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Vamos fazer uma pequena mistura antigo-moderno neste texto.

Catedral de Salamanca
Muitos foram vendo na catedral espanhola a escultura de um astronauta, e isso ganhou algum espaço de divulgação, devido à internet, nos últimos anos:
Catedral de Salamanca - escultura de astronauta. (imagem)

O que isto tem de especial? Nada. Nada, porque descobre-se que afinal é habitual os escultores de catedrais espanholas colocarem astronautas, fotógrafos, dragões a comer gelados, telemóveis, etc...
Sim é verdade, mas a versão oficial diz-nos que não foram os escultores antigos... é fruto da inspiração artística dos restauradores modernos! A Igreja ou o Estado encomendam o restauro, e o sujeito pensa - não, vou mas é aqui colocar um astronauta (deve ser pelo efeito Axe, com um cheiro de sovaco diferente).

Depois alguém publica uma foto diferente... que tanto circula como sendo uma foto anterior (versão de que existia antes do restauro), como posterior (versão de que foi vandalizado o restauro - creio que correcta).
Por isso aparece uma terceira versão, que creio ser a actual, com um restauro mais grosseiro, substituindo a anterior cara por uma máscara, tirando a expressão dos olhos.

Curiosamente não encontrei fotos dessa parte da Catedral sem o astronauta, antes do restauro, algo que teria acontecido em 1992 (parece ser uma teoria lançada pela Wikipedia portuguesa), e vi muitas pessoas a queixarem-se do mesmo problema - ausência de fotos anteriores (ninguém fotografou antes de 1992?).
Num dos sites apresentam-se testemunhos de que o astronauta já estaria representado na catedral em 1970. Antes dos anos 1960 era natural que as pessoas nem soubessem o que era um astronauta, e por isso nem notavam nada de especial numa representação com aquele aspecto.

Há quem também possa ver referências a astronautas nas esculturas de Pensacola:
Seria possível que o "astronauta" da Catedral de Salamanca tivesse sido inspirado nas esculturas encontradas na América-Latina? 
Após 1960, pela sua parecença com os astronautas, talvez isso tivesse motivado a ideia de um restauro original... ou seja, substituir a imagem que se parecia com um astronauta por uma verdadeira representação de astronauta moderno. Isso seria uma solução para evitar polémicas - criando uma figura mais explícita eliminava-se a parecença. As imagens anteriores não teriam entretanto sido divulgadas porque afinal iriam revelar essa semelhança, não resolvendo o problema.

Isto é obviamente uma hipótese... outra hipótese será que qualquer dia se veja uma garrafa de Coca-Cola esculpida no túmulo de Camões, por inspiração dos restauradores. 
Finalmente, a outra hipótese é a de que a evolução da tecnologia pode não ter sido o que se pensa... e já assim dizia Fernão de Oliveira.

Artilharia de Fernão de Oliveira 
Fernão de Oliveira escreveu também uma "Arte da Guerra do Mar", em 1555.
Não, não encontramos na decoração do livro nada de estranho. Talvez se destaque uma Fénix que sempre renasce das cinzas, um poder que renasce sempre de todas revoluções... porque, enfim, parece que tem sido preciso "mudar para que nada mude". Esta "arte" de Fernão de Oliveira tinha sido "novamente escrita", agora "vista e admitida pelos senhores deputados da Santa Inquisição". Há uma parte rasgada, e a data de 1555 é confirmada no final.

Há mais uma vez muito material de interesse, começando por uma dissertação sobre a necessidade de manter guerra constante para não ser surpreendido em paz pela guerra alheia.
Passamos directamente à artilharia. Diz ele, na página XXV:
A invenção da artilharia, segundo dizem alguns, foi achada na Alemanha do ano de Cristo de c. 1380, mas a mim me parece que é mais antiga. Porque nós temos que os homens da Fenícia se defendiam de Alexandre Manho com tiros de fogo. E que as gentes de Russia pelejavam com pelouros de chumbo lançados de canos de metal com fogo de enxofre. E alguns filósofos que fizeram fogo artificial que voava, o que parece que fariam com os materiais de pólvora que se acostuma nas bombardas e arcabuzes. Finalmente a fábula de Prometeu, o qual dizem que quis imitar os trovões e coriscos de Jupiter, disto parece que teve seu fundamento, que no princípio da Grécia sendo ela rústica, Prometeu trouxe este artifício de tiros de fogo do exército de Jupiter, rei de Creta ou da África, o qual artifício os rústicos Gregos imaginaram ser trovões, como também cuidaram que os homens de cavalo eram monstros. Como quer que seja, a invenção da artilharia quer velha, quer nova, ela é mais danosa que proveitosa para a geração humana.
(clique na figura para aumentar)

Portanto temos aqui uma explícita referência à existência de armas de fogo, artilharia, desde o tempo dos Fenícios, contra Alexandre Magno (ele diz Manho), e que também era usada na Rússia (muitas vezes o nome aparece só Rusia ou ainda como Rufia...).
Se "tiros de fogo" pode ter alguma ambiguidade, saber que o cerco foi a Tiro, diz muito sobre o conceito de "tiro"... e depois não atirem mais nossa língua, com o objectivo de atirar para a tirar.

No caso russo a descrição é bastante completa, e não parece oferecer grandes dúvidas. Afinal, já é aceite a utilização de dispositivos explosivos na China, praticamente desde a Antiguidade. A sua utilização apenas para efeitos pirotécnicos seria uma limitação filosófica benigna, pouco realista dada a capacidade humana, e desumana, de transformar invenções positivas em armas negativas... conforme Fernão de Oliveira salienta no final.

A referência a um Júpiter rei de Creta (ou África, talvez Cyrene, Líbia, que seria ilha), é bem mais antiga, e tem muito maior ambiguidade interpretativa. Pode servir como pista para entendermos como um rei passou a ser associado a raios e coriscos, e depois a um deus de raios e trovões, pela utilização da artilharia.
Não deixa ainda de ser curioso Fernão de Oliveira dizer que os gregos primitivos entendiam os cavaleiros como um conjunto monstruoso... sendo natural que daí tivesse surgido a noção de Centauro

Lembramos que também é dito que os cavaleiros espanhóis foram vistos como um conjunto homem-cavalo pelos Incas.

No fundo...
O que hoje é associado a representações de "antigos astronautas" tem algo de moda passageira...
Podemos usar uma imagem meso-americana, que encontrámos, para ilustrar a questão:

Acontece que hoje pode ser habitual ver esta figura como um Astronauta... mas no Séc. XIX seria muito mais natural ver esta representação como um Escafandrista.
Escafandristas em 1873 (wikipedia)

Portanto, estas interpretações estão sujeitas às modas dos tempos... convenientemente confundidas.
Depois, é preciso rever um pouco da história do mergulho.
No fundo, chegamos mesmo aos Assírios, que nos ofereceram esta representação:
Representação de um mergulhador num friso Assírio (c. 900 a.C.)

Trata-se provavelmente de um Anedoto, do homem-bacalhau, de que já falámos... e aqui torna-se mais evidente como ele poderia desaparecer nos mares, parecendo um homem-peixe.
A imagem pode ser encontrada no US-Navy Diving Manual. Acrescenta-se aí que a origem do mergulho poderia ser remetida a 3000 a.C., há ainda a lenda de Scyllis e da filha Cyana, ao tempo de Xerxes.

Mas, ainda mais interessante, voltamos ao cerco de Alexandre "Manho" aos fenícios de Tiro, que usavam "tiros", a que se contrapunha a "manha" de mandar mergulhadores ao fundo do Porto de Tiro para remover os obstáculos, em 332 a.C.
Nesse manual encontra-se ainda uma figura de 1511, que ilustra a utilização de um tubo de respiração:
Ilustração de 1511, mostrando o uso de um tubo de respiração em mergulho.

Bom... e haverá quem possa ver no mergulhador uma cabeça com aspecto alienígena?
Talvez... porém, serviria para isolar a cabeça para a respiração.
Outras imagens que nos aparecem com aspecto alienígena são, por exemplo, estas:

Ora, fica mais ou menos evidente que o halo que envolve a cabeça também poderia ser visto como uma "representação de santidade".
Essa foi uma outra interpretação... mas nos tempos que correm nem sequer se pensa em santos, nem em capacetes de escafrandos, vai-se directamente para astronautas ou alienígenas.

Enfim... o que concluir?
- Não vou discutir a versão dos "restauradores brincalhões", até porque esse caminho é uma contradição com a noção de obra "restaurada", é mais uma visão de "rês tourada". Quando a cozinha aventar uma "restauração" com ares desses, acaba-se a credibilidade do serviço, entra-se no fast-food justificativo.
- Tenho dúvidas sobre a capacidade tecnológica dos Anedotos. Já percebemos que impressionavam as civilizações menos desenvolvidas com um aspecto estranho. Tanto poderiam ser homens-peixe, como homens-falcão, homens-crocodilo, etc... dependia do povo e da religião que quisessem impor. Pelo lado homem-peixe justificar-se-iam os acessórios de mergulho. Porém, creio que o mais importante seria protegerem o seu corpo... A última imagem indicia uma possível vestimenta imune a alguma flecha perdida, que os poderia vitimar. Assim, para não serem vítimas de ataques de populações hostis, ou de um atirador incauto, uma fatiota-armadura com um elmo de vidro espesso seria suficiente para lhes conferir um estatuto de imunidade, de divindade.
- Bom, e sobre os Anedotos mais não sei, mas como também percebemos, as Anedotas continuam...

14/06/2013

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:54

Vamos fazer uma pequena mistura antigo-moderno neste texto.

Catedral de Salamanca
Muitos foram vendo na catedral espanhola a escultura de um astronauta, e isso ganhou algum espaço de divulgação, devido à internet, nos últimos anos:
Catedral de Salamanca - escultura de astronauta. (imagem)

O que isto tem de especial? Nada. Nada, porque descobre-se que afinal é habitual os escultores de catedrais espanholas colocarem astronautas, fotógrafos, dragões a comer gelados, telemóveis, etc...
Sim é verdade, mas a versão oficial diz-nos que não foram os escultores antigos... é fruto da inspiração artística dos restauradores modernos! A Igreja ou o Estado encomendam o restauro, e o sujeito pensa - não, vou mas é aqui colocar um astronauta (deve ser pelo efeito Axe, com um cheiro de sovaco diferente).

Depois alguém publica uma foto diferente... que tanto circula como sendo uma foto anterior (versão de que existia antes do restauro), como posterior (versão de que foi vandalizado o restauro - creio que correcta).
Por isso aparece uma terceira versão, que creio ser a actual, com um restauro mais grosseiro, substituindo a anterior cara por uma máscara, tirando a expressão dos olhos.
Curiosamente não encontrei fotos dessa parte da Catedral sem o astronauta, antes do restauro, algo que teria acontecido em 1992 (parece ser uma teoria lançada pela Wikipedia portuguesa), e vi muitas pessoas a queixarem-se do mesmo problema - ausência de fotos anteriores (ninguém fotografou antes de 1992?).
Num dos sites apresentam-se testemunhos de que o astronauta já estaria representado na catedral em 1970. Antes dos anos 1960 era natural que as pessoas nem soubessem o que era um astronauta, e por isso nem notavam nada de especial numa representação com aquele aspecto.

Há quem também possa ver referências a astronautas nas esculturas de Pensacola:
Seria possível que o "astronauta" da Catedral de Salamanca tivesse sido inspirado nas esculturas encontradas na América-Latina? 
Após 1960, pela sua parecença com os astronautas, talvez isso tivesse motivado a ideia de um restauro original... ou seja, substituir a imagem que se parecia com um astronauta por uma verdadeira representação de astronauta moderno. Isso seria uma solução para evitar polémicas - criando uma figura mais explícita eliminava-se a parecença. As imagens anteriores não teriam entretanto sido divulgadas porque afinal iriam revelar essa semelhança, não resolvendo o problema.

Isto é obviamente uma hipótese... outra hipótese será que qualquer dia se veja uma garrafa de Coca-Cola esculpida no túmulo de Camões, por inspiração dos restauradores. 
Finalmente, a outra hipótese é a de que a evolução da tecnologia pode não ter sido o que se pensa... e já assim dizia Fernão de Oliveira.

Artilharia de Fernão de Oliveira 
Fernão de Oliveira escreveu também uma "Arte da Guerra do Mar", em 1555.
Não, não encontramos na decoração do livro nada de estranho. Talvez se destaque uma Fénix que sempre renasce das cinzas, um poder que renasce sempre de todas revoluções... porque, enfim, parece que tem sido preciso "mudar para que nada mude". Esta "arte" de Fernão de Oliveira tinha sido "novamente escrita", agora "vista e admitida pelos senhores deputados da Santa Inquisição". Há uma parte rasgada, e a data de 1555 é confirmada no final.

Há mais uma vez muito material de interesse, começando por uma dissertação sobre a necessidade de manter guerra constante para não ser surpreendido em paz pela guerra alheia.
Passamos directamente à artilharia. Diz ele, na página XXV:
A invenção da artilharia, segundo dizem alguns, foi achada na Alemanha do ano de Cristo de c. 1380, mas a mim me parece que é mais antiga. Porque nós temos que os homens da Fenícia se defendiam de Alexandre Manho com tiros de fogo. E que as gentes de Russia pelejavam com pelouros de chumbo lançados de canos de metal com fogo de enxofre. E alguns filósofos que fizeram fogo artificial que voava, o que parece que fariam com os materiais de pólvora que se acostuma nas bombardas e arcabuzes. Finalmente a fábula de Prometeu, o qual dizem que quis imitar os trovões e coriscos de Jupiter, disto parece que teve seu fundamento, que no princípio da Grécia sendo ela rústica, Prometeu trouxe este artifício de tiros de fogo do exército de Jupiter, rei de Creta ou da África, o qual artifício os rústicos Gregos imaginaram ser trovões, como também cuidaram que os homens de cavalo eram monstros. Como quer que seja, a invenção da artilharia quer velha, quer nova, ela é mais danosa que proveitosa para a geração humana.
(clique na figura para aumentar)

Portanto temos aqui uma explícita referência à existência de armas de fogo, artilharia, desde o tempo dos Fenícios, contra Alexandre Magno (ele diz Manho), e que também era usada na Rússia (muitas vezes o nome aparece só Rusia ou ainda como Rufia...).
Se "tiros de fogo" pode ter alguma ambiguidade, saber que o cerco foi a Tiro, diz muito sobre o conceito de "tiro"... e depois não atirem mais nossa língua, com o objectivo de atirar para a tirar.

