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Austrália do Espírito Santo é como Pedro Fernandes de Queiroz terá baptizado o continente austral


numa viagem quase esquecida, em 1606, mas que o Padre José Agostinho de Macedo faz questão de lembrar noutra parte do poema "Newton":
O trabalho mortal, o amor da gloria.
Ó nome Lusitano, ó Patria minha,
Eu culpo o teu silencio, a huma virtude,
Que se apraz de esconder-se, eu chamo inercia.
Descreve Newton c'o compasso d'ouro
O globo que Varennio exposto havia;
Foi Cook, e foi Byron, foi Bougainville,
Qual Anson foi guerreiro, e os mares gyrão.
Do Continente austral foge o fantasma,
Que avarento Hollandez (nem hoje avaro;
Nem já por crimes se conhece a Hollanda)
Julgou grande porção do globo, e sua.
Assombrado do gelo atraz voltárão,
Mas nunca hum passo além co' lenho óvante
Da Terra forão que tocára hum Luso;
Magnanimo Queiroz, déste-lhe hum nome
Para ti foi brazão, e he meta aos outros
Do nebuloso Sul prescrutadores:
E a gloria de buscar no Mundo hum Mundo,
Se ao pensativo Bátavo pertence,
E ao pertinaz navegador Britanno,
No Tejo as bazes tem, no Tejo a fonte,
Mais além de Queiroz nenhum se avança.
Foi entre tantos Magalhães primeiro,
Todos de hum centro os raios se derramão,
Que vem tocar d'hum circulo os extremos,
Há uma referência a vários nomes... e essencialmente o Padre Macedo transmite uma versão muito clara das condicionantes sobre as descobertas no período entre Fernão de Magalhães e James Cook.
Macedo começa por queixar-se do silêncio, inércia portuguesa, para reivindicar a presença no continente Australiano. Mas não se fica por aí, traça um rasto...

O rasto começa no trabalho do jovem holandês Bernhardus Varenius, "Geographia Generalis", republicado pelo jovem Newton... um escreve-o e morre aos 28 anos, e com a mesma idade, o outro vai recuperá-lo. Não consegui obter nenhum "globo exposto", nem um único mapa dessa geografia... é certo que o trabalho ficou conhecido por ser teórico, mas uma geografia sem um único mapa, parecia-me ser apenas sina de portugueses e espanhóis após o Séc. XVI.

Cook é sobejamente conhecido, e já falámos sobre o Cozinheiro e Sanduíche
John Byron será aqui o avô do famoso poeta. Esse Byron acompanhou George Anson numa viagem de circum-navegação. Ambos ficaram conhecidos por contribuírem para a derrota franco-espanhola na Guerra dos Sete-Anos.
A partir daí ficou Pacífico que o Oceano seria inglês, com a anuência e silêncio do aliado, Portugal.
Se o francês Bougainville tinha bem preparada a viagem Pacífica pelos mares do Sul, pela derrota sofrida Luís XV não a pode creditar. Bougainville contentou-se com o nome associado às belas buganvílias, flores que antes de serem "descobertas" por si, era suposto abundarem em toda a América do Sul, com vários nomes, entre os quais "três-marias"...
Os franceses ficavam com as buganvílias, e os holandeses com as túlipas...

A Holanda, já tinha tido o seu quinhão de guerras navais com os ingleses, e a sua rota seria uma derrota. Uma derrota é nauticamente uma mudança do curso previsto na rota. Conforme referimos em Túlipas e Futuros, a invasão inglesa protagonizada por Guilherme de Oranje foi uma vitória holandesa que cedeu o doce da Laranja e acomodou o ácido, ao jeito do que aconteceria com o aliado português.

Do continente austral foge o fantasma
Era disso que se tratava... de uma fantasia política que impedia a sua descoberta.
Por isso, diz Macedo... do avarento Holandês já nem se conheciam "os crimes" no início do Séc. XIX.
A sede do comércio, dos avarentos, tinha passado para a City Londrina.
Porém, Macedo lembra... lembra da vontade de dominar os mares, julgando sua grande porção do globo... afinal pecadilho semelhante ao dos portugueses. Podemos relembrar aqui os privilégios que a Companhia das Índias Holandesa arrogava ter
Antes de falar de Pedro Fernandes de Queiroz, o Padre Macedo faz questão de salientar
"nunca um passo foram avante com os barcos, do que onde tinham tocado os Lusos"
tal como dissera Pedro Nunes, os lenhos das naus portuguesas tinham ido a todo o ilhéu, todo o baixio.

Para Queiroz, o Padre Macedo não reclama a descoberta, reclama o nome a "Austrália do Espírito Santo", nome que constaria do diário de Cook, e que acabou por se sobrepor enquanto Austrália à designação inconveniente de Nova Holanda... que lembraria os holandeses. A viagem de Queiroz à Austrália Oriental é de 1606, e no mesmo ano é reclamado que Janszoon teria avistado a parte Ocidental. Mais uma vez, uma quase simultaneidade, passando quase um século que os portugueses aportavam a Timor, ali ao lado. Poderíamos lembrar ainda a viagem de Heredia em 1601, mas Macedo é mais claro:
"mais além de Queiroz nenhum se avança, foi entre tantos Magalhães o primeiro"
 ... ou seja, Macedo dá a entender que Magalhães teria sido o primeiro a aportar à Austrália.
É algo natural, porque em muitos mapas, a parte austral é denominada "Terra Magallanica"... e por isso, mais do que o crédito da viagem de circum-navegação pelo Estreito (que o próprio denunciara, ao falar no mapa de Behaim), seria natural que essa viagem se destinasse também a reclamar a Austrália para Espanha. 

