, talvez fosse a mais luminosa dos povos civilizados da Europa". Por isso estranha a adulação dos legisladores a Benjamin Constant e a Jeremy Bentham, salientando 
(...) este Gebo Londrino é o ídolo dos Publicistas Regeneradores da infeliz Lusitania, e havia quem exigisse o busto de corpo inteiro, só para ter a feliz ocasião de lhe imprimir todos os dias ardentes beijos em sua parte posterior. Eu não sei o que eles liam de Jeremias Bentham? (...)
Não sabemos se terá ou não escapado ao Padre Macedo que Jeremy Bentham tinha proposto o Sistema Panóptico, de que já falámos... ou seja, o sistema de controlo em que os guardas não são vistos pelos prisioneiros. Se soubesse, talvez não tivesse realizado como isso se poderia aplicar ao controlo de toda a sociedade. Afinal, os legisladores iriam mudar constantemente as leis, sob representação popular, um controlo exercido por guardas, que se sentavam confortavelmente nas assembleias legislativas, recebendo ordens de uma aristocracia invisível na manifestação do seu poder.

Macedo ironiza a verborreia legislativa, com a venda do vinho aos quartilhos:
"- Oh! Questão importantíssima! Oh coluna firmissima da publica prosperidade! Quem há-de vender vinho aos quartilhos?"
E, é claro, depois denuncia uma prática que se revelou secular...
Ah! Mandriões! (...) São Legisladores e encomendam as Leis a outros de fora? (...) Com que a Nação paga 4$800 diários a cada um de vocês para fazerem as Leis, e ainda em cima há-de pagar aqueles a quem vocês as encomendam, pois estão prometendo tantos, e mais quantos de prémios a quem fizer Códigos: e isto quando? Quando a Mãe Pátria anda a ponto de pedir uma esmola, ou em perigos de perder a sua honestidade, e flor, só para lhe meter na barriga a vocês Mandriões de alto bordo!!
Poderia continuar com as citações do Padre Macedo, que pelo seu tom directo, aguerrido, levam-nos a um tempo passado, onde ainda se via uma exposição contundente dos perigos do regime parlamentar que se iria instituir como "o melhor sistema". 
Um sistema de fabrico perpétuo de leis, que baralham os povos pela sua ignorância, e protegem as elites pela sua flexibilidade. Afinal, não podemos invocar o desconhecimento de leis... de leis em constante fabrico, de códigos com alçapões para fuga de um capital e armadilhas para capturar o outro. Um sistema onde as leis são chaves, para manter uns presos, e deixar os outros livres da sua aplicação.

Hoje, o politicamente correcto evita a crítica deste parlamentarismo, convocando todos os demónios que alertam para os perigos doutros regimes... evitando assim a objectiva crítica do sistema actual.
A moeda esconde agora a Cara, e exibe a Coroa, uma coroa que falsamente ilude a população para a responsabilidade de um poder que perdeu, quando foi enfiada numa prisão de espelhos, num Panóptico, que lhe ilude uma liberdade, uma falsa representação, e lhe esconde a face da maioria dos seus carcereiros, que usufruem do trabalho forçado duma população encarcerada.

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publicado às 06:44

O crash da bolsa de Nova York no final de Outubro de 1929 tem um gráfico do índice Dow Jones que é semelhante, mas menos drástico, do que aquele que vimos a propósito da tulipomania.

Na década de 1930, para responder ao colapso financeiro, surgiram soluções de revitalização da economia, sendo especialmente seguidos conselhos de Keynes, nomeadamente no papel de estímulo intervencionista que Roosevelt adoptou, numa altura em que só o Estado poderia repor a crise de confiança, de fé na economia. 
Keynes advogou a separação entre o ouro e a moeda, algo natural pois a escassez do metal tenderia a não reflectir a expansão da economia. Já mesmo antes da 1ª Guerra Mundial, em situações de crise, o padrão do ouro era abandonado, favorecendo uma impressão de moeda sem referencial fixo, como acontecera com Portugal desde 1891, ou seja, após a bancarrota monárquica.

Em 1924 a impressão de dinheiro vai ser levada ao extremo. Entra em cena o famoso "burlão", Alves do Reis, com um incrível processo de falsificação de notas de 500 escudos (as mais elevadas). Com uma "conveniente" série de cúmplices, e com falsificações de documentos, consegue uma ordem de impressão de notas em Inglaterra. Pela primeira vez, e creio que única, um indivíduo iria substituir-se ao Estado na impressão de dinheiro, usando a mesma casa que o Estado para a impressão de notas falsas.

O esquema era audacioso, porque através do Banco de Angola e Metrópole, que acabara de criar, e de outros expedientes, iria proceder à lavagem de dinheiro. Concedendo empréstimos a juros mais baixos, colocaria as suas notas no mercado, e receberia depois dinheiro "legal", mais juros.
Um esquema semelhante ao que tinha usado para comprar uma grande empresa, a Ambaca... com cheques falsos! Depois de a adquirir, usaria o próprio capital da empresa para cobrir os cheques falsos que tinha passado. Acabou preso, mas por falha processual foi solto em 1924, e avançou logo para o esquema mais audaz - produzir dinheiro. Planeava adquirir o controlo do próprio Banco de Portugal, evitando depois qualquer ordem de investigação. Em 1925 acabou por ser apanhado numa investigação jornalística, e foi depois condenado a 20 anos, só saindo em 1945.

Alves dos Reis, após ser libertado em 1946 (daqui).

Argumentou que apenas tinha procurado colocar dinheiro em Angola para dinamizar a economia dessa colónia. Lembro-me de ter visto um filme antigo, que terminava com ele dizendo: "Ainda me vão pedir para salvar as finanças"... ou algo semelhante, mas caberia a Salazar esse papel, com outra política!

Este caso é bem conhecido, documentado, e é ainda alvo de estudos - os ensinamentos de Alves dos Reis acabaram por fazer escola... 

- Primeiro, nos anos 1980, houve uma recuperação dos bancos nacionalizados no 25 de Abril, em que foram usados praticamente os mesmos expedientes. Gente aparentemente falida teve crédito para comprar bancos e usou depois o próprio capital dos bancos adquiridos para efectivar a compra. Um expediente à Alves dos Reis efectivou a devolução, com os naturais custos e benefícios políticos decorrentes das cumplicidades.

- Segundo, a ideia do esquema de impressão de dinheiro para financiar a economia, podia ser anterior, mas obviamente era apenas autorizada aos estados, e gerava inflação galopante, por se distanciar do padrão do ouro internacional. A inflação na Alemanha, durante a República de Weimar, nos anos 20, foi exemplo disso. O descontrolo era induzido externamente, porque o comércio acabava por aceitar qualquer moeda a um câmbio que arruinava o marco. Quando o marco foi suspenso, em 1930, haveria mais notas antigas nos EUA do que na Alemanha. É claro que a produção de moeda, independente do padrão, só poderia resultar num país que não dependesse do exterior, o que não era o caso alemão, nem português, nos anos 20. Foi só com a consolidação de alguma auto-suficiência e independência, através de regimes ditatoriais, que a crise desses países foi afastada nos anos 30. 
O argumento de Alves dos Reis - o financiamento a Angola - antevia o aspecto keynesiano de investimento numa colónia que dinamizaria uma região auto-suficiente, e os estudos apontam para que a impressão de Alves dos Reis, de 1% do PIB, terá tido pouco efeito na inflação.
Aliás, as notas fabricadas pela 1ª República tiveram um destino tão ou mais incerto do que as recebidas pelo falsário... e se ele emprestava dinheiro a juros baixos, o dinheiro fabricado pelos governantes da república maçónica parece ter-se perdido em investimentos "desconhecidos".

- Terceiro, a capacidade privada de inventar capital, foi levada ao extremo recentemente, com os chamados "produtos tóxicos", essencialmente contratos de futuros das tulipas numa versão menos floral. Não foi inventar notas, mas foi inventar dinheiro... dinheiro que não existia hoje, hipotecando gerações futuras ao pagamento desse capital.
Se a ideia de Alves dos Reis era inventar dinheiro para comprar o Banco de Portugal, a ideia recente parece ter sido  inventar capital para comprar as dívidas soberanas de todo o mundo. A megalomania de Alves dos Reis foi levada à escala global.
Ora, Alves dos Reis sabia que quando controlasse o Banco de Portugal abafaria as suspeitas, e de forma semelhante comprando as dívidas soberanas controla-se a economia dos estados e condicionam-se as suas decisões. Uma vez em controlo, Alves dos Reis poderia argumentar que a culpa do descalabro das finanças era da anterior direcção, da mesma forma que hoje se imputam culpas aos governos dos estados. Com uma boa propaganda é sempre fácil definir o culpado conveniente...
Os contratos de futuro funcionaram como cheques sem cobertura, e tal como no caso das tulipas, quem inventou a valorização, certificada por agências, bolsas, bancos e até universidades, foi quem depois passou para o outro lado, exigindo a sua liquidez, arruinando o seu valor.

Se no caso de Alves dos Reis, o Estado português acabou por conseguir ser indemnizado pela companhia produtora das notas (que foi à falência - escapando incólume o seu gestor, depois Mayor de Londres), o caso actual revelou a sua faceta de resgate. Sob a ameaça de colapso, houve um autêntico rapto da economia internacional, e o pedido de resgate foi validar os contratos feitos com os "cheques falsos"... a maioria estava em bancos privados. Com o pretexto de não arruinar os depositantes e a confiança no sistema bancário, a liquidez seria exigida pela cobertura estatal, ou seja, pelos contribuintes, com aumento de impostos. Também seria expectável que Alves dos Reis, se ficasse em controlo do Banco de Portugal, exigisse a validade das suas notas, sob pena de desbaratar o próprio banco.
O resgate leva à situação caricata de uma dívida mundial colossal, sem que se perceba onde estava afinal o crédito que permitiu o empréstimo... e é simples, estava a germinar nos bulbos das tulipas.