No caso russo a descrição é bastante completa, e não parece oferecer grandes dúvidas. Afinal, já é aceite a utilização de dispositivos explosivos na China, praticamente desde a Antiguidade. A sua utilização apenas para efeitos pirotécnicos seria uma limitação filosófica benigna, pouco realista dada a capacidade humana, e desumana, de transformar invenções positivas em armas negativas... conforme Fernão de Oliveira salienta no final.

A referência a um Júpiter rei de Creta (ou África, talvez Cyrene, Líbia, que seria ilha), é bem mais antiga, e tem muito maior ambiguidade interpretativa. Pode servir como pista para entendermos como um rei passou a ser associado a raios e coriscos, e depois a um deus de raios e trovões, pela utilização da artilharia.
Não deixa ainda de ser curioso Fernão de Oliveira dizer que os gregos primitivos entendiam os cavaleiros como um conjunto monstruoso... sendo natural que daí tivesse surgido a noção de Centauro
Lembramos que também é dito que os cavaleiros espanhóis foram vistos como um conjunto homem-cavalo pelos Incas.

No fundo...
O que hoje é associado a representações de "antigos astronautas" tem algo de moda passageira...
Podemos usar uma imagem meso-americana, que encontrámos, para ilustrar a questão:

Acontece que hoje pode ser habitual ver esta figura como um Astronauta... mas no Séc. XIX seria muito mais natural ver esta representação como um Escafandrista.
Escafandristas em 1873 (wikipedia)

Portanto, estas interpretações estão sujeitas às modas dos tempos... convenientemente confundidas.
Depois, é preciso rever um pouco da história do mergulho.
No fundo, chegamos mesmo aos Assírios, que nos ofereceram esta representação:
Representação de um mergulhador num friso Assírio (c. 900 a.C.)

Trata-se provavelmente de um Anedoto, do homem-bacalhau, de que já falámos... e aqui torna-se mais evidente como ele poderia desaparecer nos mares, parecendo um homem-peixe.
A imagem pode ser encontrada no US-Navy Diving Manual. Acrescenta-se aí que a origem do mergulho poderia ser remetida a 3000 a.C., há ainda a lenda de Scyllis e da filha Cyana, ao tempo de Xerxes.

Mas, ainda mais interessante, voltamos ao cerco de Alexandre "Manho" aos fenícios de Tiro, que usavam "tiros", a que se contrapunha a "manha" de mandar mergulhadores ao fundo do Porto de Tiro para remover os obstáculos, em 332 a.C.
Nesse manual encontra-se ainda uma figura de 1511, que ilustra a utilização de um tubo de respiração:
Ilustração de 1511, mostrando o uso de um tubo de respiração em mergulho.

Bom... e haverá quem possa ver no mergulhador uma cabeça com aspecto alienígena?
Talvez... porém, serviria para isolar a cabeça para a respiração.
Outras imagens que nos aparecem com aspecto alienígena são, por exemplo, estas:

Ora, fica mais ou menos evidente que o halo que envolve a cabeça também poderia ser visto como uma "representação de santidade".
Essa foi uma outra interpretação... mas nos tempos que correm nem sequer se pensa em santos, nem em capacetes de escafrandos, vai-se directamente para astronautas ou alienígenas.

Enfim... o que concluir?
- Não vou discutir a versão dos "restauradores brincalhões", até porque esse caminho é uma contradição com a noção de obra "restaurada", é mais uma visão de "rês tourada". Quando a cozinha aventar uma "restauração" com ares desses, acaba-se a credibilidade do serviço, entra-se no fast-food justificativo.
- Tenho dúvidas sobre a capacidade tecnológica dos Anedotos. Já percebemos que impressionavam as civilizações menos desenvolvidas com um aspecto estranho. Tanto poderiam ser homens-peixe, como homens-falcão, homens-crocodilo, etc... dependia do povo e da religião que quisessem impor. Pelo lado homem-peixe justificar-se-iam os acessórios de mergulho. Porém, creio que o mais importante seria protegerem o seu corpo... A última imagem indicia uma possível vestimenta imune a alguma flecha perdida, que os poderia vitimar. Assim, para não serem vítimas de ataques de populações hostis, ou de um atirador incauto, uma fatiota-armadura com um elmo de vidro espesso seria suficiente para lhes conferir um estatuto de imunidade, de divindade.
- Bom, e sobre os Anedotos mais não sei, mas como também percebemos, as Anedotas continuam...

14/06/2013

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publicado às 07:54

7) Sanchoniato - a mitologia fenícia
Há poucas referências a Sanchoniato, um historiador fenício, mas foi alvo de atenção no Séc. XIX, e nos livros "Ancient Fragments..." de Isaac Cory, que já mencionámos e também nas obras de G. Stanley Faber, por exemplo "A dissertation on the mysteries of the Cabiri", trata-se de um autor crucial.
Porquê? Porque seria basicamente uma das únicas referências que existiam à época que não surgiam da tradição judaico-cristã ou greco-romana (outra seria a de Beroso, sobre os assírios-caldeus, de que já falámos). A obra tinha sido traduzida para grego por Philo de Byblos, e chegado mais uma vez através de Eusébio de Cesaréia.

Stanley Faber tem um esquema simplificado das divindades que Sanchoniato refere na sua cosmogonia.
Começa por fazer um paralelismo com a descrição hebraica/mosaica (de Moisés), desde o primeiro homem:
Paralelo entre os primeiros homens segundo Sanconiato e Moisés (visto por Faber)

Sanchoniato atribui ao vento (Colpias) e à noite (Baau) a origem de dois mortais - Eon e Protogonos.
Acrescenta que Eon (~Eva) descobriu que poderia comer frutos das árvores. 
Destes dois nasceriam Genus e Genea que viviam na Fenícia (como não poderia deixar de ser...) e que rogavam ao Sol (Beelsamin, similar a Zeus) para terminar as secas.
A terceira geração tinha Fos, Pyr e Flox que descobriram a produção de fogo esfregando paus, e ensinaram os homens (... faltaria perguntar é quem eram afinal essoutros?).
Estes tiveram filhos muito altos, a quem foram dados os nomes de montanhas das redondezas - Cassius, Libano, Antilibano e Brathu.
Seguem-se Memrumus, Usous e Hypsuranius, que Sanchoniato detalha serem filhos dos anteriores e de suas mães... explicando isso pela escassez de população. Acrescenta que Hypsuranius habitava Tiro e inventara o papiro, tendo ficado inimigo do irmão Usous, que inventara vestes de pele... Esse mesmo Usous teria sido o primeiro a aventurar-se no mar com um tronco partido numa tempestade. Por isso erigiu dois pilares ao fogo e ao vento... e os descendentes passaram a venerar os antepassados nesses pilares.
Passadas gerações, dos descendentes de Hypsuranius surgiriam Agreus e Halieus, inventores de artes de caça e pesca. Desses surgiriam Crisor, identificado a Hefesto, que descobrira e aprendera a trabalhar o ferro. Em particular fazia anzóis, e teria sido o primeiro navegador. Por isso teria adorado como deus, de nome Diamiquio. Os irmãos seriam os primeiros construtores de muros com tijolos...
Da sua descendência nasceria Technites e Geinus (inventando azulejos), e desta geração surgiria ainda Agrus, que viria a ser adorado como o maior dos Deuses na Fenícia. As casas passaram a ter pórticos e criptas, e iniciou-se a caça com cães, com Aleta e Titan. 
Daqui descendem Aminos e Magos, que ensinaram os homens a construir vilas e a cuidar de rebanhos, depois Misor e Sydic que usaram o sal (preservação de comida).

O que vemos até aqui é uma plausível descrição da sequência de descobertas/invenções humanas associada a alguns nomes fenícios. Porém, de Misor descende Taautus que tem um significado mais importante, porque o associa ao egípcio Thoth e ao grego Hermes. Já pelo lado de Sydyc vai associar os Cabiri ou Samotrácios, que teriam sido os primeiros a construir um barco completo! 
Talvez por isso, Stanley Faber vai associar essa construção à separação do dilúvio.
No entanto, Sanchoniato não se refere a nenhum dilúvio... e nisto difere profundamente da tradição assíria e hebraica. Convém aliás notar que ao mito do dilúvio de Ogyges, nos gregos, também não era dado especial relevo.

A partir daqui vai haver alguma semelhança com a descrição grega, pelo que Stanley Faber vai passar para essa comparação. Sanchoniato refere-se à descoberta de ervas medicinais e da cura de venenos, falando de  Elioun (Hypsistus) e da mulher Beruth (de onde virá o nome Beirute), que geraram Autocton (Úrano, Céu) e Ge (Terra), nomes dados pela sua beleza. O pai era o regente e teria sido morto num confronto com bestas selvagens, e o filho Urano teria recebido o trono e feito rainha a irmã Ge.
Sobre a geração seguinte, Faber esquematiza numa tabela:
Esquema das gerações fenícias de Sanconiato (por Faber)

Interessa especialmente notar que há nomes que são iguais às da mitologia grega clássica, de Hesíodo, como sejam Úrano, Cronos (Ilus), e Belus (Bal) será identificado a Júpiter/Zeus.
Porém, a perspectiva de Sanchoniato é completamente diferente da de Hesíodo.
Este Sancho "pensa" de outra forma... os deuses foram homens, elevados depois ao estatuto divino.

Nalguns aspectos há analogias. É dito que este Urano também teria tentado eliminar os filhos, e que Cronos se rebelaria contra o pai, com a ajuda de Taautus-Hermes, que ainda seria contemporâneo.
Seria nesta altura que Cronos teria fundado Biblos, com uma muralha que a cercaria, e expulsaria o irmão Atlas para uma caverna. Os aliados de Cronos seriam chamados Eloi, pelo seu nome fenício ser Ilus (ou Il, El). 
O pai continuaria a opor-se-lhe, e por outro lado Cronos decapitaria os filhos por suspeita de rebelião, acabando também por eliminar o pai, cujo sangue seria depois consagrado às fontes e rios.
A meia-irmã de Cronos, Astarte, seria sua consorte e identificada a Afrodite. Ela tomaria a cabeça de um boi como símbolo de Tiro, juntamente com um meteoro que havia recolhido.
Cronos, tomaria ainda a Ática grega e esse seria o reino de Atena (Minerva), sua filha.

Há um aspecto interessante em que Cronos se circuncisa em homenagem do pai, obrigando os aliados a fazer o mesmo. Finalmente, esta descrição de Sanchoniato (que é mais detalhada) termina com a atribuição do Egipto a Taautus por Cronos, que adopta um símbolo de 4 olhos, à frente e atrás da cabeça!
Por outro lado, Taautus (Thoth) tomaria como símbolo a serpente, ao representar um espírito que se move sem membros, podendo ter várias formas, inclusivé espiral, pela sua longevidade e capacidade renovadora (mudança de pele, e consumir-se no final de vida).

Falta só falar do aspecto da cosmogonia fenícia de Taautus.
Tudo começaria com uma conexão entre o Caos e o Vento. Esta união seria simbolizada por um ovo rodeado por uma serpente, e dela surgiria a lama inicial Mot (ou Ilus), de onde se formaria o universo. Seria do som do trovão que distinguiria os animais inteligentes. Taautus criticaria os homens por adorarem e fazerem sacrifícios a deuses antropomórficos - o que ele atribuía à estreiteza das suas mentes.

A serpente que rodeia o ovo (o primeiro) entre outros símbolos 
do livro "The Origin of Pagan Idolatry" (Stanley Faber, 1816)


Apesar das semelhanças, notamos uma grande diferença conceptual entre fenícios e os restantes povos.
Os fenícios seriam praticamente ateus. A explicação de Taautus é um esboço de explicação natural, como terão depois alguns filósofos gregos.

8) Conjugações
Há algumas conjugações que podem ser feitas com o texto anterior sobre Beroso.
O nome Dagon (irmão de Cronos) foi também associado a Oanes, o anedoto, o homem-peixe dos assírios, e por outro lado Belus (filho de Cronos) seria venerado na Babilónia. Poderíamos ver aqui uma possível influência, ou interferência fenícia, na formação da mitologia assíria-caldeia. 

Se por um lado há muitas diferenças, por outro lado há bastantes semelhanças nas formações dos mitos.
Isaac Cody concorda com Stanley Faber, citando-o desta forma:
                     - (...) as to render untenable every other hypothesis than this: "that they must all have originated from some common source" 
Portanto estes estudiosos partilhavam da ideia que os pontos comuns sugeriam que todos os mitos teriam partido da mesma raiz comum, e davam explicações possíveis:
- todas as nações tinham concordado pacificamente numa mesma fonte, ou esta lhes tinha sido imposta, ou ainda que todas as nações tinham vindo de uma cultura comum.
Esta última hipótese levava naturalmente ao mito da Torre de Babel... a cultura seria comum, mas depois teria sido alterada pelo fado de cada civilização.

