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Este apontamento resulta de várias coisas.
Primeiro, porque fui ver a razão pela qual a corte portuguesa de D. João VI teria tido que vender o diamante "Espelho de Portugal", uma valiosa pedra referida pelo José Manuel e Maria da Fonte, em comentários anteriores. 
Por esse lado, chega-se imediatamente à Guerra das Laranjas, e à perda de Olivença para os espanhóis. 
Porém, não sou daqueles que se satisfaça com um nome desses, quando a estorieta remete para um ramo de laranjeira numa carta que Godoy envia para a rainha espanhola.

Ora, quando se começa a ler outras coisas, começam a aparecer outros personagens, outras estórias, outras ligações... e rapidamente fico com uma dezena de tópicos em aberto. 
Um desses tópicos foi o dos Marotos...
Começa com um relato no jornal Ecco, que compara Maroto a Dumouriez.
Trata-se do espanhol Rafael Maroto
Ser comparado ao "traidor" Ch. Dumouriez não era nada de elogioso, já que apesar de se apresentar como defensor da França Monárquica, exerceu funções importantes na França Revolucionária, mas em segredo colocava-se ao serviço da Inglaterra, onde se acabou por exilar.
Tal como o maneta general Loison ficou entre nós com a expressão associada de "ir para o Maneta", fui ver até que ponto ia a marotice de Maroto.

Maroto aparece discretamente na invasão de Godoy, da Guerra das Laranjas, mas o seu relevo será no movimento carlista, um movimento semelhante ao miguelismo em Portugal. As guerras entre liberais e absolutistas ocorreram praticamente ao mesmo tempo em Portugal e Espanha, porque, como se sabe, estas coisas aos pares compram-se mais barato. 
Vejamos as diferenças... 
- Em Portugal, a guerra civil seria entre o tio absolutista e a sobrinha liberal.
- Em Espanha, a guerra civil seria entre o tio absolutista e a sobrinha liberal.
Pois, não é por aqui que vemos as diferenças. Ah! Os nomes fazem toda a diferença:
- Em Portugal era entre Miguel e Maria filha de Pedro.
- Em Espanha era entre Carlos e Isabel filha de Fernando.
Quantas vezes houve guerras entre tios pretendentes e sobrinhas legítimas? 
Que me lembre, bem conhecidas, foram apenas estas.

Claro que estou a forçar a situação - retirando as semelhanças, as coisas ficam diferentes. Não é sempre assim?
Bom, mas uma das diferenças é que as guerras carlistas se prolongaram - houve 3 guerras. 
A segunda guerra carlista começa em 1846, com novos confrontos entre absolutistas e liberais.
Ora, em 1846, em Portugal, dava-se a revolta da Maria da Fonte, que levou a novos confrontos entre absolutistas e liberais. 
Aos pares é mais barato... mas não há duas sem três. 
E houve uma terceira guerra carlista, em 1872, mas como não há regra sem excepção, a tentativa de revolta de Saldanha tinha ocorrido em 1870.

Esta ligação ibérica não era inocente porque havia mesmo a Quádrupla Aliança, com o direito da Inglaterra e França intervirem em Espanha e Portugal. A ligação era forçada pelo exterior... porém o detalhe de ter coincidido entre tios e sobrinhas já é algo menos fácil de entender. O facto da França, completamente derrotada com Napoleão, ser depois uma útil aliada dos ingleses, sem dívidas de guerra (ao contrário dos estados ibéricos, vencedores), também é algo muito engraçado.
Também não deixa de ser engraçado que, após Waterloo, os estados ibéricos tinham sido forçados a independências das suas colónias americanas. Umas mais naturais que as outras... e como Waterloo foi relembrado em 1974, acabavam-se de seguida as colónias portuguesas em África.
Acabaram-se todas as colónias europeias na América? Quase todas... o Canadá era inglês, com tolerância à francesa Québéc. As restantes colónias, africanas e asiáticas, acabariam só depois da 2ª Guerra, e realmente Portugal em 1974 teimava ainda em não perceber isso. 
Todas? Bom, nem por isso, não é? Franceses e ingleses entenderam-se em Waterloo. Os argentinos perceberam isso nas Malvinas. Havia ainda um amor explosivo nos atóis polinésios. Amor à distância, de difícil separação. E depois do amor?

Voltamos aos Marotos.
Bascos e Catalães apareceram no conflito espanhol, do lado carlista, e Maroto jogou um papel ambíguo, dizendo-se carlista, mas sendo mais hábil a executar os seus rivais generais carlistas do que os inimigos generais liberais. Essa era a razão da tal comparação com Demeuriez, era visto como um traidor infiltrado.
Mereceria isso apenas o epíteto de "maroto"?
Pois, não me convenceu...
Procurei um pouco mais, e encontrei uma referência mais antiga, do Séc. XVI, a uns versos de Maroto, que aparentemente eram algo marotos, satirizando impropriamente passagens bíblicas. 
Quem era este Maroto? 
Era apenas Maroto na transcrição ibérica, o seu nome era Clément Marot, e ainda que seja hoje bem menos conhecido que Rabelais, os seus versos eram muito populares, dado esse carácter profano e humorado.