Termino, com umas considerações básicas, mas que são usualmente negligenciadas.
O dinheiro é uma manifestação de fé. Usa-se a palavra crédito como sinónimo.
Uma nota transporta a fé de que aquele papel vale alguma coisa para quem o recebe. Já era assim com o ouro, e não adiantava muito negociar ouro com indígenas que não lhe dessem valor. Todo o sistema financeiro assenta numa base de fé, implantada pela pena, ou em casos mais sérios, pela espada.
A máxima realização possível numa vida terrena é ter crédito infindável, com qualquer interveniente. Por isso, quanto mais for valorizado o dinheiro, mais fácil é obter não apenas o trabalho, mas até a  própria vontade alheia. Os valores humanos, fundados pela educação moral, acabam por ceder ao mural do dinheiro.
Assim, tem-se tornado fácil ver pessoas abdicar da sua compostura moral, e fazerem figuras ridículas a troco de alguns cobres. O reconhecimento social tende assim a ser medido apenas pelo valor do dinheiro, facilitando as negociações. É complicado negociar com pessoas com escrúpulos, e outros detalhes morais, que só atrapalham uma fácil negociação. Os detentores do capital de crédito tornam-se assim em autênticos génios da lâmpada, endeusados, capazes de satisfazer qualquer desejo terreno, desde que possa ser comprado.
Quando a finança endeusada tiver capital e técnica suficiente para tal realização, as restantes divindades tornam-se obsoletas. Objectivamente, grande parte dos desejos mortais cumprir-se-iam através de riqueza financeira... aceite a submissão, uma romaria a Wall Street seria mais eficaz do que a Fátima... O pragmatismo científico procura anular dúvidas sobre o universo, e ridicularizar explicações com intervenção divina, só faltando vencer a barreira da doença e morte para terminar com os medos dessa natureza. Tudo o resto será negociável, desde que a educação cuide de eliminar moralidades.
A educação com valores morais e medos mortais é apenas aplicada a uma população subserviente, como forma de controlo. Impregnar conceitos morais é uma antiga forma de impregnar previsibilidade... pessoas honestas, sinceras, leais, são mais previsíveis e facilmente controláveis. A educação sempre cuidou que houvesse menos perigo de rebelião, incutindo comportamentos correctos e medos nas falhas. As barreiras da moralidade popular são cercas mentais destinadas a encurralar o rebanho, e quase sempre foram negligenciadas pela aristocracia, excepto pela sua compostura externa. O cidadão vulgar preocupa-se em não infringir a lei, enquanto que quem tem crédito procura saber se é mais barato/proveitoso seguir a lei, quebrá-la, ou mudá-la.

Se os diversos países tivessem economias independentes e fossem minimamente auto-suficientes, seria necessário controlar cada um deles individualmente. Ao contrário, uma interdependência entre os diversos países acaba por torná-los mais frágeis. Com o pretexto do preço mais baixo, abolindo protecções, concentra-se a agricultura nuns países, a indústria e a tecnologia noutros. Todos ficam reféns de relações comerciais, sob pena de se verem sem produtos fundamentais. Neste contexto, um país auto-suficiente, como os EUA, passou a ter uma dependência exagerada promovida por uma deslocalização dos seus centros industriais. Contrai actualmente mais dívida num ano do que contraíra antes em cem anos.

No entanto, todas as dificuldades económicas são fictícias, e resultam de manipulações financeiras. Nunca, como agora, se produziu tanto, e tudo com o objectivo de melhorar a vida dos cidadãos... a ciência e a tecnologia cresceram com esse esforço propagandeado. No entanto, os progressos tecnológicos passaram a ficar reféns das opções da política financeira, que condiciona a distribuição de riqueza. Pouco adianta a agricultura ou a indústria renderem 10 vezes mais se os produtos não forem distribuídos e não houver compradores. Pouco adianta a maquinaria retirar o esforço humano, se isso se converter, não em menos trabalho, mas sim em desemprego. Para quem lembrar o Life Aid de 1985, percebe como quase 30 anos depois a situação em África tende a ser de pena perpétua. A Europa pode ter uma grande dívida com África, mas não é a ela que a está a pagar...
O estado social, assegurando reformas e pensões, acabou por jogar nos contratos de futuros. As reformas dos pais seriam pagas pelos impostos dos filhos, por um processo indirecto, gerido pela finança dos fundos de pensões.

O ponto básico para um país ser praticamente auto-suficiente é o de restabelecer a sua produção interna, especialmente agrícola, já que um país faminto nunca será independente. A produção industrial tem igualmente que ser minimamente eficaz, e ainda que não se possa competir sozinho na vanguarda tecnológica, tem que se criar valor que permita essas importações. Tudo isto é rapidamente exequível com moeda própria, onde assenta a soberania financeira. A moeda deve ter um padrão fixo, correspondente à riqueza produzida, ou seja deve ter valor económico. O valor financeiro, resultante da moeda gerar moeda, pela criação artificial de juros e rendimentos, leva a uma transferência de riqueza, da produção económica para a especulação financeira. O excesso de produção leva a uma competição estéril, que desaproveita recursos e abre falências. O valor dessa produção mais sofisticada não fica no produtor, que consegue baixar preços, mas sim no seu financiador.

No entanto, o maior problema será sempre o boicote dos cidadãos, porque em última análise, eles detêm o poder de reduzir o seu consumo ao mínimo, e fazer colapsar o mercado. Até porque o maior problema é de procura e não de oferta. A oferta existe ao ponto de ser gratuita, como é o caso da maioria de serviços na internet.
Só há um ponto em que não há possibilidade de evitar a procura - os bens alimentares, e é por aí que começam os novos problemas. Já é sabido que as sementes mais eficazes e resistentes a infecções são vendidas como estéreis, e assim o agricultor fica sempre dependente da "semente patenteada".
Passos seguintes têm sido dados no sentido de introduzir alimentos geneticamente modificados - todos patenteados nos EUA, especialmente pela Monsanto. A Europa parece ter tentado resistir à sua introdução, e é altamente simbólica a construção do
chamado o Doomsday Seed Vault... (ver também "o cofre do fim do mundo"), e eu diria que não será tanto pelo medo de catástrofes naturais, ou pelo "fim do mundo maia" anunciado para 21/12/12, a menos que...
Digamos que uma praga à escala mundial, poderia danificar irremediavelmente todas as plantas existentes... ao estilo de extinção das alcas e pombos. Ao bom estilo da conspiração, o que poderia salvar a agricultura? - Talvez as sementes geneticamente modificadas? - Bom negócio? - Sim, para quem detiver a patente.
A este propósito é instrutiva a conferência dada por William Engdahl no Vaticano, que para além do "A Century of War", escreveu outro livro, com o nome elucidativo: "Seeds of Destruction".

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:49

O crash da bolsa de Nova York no final de Outubro de 1929 tem um gráfico do índice Dow Jones que é semelhante, mas menos drástico, do que aquele que vimos a propósito da tulipomania.

Na década de 1930, para responder ao colapso financeiro, surgiram soluções de revitalização da economia, sendo especialmente seguidos conselhos de Keynes, nomeadamente no papel de estímulo intervencionista que Roosevelt adoptou, numa altura em que só o Estado poderia repor a crise de confiança, de fé na economia. 
Keynes advogou a separação entre o ouro e a moeda, algo natural pois a escassez do metal tenderia a não reflectir a expansão da economia. Já mesmo antes da 1ª Guerra Mundial, em situações de crise, o padrão do ouro era abandonado, favorecendo uma impressão de moeda sem referencial fixo, como acontecera com Portugal desde 1891, ou seja, após a bancarrota monárquica.

Em 1924 a impressão de dinheiro vai ser levada ao extremo. Entra em cena o famoso "burlão", Alves do Reis, com um incrível processo de falsificação de notas de 500 escudos (as mais elevadas). Com uma "conveniente" série de cúmplices, e com falsificações de documentos, consegue uma ordem de impressão de notas em Inglaterra. Pela primeira vez, e creio que única, um indivíduo iria substituir-se ao Estado na impressão de dinheiro, usando a mesma casa que o Estado para a impressão de notas falsas.

O esquema era audacioso, porque através do Banco de Angola e Metrópole, que acabara de criar, e de outros expedientes, iria proceder à lavagem de dinheiro. Concedendo empréstimos a juros mais baixos, colocaria as suas notas no mercado, e receberia depois dinheiro "legal", mais juros.
Um esquema semelhante ao que tinha usado para comprar uma grande empresa, a Ambaca... com cheques falsos! Depois de a adquirir, usaria o próprio capital da empresa para cobrir os cheques falsos que tinha passado. Acabou preso, mas por falha processual foi solto em 1924, e avançou logo para o esquema mais audaz - produzir dinheiro. Planeava adquirir o controlo do próprio Banco de Portugal, evitando depois qualquer ordem de investigação. Em 1925 acabou por ser apanhado numa investigação jornalística, e foi depois condenado a 20 anos, só saindo em 1945.

Alves dos Reis, após ser libertado em 1946 (daqui).

Argumentou que apenas tinha procurado colocar dinheiro em Angola para dinamizar a economia dessa colónia. Lembro-me de ter visto um filme antigo, que terminava com ele dizendo: "Ainda me vão pedir para salvar as finanças"... ou algo semelhante, mas caberia a Salazar esse papel, com outra política!

Este caso é bem conhecido, documentado, e é ainda alvo de estudos - os ensinamentos de Alves dos Reis acabaram por fazer escola... 

- Primeiro, nos anos 1980, houve uma recuperação dos bancos nacionalizados no 25 de Abril, em que foram usados praticamente os mesmos expedientes. Gente aparentemente falida teve crédito para comprar bancos e usou depois o próprio capital dos bancos adquiridos para efectivar a compra. Um expediente à Alves dos Reis efectivou a devolução, com os naturais custos e benefícios políticos decorrentes das cumplicidades.