Stanley Faber vai um pouco mais longe e afirma que os eventos que levaram à queda da Torre de Babel na planície de Shinar teriam definido um carácter marcante na evolução da humanidade, e que a "família poderosa e guerreira" que teria ganho vantagem sobre os seus irmãos, nunca teria deixado de exercer a superioridade até ao presente:
(...) In short, the events, which occurred in the plain of Shinar, have stamped a character upon the whole mass of mankind that remains vividly impressed even to modern times. The powerful and martial family, that once obtained a decided preeminence of their bethren, have never down to the present hour, ceased with a strong hand to vindicate their superiority.
No fundo, isto seria a tradicional teoria da sequência de impérios ou monarquias, reduzindo-a a um único império definido em Babel, por Nimrod, ou seja também, com outros nomes, o simbolizado gigante caçador Órion (ou Orionte), Nembroth ou Amraphal, já identificado a Hamurabi.

Isaac Cody procura estabelecer uma linha semelhante e vê um ponto comum na designação "Cita", que se aplicaria a uma boa parte de povos em diversas nações. Ora o nome "citas" é em grego Σκύθης ou Skythes, que se poderia ler entre nós como "Escutes" em vez de Citas. E é claro que isto lembra algo (não as SCUTS, nem os Escutas... mas enfim há sempre escutas), lembra os Escotos, ou seja o Escoceses, que tanto se orgulhavam da sua ascendência, que remontaria afinal à nobreza Cita. Não é preciso falar mais de ritos escoceses, que isso levar-nos-ia a ter que partir pedra, e ainda estamos algo livres dessas pedreiras.

Como temos vindo a referir, e é aqui claro nestes autores, parece haver uma manutenção da estrutura de poder desde o tempo mítico da Torre de Babel. A sua visibilidade é apenas aparente... usa as estruturas de poder visíveis, mas a sua acção foi sempre dissimulada. Parece ter visado mais influenciar o curso dos acontecimentos do que ser um dos seus protagonistas registados - guardará os registos, certamente, em colecções privadas.
Pouco interessa o folclore, grande parte da análise está feita, entretemo-nos agora apenas com os detalhes.
Sobre o que interessa, e que limita exactamente as coisas, disso falaremos noutra altura.


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publicado às 07:58

7) Sanchoniato - a mitologia fenícia
Há poucas referências a Sanchoniato, um historiador fenício, mas foi alvo de atenção no Séc. XIX, e nos livros "Ancient Fragments..." de Isaac Cory, que já mencionámos e também nas obras de G. Stanley Faber, por exemplo "A dissertation on the mysteries of the Cabiri", trata-se de um autor crucial.
Porquê? Porque seria basicamente uma das únicas referências que existiam à época que não surgiam da tradição judaico-cristã ou greco-romana (outra seria a de Beroso, sobre os assírios-caldeus, de que já falámos). A obra tinha sido traduzida para grego por Philo de Byblos, e chegado mais uma vez através de Eusébio de Cesaréia.

Stanley Faber tem um esquema simplificado das divindades que Sanchoniato refere na sua cosmogonia.
Começa por fazer um paralelismo com a descrição hebraica/mosaica (de Moisés), desde o primeiro homem:
Paralelo entre os primeiros homens segundo Sanconiato e Moisés (visto por Faber)

Sanchoniato atribui ao vento (Colpias) e à noite (Baau) a origem de dois mortais - Eon e Protogonos.
Acrescenta que Eon (~Eva) descobriu que poderia comer frutos das árvores. 
Destes dois nasceriam Genus e Genea que viviam na Fenícia (como não poderia deixar de ser...) e que rogavam ao Sol (Beelsamin, similar a Zeus) para terminar as secas.
A terceira geração tinha Fos, Pyr e Flox que descobriram a produção de fogo esfregando paus, e ensinaram os homens (... faltaria perguntar é quem eram afinal essoutros?).
Estes tiveram filhos muito altos, a quem foram dados os nomes de montanhas das redondezas - Cassius, Libano, Antilibano e Brathu.
Seguem-se Memrumus, Usous e Hypsuranius, que Sanchoniato detalha serem filhos dos anteriores e de suas mães... explicando isso pela escassez de população. Acrescenta que Hypsuranius habitava Tiro e inventara o papiro, tendo ficado inimigo do irmão Usous, que inventara vestes de pele... Esse mesmo Usous teria sido o primeiro a aventurar-se no mar com um tronco partido numa tempestade. Por isso erigiu dois pilares ao fogo e ao vento... e os descendentes passaram a venerar os antepassados nesses pilares.
Passadas gerações, dos descendentes de Hypsuranius surgiriam Agreus e Halieus, inventores de artes de caça e pesca. Desses surgiriam Crisor, identificado a Hefesto, que descobrira e aprendera a trabalhar o ferro. Em particular fazia anzóis, e teria sido o primeiro navegador. Por isso teria adorado como deus, de nome Diamiquio. Os irmãos seriam os primeiros construtores de muros com tijolos...
Da sua descendência nasceria Technites e Geinus (inventando azulejos), e desta geração surgiria ainda Agrus, que viria a ser adorado como o maior dos Deuses na Fenícia. As casas passaram a ter pórticos e criptas, e iniciou-se a caça com cães, com Aleta e Titan. 
Daqui descendem Aminos e Magos, que ensinaram os homens a construir vilas e a cuidar de rebanhos, depois Misor e Sydic que usaram o sal (preservação de comida).

O que vemos até aqui é uma plausível descrição da sequência de descobertas/invenções humanas associada a alguns nomes fenícios. Porém, de Misor descende Taautus que tem um significado mais importante, porque o associa ao egípcio Thoth e ao grego Hermes. Já pelo lado de Sydyc vai associar os Cabiri ou Samotrácios, que teriam sido os primeiros a construir um barco completo! 
Talvez por isso, Stanley Faber vai associar essa construção à separação do dilúvio.
No entanto, Sanchoniato não se refere a nenhum dilúvio... e nisto difere profundamente da tradição assíria e hebraica. Convém aliás notar que ao mito do dilúvio de Ogyges, nos gregos, também não era dado especial relevo.

A partir daqui vai haver alguma semelhança com a descrição grega, pelo que Stanley Faber vai passar para essa comparação. Sanchoniato refere-se à descoberta de ervas medicinais e da cura de venenos, falando de  Elioun (Hypsistus) e da mulher Beruth (de onde virá o nome Beirute), que geraram Autocton (Úrano, Céu) e Ge (Terra), nomes dados pela sua beleza. O pai era o regente e teria sido morto num confronto com bestas selvagens, e o filho Urano teria recebido o trono e feito rainha a irmã Ge.
Sobre a geração seguinte, Faber esquematiza numa tabela:
Esquema das gerações fenícias de Sanconiato (por Faber)

Interessa especialmente notar que há nomes que são iguais às da mitologia grega clássica, de Hesíodo, como sejam Úrano, Cronos (Ilus), e Belus (Bal) será identificado a Júpiter/Zeus.
Porém, a perspectiva de Sanchoniato é completamente diferente da de Hesíodo.
Este Sancho "pensa" de outra forma... os deuses foram homens, elevados depois ao estatuto divino.

Nalguns aspectos há analogias. É dito que este Urano também teria tentado eliminar os filhos, e que Cronos se rebelaria contra o pai, com a ajuda de Taautus-Hermes, que ainda seria contemporâneo.
Seria nesta altura que Cronos teria fundado Biblos, com uma muralha que a cercaria, e expulsaria o irmão Atlas para uma caverna. Os aliados de Cronos seriam chamados Eloi, pelo seu nome fenício ser Ilus (ou Il, El). 
O pai continuaria a opor-se-lhe, e por outro lado Cronos decapitaria os filhos por suspeita de rebelião, acabando também por eliminar o pai, cujo sangue seria depois consagrado às fontes e rios.
A meia-irmã de Cronos, Astarte, seria sua consorte e identificada a Afrodite. Ela tomaria a cabeça de um boi como símbolo de Tiro, juntamente com um meteoro que havia recolhido.
Cronos, tomaria ainda a Ática grega e esse seria o reino de Atena (Minerva), sua filha.

Há um aspecto interessante em que Cronos se circuncisa em homenagem do pai, obrigando os aliados a fazer o mesmo. Finalmente, esta descrição de Sanchoniato (que é mais detalhada) termina com a atribuição do Egipto a Taautus por Cronos, que adopta um símbolo de 4 olhos, à frente e atrás da cabeça!
Por outro lado, Taautus (Thoth) tomaria como símbolo a serpente, ao representar um espírito que se move sem membros, podendo ter várias formas, inclusivé espiral, pela sua longevidade e capacidade renovadora (mudança de pele, e consumir-se no final de vida).

Falta só falar do aspecto da cosmogonia fenícia de Taautus.
Tudo começaria com uma conexão entre o Caos e o Vento. Esta união seria simbolizada por um ovo rodeado por uma serpente, e dela surgiria a lama inicial Mot (ou Ilus), de onde se formaria o universo. Seria do som do trovão que distinguiria os animais inteligentes. Taautus criticaria os homens por adorarem e fazerem sacrifícios a deuses antropomórficos - o que ele atribuía à estreiteza das suas mentes.

A serpente que rodeia o ovo (o primeiro) entre outros símbolos 
do livro "The Origin of Pagan Idolatry" (Stanley Faber, 1816)


Apesar das semelhanças, notamos uma grande diferença conceptual entre fenícios e os restantes povos.
Os fenícios seriam praticamente ateus. A explicação de Taautus é um esboço de explicação natural, como terão depois alguns filósofos gregos.

8) Conjugações
Há algumas conjugações que podem ser feitas com o texto anterior sobre Beroso.
O nome Dagon (irmão de Cronos) foi também associado a Oanes, o anedoto, o homem-peixe dos assírios, e por outro lado Belus (filho de Cronos) seria venerado na Babilónia. Poderíamos ver aqui uma possível influência, ou interferência fenícia, na formação da mitologia assíria-caldeia. 

Se por um lado há muitas diferenças, por outro lado há bastantes semelhanças nas formações dos mitos.
Isaac Cody concorda com Stanley Faber, citando-o desta forma:
                     - (...) as to render untenable every other hypothesis than this: "that they must all have originated from some common source" 
Portanto estes estudiosos partilhavam da ideia que os pontos comuns sugeriam que todos os mitos teriam partido da mesma raiz comum, e davam explicações possíveis:
- todas as nações tinham concordado pacificamente numa mesma fonte, ou esta lhes tinha sido imposta, ou ainda que todas as nações tinham vindo de uma cultura comum.
Esta última hipótese levava naturalmente ao mito da Torre de Babel... a cultura seria comum, mas depois teria sido alterada pelo fado de cada civilização.

Stanley Faber vai um pouco mais longe e afirma que os eventos que levaram à queda da Torre de Babel na planície de Shinar teriam definido um carácter marcante na evolução da humanidade, e que a "família poderosa e guerreira" que teria ganho vantagem sobre os seus irmãos, nunca teria deixado de exercer a superioridade até ao presente:
(...) In short, the events, which occurred in the plain of Shinar, have stamped a character upon the whole mass of mankind that remains vividly impressed even to modern times. The powerful and martial family, that once obtained a decided preeminence of their bethren, have never down to the present hour, ceased with a strong hand to vindicate their superiority.
No fundo, isto seria a tradicional teoria da sequência de impérios ou monarquias, reduzindo-a a um único império definido em Babel, por Nimrod, ou seja também, com outros nomes, o simbolizado gigante caçador Órion (ou Orionte), Nembroth ou Amraphal, já identificado a Hamurabi.

Isaac Cody procura estabelecer uma linha semelhante e vê um ponto comum na designação "Cita", que se aplicaria a uma boa parte de povos em diversas nações. Ora o nome "citas" é em grego Σκύθης ou Skythes, que se poderia ler entre nós como "Escutes" em vez de Citas. E é claro que isto lembra algo (não as SCUTS, nem os Escutas... mas enfim há sempre escutas), lembra os Escotos, ou seja o Escoceses, que tanto se orgulhavam da sua ascendência, que remontaria afinal à nobreza Cita. Não é preciso falar mais de ritos escoceses, que isso levar-nos-ia a ter que partir pedra, e ainda estamos algo livres dessas pedreiras.

Como temos vindo a referir, e é aqui claro nestes autores, parece haver uma manutenção da estrutura de poder desde o tempo mítico da Torre de Babel. A sua visibilidade é apenas aparente... usa as estruturas de poder visíveis, mas a sua acção foi sempre dissimulada. Parece ter visado mais influenciar o curso dos acontecimentos do que ser um dos seus protagonistas registados - guardará os registos, certamente, em colecções privadas.
Pouco interessa o folclore, grande parte da análise está feita, entretemo-nos agora apenas com os detalhes.
Sobre o que interessa, e que limita exactamente as coisas, disso falaremos noutra altura.


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publicado às 07:58

Nota de Rodopé (bis)
Começamos com mais uma "Nota de Rodopé"... 
Já tínhamos falado de Rodopé, a propósito da fábulas de Esopo e de Perrault. 

Faltou-nos uma história de "sapatinho rosa-dourado"... de uma escrava grega, que apreciada pelo seu senhor recebe os tais sapatinhos, causando inveja nas outras escravas... que a sobrecarregam de trabalho!
Acontece que o faraó Amásis II convida todos para uma festa em Mênfis, mas a pobre escrava não pode ir... é sobrecarregada com trabalho pelas outras invejosas! 
Lembra uma história de gata borralheira... e enquanto a festa decorre em Mênfis (só faltaria ter a actuação de algum Elvis...), a pobre escrava, ao lavar a roupa, molha os chinelos. 
Pior, quando os deixa ao sol a secar, um pássaro pega num e foge com ele.
Porém, o pássaro era afinal o deus Hórus, que deixa cair o chinelo em frente a Amásis II.
Tomando tal sinal divino evidente, o faraó procura a donzela que tenha o outro chinelo rosa-dourado. Acaba por encontrar a escrava... essa escrava é Cinderela?... Não, é Rodopé!
  