                    (...) não se ouvia tratar de outro, senão das novelas e contos de "Rabeles", escritos em derisão da honestidade das freiras, e da vida dos religiosos, e em desprezo da Igreja, das suas cerimónias, e das mais coisas sagradas; nem se cantava pelos campos senão os versos de Maroto, plenos também de impiedade, e desvergonha: e assim não foi muito difícil abrir as portas da heresia. Porque estes autores foram imitados por outros (...)


Passamos finalmente à Guerra das Laranjas.
Se Rafael Maroto militava nas tropas espanholas que entraram em Olivença, o personagem principal dessa história parece ser Manuel Godoy.
O ministro espanhol Manuel Godoy, vencedor da Guerra das Laranjas, 
olha a amassada bandeira portuguesa.

Parece ser... porque o nome "Guerra das Laranjas", associado à missiva de Godoy para a "amada rainha", mãe de Carlota Joaquina, parece nem ter sido muito comum no Séc. XIX.

O Ramo dos "Laranjas" tem outro significado.
Qual?... Quando temos uma caricatura de Gillray, as coisas ficam mais simples:

O cupido holandês, repousado nas fatigas de plantação dos ramos, é Willem V, da Casa Oranje-Nassau.
A plantação de muitas laranjinhas similares, vemos passar também por diversos ventres campesinos. 
Bom, mas o principal problema de Willem V foi a França de Napoleão e em 1795 acabou por fugir para Inglaterra. 
A execução de Luís XVI levou a uma declaração de guerra das monarquias europeias contra a França.
Portugal, apesar de não ter exército apto, desde a política do Marquês de Pombal, juntou-se à declaração de guerra, e com a Espanha participou na tentativa de invasão do Rossilhão, a Catalunha francesa.
Só que os tempos eram outros, e os amigos precisavam de pensar em si e em dinheiro.
Como a campanha do Rossilhão não resultou, os espanhóis de Manuel de Godoy, ministro de Fernando VII,  ficam aliados dos franceses, num tratado assinado em Aranjuez em 1801.
O sucesso militar de Napoleão veio na medida das confusões, querendo arrumar os imóveis da Europa noutra disposição. Havia distribuição de reinos, não só pelos familiares, e em particular na Itália que tinha invadido inventou o Reino da Etrúria... para lembrar os Etruscos.
Isso não diria respeito a Portugal, mas pelo Tratado de Fontainbleau, fez nova arrumação e decidiu passar o Rei da Etrúria, um Carlos Bourbon, para Entre-Douro-e-Minho, depois denominada (ao estilo da águia romana afrancesada) Lusitânia Setentrional. 
Bom, estes eram os planos que Napoleão tinha acordado com Godoy, que ficaria com o Principado dos Algarves:
 De acordo com o plano napoleónico a Lusitânia Setentrional - do Porto ao Minho, 
ficaria com as cores do Rei da Etrúria (curiosamente, o azul e branco listado do FCP).

O falhanço das invasões napoleónicas em Portugal, não concretizou nada disto, ideias que parecem ridículas, mas a dezena de anos de hegemonia francesa na Europa durou o suficiente para ser levada muito a sério. Quando a família real migrou para o Brasil em 1808, o Marquês de Abrantes ainda foi prestar vassalagem a Napoleão, tendo ficado retido com o filho em França até final do conflito. O Marquês de Abrantes passou a ser Junot, o general invasor.

A Guerra das Laranjas passa-se antes, em 1801.
Willem V está exilado na Inglaterra e procura recuperar a Holanda dominada já pelos franceses.
Há uma tentativa de reconquista do território em 1799, uma invasão Anglo-Russa comandada pelo Duque de York, no quadro da Segunda Coligação, onde a Espanha aparecia agora aliada da França.  
Com a mudança espanhola, Portugal ficava encurralado, e recusando a captura dos navios ingleses, ficava pronto a uma invasão conjunta de Espanha e França, comandada pelo próprio Manuel Godoy. 
Essa exigência naval era resultado da ameaça inglesa, após a investida na Holanda. A esquadra espanhola tinha sido destruída antes, em 1797, numa das várias Batalhas no Cabo de S. Vicente, depois a esquadra francesa será derrotada em 1805, em Trafalgar.
Por isso o problema não resultou das laranjas de Godoy, mas mais de Orange, de Willem V de Orange.

Bom, o resto é história, a que não tenho muito a acrescentar... Até que a Inglaterra decida intervir, Portugal dada a sua fragilidade militar herdada do Marquês de Pombal, vê-se forçado a aceitar a perda de Olivença, a perda de parte da Guiana, e de muito dinheiro e joias - inclusivé o tal "Espelho de Portugal", para assinar uma paz com os espanhóis. 
Há certamente muitíssimos mais detalhes, que me escapam, nem me interessam, num período complexo. 
Porém convinha aqui esclarecer este detalhe, mais porque se reporta a um período que antecede as invasões napoleónicas, e que é normalmente ignorado. O "espelho de Portugal", tivesse o que tivesse, foi apenas uma jóia perdida, entre tantos outros despojos, nomeadamente milhares e milhares de vidas que caminharam para um espelho do valor potência militar, valor efémero, mas pretendido eterno... sempre um espelho de morte.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:42

Este apontamento resulta de várias coisas.
Primeiro, porque fui ver a razão pela qual a corte portuguesa de D. João VI teria tido que vender o diamante "Espelho de Portugal", uma valiosa pedra referida pelo José Manuel e Maria da Fonte, em comentários anteriores. 
Por esse lado, chega-se imediatamente à Guerra das Laranjas, e à perda de Olivença para os espanhóis. 
Porém, não sou daqueles que se satisfaça com um nome desses, quando a estorieta remete para um ramo de laranjeira numa carta que Godoy envia para a rainha espanhola.