- Segundo, a ideia do esquema de impressão de dinheiro para financiar a economia, podia ser anterior, mas obviamente era apenas autorizada aos estados, e gerava inflação galopante, por se distanciar do padrão do ouro internacional. A inflação na Alemanha, durante a República de Weimar, nos anos 20, foi exemplo disso. O descontrolo era induzido externamente, porque o comércio acabava por aceitar qualquer moeda a um câmbio que arruinava o marco. Quando o marco foi suspenso, em 1930, haveria mais notas antigas nos EUA do que na Alemanha. É claro que a produção de moeda, independente do padrão, só poderia resultar num país que não dependesse do exterior, o que não era o caso alemão, nem português, nos anos 20. Foi só com a consolidação de alguma auto-suficiência e independência, através de regimes ditatoriais, que a crise desses países foi afastada nos anos 30. 
O argumento de Alves dos Reis - o financiamento a Angola - antevia o aspecto keynesiano de investimento numa colónia que dinamizaria uma região auto-suficiente, e os estudos apontam para que a impressão de Alves dos Reis, de 1% do PIB, terá tido pouco efeito na inflação.
Aliás, as notas fabricadas pela 1ª República tiveram um destino tão ou mais incerto do que as recebidas pelo falsário... e se ele emprestava dinheiro a juros baixos, o dinheiro fabricado pelos governantes da república maçónica parece ter-se perdido em investimentos "desconhecidos".

- Terceiro, a capacidade privada de inventar capital, foi levada ao extremo recentemente, com os chamados "produtos tóxicos", essencialmente contratos de futuros das tulipas numa versão menos floral. Não foi inventar notas, mas foi inventar dinheiro... dinheiro que não existia hoje, hipotecando gerações futuras ao pagamento desse capital.
Se a ideia de Alves dos Reis era inventar dinheiro para comprar o Banco de Portugal, a ideia recente parece ter sido  inventar capital para comprar as dívidas soberanas de todo o mundo. A megalomania de Alves dos Reis foi levada à escala global.
Ora, Alves dos Reis sabia que quando controlasse o Banco de Portugal abafaria as suspeitas, e de forma semelhante comprando as dívidas soberanas controla-se a economia dos estados e condicionam-se as suas decisões. Uma vez em controlo, Alves dos Reis poderia argumentar que a culpa do descalabro das finanças era da anterior direcção, da mesma forma que hoje se imputam culpas aos governos dos estados. Com uma boa propaganda é sempre fácil definir o culpado conveniente...
Os contratos de futuro funcionaram como cheques sem cobertura, e tal como no caso das tulipas, quem inventou a valorização, certificada por agências, bolsas, bancos e até universidades, foi quem depois passou para o outro lado, exigindo a sua liquidez, arruinando o seu valor.

Se no caso de Alves dos Reis, o Estado português acabou por conseguir ser indemnizado pela companhia produtora das notas (que foi à falência - escapando incólume o seu gestor, depois Mayor de Londres), o caso actual revelou a sua faceta de resgate. Sob a ameaça de colapso, houve um autêntico rapto da economia internacional, e o pedido de resgate foi validar os contratos feitos com os "cheques falsos"... a maioria estava em bancos privados. Com o pretexto de não arruinar os depositantes e a confiança no sistema bancário, a liquidez seria exigida pela cobertura estatal, ou seja, pelos contribuintes, com aumento de impostos. Também seria expectável que Alves dos Reis, se ficasse em controlo do Banco de Portugal, exigisse a validade das suas notas, sob pena de desbaratar o próprio banco.
O resgate leva à situação caricata de uma dívida mundial colossal, sem que se perceba onde estava afinal o crédito que permitiu o empréstimo... e é simples, estava a germinar nos bulbos das tulipas.

Termino, com umas considerações básicas, mas que são usualmente negligenciadas.
O dinheiro é uma manifestação de fé. Usa-se a palavra crédito como sinónimo.
Uma nota transporta a fé de que aquele papel vale alguma coisa para quem o recebe. Já era assim com o ouro, e não adiantava muito negociar ouro com indígenas que não lhe dessem valor. Todo o sistema financeiro assenta numa base de fé, implantada pela pena, ou em casos mais sérios, pela espada.
A máxima realização possível numa vida terrena é ter crédito infindável, com qualquer interveniente. Por isso, quanto mais for valorizado o dinheiro, mais fácil é obter não apenas o trabalho, mas até a  própria vontade alheia. Os valores humanos, fundados pela educação moral, acabam por ceder ao mural do dinheiro.
Assim, tem-se tornado fácil ver pessoas abdicar da sua compostura moral, e fazerem figuras ridículas a troco de alguns cobres. O reconhecimento social tende assim a ser medido apenas pelo valor do dinheiro, facilitando as negociações. É complicado negociar com pessoas com escrúpulos, e outros detalhes morais, que só atrapalham uma fácil negociação. Os detentores do capital de crédito tornam-se assim em autênticos génios da lâmpada, endeusados, capazes de satisfazer qualquer desejo terreno, desde que possa ser comprado.
Quando a finança endeusada tiver capital e técnica suficiente para tal realização, as restantes divindades tornam-se obsoletas. Objectivamente, grande parte dos desejos mortais cumprir-se-iam através de riqueza financeira... aceite a submissão, uma romaria a Wall Street seria mais eficaz do que a Fátima... O pragmatismo científico procura anular dúvidas sobre o universo, e ridicularizar explicações com intervenção divina, só faltando vencer a barreira da doença e morte para terminar com os medos dessa natureza. Tudo o resto será negociável, desde que a educação cuide de eliminar moralidades.
A educação com valores morais e medos mortais é apenas aplicada a uma população subserviente, como forma de controlo. Impregnar conceitos morais é uma antiga forma de impregnar previsibilidade... pessoas honestas, sinceras, leais, são mais previsíveis e facilmente controláveis. A educação sempre cuidou que houvesse menos perigo de rebelião, incutindo comportamentos correctos e medos nas falhas. As barreiras da moralidade popular são cercas mentais destinadas a encurralar o rebanho, e quase sempre foram negligenciadas pela aristocracia, excepto pela sua compostura externa. O cidadão vulgar preocupa-se em não infringir a lei, enquanto que quem tem crédito procura saber se é mais barato/proveitoso seguir a lei, quebrá-la, ou mudá-la.

Se os diversos países tivessem economias independentes e fossem minimamente auto-suficientes, seria necessário controlar cada um deles individualmente. Ao contrário, uma interdependência entre os diversos países acaba por torná-los mais frágeis. Com o pretexto do preço mais baixo, abolindo protecções, concentra-se a agricultura nuns países, a indústria e a tecnologia noutros. Todos ficam reféns de relações comerciais, sob pena de se verem sem produtos fundamentais. Neste contexto, um país auto-suficiente, como os EUA, passou a ter uma dependência exagerada promovida por uma deslocalização dos seus centros industriais. Contrai actualmente mais dívida num ano do que contraíra antes em cem anos.

No entanto, todas as dificuldades económicas são fictícias, e resultam de manipulações financeiras. Nunca, como agora, se produziu tanto, e tudo com o objectivo de melhorar a vida dos cidadãos... a ciência e a tecnologia cresceram com esse esforço propagandeado. No entanto, os progressos tecnológicos passaram a ficar reféns das opções da política financeira, que condiciona a distribuição de riqueza. Pouco adianta a agricultura ou a indústria renderem 10 vezes mais se os produtos não forem distribuídos e não houver compradores. Pouco adianta a maquinaria retirar o esforço humano, se isso se converter, não em menos trabalho, mas sim em desemprego. Para quem lembrar o Life Aid de 1985, percebe como quase 30 anos depois a situação em África tende a ser de pena perpétua. A Europa pode ter uma grande dívida com África, mas não é a ela que a está a pagar...
O estado social, assegurando reformas e pensões, acabou por jogar nos contratos de futuros. As reformas dos pais seriam pagas pelos impostos dos filhos, por um processo indirecto, gerido pela finança dos fundos de pensões.

O ponto básico para um país ser praticamente auto-suficiente é o de restabelecer a sua produção interna, especialmente agrícola, já que um país faminto nunca será independente. A produção industrial tem igualmente que ser minimamente eficaz, e ainda que não se possa competir sozinho na vanguarda tecnológica, tem que se criar valor que permita essas importações. Tudo isto é rapidamente exequível com moeda própria, onde assenta a soberania financeira. A moeda deve ter um padrão fixo, correspondente à riqueza produzida, ou seja deve ter valor económico. O valor financeiro, resultante da moeda gerar moeda, pela criação artificial de juros e rendimentos, leva a uma transferência de riqueza, da produção económica para a especulação financeira. O excesso de produção leva a uma competição estéril, que desaproveita recursos e abre falências. O valor dessa produção mais sofisticada não fica no produtor, que consegue baixar preços, mas sim no seu financiador.

No entanto, o maior problema será sempre o boicote dos cidadãos, porque em última análise, eles detêm o poder de reduzir o seu consumo ao mínimo, e fazer colapsar o mercado. Até porque o maior problema é de procura e não de oferta. A oferta existe ao ponto de ser gratuita, como é o caso da maioria de serviços na internet.
Só há um ponto em que não há possibilidade de evitar a procura - os bens alimentares, e é por aí que começam os novos problemas. Já é sabido que as sementes mais eficazes e resistentes a infecções são vendidas como estéreis, e assim o agricultor fica sempre dependente da "semente patenteada".
Passos seguintes têm sido dados no sentido de introduzir alimentos geneticamente modificados - todos patenteados nos EUA, especialmente pela Monsanto. A Europa parece ter tentado resistir à sua introdução, e é altamente simbólica a construção do
chamado o Doomsday Seed Vault... (ver também "o cofre do fim do mundo"), e eu diria que não será tanto pelo medo de catástrofes naturais, ou pelo "fim do mundo maia" anunciado para 21/12/12, a menos que...
Digamos que uma praga à escala mundial, poderia danificar irremediavelmente todas as plantas existentes... ao estilo de extinção das alcas e pombos. Ao bom estilo da conspiração, o que poderia salvar a agricultura? - Talvez as sementes geneticamente modificadas? - Bom negócio? - Sim, para quem detiver a patente.
A este propósito é instrutiva a conferência dada por William Engdahl no Vaticano, que para além do "A Century of War", escreveu outro livro, com o nome elucidativo: "Seeds of Destruction".