Ponte Diavolski, Bulgaria - Montes Rodopé (Trácia)... e o sapato de Cinderela.

Parecerá de facto, a história da Cinderela, mas de quem? 
De Esopo, de Estrabão, de Perrault, dos Irmãos Grimm, ou de Disney?
Bom, parece que também há uma versão chinesa - com Ye Xian, que perde um sapatinho dourado, e também tem uma madrasta malvada. É sabida a importância que os chineses davam aos pés pequenos, por isso esta história é também antiga - encontra-se numa compilação do Séc. IX d.C. (ver também aqui).

Encontrei, por mero acaso, mais esta "nota de Rodopé". 
Não era sobre isso que queria falar. Mas, aparecendo contada por Estrabão, convirá situar a época. 
Rodopé tal como Spartacus seriam escravos da Trácia. A brutal repressão romana à revolta de Spartacus ainda estaria fresca na memória dos gregos, e não podendo falar de Spartacus, talvez ocorresse a Estrabão falar de Rodopé, enquanto símbolo escravo da vizinha Trácia.
Se o grego Esopo atribuíra a Rodopé uma das pirâmides egípcias, o grego Estrabão iria dar-lhe um pé, que colocaria, através de Hórus, ao lado do poder divino faraónico. 
Se o pé do trácio Spartacus, como o de mais 30 mil escravos, foi pregado numa cruz na Via Ápia, houve poucas décadas depois outro pé onde tal cruz ficou imortalizada, com uma Roma rendida a esse símbolo.

4) O declínio egípcio
Amásis II - o faraó que escolheria o pé de Rodopé - seria o último grande faraó egípcio. A partir daí, de Rodopé ficaria essencialmente um Canto, um canto de arquitectos e poetas. 
Logo a seguir à morte de Amásis II os egípcios iriam cair sob domínio persa, do Império Aqueménida, ficando como uma província (isto, à excepção de um curto período, onde por alguns anos a capital será a cidade egípcia de Mendes - XIX dinastia).

Se a civilização egípcia consegue resistir ao primeiro Império, ou primeira monarquia Assíria, o mesmo já não se passará na transição para o segundo Império, quando Medos, Caldeus e Persas passam o poder da velha capital assíria de Nínive para a Babilónia, e depois Persépolis.
Já falámos da descrição de Figueiredo que fazia a divisão em 7 monarquias em vez de 4 impérios.
Quando se fala na mitologia do "Quinto Império", há em comum a primeira monarquia iniciada com os Assírios, por Nimrod ou Nembroth (associado à Torre de Babel e à capital Nínive).
Após a queda assíria, com Assurbanípal, ou Sardanapalo, o segundo império de Medos e Caldeus, começaria na Babilónia, e ficaria marcado por Nabucodonosor, em particular pelo registo bíblico da deportação hebraica, que terminaria com a ascensão persa de Ciro (560-530 a.C), a quem Figueiredo associa a terceira monarquia, persa, que só seria deposta por Alexandre Magno, marcando também o fim do segundo império. O terceiro império será macedónio-grego, a que se seguiria o quarto, de Roma.

O declínio egípicio, a ascensão de Nabucodonosor, e depois de Ciro, no Séc. VI a.C. vai produzir uma significativa mudança global. É dessa época que nos vão chegar os antigos registos históricos, míticos e religiosos... notando que são contemporâneos, ou posteriores ao "grande" Ciro, os "veneráveis": 
- Sete Sábios Gregos (em particular, Sólon, ou antes Tales de Mileto, 624 a 554 a.C) 
- Buda, ou Sidarta Gautama (563 a 483 a.C), 
- Confúcio, ou Kung Fu Tziu (551 a 479 a.C).

O ponto principal é que é nesta época que se definem os registos que passam para as gerações seguintes.
O caso mais emblemático será a confusão hebraica-judaica. É reconhecido que quando Ciro recoloca hebreus e judeus no mesmo "território de origem" já se teria perdido grande parte da cultura pelo período no cativeiro da Babilónia... onde choraram por Sião. Até a língua hebraica seria estranha aos judeus, pelo que a recuperação bíblica será feita com a ajuda dos magos persas - os seus antigos captores.
Não será assim tão estranho que haja muitos pontos comuns entre os registos míticos babilónicos e aqueles que serão depois adoptados pelos judeus. 

Por outro lado, ainda antes do declínio, fica claro que há uma aproximação entre egípcios e gregos.
Sólon, um dos Sete Sábios Gregos do Séc. VI a.C. procura informações no Egipto... em particular será aí que terá o registo da Atlântida, que depois será contado por Platão. 
O aparecimento da cultura grega não pode ser desligado dessa clara influência egípcia, que assim procura uma oposição à expansão persa. O Egipto acabará por retomar o seu protagonismo através deste investimento, pela importância que a dinastia Ptolomaica de Alexandria assumirá até à queda de Cleópatra. 

A tragédia que envolve Júlio César, Cleópatra, Marco António e Augusto Octávio, é uma história que assinala a luta de poder na transição entre o 3º Império sediado em Alexandria e a passagem para o 4º Império sediado em Roma.
Não será imediata, pois mesmo durante o período romano, Alexandria com a sua Biblioteca continuará a ser o principal pólo de conhecimento da Antiguidade. Será apenas com a chegada de Constantino, e a consagração de Bizâncio, que Alexandria perderia a sua importância como capital oriental, entrando em declinio até à conquista árabe.

Se notamos uma influência egípcia na formação filosófica e científica grega, também podemos ver alguma exportação filosófica para Oriente. Em muitos aspectos encontramos noções da filosofia de Hermes ou de Zoroastro nas reflexões budistas, confucianas ou taoístas.  Nota-se uma mudança significativa na forma, mas há muitos pontos comuns no conteúdo, que passam por quase todas as filosofias e religiões.

5) Beroso - Anedotos e Caldeus
Há vários relatos sobre Beroso, mas a sua história dos Caldeus só teria chegado parcialmente através de alguns relatos de Eusébio. Encontrámos um notável trabalho de Isaac Cory que nos dá uma tradução em inglês das citações de Eusébio, e das passagens atribuídas a Beroso (Berossus).
Começamos por esta:
(...) then Ammenon the Chaldean, in whose time appeared the Musarus Oannes the Annedotus from the Erythrean sea.
Quem era esta abominação "Joanes, Anedoto do Mar Vermelho"? 
- Os anedotos eram homens-peixe!
Parecerá "anedota", mas estes "anedotos" eram apresentados como se estivessem "vestidos de peixe", vendo-se os pés, e a cabeça na posição das guelras, assim:
 
Dois Anedotos - Homens Peixe... (imagem) e um enorme bacalhau (imagem)

Se a ideia era dessa forma passarem por "homens-peixe", parece de facto "anedota", e o nome "anedoto" é apropriado. Para além de "Joanes", ou "Oanes", Beroso refere mais anedotos, sempre do Mar "Eritreu"-Vermelho, um outro teria o nome Odacon.
Num dos relatos é dito que o Anedoto conversava com os homens de dia, não comia, e ao pôr-do-sol mergulhava nas águas, onde ficava toda a noite. Parece que com esta anedota eram convencidos os assírios que ele era anfíbio... 
De qualquer forma, aprenderam dele as letras, ciências e outro tipo de artes, como das sementes e frutos. Teria ainda ensinado-os a construir casas, fundar templos, compilar leis, bem como os princípios de geometria. Os seus conhecimentos eram considerados tão universais que nada mais era necessário, tendo tornado os caldeus mais gentis e humanos.
Ao lado decidimos colocar uma imagem de um enorme bacalhau... para que se torne mais claro o que poderia ser um Anedoto ou uma anedota, um bacalhau ou uma cabala.


Não deixa de ser algo estranha esta reverência dos caldeus a esses homens-peixe, que vindos de um Mar Eritreu lhes teriam transmitido conhecimento fundamental. Já aqui referimos da ambiguidade sobre a designação "Eritreu", e de que o Mar Vermelho já foi tido e achado em lugares diferentes. Em particular, esta pesca de bacalhau poderia corresponder a uma secagem de pele noutras paragens, talvez na zona da ilha Eritreia, colocada na Iberia.

Por outro lado, um símbolo na hierarquia cristã é a Mitra, um barrete que já foi visto como perfil de cabeça de peixe. O nome "mitra" está também associado a uma religião persa que chegou a ter um destaque semelhante ao do cristianismo à época da sua implantação no Império Romano. Porém, o barrete do mitraísmo seria o barrete frígio, e não algo com uma abertura que lembra a boca de peixe, como a mitra papal.
Mitra de João XXIII.

Não é nenhuma novidade que um símbolo cristão é o peixe, mas não é convincente que tal se deva às iniciais ΙΧΘΥΣ que corresponderiam a Iesous Christos Theou Yios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador,  sendo Ichtys a palavra grega de peixe)... ou ainda a um "alfa" que tem a forma de peixe.
Se o hábito faz o monge, neste caso parece que há hábitos que vêm de longe, do fundo do mar...

6) Beroso - Dilúvio
No mesmo relato atribuído a Beroso fala-se do dilúvio. A divindade é Cronus, que aparece numa visão ao regente Xisuthrus (ou Sisithrus), avisando-o do dilúvio que destruiria a humanidade. Por isso, ele é encarregue de fazer uma história do mundo que guardaria na Cidade do Sol (ver Heliopolis) em Sippara, e de construir um navio onde levaria quem e tudo o que conseguisse, inclusivé todas as espécies de animais.
Depois, tal como na bem conhecida história de Noé, após o dilúvio, envia pássaros três vezes, até que eles não regressaram - o que significava que tinham encontrado terra firme. Num relato (via Abydenus) diz-se explicitamente que o navio se mantinha na Arménia, onde era ainda costume os habitantes fazerem pulseiras e amuletos a partir da sua madeira! (isto é visto como prova posterior da presença do barco no monte Ararat)

Nesse mesmo relato fala-se da construção de Torre de Babel, feita pelos habitantes da terra para desafiarem as alturas, contra vontade dos deuses, que através de ventos a demoliram caindo sobre os executantes, ao mesmo tempo que misturavam as diversas línguas, havendo antes apenas uma língua universal. Do desacordo teria surgido depois uma guerra entre Cronus e Titan...
A torre é colocada na Babilónia, e é dito que "para confusão é pelos Hebreus chamada Babel"...

Podemos concluir, que a menos de detalhes, e diferença de nomes, estas estórias caldeias-babilónicas do Dilúvio e de Babel são exactamente as mesmas que aparecem depois na tradição judaico-cristã. A grande diferença será o carácter monoteísta que parece associado a Cronus, eliminando referências a outros deuses ou a entidades míticas ou controversas, como o caso dos homens-peixe, os anedotos.

Será que podemos associar estes homens-peixe às figuras de sereias ou ao mito da Atlântida?
Até que ponto é que a questão do desaparecimento de uma potência atlântica não estaria ligada ao próprio mito do dilúvio?
- Afinal, havendo uma Idade do Gelo, quando essa termina para onde iria a água derretida?
- Não faria sentido considerar que o degelo teria provocado um considerável aumento da água do mar, afundando por completo povoações costeiras?
Se os gelos permanentes chegassem até ao Sul de França, como é habitualmente admitido, a retenção de água nesses gelos seria enorme, e a linha de costa seria bem diferente, estendendo-se muitos quilómetros no que hoje é Oceano. Um aquecimento do planeta teria como consequência uma catástrofe diluviana para civilizações costeiras. Só seriam sobreviventes as que assumissem algum carácter marítimo, ou que migrassem para zonas montanhosas. Essa mudança climática provocaria ainda uma mudança civilizacional, arruinando estruturas antigas, deixando perdidas várias tribos, e praticamente tudo teria que ser recomeçado.
Porém, quem sobrevivesse com a herança do passado perdido teria uma grande vantagem civilizacional face a todos os outros sobreviventes desorientados e espalhados por diversas partes, regressando à faceta de homens de cavernas.

Num dos relatos atribuído a Beroso é dito que o mesmo Oanes indicava que no início os homens teriam aparecido também com duas asas, outros com quatro asas e duas caras... podendo ser de homem e mulher.
Haveria ainda figuras humanas com cornos e pernas de cabras, outros pés de cavalo, touros com cabeça humana, etc... toda uma mistura zoológica, que teria sido desenhada no templo de Belus na Babilónia!
Não será assim de admirar que também no Egipto, por altura semelhante, tivessem aparecido representações mistas, que invocavam uma parte humana e outra parte animal... assim se constitui uma boa parte do panteão de divindades egípcias, que também foi exportada para mitos gregos.

Que propósito haveria nestes anedotos, ou nestas anedotas?...
Ou antes, como se manifestaria uma civilização mais avançada no contacto com tribos que estavam praticamente na pré-história? 
Teria paciência para fazer evoluir essas tribos para o mesmo nível? 
Aparecia como elite e tratava os restantes como servos? 
Interviria pontualmente como deuses e deixaria as tribos prosseguir a sua evolução?