Ora, quando se começa a ler outras coisas, começam a aparecer outros personagens, outras estórias, outras ligações... e rapidamente fico com uma dezena de tópicos em aberto. 
Um desses tópicos foi o dos Marotos...
Começa com um relato no jornal Ecco, que compara Maroto a Dumouriez.
Trata-se do espanhol Rafael Maroto
Ser comparado ao "traidor" Ch. Dumouriez não era nada de elogioso, já que apesar de se apresentar como defensor da França Monárquica, exerceu funções importantes na França Revolucionária, mas em segredo colocava-se ao serviço da Inglaterra, onde se acabou por exilar.
Tal como o maneta general Loison ficou entre nós com a expressão associada de "ir para o Maneta", fui ver até que ponto ia a marotice de Maroto.

Maroto aparece discretamente na invasão de Godoy, da Guerra das Laranjas, mas o seu relevo será no movimento carlista, um movimento semelhante ao miguelismo em Portugal. As guerras entre liberais e absolutistas ocorreram praticamente ao mesmo tempo em Portugal e Espanha, porque, como se sabe, estas coisas aos pares compram-se mais barato. 
Vejamos as diferenças... 
- Em Portugal, a guerra civil seria entre o tio absolutista e a sobrinha liberal.
- Em Espanha, a guerra civil seria entre o tio absolutista e a sobrinha liberal.
Pois, não é por aqui que vemos as diferenças. Ah! Os nomes fazem toda a diferença:
- Em Portugal era entre Miguel e Maria filha de Pedro.
- Em Espanha era entre Carlos e Isabel filha de Fernando.
Quantas vezes houve guerras entre tios pretendentes e sobrinhas legítimas? 
Que me lembre, bem conhecidas, foram apenas estas.

Claro que estou a forçar a situação - retirando as semelhanças, as coisas ficam diferentes. Não é sempre assim?
Bom, mas uma das diferenças é que as guerras carlistas se prolongaram - houve 3 guerras. 
A segunda guerra carlista começa em 1846, com novos confrontos entre absolutistas e liberais.
Ora, em 1846, em Portugal, dava-se a revolta da Maria da Fonte, que levou a novos confrontos entre absolutistas e liberais. 
Aos pares é mais barato... mas não há duas sem três. 
E houve uma terceira guerra carlista, em 1872, mas como não há regra sem excepção, a tentativa de revolta de Saldanha tinha ocorrido em 1870.

Esta ligação ibérica não era inocente porque havia mesmo a Quádrupla Aliança, com o direito da Inglaterra e França intervirem em Espanha e Portugal. A ligação era forçada pelo exterior... porém o detalhe de ter coincidido entre tios e sobrinhas já é algo menos fácil de entender. O facto da França, completamente derrotada com Napoleão, ser depois uma útil aliada dos ingleses, sem dívidas de guerra (ao contrário dos estados ibéricos, vencedores), também é algo muito engraçado.
Também não deixa de ser engraçado que, após Waterloo, os estados ibéricos tinham sido forçados a independências das suas colónias americanas. Umas mais naturais que as outras... e como Waterloo foi relembrado em 1974, acabavam-se de seguida as colónias portuguesas em África.
Acabaram-se todas as colónias europeias na América? Quase todas... o Canadá era inglês, com tolerância à francesa Québéc. As restantes colónias, africanas e asiáticas, acabariam só depois da 2ª Guerra, e realmente Portugal em 1974 teimava ainda em não perceber isso. 
Todas? Bom, nem por isso, não é? Franceses e ingleses entenderam-se em Waterloo. Os argentinos perceberam isso nas Malvinas. Havia ainda um amor explosivo nos atóis polinésios. Amor à distância, de difícil separação. E depois do amor?

Voltamos aos Marotos.
Bascos e Catalães apareceram no conflito espanhol, do lado carlista, e Maroto jogou um papel ambíguo, dizendo-se carlista, mas sendo mais hábil a executar os seus rivais generais carlistas do que os inimigos generais liberais. Essa era a razão da tal comparação com Demeuriez, era visto como um traidor infiltrado.
Mereceria isso apenas o epíteto de "maroto"?
Pois, não me convenceu...
Procurei um pouco mais, e encontrei uma referência mais antiga, do Séc. XVI, a uns versos de Maroto, que aparentemente eram algo marotos, satirizando impropriamente passagens bíblicas. 
Quem era este Maroto? 
Era apenas Maroto na transcrição ibérica, o seu nome era Clément Marot, e ainda que seja hoje bem menos conhecido que Rabelais, os seus versos eram muito populares, dado esse carácter profano e humorado.