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:49

O crash da bolsa de Nova York no final de Outubro de 1929 tem um gráfico do índice Dow Jones que é semelhante, mas menos drástico, do que aquele que vimos a propósito da tulipomania.

Na década de 1930, para responder ao colapso financeiro, surgiram soluções de revitalização da economia, sendo especialmente seguidos conselhos de Keynes, nomeadamente no papel de estímulo intervencionista que Roosevelt adoptou, numa altura em que só o Estado poderia repor a crise de confiança, de fé na economia. 
Keynes advogou a separação entre o ouro e a moeda, algo natural pois a escassez do metal tenderia a não reflectir a expansão da economia. Já mesmo antes da 1ª Guerra Mundial, em situações de crise, o padrão do ouro era abandonado, favorecendo uma impressão de moeda sem referencial fixo, como acontecera com Portugal desde 1891, ou seja, após a bancarrota monárquica.

Em 1924 a impressão de dinheiro vai ser levada ao extremo. Entra em cena o famoso "burlão", Alves do Reis, com um incrível processo de falsificação de notas de 500 escudos (as mais elevadas). Com uma "conveniente" série de cúmplices, e com falsificações de documentos, consegue uma ordem de impressão de notas em Inglaterra. Pela primeira vez, e creio que única, um indivíduo iria substituir-se ao Estado na impressão de dinheiro, usando a mesma casa que o Estado para a impressão de notas falsas.

O esquema era audacioso, porque através do Banco de Angola e Metrópole, que acabara de criar, e de outros expedientes, iria proceder à lavagem de dinheiro. Concedendo empréstimos a juros mais baixos, colocaria as suas notas no mercado, e receberia depois dinheiro "legal", mais juros.
Um esquema semelhante ao que tinha usado para comprar uma grande empresa, a Ambaca... com cheques falsos! Depois de a adquirir, usaria o próprio capital da empresa para cobrir os cheques falsos que tinha passado. Acabou preso, mas por falha processual foi solto em 1924, e avançou logo para o esquema mais audaz - produzir dinheiro. Planeava adquirir o controlo do próprio Banco de Portugal, evitando depois qualquer ordem de investigação. Em 1925 acabou por ser apanhado numa investigação jornalística, e foi depois condenado a 20 anos, só saindo em 1945.

Alves dos Reis, após ser libertado em 1946 (daqui).

Argumentou que apenas tinha procurado colocar dinheiro em Angola para dinamizar a economia dessa colónia. Lembro-me de ter visto um filme antigo, que terminava com ele dizendo: "Ainda me vão pedir para salvar as finanças"... ou algo semelhante, mas caberia a Salazar esse papel, com outra política!

Este caso é bem conhecido, documentado, e é ainda alvo de estudos - os ensinamentos de Alves dos Reis acabaram por fazer escola... 

- Primeiro, nos anos 1980, houve uma recuperação dos bancos nacionalizados no 25 de Abril, em que foram usados praticamente os mesmos expedientes. Gente aparentemente falida teve crédito para comprar bancos e usou depois o próprio capital dos bancos adquiridos para efectivar a compra. Um expediente à Alves dos Reis efectivou a devolução, com os naturais custos e benefícios políticos decorrentes das cumplicidades.

- Segundo, a ideia do esquema de impressão de dinheiro para financiar a economia, podia ser anterior, mas obviamente era apenas autorizada aos estados, e gerava inflação galopante, por se distanciar do padrão do ouro internacional. A inflação na Alemanha, durante a República de Weimar, nos anos 20, foi exemplo disso. O descontrolo era induzido externamente, porque o comércio acabava por aceitar qualquer moeda a um câmbio que arruinava o marco. Quando o marco foi suspenso, em 1930, haveria mais notas antigas nos EUA do que na Alemanha. É claro que a produção de moeda, independente do padrão, só poderia resultar num país que não dependesse do exterior, o que não era o caso alemão, nem português, nos anos 20. Foi só com a consolidação de alguma auto-suficiência e independência, através de regimes ditatoriais, que a crise desses países foi afastada nos anos 30. 
O argumento de Alves dos Reis - o financiamento a Angola - antevia o aspecto keynesiano de investimento numa colónia que dinamizaria uma região auto-suficiente, e os estudos apontam para que a impressão de Alves dos Reis, de 1% do PIB, terá tido pouco efeito na inflação.
Aliás, as notas fabricadas pela 1ª República tiveram um destino tão ou mais incerto do que as recebidas pelo falsário... e se ele emprestava dinheiro a juros baixos, o dinheiro fabricado pelos governantes da república maçónica parece ter-se perdido em investimentos "desconhecidos".

- Terceiro, a capacidade privada de inventar capital, foi levada ao extremo recentemente, com os chamados "produtos tóxicos", essencialmente contratos de futuros das tulipas numa versão menos floral. Não foi inventar notas, mas foi inventar dinheiro... dinheiro que não existia hoje, hipotecando gerações futuras ao pagamento desse capital.
Se a ideia de Alves dos Reis era inventar dinheiro para comprar o Banco de Portugal, a ideia recente parece ter sido  inventar capital para comprar as dívidas soberanas de todo o mundo. A megalomania de Alves dos Reis foi levada à escala global.
Ora, Alves dos Reis sabia que quando controlasse o Banco de Portugal abafaria as suspeitas, e de forma semelhante comprando as dívidas soberanas controla-se a economia dos estados e condicionam-se as suas decisões. Uma vez em controlo, Alves dos Reis poderia argumentar que a culpa do descalabro das finanças era da anterior direcção, da mesma forma que hoje se imputam culpas aos governos dos estados. Com uma boa propaganda é sempre fácil definir o culpado conveniente...
Os contratos de futuro funcionaram como cheques sem cobertura, e tal como no caso das tulipas, quem inventou a valorização, certificada por agências, bolsas, bancos e até universidades, foi quem depois passou para o outro lado, exigindo a sua liquidez, arruinando o seu valor.

Se no caso de Alves dos Reis, o Estado português acabou por conseguir ser indemnizado pela companhia produtora das notas (que foi à falência - escapando incólume o seu gestor, depois Mayor de Londres), o caso actual revelou a sua faceta de resgate. Sob a ameaça de colapso, houve um autêntico rapto da economia internacional, e o pedido de resgate foi validar os contratos feitos com os "cheques falsos"... a maioria estava em bancos privados. Com o pretexto de não arruinar os depositantes e a confiança no sistema bancário, a liquidez seria exigida pela cobertura estatal, ou seja, pelos contribuintes, com aumento de impostos. Também seria expectável que Alves dos Reis, se ficasse em controlo do Banco de Portugal, exigisse a validade das suas notas, sob pena de desbaratar o próprio banco.
O resgate leva à situação caricata de uma dívida mundial colossal, sem que se perceba onde estava afinal o crédito que permitiu o empréstimo... e é simples, estava a germinar nos bulbos das tulipas.

Termino, com umas considerações básicas, mas que são usualmente negligenciadas.
O dinheiro é uma manifestação de fé. Usa-se a palavra crédito como sinónimo.
Uma nota transporta a fé de que aquele papel vale alguma coisa para quem o recebe. Já era assim com o ouro, e não adiantava muito negociar ouro com indígenas que não lhe dessem valor. Todo o sistema financeiro assenta numa base de fé, implantada pela pena, ou em casos mais sérios, pela espada.
A máxima realização possível numa vida terrena é ter crédito infindável, com qualquer interveniente. Por isso, quanto mais for valorizado o dinheiro, mais fácil é obter não apenas o trabalho, mas até a  própria vontade alheia. Os valores humanos, fundados pela educação moral, acabam por ceder ao mural do dinheiro.
Assim, tem-se tornado fácil ver pessoas abdicar da sua compostura moral, e fazerem figuras ridículas a troco de alguns cobres. O reconhecimento social tende assim a ser medido apenas pelo valor do dinheiro, facilitando as negociações. É complicado negociar com pessoas com escrúpulos, e outros detalhes morais, que só atrapalham uma fácil negociação. Os detentores do capital de crédito tornam-se assim em autênticos génios da lâmpada, endeusados, capazes de satisfazer qualquer desejo terreno, desde que possa ser comprado.
Quando a finança endeusada tiver capital e técnica suficiente para tal realização, as restantes divindades tornam-se obsoletas. Objectivamente, grande parte dos desejos mortais cumprir-se-iam através de riqueza financeira... aceite a submissão, uma romaria a Wall Street seria mais eficaz do que a Fátima... O pragmatismo científico procura anular dúvidas sobre o universo, e ridicularizar explicações com intervenção divina, só faltando vencer a barreira da doença e morte para terminar com os medos dessa natureza. Tudo o resto será negociável, desde que a educação cuide de eliminar moralidades.
A educação com valores morais e medos mortais é apenas aplicada a uma população subserviente, como forma de controlo. Impregnar conceitos morais é uma antiga forma de impregnar previsibilidade... pessoas honestas, sinceras, leais, são mais previsíveis e facilmente controláveis. A educação sempre cuidou que houvesse menos perigo de rebelião, incutindo comportamentos correctos e medos nas falhas. As barreiras da moralidade popular são cercas mentais destinadas a encurralar o rebanho, e quase sempre foram negligenciadas pela aristocracia, excepto pela sua compostura externa. O cidadão vulgar preocupa-se em não infringir a lei, enquanto que quem tem crédito procura saber se é mais barato/proveitoso seguir a lei, quebrá-la, ou mudá-la.

Se os diversos países tivessem economias independentes e fossem minimamente auto-suficientes, seria necessário controlar cada um deles individualmente. Ao contrário, uma interdependência entre os diversos países acaba por torná-los mais frágeis. Com o pretexto do preço mais baixo, abolindo protecções, concentra-se a agricultura nuns países, a indústria e a tecnologia noutros. Todos ficam reféns de relações comerciais, sob pena de se verem sem produtos fundamentais. Neste contexto, um país auto-suficiente, como os EUA, passou a ter uma dependência exagerada promovida por uma deslocalização dos seus centros industriais. Contrai actualmente mais dívida num ano do que contraíra antes em cem anos.