Há alguns pontos na mitologia que podem ser encarados como abordagens a estas perguntas.
A civilização preponderante poderia ser encarada como um deus dominante, imortal, que decidiria sobre o futuro das civilizações que nasciam. A diferença de poder seria tal que permitiria intervir para proteger ou aniquilar civilizações emergentes. 
Neste sentido, apenas uma civilização, ou estrutura civilizacional, seria imortalizada... as outras passariam por fados, por jogos de poder, que as levariam a aniquilar-se. Não admitiria filhos... no sentido em que evitaria a competição interna com uma fonte semelhante de poder. 
Estamos perante uma figuração semelhante à de Cronos... que será deposto por Zeus.
O poder com Zeus substituiria essa dominância absoluta de Cronos, partilhando o Olimpo com os seus irmãos, numa oligarquia divina. Figurativamente, seria como substituir uma civilização dominante por uma assembleia olímpica de estruturas civilizacionais dominantes. Seria como se houvesse apenas doze tribos (o número de elementos no Olimpo) que decidissem sobre o futuro das guerras entre todas as outras... 
(ou ainda, seria como um conselho de segurança da ONU, onde cinco estados detêm o poder de veto)

De uma forma, ou de outra, não importa muito, os impérios ou monarquias que dominaram o mundo a partir dos Assírios, parecem ter tido um patrocínio externo, uma influência civilizacional superior que se constituiu como mitologia. Há quem refira os Anunnaki, o que parece ser apenas nome alternativo para a figuração dos Anedotos (um nome por interpretação cuneiforme, o outro das transcrições gregas de Beroso). 



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publicado às 02:09

Nota de Rodopé (bis)
Começamos com mais uma "Nota de Rodopé"... 
Já tínhamos falado de Rodopé, a propósito da fábulas de Esopo e de Perrault. 

Faltou-nos uma história de "sapatinho rosa-dourado"... de uma escrava grega, que apreciada pelo seu senhor recebe os tais sapatinhos, causando inveja nas outras escravas... que a sobrecarregam de trabalho!
Acontece que o faraó Amásis II convida todos para uma festa em Mênfis, mas a pobre escrava não pode ir... é sobrecarregada com trabalho pelas outras invejosas! 
Lembra uma história de gata borralheira... e enquanto a festa decorre em Mênfis (só faltaria ter a actuação de algum Elvis...), a pobre escrava, ao lavar a roupa, molha os chinelos. 
Pior, quando os deixa ao sol a secar, um pássaro pega num e foge com ele.
Porém, o pássaro era afinal o deus Hórus, que deixa cair o chinelo em frente a Amásis II.
Tomando tal sinal divino evidente, o faraó procura a donzela que tenha o outro chinelo rosa-dourado. Acaba por encontrar a escrava... essa escrava é Cinderela?... Não, é Rodopé!
 
Ponte Diavolski, Bulgaria - Montes Rodopé (Trácia)... e o sapato de Cinderela.

Parecerá de facto, a história da Cinderela, mas de quem? 
De Esopo, de Estrabão, de Perrault, dos Irmãos Grimm, ou de Disney?
Bom, parece que também há uma versão chinesa - com Ye Xian, que perde um sapatinho dourado, e também tem uma madrasta malvada. É sabida a importância que os chineses davam aos pés pequenos, por isso esta história é também antiga - encontra-se numa compilação do Séc. IX d.C. (ver também aqui).

Encontrei, por mero acaso, mais esta "nota de Rodopé". 
Não era sobre isso que queria falar. Mas, aparecendo contada por Estrabão, convirá situar a época. 
Rodopé tal como Spartacus seriam escravos da Trácia. A brutal repressão romana à revolta de Spartacus ainda estaria fresca na memória dos gregos, e não podendo falar de Spartacus, talvez ocorresse a Estrabão falar de Rodopé, enquanto símbolo escravo da vizinha Trácia.
Se o grego Esopo atribuíra a Rodopé uma das pirâmides egípcias, o grego Estrabão iria dar-lhe um pé, que colocaria, através de Hórus, ao lado do poder divino faraónico. 
Se o pé do trácio Spartacus, como o de mais 30 mil escravos, foi pregado numa cruz na Via Ápia, houve poucas décadas depois outro pé onde tal cruz ficou imortalizada, com uma Roma rendida a esse símbolo.

4) O declínio egípcio
Amásis II - o faraó que escolheria o pé de Rodopé - seria o último grande faraó egípcio. A partir daí, de Rodopé ficaria essencialmente um Canto, um canto de arquitectos e poetas. 
Logo a seguir à morte de Amásis II os egípcios iriam cair sob domínio persa, do Império Aqueménida, ficando como uma província (isto, à excepção de um curto período, onde por alguns anos a capital será a cidade egípcia de Mendes - XIX dinastia).

Se a civilização egípcia consegue resistir ao primeiro Império, ou primeira monarquia Assíria, o mesmo já não se passará na transição para o segundo Império, quando Medos, Caldeus e Persas passam o poder da velha capital assíria de Nínive para a Babilónia, e depois Persépolis.
Já falámos da descrição de Figueiredo que fazia a divisão em 7 monarquias em vez de 4 impérios.
Quando se fala na mitologia do "Quinto Império", há em comum a primeira monarquia iniciada com os Assírios, por Nimrod ou Nembroth (associado à Torre de Babel e à capital Nínive).
Após a queda assíria, com Assurbanípal, ou Sardanapalo, o segundo império de Medos e Caldeus, começaria na Babilónia, e ficaria marcado por Nabucodonosor, em particular pelo registo bíblico da deportação hebraica, que terminaria com a ascensão persa de Ciro (560-530 a.C), a quem Figueiredo associa a terceira monarquia, persa, que só seria deposta por Alexandre Magno, marcando também o fim do segundo império. O terceiro império será macedónio-grego, a que se seguiria o quarto, de Roma.

O declínio egípicio, a ascensão de Nabucodonosor, e depois de Ciro, no Séc. VI a.C. vai produzir uma significativa mudança global. É dessa época que nos vão chegar os antigos registos históricos, míticos e religiosos... notando que são contemporâneos, ou posteriores ao "grande" Ciro, os "veneráveis": 
- Sete Sábios Gregos (em particular, Sólon, ou antes Tales de Mileto, 624 a 554 a.C) 
- Buda, ou Sidarta Gautama (563 a 483 a.C), 
- Confúcio, ou Kung Fu Tziu (551 a 479 a.C).

O ponto principal é que é nesta época que se definem os registos que passam para as gerações seguintes.
O caso mais emblemático será a confusão hebraica-judaica. É reconhecido que quando Ciro recoloca hebreus e judeus no mesmo "território de origem" já se teria perdido grande parte da cultura pelo período no cativeiro da Babilónia... onde choraram por Sião. Até a língua hebraica seria estranha aos judeus, pelo que a recuperação bíblica será feita com a ajuda dos magos persas - os seus antigos captores.
Não será assim tão estranho que haja muitos pontos comuns entre os registos míticos babilónicos e aqueles que serão depois adoptados pelos judeus. 

Por outro lado, ainda antes do declínio, fica claro que há uma aproximação entre egípcios e gregos.
Sólon, um dos Sete Sábios Gregos do Séc. VI a.C. procura informações no Egipto... em particular será aí que terá o registo da Atlântida, que depois será contado por Platão. 
O aparecimento da cultura grega não pode ser desligado dessa clara influência egípcia, que assim procura uma oposição à expansão persa. O Egipto acabará por retomar o seu protagonismo através deste investimento, pela importância que a dinastia Ptolomaica de Alexandria assumirá até à queda de Cleópatra. 

A tragédia que envolve Júlio César, Cleópatra, Marco António e Augusto Octávio, é uma história que assinala a luta de poder na transição entre o 3º Império sediado em Alexandria e a passagem para o 4º Império sediado em Roma.
Não será imediata, pois mesmo durante o período romano, Alexandria com a sua Biblioteca continuará a ser o principal pólo de conhecimento da Antiguidade. Será apenas com a chegada de Constantino, e a consagração de Bizâncio, que Alexandria perderia a sua importância como capital oriental, entrando em declinio até à conquista árabe.

Se notamos uma influência egípcia na formação filosófica e científica grega, também podemos ver alguma exportação filosófica para Oriente. Em muitos aspectos encontramos noções da filosofia de Hermes ou de Zoroastro nas reflexões budistas, confucianas ou taoístas.  Nota-se uma mudança significativa na forma, mas há muitos pontos comuns no conteúdo, que passam por quase todas as filosofias e religiões.

5) Beroso - Anedotos e Caldeus
Há vários relatos sobre Beroso, mas a sua história dos Caldeus só teria chegado parcialmente através de alguns relatos de Eusébio. Encontrámos um notável trabalho de Isaac Cory que nos dá uma tradução em inglês das citações de Eusébio, e das passagens atribuídas a Beroso (Berossus).
Começamos por esta:
(...) then Ammenon the Chaldean, in whose time appeared the Musarus Oannes the Annedotus from the Erythrean sea.
Quem era esta abominação "Joanes, Anedoto do Mar Vermelho"? 
- Os anedotos eram homens-peixe!
Parecerá "anedota", mas estes "anedotos" eram apresentados como se estivessem "vestidos de peixe", vendo-se os pés, e a cabeça na posição das guelras, assim:
 
Dois Anedotos - Homens Peixe... (imagem) e um enorme bacalhau (imagem)

Se a ideia era dessa forma passarem por "homens-peixe", parece de facto "anedota", e o nome "anedoto" é apropriado. Para além de "Joanes", ou "Oanes", Beroso refere mais anedotos, sempre do Mar "Eritreu"-Vermelho, um outro teria o nome Odacon.
Num dos relatos é dito que o Anedoto conversava com os homens de dia, não comia, e ao pôr-do-sol mergulhava nas águas, onde ficava toda a noite. Parece que com esta anedota eram convencidos os assírios que ele era anfíbio... 
De qualquer forma, aprenderam dele as letras, ciências e outro tipo de artes, como das sementes e frutos. Teria ainda ensinado-os a construir casas, fundar templos, compilar leis, bem como os princípios de geometria. Os seus conhecimentos eram considerados tão universais que nada mais era necessário, tendo tornado os caldeus mais gentis e humanos.
Ao lado decidimos colocar uma imagem de um enorme bacalhau... para que se torne mais claro o que poderia ser um Anedoto ou uma anedota, um bacalhau ou uma cabala.


Não deixa de ser algo estranha esta reverência dos caldeus a esses homens-peixe, que vindos de um Mar Eritreu lhes teriam transmitido conhecimento fundamental. Já aqui referimos da ambiguidade sobre a designação "Eritreu", e de que o Mar Vermelho já foi tido e achado em lugares diferentes. Em particular, esta pesca de bacalhau poderia corresponder a uma secagem de pele noutras paragens, talvez na zona da ilha Eritreia, colocada na Iberia.

Por outro lado, um símbolo na hierarquia cristã é a Mitra, um barrete que já foi visto como perfil de cabeça de peixe. O nome "mitra" está também associado a uma religião persa que chegou a ter um destaque semelhante ao do cristianismo à época da sua implantação no Império Romano. Porém, o barrete do mitraísmo seria o barrete frígio, e não algo com uma abertura que lembra a boca de peixe, como a mitra papal.
Mitra de João XXIII.

Não é nenhuma novidade que um símbolo cristão é o peixe, mas não é convincente que tal se deva às iniciais ΙΧΘΥΣ que corresponderiam a Iesous Christos Theou Yios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador,  sendo Ichtys a palavra grega de peixe)... ou ainda a um "alfa" que tem a forma de peixe.
Se o hábito faz o monge, neste caso parece que há hábitos que vêm de longe, do fundo do mar...

6) Beroso - Dilúvio
No mesmo relato atribuído a Beroso fala-se do dilúvio. A divindade é Cronus, que aparece numa visão ao regente Xisuthrus (ou Sisithrus), avisando-o do dilúvio que destruiria a humanidade. Por isso, ele é encarregue de fazer uma história do mundo que guardaria na Cidade do Sol (ver Heliopolis) em Sippara, e de construir um navio onde levaria quem e tudo o que conseguisse, inclusivé todas as espécies de animais.
Depois, tal como na bem conhecida história de Noé, após o dilúvio, envia pássaros três vezes, até que eles não regressaram - o que significava que tinham encontrado terra firme. Num relato (via Abydenus) diz-se explicitamente que o navio se mantinha na Arménia, onde era ainda costume os habitantes fazerem pulseiras e amuletos a partir da sua madeira! (isto é visto como prova posterior da presença do barco no monte Ararat)

Nesse mesmo relato fala-se da construção de Torre de Babel, feita pelos habitantes da terra para desafiarem as alturas, contra vontade dos deuses, que através de ventos a demoliram caindo sobre os executantes, ao mesmo tempo que misturavam as diversas línguas, havendo antes apenas uma língua universal. Do desacordo teria surgido depois uma guerra entre Cronus e Titan...
A torre é colocada na Babilónia, e é dito que "para confusão é pelos Hebreus chamada Babel"...

Podemos concluir, que a menos de detalhes, e diferença de nomes, estas estórias caldeias-babilónicas do Dilúvio e de Babel são exactamente as mesmas que aparecem depois na tradição judaico-cristã. A grande diferença será o carácter monoteísta que parece associado a Cronus, eliminando referências a outros deuses ou a entidades míticas ou controversas, como o caso dos homens-peixe, os anedotos.

Será que podemos associar estes homens-peixe às figuras de sereias ou ao mito da Atlântida?
Até que ponto é que a questão do desaparecimento de uma potência atlântica não estaria ligada ao próprio mito do dilúvio?
- Afinal, havendo uma Idade do Gelo, quando essa termina para onde iria a água derretida?
- Não faria sentido considerar que o degelo teria provocado um considerável aumento da água do mar, afundando por completo povoações costeiras?
Se os gelos permanentes chegassem até ao Sul de França, como é habitualmente admitido, a retenção de água nesses gelos seria enorme, e a linha de costa seria bem diferente, estendendo-se muitos quilómetros no que hoje é Oceano. Um aquecimento do planeta teria como consequência uma catástrofe diluviana para civilizações costeiras. Só seriam sobreviventes as que assumissem algum carácter marítimo, ou que migrassem para zonas montanhosas. Essa mudança climática provocaria ainda uma mudança civilizacional, arruinando estruturas antigas, deixando perdidas várias tribos, e praticamente tudo teria que ser recomeçado.
Porém, quem sobrevivesse com a herança do passado perdido teria uma grande vantagem civilizacional face a todos os outros sobreviventes desorientados e espalhados por diversas partes, regressando à faceta de homens de cavernas.