                    (...) não se ouvia tratar de outro, senão das novelas e contos de "Rabeles", escritos em derisão da honestidade das freiras, e da vida dos religiosos, e em desprezo da Igreja, das suas cerimónias, e das mais coisas sagradas; nem se cantava pelos campos senão os versos de Maroto, plenos também de impiedade, e desvergonha: e assim não foi muito difícil abrir as portas da heresia. Porque estes autores foram imitados por outros (...)


Passamos finalmente à Guerra das Laranjas.
Se Rafael Maroto militava nas tropas espanholas que entraram em Olivença, o personagem principal dessa história parece ser Manuel Godoy.
O ministro espanhol Manuel Godoy, vencedor da Guerra das Laranjas, 
olha a amassada bandeira portuguesa.

Parece ser... porque o nome "Guerra das Laranjas", associado à missiva de Godoy para a "amada rainha", mãe de Carlota Joaquina, parece nem ter sido muito comum no Séc. XIX.

O Ramo dos "Laranjas" tem outro significado.
Qual?... Quando temos uma caricatura de Gillray, as coisas ficam mais simples:

O cupido holandês, repousado nas fatigas de plantação dos ramos, é Willem V, da Casa Oranje-Nassau.
A plantação de muitas laranjinhas similares, vemos passar também por diversos ventres campesinos. 
Bom, mas o principal problema de Willem V foi a França de Napoleão e em 1795 acabou por fugir para Inglaterra. 
A execução de Luís XVI levou a uma declaração de guerra das monarquias europeias contra a França.
Portugal, apesar de não ter exército apto, desde a política do Marquês de Pombal, juntou-se à declaração de guerra, e com a Espanha participou na tentativa de invasão do Rossilhão, a Catalunha francesa.
Só que os tempos eram outros, e os amigos precisavam de pensar em si e em dinheiro.
Como a campanha do Rossilhão não resultou, os espanhóis de Manuel de Godoy, ministro de Fernando VII,  ficam aliados dos franceses, num tratado assinado em Aranjuez em 1801.
O sucesso militar de Napoleão veio na medida das confusões, querendo arrumar os imóveis da Europa noutra disposição. Havia distribuição de reinos, não só pelos familiares, e em particular na Itália que tinha invadido inventou o Reino da Etrúria... para lembrar os Etruscos.
Isso não diria respeito a Portugal, mas pelo Tratado de Fontainbleau, fez nova arrumação e decidiu passar o Rei da Etrúria, um Carlos Bourbon, para Entre-Douro-e-Minho, depois denominada (ao estilo da águia romana afrancesada) Lusitânia Setentrional. 
Bom, estes eram os planos que Napoleão tinha acordado com Godoy, que ficaria com o Principado dos Algarves:
 
De acordo com o plano napoleónico a Lusitânia Setentrional - do Porto ao Minho, 
ficaria com as cores do Rei da Etrúria (curiosamente, o azul e branco listado do FCP).

O falhanço das invasões napoleónicas em Portugal, não concretizou nada disto, ideias que parecem ridículas, mas a dezena de anos de hegemonia francesa na Europa durou o suficiente para ser levada muito a sério. Quando a família real migrou para o Brasil em 1808, o Marquês de Abrantes ainda foi prestar vassalagem a Napoleão, tendo ficado retido com o filho em França até final do conflito. O Marquês de Abrantes passou a ser Junot, o general invasor.

A Guerra das Laranjas passa-se antes, em 1801.
Willem V está exilado na Inglaterra e procura recuperar a Holanda dominada já pelos franceses.
Há uma tentativa de reconquista do território em 1799, uma invasão Anglo-Russa comandada pelo Duque de York, no quadro da Segunda Coligação, onde a Espanha aparecia agora aliada da França.  
Com a mudança espanhola, Portugal ficava encurralado, e recusando a captura dos navios ingleses, ficava pronto a uma invasão conjunta de Espanha e França, comandada pelo próprio Manuel Godoy. 
Essa exigência naval era resultado da ameaça inglesa, após a investida na Holanda. A esquadra espanhola tinha sido destruída antes, em 1797, numa das várias Batalhas no Cabo de S. Vicente, depois a esquadra francesa será derrotada em 1805, em Trafalgar.
Por isso o problema não resultou das laranjas de Godoy, mas mais de Orange, de Willem V de Orange.

Bom, o resto é história, a que não tenho muito a acrescentar... Até que a Inglaterra decida intervir, Portugal dada a sua fragilidade militar herdada do Marquês de Pombal, vê-se forçado a aceitar a perda de Olivença, a perda de parte da Guiana, e de muito dinheiro e joias - inclusivé o tal "Espelho de Portugal", para assinar uma paz com os espanhóis. 
Há certamente muitíssimos mais detalhes, que me escapam, nem me interessam, num período complexo. 
Porém convinha aqui esclarecer este detalhe, mais porque se reporta a um período que antecede as invasões napoleónicas, e que é normalmente ignorado. O "espelho de Portugal", tivesse o que tivesse, foi apenas uma jóia perdida, entre tantos outros despojos, nomeadamente milhares e milhares de vidas que caminharam para um espelho do valor potência militar, valor efémero, mas pretendido eterno... sempre um espelho de morte.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 06:42

As questões que se levantam à época da Revolução Francesa, estão bem retratadas nalgumas caricaturas de Gillray.
Liberdade Francesa (vs) Escravidão Inglesa (1792)

A caricatura é 1792, passados 3 anos e meio sobre a "tomada da Bastilha", e para além da clareza do desenho, os balões dos personagens dizem o seguinte...
French Liberty: O Sacre Dieu! _vat blessing be de Liberté. Vive Le Assemblè Nationale! _ no more Tax! _ no more Slavery!_ all Free Citizen! _ ha hah! _by Gar, how we live!_ve swim in the Milk & Honey.
British Slavery: Ah! this cursed Ministry! they'll ruin us with their damn'd Taxes!_ why, Lounds! they're making Slaves of us all, & Starving us to Death.