No entanto, todas as dificuldades económicas são fictícias, e resultam de manipulações financeiras. Nunca, como agora, se produziu tanto, e tudo com o objectivo de melhorar a vida dos cidadãos... a ciência e a tecnologia cresceram com esse esforço propagandeado. No entanto, os progressos tecnológicos passaram a ficar reféns das opções da política financeira, que condiciona a distribuição de riqueza. Pouco adianta a agricultura ou a indústria renderem 10 vezes mais se os produtos não forem distribuídos e não houver compradores. Pouco adianta a maquinaria retirar o esforço humano, se isso se converter, não em menos trabalho, mas sim em desemprego. Para quem lembrar o Life Aid de 1985, percebe como quase 30 anos depois a situação em África tende a ser de pena perpétua. A Europa pode ter uma grande dívida com África, mas não é a ela que a está a pagar...
O estado social, assegurando reformas e pensões, acabou por jogar nos contratos de futuros. As reformas dos pais seriam pagas pelos impostos dos filhos, por um processo indirecto, gerido pela finança dos fundos de pensões.

O ponto básico para um país ser praticamente auto-suficiente é o de restabelecer a sua produção interna, especialmente agrícola, já que um país faminto nunca será independente. A produção industrial tem igualmente que ser minimamente eficaz, e ainda que não se possa competir sozinho na vanguarda tecnológica, tem que se criar valor que permita essas importações. Tudo isto é rapidamente exequível com moeda própria, onde assenta a soberania financeira. A moeda deve ter um padrão fixo, correspondente à riqueza produzida, ou seja deve ter valor económico. O valor financeiro, resultante da moeda gerar moeda, pela criação artificial de juros e rendimentos, leva a uma transferência de riqueza, da produção económica para a especulação financeira. O excesso de produção leva a uma competição estéril, que desaproveita recursos e abre falências. O valor dessa produção mais sofisticada não fica no produtor, que consegue baixar preços, mas sim no seu financiador.

No entanto, o maior problema será sempre o boicote dos cidadãos, porque em última análise, eles detêm o poder de reduzir o seu consumo ao mínimo, e fazer colapsar o mercado. Até porque o maior problema é de procura e não de oferta. A oferta existe ao ponto de ser gratuita, como é o caso da maioria de serviços na internet.
Só há um ponto em que não há possibilidade de evitar a procura - os bens alimentares, e é por aí que começam os novos problemas. Já é sabido que as sementes mais eficazes e resistentes a infecções são vendidas como estéreis, e assim o agricultor fica sempre dependente da "semente patenteada".
Passos seguintes têm sido dados no sentido de introduzir alimentos geneticamente modificados - todos patenteados nos EUA, especialmente pela Monsanto. A Europa parece ter tentado resistir à sua introdução, e é altamente simbólica a construção do
chamado o Doomsday Seed Vault... (ver também "o cofre do fim do mundo"), e eu diria que não será tanto pelo medo de catástrofes naturais, ou pelo "fim do mundo maia" anunciado para 21/12/12, a menos que...
Digamos que uma praga à escala mundial, poderia danificar irremediavelmente todas as plantas existentes... ao estilo de extinção das alcas e pombos. Ao bom estilo da conspiração, o que poderia salvar a agricultura? - Talvez as sementes geneticamente modificadas? - Bom negócio? - Sim, para quem detiver a patente.
A este propósito é instrutiva a conferência dada por William Engdahl no Vaticano, que para além do "A Century of War", escreveu outro livro, com o nome elucidativo: "Seeds of Destruction".

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publicado às 23:49

No início do Séc. XVII, a Holanda desenvolveu um particular gosto por tulipas, cujos bulbos podiam até ser comercializados com o valor de moeda. Uma das tulipas, denominada Semper Augustus foi negociada a valor recorde, uma pequena fortuna inalcançável ao normal cidadão holandês.


 
Publicidade ao investimento em tulipas e a famosa Semper Augustus  (wiki).


Esta importância das tulipas foi retomada em romance de 1850, de Alexandre Dumas, "A Tulipa Negra", talvez querendo alertar para o episódio, dado o peso que a especulação financeira retomava no final daquele século.
O fenómeno, que atingiu o pico máximo e o colapso em 1637, é chamado tulipomania, e tem características especulativas muito semelhantes a posteriores crises bolsistas.

(evolução exponencial dos preços entre 1634 e 1637)

Está documentada nesta altura uma forte publicidade e o aparecimento de "contratos de futuros". Estes contratos de futuros eram negociados com expectativas sobre o crescimento económico do valor dos bulbos de tulipas. O aumento dos preços permitia convencer a pagar alto pelo valor de tulipas que se iriam vender no futuro.
Estes mesmos contratos de futuros estiveram na origem da recente crise financeira de 2008, e não são por isso uma invenção recente, conforme é por vezes pensado. São uma arma financeira que permite o enriquecimento rápido de uns poucos, e a ruína abrupta de muitos mais... dito em poucas palavras, permite uma transferência e concentração de riqueza.

Por estranho que pareça, as pessoas parecem alertadas para os esquemas em pirâmide, ou outros contos do vigário, que aparecem aqui e ali (antigamente em cartas, hoje em emails), mas essas cautelas parecem desvanecer-se quando o intermediário aparenta uma credibilidade institucional.

As tulipas chegaram à Holanda originárias da Turquia, numa altura em que a jovem República Holandesa começava a crescer, recebendo o papel de potência marítima, para o qual foi crucial a emigração de muitos judeus, expulsos de Portugal e Espanha. Estes judeus, por sua vez, tinham a mesma origem remota que as tulipas que iriam ser negociadas na Holanda.

Aliás, convirá referir que este espírito capitalista, que desflorava nas tulipas holandesas, não terá tido muito provavelmente a sua estreia na Holanda. O primeiro registo de economia capitalista parece ter sido exercido pelos Khazares, da parte da Tartária contígua ao Mar Cáspio (que inclui as caucasianas Iberia e Albania), onde também surgiram os Otomanos que iriam arrasar Constantinopla.
A extensão do império Khazar até ao Séc. X.

Estes Khazares controlavam grande parte do comércio oriental, feito pela chamada "Rota da Seda", evitando o inicial bloqueio árabe, e a sua conversão ao judaísmo parece ter-se adequado à sua natureza de comerciantes. Sugere-se ainda que os Ashkenazi (basicamente os judeus europeus, de tez mais branca), são descendentes da emigração da Khazaria, que começou com o fim do império Khazar, basicamente desde o Séc. XI, tendo o seu apogeu com o fim da Idade Média, após a queda de Constantinopla. Podemos dizer que saíram da Iberia caucasiana em direcção à Ibéria atlântica, e depois à Holanda, onde foram reencontrar as tulipas nativas.
Bom, e se as tulipas lhes eram especialmente valiosas, por muito que fosse predominante o papel comercial judaico, na Holanda teriam que fazer um reinício, quase do zero. Porém, a nova Republica Holandesa permitia um sistema económico capitalista, que lhes era familiar, e que dominariam particularmente bem. Chegados sem bens notáveis, em breve consumariam uma transferência de riqueza que lhes permitira dominar a sociedade holandesa, em particular através da sua influência na Companhia das Índias Orientais, mas também através destes novos mecanismos especulativos, como foram os contratos de futuros feitos com tulipas.

Um simples bulbo de planta passava em dois ou três anos a valer mais que o ouro, e esta paranóia induzida aos holandeses terá permitido acumular fortunas a quem dominava perfeitamente as nuances do sistema capitalista.

A Holanda acaba por se definir como crucial para os acontecimentos seguintes. Curiosamente são os holandeses que fundam Nova York com o nome Nova Amsterdão, e o seu último governador, Peter Stuyvesant, é quem vai construir uma muralha que deu nome a Wall Street...
Chegada de Stuyvesant a Nova Amsterdão (1647-1664)

Porém esta muralha não resiste à nova Inglaterra de Carlos II (já casado com Catarina de Bragança), e em 1664 os ingleses acabam por conquistar esse território americano. A pequena Holanda não parece conseguir competir com a nova força da Inglaterra.
No entanto, alguns 25 anos mais tarde, em 1689, três anos depois da morte de Carlos II, o novo rei Jaime II, seu irmão, acaba por ser deposto através de uma invasão naval holandesa, comandada por Guilherme de Oranje, na chamada "Revolução Gloriosa". O pretexto que uniu o parlamento inglês ao soberano holandês, contra o rei legítimo, teria sido a crescente tolerância ao catolicismo.
Esta foi a única invasão que a Inglaterra sofreu desde Guilherme I, em Hastings (1066), e curiosamente seria levada a cabo por outro Guilherme. Porém, neste caso não houve praticamente resistência, devido ao apoio do parlamento, pelo que a revolução também traz o epíteto "sem sangue".

O que mais glorioso teve esta invasão de Guilherme III foi o crescimento do país invadido, e o declínio do país invasor. A Holanda acabou por perder o seu aspecto dominante, e a transferência de riqueza, que já se tinha visto ocorrer dos reinos ibéricos para a Holanda, passou da Holanda para a Inglaterra. O mundo financeiro que iria dominar os próximos séculos seria sediado na City de Londres, até passar depois para a muralha de Stuyvesant, Wall Street. A dimensão da Inglaterra permitia uma armada sem rival, para uma política global, algo que seria muito mais difícil de concretizar na frágil Holanda. Um mesmo rei permitiria essa transferência mais comodamente...
As províncias ultramarinas holandesas acabaram por ser anexadas pelos ingleses, mais tarde ou mais cedo. A Austrália manteve-se escondida até à chegada de Cook, bem como a própria Nova Zelândia, que tem o seu nome derivado de Zeeland, a província "conquistada ao mar" pelos holandeses. O facto da ilha ter nome derivado do holandês não parece importar na tentativa de atribuição a Cook.
Assim, a Holanda que sonhou os futuros nos bulbos de túlipa, acabou ver no futuro apenas uma lembrança do seu poder passado.