Num dos relatos atribuído a Beroso é dito que o mesmo Oanes indicava que no início os homens teriam aparecido também com duas asas, outros com quatro asas e duas caras... podendo ser de homem e mulher.
Haveria ainda figuras humanas com cornos e pernas de cabras, outros pés de cavalo, touros com cabeça humana, etc... toda uma mistura zoológica, que teria sido desenhada no templo de Belus na Babilónia!
Não será assim de admirar que também no Egipto, por altura semelhante, tivessem aparecido representações mistas, que invocavam uma parte humana e outra parte animal... assim se constitui uma boa parte do panteão de divindades egípcias, que também foi exportada para mitos gregos.

Que propósito haveria nestes anedotos, ou nestas anedotas?...
Ou antes, como se manifestaria uma civilização mais avançada no contacto com tribos que estavam praticamente na pré-história? 
Teria paciência para fazer evoluir essas tribos para o mesmo nível? 
Aparecia como elite e tratava os restantes como servos? 
Interviria pontualmente como deuses e deixaria as tribos prosseguir a sua evolução?

Há alguns pontos na mitologia que podem ser encarados como abordagens a estas perguntas.
A civilização preponderante poderia ser encarada como um deus dominante, imortal, que decidiria sobre o futuro das civilizações que nasciam. A diferença de poder seria tal que permitiria intervir para proteger ou aniquilar civilizações emergentes. 
Neste sentido, apenas uma civilização, ou estrutura civilizacional, seria imortalizada... as outras passariam por fados, por jogos de poder, que as levariam a aniquilar-se. Não admitiria filhos... no sentido em que evitaria a competição interna com uma fonte semelhante de poder. 
Estamos perante uma figuração semelhante à de Cronos... que será deposto por Zeus.
O poder com Zeus substituiria essa dominância absoluta de Cronos, partilhando o Olimpo com os seus irmãos, numa oligarquia divina. Figurativamente, seria como substituir uma civilização dominante por uma assembleia olímpica de estruturas civilizacionais dominantes. Seria como se houvesse apenas doze tribos (o número de elementos no Olimpo) que decidissem sobre o futuro das guerras entre todas as outras... 
(ou ainda, seria como um conselho de segurança da ONU, onde cinco estados detêm o poder de veto)

De uma forma, ou de outra, não importa muito, os impérios ou monarquias que dominaram o mundo a partir dos Assírios, parecem ter tido um patrocínio externo, uma influência civilizacional superior que se constituiu como mitologia. Há quem refira os Anunnaki, o que parece ser apenas nome alternativo para a figuração dos Anedotos (um nome por interpretação cuneiforme, o outro das transcrições gregas de Beroso). 



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publicado às 02:09

Teogonias (3)

13.08.11
Um acontecimento não desprezável, e que merece a nossa atenção como "coincidência" notável é o seguinte:
- a filosofia e o saber grego apareceram após a subida ao poder de Ciro, o Grande, e consolidação do Império Aqueménida... na Pérsia!
... mas não só, aparecem ainda pouco depois - Buda, na Índia, e Confúcio, na China.
O que tinha de notável, o novo império aqueménida?
- seguia a doutrina de Zaratustra (Zoroastro), tendo como entidade suprema Mazda (Ahura).

 
(falcão que olha o oriente?... depois no zoroastrismo as águias olhavam o ocidente 
- tal como romanas, americanas, ou mesmo nazis... a  opção dupla cabeça foi Habsburgo)

Os conflitos entre gregos e persas começam justamente com esta expansão aqueménida... (e digamos que se os gregos já escreviam da esquerda para a direita, a língua avéstica fazia o contrário, como era comum à época... apenas um detalhe, como é claro!)

A questão principal é que houve conhecimento similar que foi difundido, e iluminou subitamente vários povos, nas fronteiras da expansão aqueménida, sobretudo feita por Ciro, Cambisses e Dario. É ainda nessa altura que se dá a libertação judaica, do cativeiro na Babilónia, e se recompilam os textos bíblicos. A transição do Séc. VI a.C. para o Séc. V a.C. parece ser assim uma altura de salto no conhecimento e religião.

A expressão mais notável é a grega... podemos dizer que acordam subitamente, e começam a debitar vários tratados, com uma profundidade que não parece ter paralelo anteriormente. É evidente que o conhecimento persa não está ausente, mas muito podia estar presente pelo lado dos babilónios!
Perante a invasão persa, e adopção da nova religião, o Zoroastrismo (que os sacerdotes Medos haviam combatido) era natural algum medo face ao desequilíbrio na ordem hierárquica da classe. Os magos vão ser os novos sacerdotes do zoroastrismo.

Os egípcios não conseguem fazer face ao avanço persa, mas uma Grécia ainda arcaica, acordando para o registo histórico, vai suster de forma surpreendente o embate - em proporções que são ilustradas pela defesa das Termópilas. Havia é claro, toda a Guerra de Tróia, e até uma Guerra contra os Atlantes, que passaram a fazer parte da história que se escreveu e consolidou nessa altura, onde os gregos de então se identificaram com os aqueus, nessa altura já lendas com muitos séculos ou milhares de anos.

A Grécia passou a ser lugar de embate entre duas concepções... um modelo de racionalidade e progresso, mas ao mesmo tempo um modelo místico, que não se desligava do panteão de deuses, dos oráculos, das oferendas, das decisões tomadas pelas entranhas ou voo dos pássaros.
Levantamos a hipótese de a Grécia ser ainda um campo externo de uma guerra interna que se passava no Império Aqueménida... entre os novos magos do zoroastrismo, e os antigos sacerdotes babilónios. Os primeiros procuravam que os gregos aderissem ao império e à filosofia de Zaratustra, os segundos quereriam a resistência grega, como forma de segurar a expansão e voltar ao culto dos velhos deuses. O conflito entre racionalidade e o misticismo teve o seu episódio com Sócrates e a cicuta...
Com Aristóteles e Alexandre, a defesa grega passa a ataque macedónico, e os persas são mais uma vez surpreendentemente derrotados, a ponto de perderem o império num par de anos. Porém, as políticas de Alexandre não corresponderiam exactamente ao acordo de quem tão prontamente o acolheu e inseriu. Alexandre queria ir mais longe, para além da Pérsia, e seguiria a filosofia grega... mas morreu demasiado cedo. O império estilhaçou na divisão interna entre os generais. Preparava-se um novo império, o romano, onde mais uma vez imperou o conflito entre adeptos republicanos e os da monarquia imperial.
Com o fim da República e a instalação do Império Romano terminaram as expansões territoriais significativas, e até o génio inventivo e literário começou a estagnar. O Mundus Clausus, fechado sobre os limites antigos chegou a deixar aventuras para além das Colunas de Hércules como primeiras obras de ficção científica, com reinos alienígenas e viagens à Lua (caso de Luciano de Samosata).
Se o advento cristão teve a benção dos (reis) magos, o modelo que a igreja cristã seguiu foi um modelo de casta sacerdotal, seguido por Roma e Bizâncio, após Constantino.
Ainda assim, o Império Romano seria demasiado heterogéneo, multi-racial e multi-cultural... um imperador poderia resultar de equilíbrios de forças instáveis, e raras vezes seguia a linha hereditária. Os segredos não eram tão estanques, quanto pretendido, e flutuavam numa classe demasiado vasta...
Mais eficaz seria introduzir um factor racial, fácil distintivo... a escolha recaiu sobre os godos, que ficaram encarregues de preservar uma linhagem aristocrata, que se misturasse pouco com as populações autóctones. Como sempre, se os romanos tinham um poder esmagador e conseguiram suster a divisão do Império com Aureliano, nunca conseguiram grandes progressões a norte... já estariam designados os godos/suevos como possíveis sucessores.
Ao mesmo tempo conseguia-se um retrocesso civilizacional, que caracterizou a Idade Média, e que com Carlos Magno assumiu contornos de novo império romano, perfeitamente controlado, com hierarquias e castas bem definidas... nenhum soldado passaria a general e daí a imperador, como podia acontecer em Roma. A casta tinha o modelo ariano, afinal aquele que desde o princípio estava centrado na extensa zona de influência babilónica/persa/indiana, e serviu não só na Europa, mas ainda como modelo racial no sistema de castas da Índia. Curiosamente, é ainda ariano o nome da filosofia monofisista que os godos vão adoptar, mas por nomeação de Arius de Alexandria, seu proponente.
Esta linha ariana acaba por ser derrotada sucessivamente, afinal os magos teriam confirmado o carácter divino de Jesus Cristo,  cuja vida em muitos aspectos tem analogias assinaladas com o percurso do próprio Zaratustra. O ataque ao que restava do Império Romano será feito pelos árabes. Constantinopla resiste até quando pode... e a Península Ibérica fica também embrenhada em guerras de reconquista. O Mediterrâneo antigo mar estável, fica em permanente confronto entre duas civilizações que não se falam, divergindo profundamente na questão da vinda do Messias (e de Maomé enquanto profeta). Será esse o principal foco da discórdia entre cristãos, judeus e árabes.

A Península Ibérica ficou como território ambíguo, resistiu à invasão árabe, e também ao Império de Carlos Magno, na sua derrota em Roncesvalles (haverá uma outra Roncesvalles com Napoleão).
O mais significativo nisto é que só no momento em que o Infante D. Pedro se coloca ao serviço do Imperador Sacro-Germânico é que de alguma forma os reis portugueses se sujeitam a alguma vassalagem imperial, passam a ter o direito a ter Príncipes (deixa de haver Infantes...), e as suas viagens marítimas começam a ter chancela oficial.
A Europa tem autorização de expansão, para além das fronteiras... Portugal e Espanha vão dar relevância aos Reis Magos nalgumas nomeações que vão fazer. A situação é estranha, ao ponto da Europa estar ao mesmo tempo ameaçada com a queda de Constantinopla, até Viena e Veneza, e  ameaçar o Império Otomano nas paragens orientais com a presença portuguesa no Suez, em Ormuz, etc...
As navegações ficam de novo suspensas - há territórios proibidos... e surge novo conflito ideológico.
De um lado, uma cultura protestante procurando manter um monoteísmo, e do outro lado o catolicismo abre uma quantidade enorme de devoções secundárias. O fecho da Igreja Católica usa métodos drásticos, especialmente com a Inquisição, e continua a restringir alguns territórios. O Renascimento já iniciado, que basicamente vai repiscar e republicar toda a literatura antiga, proibida, fica em perigo.
A herança que ficara em Alexandria e Constantinopla, vai passar pela Hispânia, tendo árabes e judeus como transmissores. Mas esse privilégio hispânico cai definitivamente na Guerra dos 30 anos... e o novo avanço será dado pelo lado protestante, que também vai colaborar no esquema de ocultação, mas através de instituições secretas.
Uma coisa será o poder estabelecido e visível, outra coisa completamente diferente serão os acordos entre nações. A ocultação será mantida, e voltamos ao velho problema... como evitar que os segredos ou o poder caia na mão de um cidadão que passa a imperador?
O teste maior terá sido feito na Revolução Francesa e com Napoleão. Viram-se aí os barretes frígios, mas a Verdade não se impõe num ápice sobre a "verdade social". A "verdade social" é volátil, e precisa de um farol de referência... o resultado foi caótico, onde tudo seria alvo de dúvida, e os executores passaram a executados, no Regime de Terror que se seguiu a 1789. Napoleão foi uma solução contra esse caos, mas pelo lado indesejado... julgou deter um poder absoluto, e ao coroar-se imperador, não se terá apercebido da dimensão do problema que enfrentava (aliás, tal como terá ocorrido com D. Sebastião)... o sistema aristocrático implantado deixou de o considerar como um problema, ao ponto da Conferência de Viena ter mesmo começado antes de se ter dado a Batalha de Waterloo (que definiria o seu asilo final).

Se a anterior lógica era uma lógica repressiva, dispendiosa e que abria novas brechas de conflito, a implantação monetária definiu novos executantes e um novo sistema. A "verdade social" tinha um preço, que cada nação tinha de preservar na "fabricação"... estímulos monetários, reconhecimentos, etc, tudo iria servir para garantir a preservação dos segredos. Controlando o sistema de publicação, o sistema de divulgação, a "verdade social fabricada" poderia ser mantida, criando manobras de diversão, prémios ou ameaças veladas se necessário.
Para os inseridos no sistema não há outra solução sob pena de se cair na desordem ou fraqueza... uma parte não pode abrir o jogo unilateralmente, sob pena de ser aproveitado pela outra. Após séculos de conflito, não há confiança entre as partes para que possam deixar cair a máscara - até porque ninguém vai querer aparecer como parte fraca na fotografia. Assim, a certeza aparente é a de que o sistema se deve manter, ou então que se deve ainda fechar mais. A pressão de divulgação é vista como tentativa de uns para trocarem os lugares de poder com os outros... porque tudo é sempre visto numa lógica de poder. Será difícil distinguir entre aqueles que o querem fazer sinceramente, e os que o querem fazer aparentemente, preparando a estratégia seguinte. Uns gozam com outros, de maneira explícita ou velada para a população, mas sabendo que há muitos que percebem os códigos, coisas habitualmente infantis e perversas, aprendidas em muitos séculos de diletantismo nas cortes. Esse pretenso elitismo, fruto de um preço inato de silêncio, e de ausência de liberdade, tem assim uma recompensa incompleta num estatuto artificial, sem objectivo, nem outra finalidade que não seja a preservação.
As dívidas são essencialmente dívidas à verdade, que são remetidas ao próprio povo, pela sua felicidade na ignorância, paz e soberania iludida...