Gillray não é propriamente um vassalo passivo, como já tivemos oportunidade de mostrar com outras caricaturas (sobre Napoleão ou sobre Cook), mas coloca-se claramente do lado conservador. Ficava claro para os Tories que o caminho da "liberdade francesa" tinha levado a uma regressão, a uma pobreza apenas alimentada por uma ilusão de liberdade. Ao contrário, os ingleses queixavam-se dos impostos, mas de barriga cheia...
A afiliação política aos Tories, mesmo anti-Whig, fica ainda mais clara na caricatura seguinte:

Devil: nice Apple Johnny! _ nice Apple.
John Bull: Very nice Napple!_ but my Pokes are full of Pippins from the other Tree: & besides I hates Medlars they're so domn'd rotten that I'se afraid they'll gee me the Guts-ach for all their vine looks!

Em primeiro plano, na árvore da "Liberté", com o barrete frígio da Revolução Francesa, a serpente representando o Diabo oferece uma maçã de "Reforma", que o "zé povinho" inglês recusa dizendo ao invés tratar-se duma nespera europeia (associada a prostituição). Esta árvore reflectiria um requisito de reforma exigido pelos Whigs, que aparecem como fruto nesta árvore.
Mais atrás, a árvore de onde o personagem obteve as "maçãs verdadeiras"... a árvore dos Tories, com  raízes nos Comuns, Rei e Lordes, troncos na Justiça subdivididos em Leis e Religião, com maçãs de liberdade e segurança(?). 
Na árvore da frente, as raízes são a inveja, ambição e desapontamento, levando a um tronco de oposição, subdividido no tronco dos "direitos do homem" (de onde saem as maçãs do Clube Whig, da "Liberté", da conspiração, revolução, pilhagem, democracia, assassínio, traição, escravatura) e no tronco da "extravagância imoral" (com maçãs da idade da razão, deísmo, impiedade, blasfémia, ateísmo).
A Inglaterra conhecera a Revolução de Cromwell, e o sistema aceite depois por Charles II tinha permitido uma estável Monarquia Parlamentar (que ainda hoje se mantém...), e ainda recordaria os excessos vividos na República de Cromwell, no século anterior. A divisão parlamentar Tories-Whigs debatia estas duas visões. 
É curioso que ainda hoje os ingleses ironizam dizendo que a Inglaterra tem uma Monarquia Parlamentar, enquanto a França mantém uma República Monárquica (devido aos excessivos poderes presidenciais).

Convirá notar que o período da Revolução Francesa permitirá por contágio na Inglaterra uma liberdade suplementar, quase um "Dumping", que iludirá um pouco a situação que se irá seguir. A Inglaterra de Gillray não terá muito a ver com a que irá ser objecto da ilustração de Charles Dickens, já que a Revolução Industrial acabará por trazer uma exploração humana, e este tipo de abertura de ideias ficará encerrado. Será depois o tempo em que Lewis Carrol falará através de Alice sobre os "Telescópios que se fecham"!

Convenção ou subvenção?
Porém podemos ver como alguma liberdade crítica era ainda publicada, como neste cartoon de Woodward, de 1809, sobre a Convenção de Sintra... em que há um acordo entre Ingleses e Franceses sobre o destino a dar ao tesouro português:
George Woodward, Convention of Cintra, 1809

- This is the City of Lisbon
- This is the Gold, that lay in the City of Lisbon
- These are the French who took the Gold that lay in the City of Lisbon
- This is Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) who beat the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon.
- This is the Convention that Nobody owns, that saved old Junots Baggage and Bones, altho Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) had beaten the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon 
- These are the Ships that carried the spoil, that the French had plundered with so much toil, after the Convention which Nobody owns, that saved old Junots Baggage and Bones, altho Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) had beaten the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon
- This is John Bull, in great dismay, at the sight of the Ships which carried away the gold and silver and all the spoil, the French had plundered with so much toil, after the Convention which Nobody owns, that saved old Junots Baggage and Bones, altho Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) had beaten the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon.

Há vários pormenores interessantes... começando pelo formato do cartoon que é até moderno na sequência conforme organiza a banda desenhada! Estamos em 1809... e não no Séc. XX.
Depois, a forma irónica de contar a história tem um ritmo repetitivo bastante jocoso!
Finalmente, la pièce de resistance... apesar da vitória dos ingleses (e portugueses!!), Junot pode sair incólume, e retirava-se mesmo com o saque, transportado pelos navios ingleses!... e os portugueses nada tiveram a dizer sobre o assunto? - Estranho? - Amigos de Peniche, agora em Sintra?
Qual seria a vantagem dos ingleses em tanta delicadeza, fornecendo ouro ao inimigo?
Repare-se na cadeira onde se senta John Bull... nas listas alvas e encarnadas:
- fazem lembrar a bandeira dos Estados Unidos da América?
- ou fazem lembrar a bandeira da Companhia Britânica da Índias Orientiais?
- ... ou fazem lembrar ambas?