A mesma esperteza que transformou bulbos de túlipa em ouro, acabou por se manifestar de forma mais contundente na transformação da moeda. A moeda ligava-se ao ouro, que por tradição, desde a Antiguidade, era considerado um elemento valioso. No entanto, no Séc. XX, após a 1ª Guerra Mundial, e especialmente após a 2* Guerra, em Bretton Woods, vai terminar essa ligação ao metal. Já há muito que o gado servira de moeda de troca, e do pecuário saiu a palavra pecuniário, na tradição grega, ou que o sal servira de moeda de troca romana, de onde saíra a palavra salário. Quando se  emitem as primeiras notas de papel, há uma promessa de ligação a um metal depositado, mas essa ligação vai-se desvanecer.
O dinheiro reduz-se a uma troca de confiança assinada em papel de nota, em papel de acções, etc... deixará de ter correspondente em ouro. Tem correspondente em produtos e serviços pela confiança adquirida, mas também há uma "confiança imposta", que serve de "imposto" imperial.

Os bulbos de tulipas caíram porque a sua vulgarização levou a uma inevitável desvalorização, o mesmo ocorreu quando o mercado foi inundado recentemente por "contratos de futuros" sem futuro. Criaram-se perspectivas de fortuna para muitos, como se todos estivessem contentes por ir ganhar a lotaria, sem se dar conta que teriam que dividir o prémio entre si, e que não havia um grande prémio para cada um. Assim, acabamos por ter uma dívida mundial superior em muitas vezes ao produto bruto gerado. Parece importar pouco que o que foi emprestado simplesmente não existia, e que por isso quem o fez, tomou para si, a crédito, o futuro de todos, que não lhe pertencia, diluindo-o nesses contratos.
Assim, as novas gerações acabarão por ver o seu futuro hipotecado pelos contratos de futuros cobrados pelos bulbos de túlipa que a geração anterior contraiu, iludida pelo poder das flores.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:27

No início do Séc. XVII, a Holanda desenvolveu um particular gosto por tulipas, cujos bulbos podiam até ser comercializados com o valor de moeda. Uma das tulipas, denominada Semper Augustus foi negociada a valor recorde, uma pequena fortuna inalcançável ao normal cidadão holandês.


 
Publicidade ao investimento em tulipas e a famosa Semper Augustus  (wiki).


Esta importância das tulipas foi retomada em romance de 1850, de Alexandre Dumas, "A Tulipa Negra", talvez querendo alertar para o episódio, dado o peso que a especulação financeira retomava no final daquele século.
O fenómeno, que atingiu o pico máximo e o colapso em 1637, é chamado tulipomania, e tem características especulativas muito semelhantes a posteriores crises bolsistas.

(evolução exponencial dos preços entre 1634 e 1637)

Está documentada nesta altura uma forte publicidade e o aparecimento de "contratos de futuros". Estes contratos de futuros eram negociados com expectativas sobre o crescimento económico do valor dos bulbos de tulipas. O aumento dos preços permitia convencer a pagar alto pelo valor de tulipas que se iriam vender no futuro.
Estes mesmos contratos de futuros estiveram na origem da recente crise financeira de 2008, e não são por isso uma invenção recente, conforme é por vezes pensado. São uma arma financeira que permite o enriquecimento rápido de uns poucos, e a ruína abrupta de muitos mais... dito em poucas palavras, permite uma transferência e concentração de riqueza.

Por estranho que pareça, as pessoas parecem alertadas para os esquemas em pirâmide, ou outros contos do vigário, que aparecem aqui e ali (antigamente em cartas, hoje em emails), mas essas cautelas parecem desvanecer-se quando o intermediário aparenta uma credibilidade institucional.

As tulipas chegaram à Holanda originárias da Turquia, numa altura em que a jovem República Holandesa começava a crescer, recebendo o papel de potência marítima, para o qual foi crucial a emigração de muitos judeus, expulsos de Portugal e Espanha. Estes judeus, por sua vez, tinham a mesma origem remota que as tulipas que iriam ser negociadas na Holanda.

Aliás, convirá referir que este espírito capitalista, que desflorava nas tulipas holandesas, não terá tido muito provavelmente a sua estreia na Holanda. O primeiro registo de economia capitalista parece ter sido exercido pelos Khazares, da parte da Tartária contígua ao Mar Cáspio (que inclui as caucasianas Iberia e Albania), onde também surgiram os Otomanos que iriam arrasar Constantinopla.
A extensão do império Khazar até ao Séc. X.

Estes Khazares controlavam grande parte do comércio oriental, feito pela chamada "Rota da Seda", evitando o inicial bloqueio árabe, e a sua conversão ao judaísmo parece ter-se adequado à sua natureza de comerciantes. Sugere-se ainda que os Ashkenazi (basicamente os judeus europeus, de tez mais branca), são descendentes da emigração da Khazaria, que começou com o fim do império Khazar, basicamente desde o Séc. XI, tendo o seu apogeu com o fim da Idade Média, após a queda de Constantinopla. Podemos dizer que saíram da Iberia caucasiana em direcção à Ibéria atlântica, e depois à Holanda, onde foram reencontrar as tulipas nativas.
Bom, e se as tulipas lhes eram especialmente valiosas, por muito que fosse predominante o papel comercial judaico, na Holanda teriam que fazer um reinício, quase do zero. Porém, a nova Republica Holandesa permitia um sistema económico capitalista, que lhes era familiar, e que dominariam particularmente bem. Chegados sem bens notáveis, em breve consumariam uma transferência de riqueza que lhes permitira dominar a sociedade holandesa, em particular através da sua influência na Companhia das Índias Orientais, mas também através destes novos mecanismos especulativos, como foram os contratos de futuros feitos com tulipas.

Um simples bulbo de planta passava em dois ou três anos a valer mais que o ouro, e esta paranóia induzida aos holandeses terá permitido acumular fortunas a quem dominava perfeitamente as nuances do sistema capitalista.

A Holanda acaba por se definir como crucial para os acontecimentos seguintes. Curiosamente são os holandeses que fundam Nova York com o nome Nova Amsterdão, e o seu último governador, Peter Stuyvesant, é quem vai construir uma muralha que deu nome a Wall Street...
Chegada de Stuyvesant a Nova Amsterdão (1647-1664)

Porém esta muralha não resiste à nova Inglaterra de Carlos II (já casado com Catarina de Bragança), e em 1664 os ingleses acabam por conquistar esse território americano. A pequena Holanda não parece conseguir competir com a nova força da Inglaterra.
No entanto, alguns 25 anos mais tarde, em 1689, três anos depois da morte de Carlos II, o novo rei Jaime II, seu irmão, acaba por ser deposto através de uma invasão naval holandesa, comandada por Guilherme de Oranje, na chamada "Revolução Gloriosa". O pretexto que uniu o parlamento inglês ao soberano holandês, contra o rei legítimo, teria sido a crescente tolerância ao catolicismo.
Esta foi a única invasão que a Inglaterra sofreu desde Guilherme I, em Hastings (1066), e curiosamente seria levada a cabo por outro Guilherme. Porém, neste caso não houve praticamente resistência, devido ao apoio do parlamento, pelo que a revolução também traz o epíteto "sem sangue".

O que mais glorioso teve esta invasão de Guilherme III foi o crescimento do país invadido, e o declínio do país invasor. A Holanda acabou por perder o seu aspecto dominante, e a transferência de riqueza, que já se tinha visto ocorrer dos reinos ibéricos para a Holanda, passou da Holanda para a Inglaterra. O mundo financeiro que iria dominar os próximos séculos seria sediado na City de Londres, até passar depois para a muralha de Stuyvesant, Wall Street. A dimensão da Inglaterra permitia uma armada sem rival, para uma política global, algo que seria muito mais difícil de concretizar na frágil Holanda. Um mesmo rei permitiria essa transferência mais comodamente...
As províncias ultramarinas holandesas acabaram por ser anexadas pelos ingleses, mais tarde ou mais cedo. A Austrália manteve-se escondida até à chegada de Cook, bem como a própria Nova Zelândia, que tem o seu nome derivado de Zeeland, a província "conquistada ao mar" pelos holandeses. O facto da ilha ter nome derivado do holandês não parece importar na tentativa de atribuição a Cook.
Assim, a Holanda que sonhou os futuros nos bulbos de túlipa, acabou ver no futuro apenas uma lembrança do seu poder passado.

A mesma esperteza que transformou bulbos de túlipa em ouro, acabou por se manifestar de forma mais contundente na transformação da moeda. A moeda ligava-se ao ouro, que por tradição, desde a Antiguidade, era considerado um elemento valioso. No entanto, no Séc. XX, após a 1ª Guerra Mundial, e especialmente após a 2* Guerra, em Bretton Woods, vai terminar essa ligação ao metal. Já há muito que o gado servira de moeda de troca, e do pecuário saiu a palavra pecuniário, na tradição grega, ou que o sal servira de moeda de troca romana, de onde saíra a palavra salário. Quando se  emitem as primeiras notas de papel, há uma promessa de ligação a um metal depositado, mas essa ligação vai-se desvanecer.
O dinheiro reduz-se a uma troca de confiança assinada em papel de nota, em papel de acções, etc... deixará de ter correspondente em ouro. Tem correspondente em produtos e serviços pela confiança adquirida, mas também há uma "confiança imposta", que serve de "imposto" imperial.

Os bulbos de tulipas caíram porque a sua vulgarização levou a uma inevitável desvalorização, o mesmo ocorreu quando o mercado foi inundado recentemente por "contratos de futuros" sem futuro. Criaram-se perspectivas de fortuna para muitos, como se todos estivessem contentes por ir ganhar a lotaria, sem se dar conta que teriam que dividir o prémio entre si, e que não havia um grande prémio para cada um. Assim, acabamos por ter uma dívida mundial superior em muitas vezes ao produto bruto gerado. Parece importar pouco que o que foi emprestado simplesmente não existia, e que por isso quem o fez, tomou para si, a crédito, o futuro de todos, que não lhe pertencia, diluindo-o nesses contratos.
Assim, as novas gerações acabarão por ver o seu futuro hipotecado pelos contratos de futuros cobrados pelos bulbos de túlipa que a geração anterior contraiu, iludida pelo poder das flores.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:27

No início do Séc. XVII, a Holanda desenvolveu um particular gosto por tulipas, cujos bulbos podiam até ser comercializados com o valor de moeda. Uma das tulipas, denominada Semper Augustus foi negociada a valor recorde, uma pequena fortuna inalcançável ao normal cidadão holandês.