É aqui que entra de novo a filosofia de Zaratustra, "o velho camelo".
Se pensarmos que somos cindidos e uma parte de nós se separa da outra, perdendo uma parte das nossas memórias, artes e faculdades de raciocínio para a parte restante, aceitaríamos ou não regressar ao ponto em que pelo menos pudéssemos trocar informação e cooperar com essa parte separada fisicamente? - Claro que sim! Porquê... porque nos lembramos dessa identificação. A menos que uma parte seja colocada em posição de ter que escolher entre si e a outra, poderia haver dúvidas... e mesmo assim, se o próprio der mais valor à sua reflexão, poderá sacrificar-se, no que normalmente se chama amor.
Essa cooperação sente-se mais facilmente em famílias, em aldeias, sem pressões e influências externas... e é claro que está mais afastada numa cidade onde a lógica competitiva ocorre todos os dias, e em várias ocasiões.

Naturalmente um objectivo estável de um universo pensante, separado em diversas componentes, será a troca sincera de informações entre essas componentes separadas. Chama-se a isso curiosidade...
Poderá pensar-se que se podem definir estratos, mas a menos que não sejam comunicantes, de nenhuma forma, uns influenciam-se aos outros, de forma indissociável.
Pode pensar-se em fechar, como protecção... mas isso só significa uma coisa - medo!
E portanto como não está aberto ao desconhecido, ficará aberto ao medo que tem dele.
Estes são alguns dos processos que o Universo usará para um objectivo muito simples - concentrar toda a informação num único ser pensante - que será resultado da junção de todos os seres pensantes, através de canais de comunicação fiáveis. Só assim poderá observar-se em plenitude, e até observar o passado... mas isso é outra história, e por enquanto seguimos adormecidos nas estorietas de quem julga que o sonho que inventa se sobreporá à realidade.

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publicado às 04:22

Teogonias (3)

13.08.11
Um acontecimento não desprezável, e que merece a nossa atenção como "coincidência" notável é o seguinte:
- a filosofia e o saber grego apareceram após a subida ao poder de Ciro, o Grande, e consolidação do Império Aqueménida... na Pérsia!
... mas não só, aparecem ainda pouco depois - Buda, na Índia, e Confúcio, na China.
O que tinha de notável, o novo império aqueménida?
- seguia a doutrina de Zaratustra (Zoroastro), tendo como entidade suprema Mazda (Ahura).

 
(falcão que olha o oriente?... depois no zoroastrismo as águias olhavam o ocidente 
- tal como romanas, americanas, ou mesmo nazis... a  opção dupla cabeça foi Habsburgo)

Os conflitos entre gregos e persas começam justamente com esta expansão aqueménida... (e digamos que se os gregos já escreviam da esquerda para a direita, a língua avéstica fazia o contrário, como era comum à época... apenas um detalhe, como é claro!)

A questão principal é que houve conhecimento similar que foi difundido, e iluminou subitamente vários povos, nas fronteiras da expansão aqueménida, sobretudo feita por Ciro, Cambisses e Dario. É ainda nessa altura que se dá a libertação judaica, do cativeiro na Babilónia, e se recompilam os textos bíblicos. A transição do Séc. VI a.C. para o Séc. V a.C. parece ser assim uma altura de salto no conhecimento e religião.

A expressão mais notável é a grega... podemos dizer que acordam subitamente, e começam a debitar vários tratados, com uma profundidade que não parece ter paralelo anteriormente. É evidente que o conhecimento persa não está ausente, mas muito podia estar presente pelo lado dos babilónios!
Perante a invasão persa, e adopção da nova religião, o Zoroastrismo (que os sacerdotes Medos haviam combatido) era natural algum medo face ao desequilíbrio na ordem hierárquica da classe. Os magos vão ser os novos sacerdotes do zoroastrismo.

Os egípcios não conseguem fazer face ao avanço persa, mas uma Grécia ainda arcaica, acordando para o registo histórico, vai suster de forma surpreendente o embate - em proporções que são ilustradas pela defesa das Termópilas. Havia é claro, toda a Guerra de Tróia, e até uma Guerra contra os Atlantes, que passaram a fazer parte da história que se escreveu e consolidou nessa altura, onde os gregos de então se identificaram com os aqueus, nessa altura já lendas com muitos séculos ou milhares de anos.

A Grécia passou a ser lugar de embate entre duas concepções... um modelo de racionalidade e progresso, mas ao mesmo tempo um modelo místico, que não se desligava do panteão de deuses, dos oráculos, das oferendas, das decisões tomadas pelas entranhas ou voo dos pássaros.
Levantamos a hipótese de a Grécia ser ainda um campo externo de uma guerra interna que se passava no Império Aqueménida... entre os novos magos do zoroastrismo, e os antigos sacerdotes babilónios. Os primeiros procuravam que os gregos aderissem ao império e à filosofia de Zaratustra, os segundos quereriam a resistência grega, como forma de segurar a expansão e voltar ao culto dos velhos deuses. O conflito entre racionalidade e o misticismo teve o seu episódio com Sócrates e a cicuta...
Com Aristóteles e Alexandre, a defesa grega passa a ataque macedónico, e os persas são mais uma vez surpreendentemente derrotados, a ponto de perderem o império num par de anos. Porém, as políticas de Alexandre não corresponderiam exactamente ao acordo de quem tão prontamente o acolheu e inseriu. Alexandre queria ir mais longe, para além da Pérsia, e seguiria a filosofia grega... mas morreu demasiado cedo. O império estilhaçou na divisão interna entre os generais. Preparava-se um novo império, o romano, onde mais uma vez imperou o conflito entre adeptos republicanos e os da monarquia imperial.
Com o fim da República e a instalação do Império Romano terminaram as expansões territoriais significativas, e até o génio inventivo e literário começou a estagnar. O Mundus Clausus, fechado sobre os limites antigos chegou a deixar aventuras para além das Colunas de Hércules como primeiras obras de ficção científica, com reinos alienígenas e viagens à Lua (caso de Luciano de Samosata).
Se o advento cristão teve a benção dos (reis) magos, o modelo que a igreja cristã seguiu foi um modelo de casta sacerdotal, seguido por Roma e Bizâncio, após Constantino.
Ainda assim, o Império Romano seria demasiado heterogéneo, multi-racial e multi-cultural... um imperador poderia resultar de equilíbrios de forças instáveis, e raras vezes seguia a linha hereditária. Os segredos não eram tão estanques, quanto pretendido, e flutuavam numa classe demasiado vasta...
Mais eficaz seria introduzir um factor racial, fácil distintivo... a escolha recaiu sobre os godos, que ficaram encarregues de preservar uma linhagem aristocrata, que se misturasse pouco com as populações autóctones. Como sempre, se os romanos tinham um poder esmagador e conseguiram suster a divisão do Império com Aureliano, nunca conseguiram grandes progressões a norte... já estariam designados os godos/suevos como possíveis sucessores.
Ao mesmo tempo conseguia-se um retrocesso civilizacional, que caracterizou a Idade Média, e que com Carlos Magno assumiu contornos de novo império romano, perfeitamente controlado, com hierarquias e castas bem definidas... nenhum soldado passaria a general e daí a imperador, como podia acontecer em Roma. A casta tinha o modelo ariano, afinal aquele que desde o princípio estava centrado na extensa zona de influência babilónica/persa/indiana, e serviu não só na Europa, mas ainda como modelo racial no sistema de castas da Índia. Curiosamente, é ainda ariano o nome da filosofia monofisista que os godos vão adoptar, mas por nomeação de Arius de Alexandria, seu proponente.
Esta linha ariana acaba por ser derrotada sucessivamente, afinal os magos teriam confirmado o carácter divino de Jesus Cristo,  cuja vida em muitos aspectos tem analogias assinaladas com o percurso do próprio Zaratustra. O ataque ao que restava do Império Romano será feito pelos árabes. Constantinopla resiste até quando pode... e a Península Ibérica fica também embrenhada em guerras de reconquista. O Mediterrâneo antigo mar estável, fica em permanente confronto entre duas civilizações que não se falam, divergindo profundamente na questão da vinda do Messias (e de Maomé enquanto profeta). Será esse o principal foco da discórdia entre cristãos, judeus e árabes.

A Península Ibérica ficou como território ambíguo, resistiu à invasão árabe, e também ao Império de Carlos Magno, na sua derrota em Roncesvalles (haverá uma outra Roncesvalles com Napoleão).
O mais significativo nisto é que só no momento em que o Infante D. Pedro se coloca ao serviço do Imperador Sacro-Germânico é que de alguma forma os reis portugueses se sujeitam a alguma vassalagem imperial, passam a ter o direito a ter Príncipes (deixa de haver Infantes...), e as suas viagens marítimas começam a ter chancela oficial.
A Europa tem autorização de expansão, para além das fronteiras... Portugal e Espanha vão dar relevância aos Reis Magos nalgumas nomeações que vão fazer. A situação é estranha, ao ponto da Europa estar ao mesmo tempo ameaçada com a queda de Constantinopla, até Viena e Veneza, e  ameaçar o Império Otomano nas paragens orientais com a presença portuguesa no Suez, em Ormuz, etc...
As navegações ficam de novo suspensas - há territórios proibidos... e surge novo conflito ideológico.
De um lado, uma cultura protestante procurando manter um monoteísmo, e do outro lado o catolicismo abre uma quantidade enorme de devoções secundárias. O fecho da Igreja Católica usa métodos drásticos, especialmente com a Inquisição, e continua a restringir alguns territórios. O Renascimento já iniciado, que basicamente vai repiscar e republicar toda a literatura antiga, proibida, fica em perigo.
A herança que ficara em Alexandria e Constantinopla, vai passar pela Hispânia, tendo árabes e judeus como transmissores. Mas esse privilégio hispânico cai definitivamente na Guerra dos 30 anos... e o novo avanço será dado pelo lado protestante, que também vai colaborar no esquema de ocultação, mas através de instituições secretas.
Uma coisa será o poder estabelecido e visível, outra coisa completamente diferente serão os acordos entre nações. A ocultação será mantida, e voltamos ao velho problema... como evitar que os segredos ou o poder caia na mão de um cidadão que passa a imperador?
O teste maior terá sido feito na Revolução Francesa e com Napoleão. Viram-se aí os barretes frígios, mas a Verdade não se impõe num ápice sobre a "verdade social". A "verdade social" é volátil, e precisa de um farol de referência... o resultado foi caótico, onde tudo seria alvo de dúvida, e os executores passaram a executados, no Regime de Terror que se seguiu a 1789. Napoleão foi uma solução contra esse caos, mas pelo lado indesejado... julgou deter um poder absoluto, e ao coroar-se imperador, não se terá apercebido da dimensão do problema que enfrentava (aliás, tal como terá ocorrido com D. Sebastião)... o sistema aristocrático implantado deixou de o considerar como um problema, ao ponto da Conferência de Viena ter mesmo começado antes de se ter dado a Batalha de Waterloo (que definiria o seu asilo final).

Se a anterior lógica era uma lógica repressiva, dispendiosa e que abria novas brechas de conflito, a implantação monetária definiu novos executantes e um novo sistema. A "verdade social" tinha um preço, que cada nação tinha de preservar na "fabricação"... estímulos monetários, reconhecimentos, etc, tudo iria servir para garantir a preservação dos segredos. Controlando o sistema de publicação, o sistema de divulgação, a "verdade social fabricada" poderia ser mantida, criando manobras de diversão, prémios ou ameaças veladas se necessário.
Para os inseridos no sistema não há outra solução sob pena de se cair na desordem ou fraqueza... uma parte não pode abrir o jogo unilateralmente, sob pena de ser aproveitado pela outra. Após séculos de conflito, não há confiança entre as partes para que possam deixar cair a máscara - até porque ninguém vai querer aparecer como parte fraca na fotografia. Assim, a certeza aparente é a de que o sistema se deve manter, ou então que se deve ainda fechar mais. A pressão de divulgação é vista como tentativa de uns para trocarem os lugares de poder com os outros... porque tudo é sempre visto numa lógica de poder. Será difícil distinguir entre aqueles que o querem fazer sinceramente, e os que o querem fazer aparentemente, preparando a estratégia seguinte. Uns gozam com outros, de maneira explícita ou velada para a população, mas sabendo que há muitos que percebem os códigos, coisas habitualmente infantis e perversas, aprendidas em muitos séculos de diletantismo nas cortes. Esse pretenso elitismo, fruto de um preço inato de silêncio, e de ausência de liberdade, tem assim uma recompensa incompleta num estatuto artificial, sem objectivo, nem outra finalidade que não seja a preservação.
As dívidas são essencialmente dívidas à verdade, que são remetidas ao próprio povo, pela sua felicidade na ignorância, paz e soberania iludida...

É aqui que entra de novo a filosofia de Zaratustra, "o velho camelo".
Se pensarmos que somos cindidos e uma parte de nós se separa da outra, perdendo uma parte das nossas memórias, artes e faculdades de raciocínio para a parte restante, aceitaríamos ou não regressar ao ponto em que pelo menos pudéssemos trocar informação e cooperar com essa parte separada fisicamente? - Claro que sim! Porquê... porque nos lembramos dessa identificação. A menos que uma parte seja colocada em posição de ter que escolher entre si e a outra, poderia haver dúvidas... e mesmo assim, se o próprio der mais valor à sua reflexão, poderá sacrificar-se, no que normalmente se chama amor.
Essa cooperação sente-se mais facilmente em famílias, em aldeias, sem pressões e influências externas... e é claro que está mais afastada numa cidade onde a lógica competitiva ocorre todos os dias, e em várias ocasiões.