Conforme já aqui referido, havia um projecto comum das Companhias das Índias Orientais, que incluía o desenvolvimento dos Estados Unidos da América. Por isso, é natural que o ouro português não tivesse financiado a "Revolução Francesa", mas sim a "Revolução Americana". Através das suas influentes lojas maçónicas, os três países concordariam com esse destino... que no fundo apenas comprometia os fundos reais portugueses, duma corte instalada no Brasil.

Apesar da derrota francesa no curso das Guerras Peninsulares, o espólio português pilhado não regressou, e também nunca se viu um grande rasto em França! Durante todo o Séc. XIX, Portugal e Espanha ficariam permanentemente endividados, ao passo que a França renascia da guerra em poucos anos, recuperando o seu desenvolvimento, a níveis que tornavam a imagem de miséria de Gillray uma ilusão do passado, e talvez depois mais apropriada aos povos ibéricos, aliados dos britânicos. Isso levou a revoltas populares, como a da Maria da Fonte, que trouxe de novo tropas francesas a território ibérico... mas agora ao abrigo de Quádrupla Aliança, em que Inglaterra e França eram aliadas para cuidar da permanência do regime de endividamento das nações ibéricas, e evitar qualquer ressurgimento nacionalista.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 08:10

As questões que se levantam à época da Revolução Francesa, estão bem retratadas nalgumas caricaturas de Gillray.
Liberdade Francesa (vs) Escravidão Inglesa (1792)

A caricatura é 1792, passados 3 anos e meio sobre a "tomada da Bastilha", e para além da clareza do desenho, os balões dos personagens dizem o seguinte...
French Liberty: O Sacre Dieu! _vat blessing be de Liberté. Vive Le Assemblè Nationale! _ no more Tax! _ no more Slavery!_ all Free Citizen! _ ha hah! _by Gar, how we live!_ve swim in the Milk & Honey.
British Slavery: Ah! this cursed Ministry! they'll ruin us with their damn'd Taxes!_ why, Lounds! they're making Slaves of us all, & Starving us to Death.

Gillray não é propriamente um vassalo passivo, como já tivemos oportunidade de mostrar com outras caricaturas (sobre Napoleão ou sobre Cook), mas coloca-se claramente do lado conservador. Ficava claro para os Tories que o caminho da "liberdade francesa" tinha levado a uma regressão, a uma pobreza apenas alimentada por uma ilusão de liberdade. Ao contrário, os ingleses queixavam-se dos impostos, mas de barriga cheia...
A afiliação política aos Tories, mesmo anti-Whig, fica ainda mais clara na caricatura seguinte:

Devil: nice Apple Johnny! _ nice Apple.
John Bull: Very nice Napple!_ but my Pokes are full of Pippins from the other Tree: & besides I hates Medlars they're so domn'd rotten that I'se afraid they'll gee me the Guts-ach for all their vine looks!

Em primeiro plano, na árvore da "Liberté", com o barrete frígio da Revolução Francesa, a serpente representando o Diabo oferece uma maçã de "Reforma", que o "zé povinho" inglês recusa dizendo ao invés tratar-se duma nespera europeia (associada a prostituição). Esta árvore reflectiria um requisito de reforma exigido pelos Whigs, que aparecem como fruto nesta árvore.
Mais atrás, a árvore de onde o personagem obteve as "maçãs verdadeiras"... a árvore dos Tories, com  raízes nos Comuns, Rei e Lordes, troncos na Justiça subdivididos em Leis e Religião, com maçãs de liberdade e segurança(?). 
Na árvore da frente, as raízes são a inveja, ambição e desapontamento, levando a um tronco de oposição, subdividido no tronco dos "direitos do homem" (de onde saem as maçãs do Clube Whig, da "Liberté", da conspiração, revolução, pilhagem, democracia, assassínio, traição, escravatura) e no tronco da "extravagância imoral" (com maçãs da idade da razão, deísmo, impiedade, blasfémia, ateísmo).
A Inglaterra conhecera a Revolução de Cromwell, e o sistema aceite depois por Charles II tinha permitido uma estável Monarquia Parlamentar (que ainda hoje se mantém...), e ainda recordaria os excessos vividos na República de Cromwell, no século anterior. A divisão parlamentar Tories-Whigs debatia estas duas visões. 
É curioso que ainda hoje os ingleses ironizam dizendo que a Inglaterra tem uma Monarquia Parlamentar, enquanto a França mantém uma República Monárquica (devido aos excessivos poderes presidenciais).

Convirá notar que o período da Revolução Francesa permitirá por contágio na Inglaterra uma liberdade suplementar, quase um "Dumping", que iludirá um pouco a situação que se irá seguir. A Inglaterra de Gillray não terá muito a ver com a que irá ser objecto da ilustração de Charles Dickens, já que a Revolução Industrial acabará por trazer uma exploração humana, e este tipo de abertura de ideias ficará encerrado. Será depois o tempo em que Lewis Carrol falará através de Alice sobre os "Telescópios que se fecham"!