 
Publicidade ao investimento em tulipas e a famosa Semper Augustus  (wiki).


Esta importância das tulipas foi retomada em romance de 1850, de Alexandre Dumas, "A Tulipa Negra", talvez querendo alertar para o episódio, dado o peso que a especulação financeira retomava no final daquele século.
O fenómeno, que atingiu o pico máximo e o colapso em 1637, é chamado tulipomania, e tem características especulativas muito semelhantes a posteriores crises bolsistas.

(evolução exponencial dos preços entre 1634 e 1637)

Está documentada nesta altura uma forte publicidade e o aparecimento de "contratos de futuros". Estes contratos de futuros eram negociados com expectativas sobre o crescimento económico do valor dos bulbos de tulipas. O aumento dos preços permitia convencer a pagar alto pelo valor de tulipas que se iriam vender no futuro.
Estes mesmos contratos de futuros estiveram na origem da recente crise financeira de 2008, e não são por isso uma invenção recente, conforme é por vezes pensado. São uma arma financeira que permite o enriquecimento rápido de uns poucos, e a ruína abrupta de muitos mais... dito em poucas palavras, permite uma transferência e concentração de riqueza.

Por estranho que pareça, as pessoas parecem alertadas para os esquemas em pirâmide, ou outros contos do vigário, que aparecem aqui e ali (antigamente em cartas, hoje em emails), mas essas cautelas parecem desvanecer-se quando o intermediário aparenta uma credibilidade institucional.

As tulipas chegaram à Holanda originárias da Turquia, numa altura em que a jovem República Holandesa começava a crescer, recebendo o papel de potência marítima, para o qual foi crucial a emigração de muitos judeus, expulsos de Portugal e Espanha. Estes judeus, por sua vez, tinham a mesma origem remota que as tulipas que iriam ser negociadas na Holanda.

Aliás, convirá referir que este espírito capitalista, que desflorava nas tulipas holandesas, não terá tido muito provavelmente a sua estreia na Holanda. O primeiro registo de economia capitalista parece ter sido exercido pelos Khazares, da parte da Tartária contígua ao Mar Cáspio (que inclui as caucasianas Iberia e Albania), onde também surgiram os Otomanos que iriam arrasar Constantinopla.
A extensão do império Khazar até ao Séc. X.

Estes Khazares controlavam grande parte do comércio oriental, feito pela chamada "Rota da Seda", evitando o inicial bloqueio árabe, e a sua conversão ao judaísmo parece ter-se adequado à sua natureza de comerciantes. Sugere-se ainda que os Ashkenazi (basicamente os judeus europeus, de tez mais branca), são descendentes da emigração da Khazaria, que começou com o fim do império Khazar, basicamente desde o Séc. XI, tendo o seu apogeu com o fim da Idade Média, após a queda de Constantinopla. Podemos dizer que saíram da Iberia caucasiana em direcção à Ibéria atlântica, e depois à Holanda, onde foram reencontrar as tulipas nativas.
Bom, e se as tulipas lhes eram especialmente valiosas, por muito que fosse predominante o papel comercial judaico, na Holanda teriam que fazer um reinício, quase do zero. Porém, a nova Republica Holandesa permitia um sistema económico capitalista, que lhes era familiar, e que dominariam particularmente bem. Chegados sem bens notáveis, em breve consumariam uma transferência de riqueza que lhes permitira dominar a sociedade holandesa, em particular através da sua influência na Companhia das Índias Orientais, mas também através destes novos mecanismos especulativos, como foram os contratos de futuros feitos com tulipas.

Um simples bulbo de planta passava em dois ou três anos a valer mais que o ouro, e esta paranóia induzida aos holandeses terá permitido acumular fortunas a quem dominava perfeitamente as nuances do sistema capitalista.

A Holanda acaba por se definir como crucial para os acontecimentos seguintes. Curiosamente são os holandeses que fundam Nova York com o nome Nova Amsterdão, e o seu último governador, Peter Stuyvesant, é quem vai construir uma muralha que deu nome a Wall Street...
Chegada de Stuyvesant a Nova Amsterdão (1647-1664)

Porém esta muralha não resiste à nova Inglaterra de Carlos II (já casado com Catarina de Bragança), e em 1664 os ingleses acabam por conquistar esse território americano. A pequena Holanda não parece conseguir competir com a nova força da Inglaterra.
No entanto, alguns 25 anos mais tarde, em 1689, três anos depois da morte de Carlos II, o novo rei Jaime II, seu irmão, acaba por ser deposto através de uma invasão naval holandesa, comandada por Guilherme de Oranje, na chamada "Revolução Gloriosa". O pretexto que uniu o parlamento inglês ao soberano holandês, contra o rei legítimo, teria sido a crescente tolerância ao catolicismo.
Esta foi a única invasão que a Inglaterra sofreu desde Guilherme I, em Hastings (1066), e curiosamente seria levada a cabo por outro Guilherme. Porém, neste caso não houve praticamente resistência, devido ao apoio do parlamento, pelo que a revolução também traz o epíteto "sem sangue".

O que mais glorioso teve esta invasão de Guilherme III foi o crescimento do país invadido, e o declínio do país invasor. A Holanda acabou por perder o seu aspecto dominante, e a transferência de riqueza, que já se tinha visto ocorrer dos reinos ibéricos para a Holanda, passou da Holanda para a Inglaterra. O mundo financeiro que iria dominar os próximos séculos seria sediado na City de Londres, até passar depois para a muralha de Stuyvesant, Wall Street. A dimensão da Inglaterra permitia uma armada sem rival, para uma política global, algo que seria muito mais difícil de concretizar na frágil Holanda. Um mesmo rei permitiria essa transferência mais comodamente...
As províncias ultramarinas holandesas acabaram por ser anexadas pelos ingleses, mais tarde ou mais cedo. A Austrália manteve-se escondida até à chegada de Cook, bem como a própria Nova Zelândia, que tem o seu nome derivado de Zeeland, a província "conquistada ao mar" pelos holandeses. O facto da ilha ter nome derivado do holandês não parece importar na tentativa de atribuição a Cook.
Assim, a Holanda que sonhou os futuros nos bulbos de túlipa, acabou ver no futuro apenas uma lembrança do seu poder passado.

A mesma esperteza que transformou bulbos de túlipa em ouro, acabou por se manifestar de forma mais contundente na transformação da moeda. A moeda ligava-se ao ouro, que por tradição, desde a Antiguidade, era considerado um elemento valioso. No entanto, no Séc. XX, após a 1ª Guerra Mundial, e especialmente após a 2* Guerra, em Bretton Woods, vai terminar essa ligação ao metal. Já há muito que o gado servira de moeda de troca, e do pecuário saiu a palavra pecuniário, na tradição grega, ou que o sal servira de moeda de troca romana, de onde saíra a palavra salário. Quando se  emitem as primeiras notas de papel, há uma promessa de ligação a um metal depositado, mas essa ligação vai-se desvanecer.
O dinheiro reduz-se a uma troca de confiança assinada em papel de nota, em papel de acções, etc... deixará de ter correspondente em ouro. Tem correspondente em produtos e serviços pela confiança adquirida, mas também há uma "confiança imposta", que serve de "imposto" imperial.

Os bulbos de tulipas caíram porque a sua vulgarização levou a uma inevitável desvalorização, o mesmo ocorreu quando o mercado foi inundado recentemente por "contratos de futuros" sem futuro. Criaram-se perspectivas de fortuna para muitos, como se todos estivessem contentes por ir ganhar a lotaria, sem se dar conta que teriam que dividir o prémio entre si, e que não havia um grande prémio para cada um. Assim, acabamos por ter uma dívida mundial superior em muitas vezes ao produto bruto gerado. Parece importar pouco que o que foi emprestado simplesmente não existia, e que por isso quem o fez, tomou para si, a crédito, o futuro de todos, que não lhe pertencia, diluindo-o nesses contratos.
Assim, as novas gerações acabarão por ver o seu futuro hipotecado pelos contratos de futuros cobrados pelos bulbos de túlipa que a geração anterior contraiu, iludida pelo poder das flores.

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publicado às 23:27

Há quase um ano atrás, escrevemos a este propósito:
O valor da moeda reside numa fé de que ela será reconhecida como troca em qualquer transacção social. Serve razoavelmente as pretensões materiais, mas tem ainda como ameaça os valores espirituais ou morais, embebidos na sociedade, através da cultura e religião. Não é aí capaz de servir como moeda eficaz, vai contando apenas com a progressiva menorização desses valores, ao edificar uma sociedade materialista.
Estando os aspectos materiais indexados a um valor, a omnipotência material será efectiva através da moeda... Quais são as restrições?
  - a maior restrição prática é que a lógica pragmática de que "tudo tem um preço" não é ainda universal...

Quando os indivíduos duma sociedade aceitarem que todos os seus bens e actos são contabilizáveis economicamente, através do dinheiro, então quem estiver capacitado de cunhar moeda pode agir quase como semideus, omnipotente material. 
Acaba por deter não apenas a possibilidade de adquirir qualquer bem, mas também a possibilidade de seduzir qualquer vontade, pelo preço exigido.
Só que esta lógica de transformação de alguns homens em semideuses sociais conta com um pequeno detalhe - é necessário criar uma desigualdade económica de grandes proporções. Ou seja, é preciso ter cidadãos em situação económica instável... já que doutra forma, socialmente protegida, dificilmente aceitarão reduzir a sua personalidade ou vontade numa troca comercial.