Naturalmente um objectivo estável de um universo pensante, separado em diversas componentes, será a troca sincera de informações entre essas componentes separadas. Chama-se a isso curiosidade...
Poderá pensar-se que se podem definir estratos, mas a menos que não sejam comunicantes, de nenhuma forma, uns influenciam-se aos outros, de forma indissociável.
Pode pensar-se em fechar, como protecção... mas isso só significa uma coisa - medo!
E portanto como não está aberto ao desconhecido, ficará aberto ao medo que tem dele.
Estes são alguns dos processos que o Universo usará para um objectivo muito simples - concentrar toda a informação num único ser pensante - que será resultado da junção de todos os seres pensantes, através de canais de comunicação fiáveis. Só assim poderá observar-se em plenitude, e até observar o passado... mas isso é outra história, e por enquanto seguimos adormecidos nas estorietas de quem julga que o sonho que inventa se sobreporá à realidade.

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publicado às 04:22

Teogonias (3)

12.08.11
Um acontecimento não desprezável, e que merece a nossa atenção como "coincidência" notável é o seguinte:
- a filosofia e o saber grego apareceram após a subida ao poder de Ciro, o Grande, e consolidação do Império Aqueménida... na Pérsia!
... mas não só, aparecem ainda pouco depois - Buda, na Índia, e Confúcio, na China.
O que tinha de notável, o novo império aqueménida?
- seguia a doutrina de Zaratustra (Zoroastro), tendo como entidade suprema Mazda (Ahura).

 
(falcão que olha o oriente?... depois no zoroastrismo as águias olhavam o ocidente 
- tal como romanas, americanas, ou mesmo nazis... a  opção dupla cabeça foi Habsburgo)

Os conflitos entre gregos e persas começam justamente com esta expansão aqueménida... (e digamos que se os gregos já escreviam da esquerda para a direita, a língua avéstica fazia o contrário, como era comum à época... apenas um detalhe, como é claro!)

A questão principal é que houve conhecimento similar que foi difundido, e iluminou subitamente vários povos, nas fronteiras da expansão aqueménida, sobretudo feita por Ciro, Cambisses e Dario. É ainda nessa altura que se dá a libertação judaica, do cativeiro na Babilónia, e se recompilam os textos bíblicos. A transição do Séc. VI a.C. para o Séc. V a.C. parece ser assim uma altura de salto no conhecimento e religião.

A expressão mais notável é a grega... podemos dizer que acordam subitamente, e começam a debitar vários tratados, com uma profundidade que não parece ter paralelo anteriormente. É evidente que o conhecimento persa não está ausente, mas muito podia estar presente pelo lado dos babilónios!
Perante a invasão persa, e adopção da nova religião, o Zoroastrismo (que os sacerdotes Medos haviam combatido) era natural algum medo face ao desequilíbrio na ordem hierárquica da classe. Os magos vão ser os novos sacerdotes do zoroastrismo.

Os egípcios não conseguem fazer face ao avanço persa, mas uma Grécia ainda arcaica, acordando para o registo histórico, vai suster de forma surpreendente o embate - em proporções que são ilustradas pela defesa das Termópilas. Havia é claro, toda a Guerra de Tróia, e até uma Guerra contra os Atlantes, que passaram a fazer parte da história que se escreveu e consolidou nessa altura, onde os gregos de então se identificaram com os aqueus, nessa altura já lendas com muitos séculos ou milhares de anos.

A Grécia passou a ser lugar de embate entre duas concepções... um modelo de racionalidade e progresso, mas ao mesmo tempo um modelo místico, que não se desligava do panteão de deuses, dos oráculos, das oferendas, das decisões tomadas pelas entranhas ou voo dos pássaros.
Levantamos a hipótese de a Grécia ser ainda um campo externo de uma guerra interna que se passava no Império Aqueménida... entre os novos magos do zoroastrismo, e os antigos sacerdotes babilónios. Os primeiros procuravam que os gregos aderissem ao império e à filosofia de Zaratustra, os segundos quereriam a resistência grega, como forma de segurar a expansão e voltar ao culto dos velhos deuses. O conflito entre racionalidade e o misticismo teve o seu episódio com Sócrates e a cicuta...
Com Aristóteles e Alexandre, a defesa grega passa a ataque macedónico, e os persas são mais uma vez surpreendentemente derrotados, a ponto de perderem o império num par de anos. Porém, as políticas de Alexandre não corresponderiam exactamente ao acordo de quem tão prontamente o acolheu e inseriu. Alexandre queria ir mais longe, para além da Pérsia, e seguiria a filosofia grega... mas morreu demasiado cedo. O império estilhaçou na divisão interna entre os generais. Preparava-se um novo império, o romano, onde mais uma vez imperou o conflito entre adeptos republicanos e os da monarquia imperial.
Com o fim da República e a instalação do Império Romano terminaram as expansões territoriais significativas, e até o génio inventivo e literário começou a estagnar. O Mundus Clausus, fechado sobre os limites antigos chegou a deixar aventuras para além das Colunas de Hércules como primeiras obras de ficção científica, com reinos alienígenas e viagens à Lua (caso de Luciano de Samosata).
Se o advento cristão teve a benção dos (reis) magos, o modelo que a igreja cristã seguiu foi um modelo de casta sacerdotal, seguido por Roma e Bizâncio, após Constantino.
Ainda assim, o Império Romano seria demasiado heterogéneo, multi-racial e multi-cultural... um imperador poderia resultar de equilíbrios de forças instáveis, e raras vezes seguia a linha hereditária. Os segredos não eram tão estanques, quanto pretendido, e flutuavam numa classe demasiado vasta...
Mais eficaz seria introduzir um factor racial, fácil distintivo... a escolha recaiu sobre os godos, que ficaram encarregues de preservar uma linhagem aristocrata, que se misturasse pouco com as populações autóctones. Como sempre, se os romanos tinham um poder esmagador e conseguiram suster a divisão do Império com Aureliano, nunca conseguiram grandes progressões a norte... já estariam designados os godos/suevos como possíveis sucessores.
Ao mesmo tempo conseguia-se um retrocesso civilizacional, que caracterizou a Idade Média, e que com Carlos Magno assumiu contornos de novo império romano, perfeitamente controlado, com hierarquias e castas bem definidas... nenhum soldado passaria a general e daí a imperador, como podia acontecer em Roma. A casta tinha o modelo ariano, afinal aquele que desde o princípio estava centrado na extensa zona de influência babilónica/persa/indiana, e serviu não só na Europa, mas ainda como modelo racial no sistema de castas da Índia. Curiosamente, é ainda ariano o nome da filosofia monofisista que os godos vão adoptar, mas por nomeação de Arius de Alexandria, seu proponente.
Esta linha ariana acaba por ser derrotada sucessivamente, afinal os magos teriam confirmado o carácter divino de Jesus Cristo,  cuja vida em muitos aspectos tem analogias assinaladas com o percurso do próprio Zaratustra. O ataque ao que restava do Império Romano será feito pelos árabes. Constantinopla resiste até quando pode... e a Península Ibérica fica também embrenhada em guerras de reconquista. O Mediterrâneo antigo mar estável, fica em permanente confronto entre duas civilizações que não se falam, divergindo profundamente na questão da vinda do Messias (e de Maomé enquanto profeta). Será esse o principal foco da discórdia entre cristãos, judeus e árabes.

A Península Ibérica ficou como território ambíguo, resistiu à invasão árabe, e também ao Império de Carlos Magno, na sua derrota em Roncesvalles (haverá uma outra Roncesvalles com Napoleão).
O mais significativo nisto é que só no momento em que o Infante D. Pedro se coloca ao serviço do Imperador Sacro-Germânico é que de alguma forma os reis portugueses se sujeitam a alguma vassalagem imperial, passam a ter o direito a ter Príncipes (deixa de haver Infantes...), e as suas viagens marítimas começam a ter chancela oficial.
A Europa tem autorização de expansão, para além das fronteiras... Portugal e Espanha vão dar relevância aos Reis Magos nalgumas nomeações que vão fazer. A situação é estranha, ao ponto da Europa estar ao mesmo tempo ameaçada com a queda de Constantinopla, até Viena e Veneza, e  ameaçar o Império Otomano nas paragens orientais com a presença portuguesa no Suez, em Ormuz, etc...
As navegações ficam de novo suspensas - há territórios proibidos... e surge novo conflito ideológico.
De um lado, uma cultura protestante procurando manter um monoteísmo, e do outro lado o catolicismo abre uma quantidade enorme de devoções secundárias. O fecho da Igreja Católica usa métodos drásticos, especialmente com a Inquisição, e continua a restringir alguns territórios. O Renascimento já iniciado, que basicamente vai repiscar e republicar toda a literatura antiga, proibida, fica em perigo.
A herança que ficara em Alexandria e Constantinopla, vai passar pela Hispânia, tendo árabes e judeus como transmissores. Mas esse privilégio hispânico cai definitivamente na Guerra dos 30 anos... e o novo avanço será dado pelo lado protestante, que também vai colaborar no esquema de ocultação, mas através de instituições secretas.
Uma coisa será o poder estabelecido e visível, outra coisa completamente diferente serão os acordos entre nações. A ocultação será mantida, e voltamos ao velho problema... como evitar que os segredos ou o poder caia na mão de um cidadão que passa a imperador?
O teste maior terá sido feito na Revolução Francesa e com Napoleão. Viram-se aí os barretes frígios, mas a Verdade não se impõe num ápice sobre a "verdade social". A "verdade social" é volátil, e precisa de um farol de referência... o resultado foi caótico, onde tudo seria alvo de dúvida, e os executores passaram a executados, no Regime de Terror que se seguiu a 1789. Napoleão foi uma solução contra esse caos, mas pelo lado indesejado... julgou deter um poder absoluto, e ao coroar-se imperador, não se terá apercebido da dimensão do problema que enfrentava (aliás, tal como terá ocorrido com D. Sebastião)... o sistema aristocrático implantado deixou de o considerar como um problema, ao ponto da Conferência de Viena ter mesmo começado antes de se ter dado a Batalha de Waterloo (que definiria o seu asilo final).

Se a anterior lógica era uma lógica repressiva, dispendiosa e que abria novas brechas de conflito, a implantação monetária definiu novos executantes e um novo sistema. A "verdade social" tinha um preço, que cada nação tinha de preservar na "fabricação"... estímulos monetários, reconhecimentos, etc, tudo iria servir para garantir a preservação dos segredos. Controlando o sistema de publicação, o sistema de divulgação, a "verdade social fabricada" poderia ser mantida, criando manobras de diversão, prémios ou ameaças veladas se necessário.
Para os inseridos no sistema não há outra solução sob pena de se cair na desordem ou fraqueza... uma parte não pode abrir o jogo unilateralmente, sob pena de ser aproveitado pela outra. Após séculos de conflito, não há confiança entre as partes para que possam deixar cair a máscara - até porque ninguém vai querer aparecer como parte fraca na fotografia. Assim, a certeza aparente é a de que o sistema se deve manter, ou então que se deve ainda fechar mais. A pressão de divulgação é vista como tentativa de uns para trocarem os lugares de poder com os outros... porque tudo é sempre visto numa lógica de poder. Será difícil distinguir entre aqueles que o querem fazer sinceramente, e os que o querem fazer aparentemente, preparando a estratégia seguinte. Uns gozam com outros, de maneira explícita ou velada para a população, mas sabendo que há muitos que percebem os códigos, coisas habitualmente infantis e perversas, aprendidas em muitos séculos de diletantismo nas cortes. Esse pretenso elitismo, fruto de um preço inato de silêncio, e de ausência de liberdade, tem assim uma recompensa incompleta num estatuto artificial, sem objectivo, nem outra finalidade que não seja a preservação.
As dívidas são essencialmente dívidas à verdade, que são remetidas ao próprio povo, pela sua felicidade na ignorância, paz e soberania iludida...

É aqui que entra de novo a filosofia de Zaratustra, "o velho camelo".
Se pensarmos que somos cindidos e uma parte de nós se separa da outra, perdendo uma parte das nossas memórias, artes e faculdades de raciocínio para a parte restante, aceitaríamos ou não regressar ao ponto em que pelo menos pudéssemos trocar informação e cooperar com essa parte separada fisicamente? - Claro que sim! Porquê... porque nos lembramos dessa identificação. A menos que uma parte seja colocada em posição de ter que escolher entre si e a outra, poderia haver dúvidas... e mesmo assim, se o próprio der mais valor à sua reflexão, poderá sacrificar-se, no que normalmente se chama amor.
Essa cooperação sente-se mais facilmente em famílias, em aldeias, sem pressões e influências externas... e é claro que está mais afastada numa cidade onde a lógica competitiva ocorre todos os dias, e em várias ocasiões.

Naturalmente um objectivo estável de um universo pensante, separado em diversas componentes, será a troca sincera de informações entre essas componentes separadas. Chama-se a isso curiosidade...
Poderá pensar-se que se podem definir estratos, mas a menos que não sejam comunicantes, de nenhuma forma, uns influenciam-se aos outros, de forma indissociável.
Pode pensar-se em fechar, como protecção... mas isso só significa uma coisa - medo!
E portanto como não está aberto ao desconhecido, ficará aberto ao medo que tem dele.
Estes são alguns dos processos que o Universo usará para um objectivo muito simples - concentrar toda a informação num único ser pensante - que será resultado da junção de todos os seres pensantes, através de canais de comunicação fiáveis. Só assim poderá observar-se em plenitude, e até observar o passado... mas isso é outra história, e por enquanto seguimos adormecidos nas estorietas de quem julga que o sonho que inventa se sobreporá à realidade.

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