Convenção ou subvenção?
Porém podemos ver como alguma liberdade crítica era ainda publicada, como neste cartoon de Woodward, de 1809, sobre a Convenção de Sintra... em que há um acordo entre Ingleses e Franceses sobre o destino a dar ao tesouro português:
George Woodward, Convention of Cintra, 1809

- This is the City of Lisbon
- This is the Gold, that lay in the City of Lisbon
- These are the French who took the Gold that lay in the City of Lisbon
- This is Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) who beat the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon.
- This is the Convention that Nobody owns, that saved old Junots Baggage and Bones, altho Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) had beaten the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon 
- These are the Ships that carried the spoil, that the French had plundered with so much toil, after the Convention which Nobody owns, that saved old Junots Baggage and Bones, altho Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) had beaten the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon
- This is John Bull, in great dismay, at the sight of the Ships which carried away the gold and silver and all the spoil, the French had plundered with so much toil, after the Convention which Nobody owns, that saved old Junots Baggage and Bones, altho Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) had beaten the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon.

Há vários pormenores interessantes... começando pelo formato do cartoon que é até moderno na sequência conforme organiza a banda desenhada! Estamos em 1809... e não no Séc. XX.
Depois, a forma irónica de contar a história tem um ritmo repetitivo bastante jocoso!
Finalmente, la pièce de resistance... apesar da vitória dos ingleses (e portugueses!!), Junot pode sair incólume, e retirava-se mesmo com o saque, transportado pelos navios ingleses!... e os portugueses nada tiveram a dizer sobre o assunto? - Estranho? - Amigos de Peniche, agora em Sintra?
Qual seria a vantagem dos ingleses em tanta delicadeza, fornecendo ouro ao inimigo?
Repare-se na cadeira onde se senta John Bull... nas listas alvas e encarnadas:
- fazem lembrar a bandeira dos Estados Unidos da América?
- ou fazem lembrar a bandeira da Companhia Britânica da Índias Orientiais?
- ... ou fazem lembrar ambas?

Conforme já aqui referido, havia um projecto comum das Companhias das Índias Orientais, que incluía o desenvolvimento dos Estados Unidos da América. Por isso, é natural que o ouro português não tivesse financiado a "Revolução Francesa", mas sim a "Revolução Americana". Através das suas influentes lojas maçónicas, os três países concordariam com esse destino... que no fundo apenas comprometia os fundos reais portugueses, duma corte instalada no Brasil.

Apesar da derrota francesa no curso das Guerras Peninsulares, o espólio português pilhado não regressou, e também nunca se viu um grande rasto em França! Durante todo o Séc. XIX, Portugal e Espanha ficariam permanentemente endividados, ao passo que a França renascia da guerra em poucos anos, recuperando o seu desenvolvimento, a níveis que tornavam a imagem de miséria de Gillray uma ilusão do passado, e talvez depois mais apropriada aos povos ibéricos, aliados dos britânicos. Isso levou a revoltas populares, como a da Maria da Fonte, que trouxe de novo tropas francesas a território ibérico... mas agora ao abrigo de Quádrupla Aliança, em que Inglaterra e França eram aliadas para cuidar da permanência do regime de endividamento das nações ibéricas, e evitar qualquer ressurgimento nacionalista.

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publicado às 08:10

As questões que se levantam à época da Revolução Francesa, estão bem retratadas nalgumas caricaturas de Gillray.
Liberdade Francesa (vs) Escravidão Inglesa (1792)

A caricatura é 1792, passados 3 anos e meio sobre a "tomada da Bastilha", e para além da clareza do desenho, os balões dos personagens dizem o seguinte...
French Liberty: O Sacre Dieu! _vat blessing be de Liberté. Vive Le Assemblè Nationale! _ no more Tax! _ no more Slavery!_ all Free Citizen! _ ha hah! _by Gar, how we live!_ve swim in the Milk & Honey.
British Slavery: Ah! this cursed Ministry! they'll ruin us with their damn'd Taxes!_ why, Lounds! they're making Slaves of us all, & Starving us to Death.

Gillray não é propriamente um vassalo passivo, como já tivemos oportunidade de mostrar com outras caricaturas (sobre Napoleão ou sobre Cook), mas coloca-se claramente do lado conservador. Ficava claro para os Tories que o caminho da "liberdade francesa" tinha levado a uma regressão, a uma pobreza apenas alimentada por uma ilusão de liberdade. Ao contrário, os ingleses queixavam-se dos impostos, mas de barriga cheia...
A afiliação política aos Tories, mesmo anti-Whig, fica ainda mais clara na caricatura seguinte:

Devil: nice Apple Johnny! _ nice Apple.
John Bull: Very nice Napple!_ but my Pokes are full of Pippins from the other Tree: & besides I hates Medlars they're so domn'd rotten that I'se afraid they'll gee me the Guts-ach for all their vine looks!