No estado actual do desenvolvimento tecnológico seria possível, de forma concertada, ter basicamente toda a população mundial com um nível de vida próximo da classe média portuguesa... e falamos de forma ecologicamente sustentada, com o trabalho de menos de 10% da população mundial. 
Como é natural, as classes mais abastadas dificilmente estariam dispostas a abdicar do seu nível actual de vida, para se moverem no sentido desse equilíbrio.
Não queremos ser completamente triviais acerca deste assunto... na prática uma situação de equilíbrio pode ser muito instável. Ou seja, as hierarquias, quando não existem, desenvolvem-se naturalmente pelo espírito competitivo, que é inato, e que educacionalmente é incentivado numa economia de mercado. A maioria das pessoas acaba por formar um modelo em que é de alguma forma "o protagonista" e não apenas "um figurante", igual a tantos outros. Como é óbvio, numa sociedade equalitária em que não há protagonistas, quebra-se essa motivação individualista...
Se isto é natural, é igualmente perigoso... no sentido em que, num estado equalitário, novos grupos poderiam surgir organizados para tomar controlo sobre uma sociedade resignada. 
O perigo é mais sério, perante a possibilidade humana de convencer grandes massas, criando ilusões de superioridade que arrastam violência e destruição. Ou seja, é necessário ter sob algum controlo as manifestações de superioridade individual, que são assim mais facilmente detectáveis pelo desejo inato de ascenção social. 
Analogamente, uma das formas da sociedade combater o crime, estando ciente da incapacidade da sua erradicação completa, é controlá-lo, aceitando manifestações que previnam atempadamente o desenvolvimento de outras formas incontroláveis. Os jovens infractores são conduzidos a uma competição com velhos instalados, sendo normalmente anulados por esses "conhecidos" do sistema. A sociedade pode assim esconder uma faceta de actuação ilegal, tendo como objectivo a prevenção descontrolada de manifestações mais graves...  
Há ainda uma outra razão para algum desequilíbrio social e que será simples... a necessidade de incutir um objectivo à generalidade da população, que se irá manifestar pela condução desse objectivo no sentido da posse individual e reconhecimento comunitário. 

Esta dissertação anterior pressupõe um controlo efectivo, justificável por "boas intenções globais", detido por uma certa elite, quase incógnita, que retiraria os frutos da sua prevalência económica como efeito lateral da sua missão. Essa necessidade de prevalência económica começa a ficar completamente injustificada quando as diferenças se vão acentuando, em vez de diminuirem, criando focos de perturbação social... o que mais parece justificar os interesses privados, do que acautelar qualquer "boa intenção global".
A situação torna-se ainda mais implosiva, quando em vez de se colocarem objectivos além da Terra, por exemplo, numa exploração espacial, esses são reduzidos ou quase anulados.

A Libra é nome de moeda antiga, cuja designação permanece nalguns países, sendo mais conhecida a inglesa. A Libra é ainda uma unidade de pesagem material, associada à palavra latina "balança", representado o equilíbrio, e o signo de transição, após o equinócio de outono (seria o sétimo mês pela tradição astrológica, que mantém Peixes como último signo)... Foi também a divisa adoptada pelo Infante D. Pedro:

A moeda, sob qualquer forma, transformou-se num símbolo de fé estável, pelo exacto valor material que esperamos obter com ela. A redução de valores a essa quantificação monetária reflecte o sucesso de harmonização financeira, e da redução da maioria dos valores numa tradução em expectativa material.
No entanto, convém notar que mais do que o número afixado, é a informação que define o seu valor.
Não sendo sempre de ouro, cada novo rei, ou imperador, tinha a necessidade de afirmar uma independência política cunhando a sua moeda... foi por exemplo o caso de D. António, Prior do Crato, que cunhou ainda moeda própria. Tivesse havido harmonia entre os portugueses para aceitar apenas essa moeda, e de pouco teria valido o ouro filipino. A falta de fé na moeda de D. António foi reflexo da submissão voluntária dos portugueses a uma lógica global protagonizada por Filipe II, com todo o exagero de manifestações bajulatórias, conforme as ocorridas em Lisboa, a que se somou a falha dos "amigos de Peniche".
Mais do que instrumento para uma simples troca comercial, na sua manifestação em comunidade a moeda reflecte ainda a adesão ao modelo social instituído, que faz fé nessa aceitação.
Na situação de duas moedas a circular, representando projectos políticos diferentes, caberia aos cidadãos optar pela escolha do modelo em que fariam fé, funcionando para as suas trocas... e já sabemos o que aconteceu com o Prior do Crato!

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publicado às 06:15

Há quase um ano atrás, escrevemos a este propósito:
O valor da moeda reside numa fé de que ela será reconhecida como troca em qualquer transacção social. Serve razoavelmente as pretensões materiais, mas tem ainda como ameaça os valores espirituais ou morais, embebidos na sociedade, através da cultura e religião. Não é aí capaz de servir como moeda eficaz, vai contando apenas com a progressiva menorização desses valores, ao edificar uma sociedade materialista.
Estando os aspectos materiais indexados a um valor, a omnipotência material será efectiva através da moeda... Quais são as restrições?
  - a maior restrição prática é que a lógica pragmática de que "tudo tem um preço" não é ainda universal...

Quando os indivíduos duma sociedade aceitarem que todos os seus bens e actos são contabilizáveis economicamente, através do dinheiro, então quem estiver capacitado de cunhar moeda pode agir quase como semideus, omnipotente material. 
Acaba por deter não apenas a possibilidade de adquirir qualquer bem, mas também a possibilidade de seduzir qualquer vontade, pelo preço exigido.
Só que esta lógica de transformação de alguns homens em semideuses sociais conta com um pequeno detalhe - é necessário criar uma desigualdade económica de grandes proporções. Ou seja, é preciso ter cidadãos em situação económica instável... já que doutra forma, socialmente protegida, dificilmente aceitarão reduzir a sua personalidade ou vontade numa troca comercial.

No estado actual do desenvolvimento tecnológico seria possível, de forma concertada, ter basicamente toda a população mundial com um nível de vida próximo da classe média portuguesa... e falamos de forma ecologicamente sustentada, com o trabalho de menos de 10% da população mundial. 
Como é natural, as classes mais abastadas dificilmente estariam dispostas a abdicar do seu nível actual de vida, para se moverem no sentido desse equilíbrio.
Não queremos ser completamente triviais acerca deste assunto... na prática uma situação de equilíbrio pode ser muito instável. Ou seja, as hierarquias, quando não existem, desenvolvem-se naturalmente pelo espírito competitivo, que é inato, e que educacionalmente é incentivado numa economia de mercado. A maioria das pessoas acaba por formar um modelo em que é de alguma forma "o protagonista" e não apenas "um figurante", igual a tantos outros. Como é óbvio, numa sociedade equalitária em que não há protagonistas, quebra-se essa motivação individualista...
Se isto é natural, é igualmente perigoso... no sentido em que, num estado equalitário, novos grupos poderiam surgir organizados para tomar controlo sobre uma sociedade resignada. 
O perigo é mais sério, perante a possibilidade humana de convencer grandes massas, criando ilusões de superioridade que arrastam violência e destruição. Ou seja, é necessário ter sob algum controlo as manifestações de superioridade individual, que são assim mais facilmente detectáveis pelo desejo inato de ascenção social. 
Analogamente, uma das formas da sociedade combater o crime, estando ciente da incapacidade da sua erradicação completa, é controlá-lo, aceitando manifestações que previnam atempadamente o desenvolvimento de outras formas incontroláveis. Os jovens infractores são conduzidos a uma competição com velhos instalados, sendo normalmente anulados por esses "conhecidos" do sistema. A sociedade pode assim esconder uma faceta de actuação ilegal, tendo como objectivo a prevenção descontrolada de manifestações mais graves...  
Há ainda uma outra razão para algum desequilíbrio social e que será simples... a necessidade de incutir um objectivo à generalidade da população, que se irá manifestar pela condução desse objectivo no sentido da posse individual e reconhecimento comunitário. 

Esta dissertação anterior pressupõe um controlo efectivo, justificável por "boas intenções globais", detido por uma certa elite, quase incógnita, que retiraria os frutos da sua prevalência económica como efeito lateral da sua missão. Essa necessidade de prevalência económica começa a ficar completamente injustificada quando as diferenças se vão acentuando, em vez de diminuirem, criando focos de perturbação social... o que mais parece justificar os interesses privados, do que acautelar qualquer "boa intenção global".
A situação torna-se ainda mais implosiva, quando em vez de se colocarem objectivos além da Terra, por exemplo, numa exploração espacial, esses são reduzidos ou quase anulados.

A Libra é nome de moeda antiga, cuja designação permanece nalguns países, sendo mais conhecida a inglesa. A Libra é ainda uma unidade de pesagem material, associada à palavra latina "balança", representado o equilíbrio, e o signo de transição, após o equinócio de outono (seria o sétimo mês pela tradição astrológica, que mantém Peixes como último signo)... Foi também a divisa adoptada pelo Infante D. Pedro:

A moeda, sob qualquer forma, transformou-se num símbolo de fé estável, pelo exacto valor material que esperamos obter com ela. A redução de valores a essa quantificação monetária reflecte o sucesso de harmonização financeira, e da redução da maioria dos valores numa tradução em expectativa material.
No entanto, convém notar que mais do que o número afixado, é a informação que define o seu valor.
Não sendo sempre de ouro, cada novo rei, ou imperador, tinha a necessidade de afirmar uma independência política cunhando a sua moeda... foi por exemplo o caso de D. António, Prior do Crato, que cunhou ainda moeda própria. Tivesse havido harmonia entre os portugueses para aceitar apenas essa moeda, e de pouco teria valido o ouro filipino. A falta de fé na moeda de D. António foi reflexo da submissão voluntária dos portugueses a uma lógica global protagonizada por Filipe II, com todo o exagero de manifestações bajulatórias, conforme as ocorridas em Lisboa, a que se somou a falha dos "amigos de Peniche".
Mais do que instrumento para uma simples troca comercial, na sua manifestação em comunidade a moeda reflecte ainda a adesão ao modelo social instituído, que faz fé nessa aceitação.
Na situação de duas moedas a circular, representando projectos políticos diferentes, caberia aos cidadãos optar pela escolha do modelo em que fariam fé, funcionando para as suas trocas... e já sabemos o que aconteceu com o Prior do Crato!

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