Em primeiro plano, na árvore da "Liberté", com o barrete frígio da Revolução Francesa, a serpente representando o Diabo oferece uma maçã de "Reforma", que o "zé povinho" inglês recusa dizendo ao invés tratar-se duma nespera europeia (associada a prostituição). Esta árvore reflectiria um requisito de reforma exigido pelos Whigs, que aparecem como fruto nesta árvore.
Mais atrás, a árvore de onde o personagem obteve as "maçãs verdadeiras"... a árvore dos Tories, com  raízes nos Comuns, Rei e Lordes, troncos na Justiça subdivididos em Leis e Religião, com maçãs de liberdade e segurança(?). 
Na árvore da frente, as raízes são a inveja, ambição e desapontamento, levando a um tronco de oposição, subdividido no tronco dos "direitos do homem" (de onde saem as maçãs do Clube Whig, da "Liberté", da conspiração, revolução, pilhagem, democracia, assassínio, traição, escravatura) e no tronco da "extravagância imoral" (com maçãs da idade da razão, deísmo, impiedade, blasfémia, ateísmo).
A Inglaterra conhecera a Revolução de Cromwell, e o sistema aceite depois por Charles II tinha permitido uma estável Monarquia Parlamentar (que ainda hoje se mantém...), e ainda recordaria os excessos vividos na República de Cromwell, no século anterior. A divisão parlamentar Tories-Whigs debatia estas duas visões. 
É curioso que ainda hoje os ingleses ironizam dizendo que a Inglaterra tem uma Monarquia Parlamentar, enquanto a França mantém uma República Monárquica (devido aos excessivos poderes presidenciais).

Convirá notar que o período da Revolução Francesa permitirá por contágio na Inglaterra uma liberdade suplementar, quase um "Dumping", que iludirá um pouco a situação que se irá seguir. A Inglaterra de Gillray não terá muito a ver com a que irá ser objecto da ilustração de Charles Dickens, já que a Revolução Industrial acabará por trazer uma exploração humana, e este tipo de abertura de ideias ficará encerrado. Será depois o tempo em que Lewis Carrol falará através de Alice sobre os "Telescópios que se fecham"!

Convenção ou subvenção?
Porém podemos ver como alguma liberdade crítica era ainda publicada, como neste cartoon de Woodward, de 1809, sobre a Convenção de Sintra... em que há um acordo entre Ingleses e Franceses sobre o destino a dar ao tesouro português:
George Woodward, Convention of Cintra, 1809

- This is the City of Lisbon
- This is the Gold, that lay in the City of Lisbon
- These are the French who took the Gold that lay in the City of Lisbon
- This is Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) who beat the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon.
- This is the Convention that Nobody owns, that saved old Junots Baggage and Bones, altho Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) had beaten the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon 
- These are the Ships that carried the spoil, that the French had plundered with so much toil, after the Convention which Nobody owns, that saved old Junots Baggage and Bones, altho Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) had beaten the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon
- This is John Bull, in great dismay, at the sight of the Ships which carried away the gold and silver and all the spoil, the French had plundered with so much toil, after the Convention which Nobody owns, that saved old Junots Baggage and Bones, altho Sir Arthur (whose Valour and skill, began so well but ended so ill) had beaten the French, who took the Gold, that lay in the City of Lisbon.

Há vários pormenores interessantes... começando pelo formato do cartoon que é até moderno na sequência conforme organiza a banda desenhada! Estamos em 1809... e não no Séc. XX.
Depois, a forma irónica de contar a história tem um ritmo repetitivo bastante jocoso!
Finalmente, la pièce de resistance... apesar da vitória dos ingleses (e portugueses!!), Junot pode sair incólume, e retirava-se mesmo com o saque, transportado pelos navios ingleses!... e os portugueses nada tiveram a dizer sobre o assunto? - Estranho? - Amigos de Peniche, agora em Sintra?
Qual seria a vantagem dos ingleses em tanta delicadeza, fornecendo ouro ao inimigo?
Repare-se na cadeira onde se senta John Bull... nas listas alvas e encarnadas:
- fazem lembrar a bandeira dos Estados Unidos da América?
- ou fazem lembrar a bandeira da Companhia Britânica da Índias Orientiais?
- ... ou fazem lembrar ambas?

Conforme já aqui referido, havia um projecto comum das Companhias das Índias Orientais, que incluía o desenvolvimento dos Estados Unidos da América. Por isso, é natural que o ouro português não tivesse financiado a "Revolução Francesa", mas sim a "Revolução Americana". Através das suas influentes lojas maçónicas, os três países concordariam com esse destino... que no fundo apenas comprometia os fundos reais portugueses, duma corte instalada no Brasil.

Apesar da derrota francesa no curso das Guerras Peninsulares, o espólio português pilhado não regressou, e também nunca se viu um grande rasto em França! Durante todo o Séc. XIX, Portugal e Espanha ficariam permanentemente endividados, ao passo que a França renascia da guerra em poucos anos, recuperando o seu desenvolvimento, a níveis que tornavam a imagem de miséria de Gillray uma ilusão do passado, e talvez depois mais apropriada aos povos ibéricos, aliados dos britânicos. Isso levou a revoltas populares, como a da Maria da Fonte, que trouxe de novo tropas francesas a território ibérico... mas agora ao abrigo de Quádrupla Aliança, em que Inglaterra e França eram aliadas para cuidar da permanência do regime de endividamento das nações ibéricas, e evitar qualquer ressurgimento nacionalista.

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