Ao pensativo Batavo pertence...
A Austrália seria a gota de água que transbordaria o Oceano político europeu.
Quando Magalhães começava a preparar a sua viagem, em 1517, Martinho Lutero confronta a Igreja com as suas teses que questionam o Poder Papal. Quando Elcano regressa em 1522, já Lutero tinha afixado as suas teses e passado pela Dieta de Worms (ligada à saga dos Nibelungos)... estando proscrito por Carlos V. 
Só que o imperador, após séculos de tradição germânica, estava agora em solo espanhol!
A questão explorada pela simples avareza não oferecia grande dúvida.
- De um lado, o Tratado de Tordesilhas que dividia o mundo em dois, reconhecido pelo Papa, e com o Imperador Carlos V interessado numa das partes desse mundo.
- Do outro lado, a restantes nações europeias fora da partilha, e um Martinho Lutero que, tal como dezenas de outros, criticava o poder papal, o seu despotismo... Continuava a fazê-lo. Nada de letal, próprio dos tempos, lhe acontecia, porque o momento era o momento político de colocar um travão sobre o poder e arbitragem papal. 
A restante Europa não iria cruzar os braços. Em 1532, o inglês Henrique VIII encontra-se com o francês Francisco I... o assunto parece ser o casamento com Ana Bolena, mas será efectivamente a separação da Igreja Anglicana, que ocorre no ano seguinte.
Quando o poder papal reage, iniciando a Contra-Reforma, em 1545, já estava aberta a ferida que se iria prolongar até hoje, na divisão entre catolicismo e protestantismo.

Ainda estamos longe de chegar ao "pensativo Batavo"...
Há várias camadas que se confundem naquela transição do Séc. XVI. Ninguém quereria travar o Renascimento, mas certamente que se temia uma evolução das relações sem arbitragem papal, ao mesmo tempo que os estados protestantes se queriam libertar daquele jugo romano que os desfavorecera.
Religiosamente, havia agora uma disputa aberta. Politicamente, o tratado de Tordesilhas abrira outra.
Estas já eram suficientes para complicar as coisas. 
Porém, em cima destas, estavam os problemas "secretos". 
Havia novos territórios, novas revelações, que praticamente estavam excluídas de serem mencionadas.
Falar-se-ia de Índias Ocidentais e Orientais, mas pouco mais que isso. Mesmo uma boa parte da nobreza não teria acesso a uma visão geral do problema, o que aumentaria a confusão!

Retirando a autoridade papal, que outra forma de arbitragem haveria entre as nações, que não ameaçasse toda a estrutura do poder europeu, assente na separação entre nobreza e burguesia. Como se isso não bastasse, o protestantismo envolvia a crença popular, e o povo não deixava de fazer parte da equação.
A isso acrescia um Império Otomano que se expandia pelo Mediterrâneo, e é claro... havia os judeus.
A solução pelo lado católico foi clássica... reprimiu tudo o que podia. Pelo lado protestante, que estava em perda, interessava uma motivação aglutinadora, e foi necessariamente mais tolerante. 
Note-se que o próprio Lutero tinha escritos anti-semitas, e por isso logo se formaram variantes religiosas, cujo objecto podia ser teológico, incluíam calvinistas, metodistas, e outras variantes... mas o importante é que os Estados deixavam de ser definidos pela religião. Porém, interessava manter uma aglutinação do Estado sobre algum ponto comum, que não fosse o velho conceito medieval de Rei.  

É neste contexto que aparece a República de maior sucesso (após Roma)... a República Holandesa. Se Veneza era já um bom exemplo de reedição do ideal de república, a Holanda foi muito mais longe.
Com D. Sebastião, Portugal extingue o último sopro em 1578, em 1579 dá-se a União de Utrecht que formaliza a República Holandesa, pronta a acolher todos os refugiados judeus... muitos dos quais já tinham partido da Península Ibérica. A Holanda torna-se rapidamente numa terra de acolhimento para milhares de refugiados, que impulsionam aquele pequeno território para uma rápida ascensão.

Faltava o enquadramento global. 
É nesse contexto que aparece o "pensativo Batavo"... Hugo Grotius.
Grotius vai propor uma Lei Internacional diferente, que irá invalidar o poder natural do Papa.
Teria sido provavelmente esquecida, mas a vitória na Guerra dos Trinta Anos, e o Tratado de Vestfália, exigiam uma nova ordem. Essa ordem mundial seria definida pelo pensativo holandês, que diz Macedo - "teve a glória de buscar no Mundo um Mundo".
Se o Papa proclamava o poder pelo direito natural, Grotius afirmava a legalidade pelo poder efectivo, acordado entre Estados, em função do equilíbrio de forças. É assim um pretexto para atacar todas as possessões ibéricas, especialmente as portuguesas, pela Companhia das Índias Holandesas. Deixa de haver um direito natural associado a qualquer descoberta, ou a validação papal... os holandeses passam a atacar as possessões dos restantes, conforme os seus interesses. Só respeitariam os acordos de paz, que seriam depois firmados entre Estados. 
É nesse sentido que proliferam os Tratados de Paz, porque são a única lei respeitada, por via de conflito.

Ainda assim, é notável que os Holandeses são mais temerários em atacar as possessões alheias do que propriamente a desbravar novos territórios, mesmo aqueles que eles sabiam existir e não estavam declarados. Têm especial cuidado com a Austrália... onde só arriscam avançar pela parte ocidental. Na América entram em disputa com os ingleses na posse da costa leste, mas nada fazem na costa oeste!
Ignoram praticamente todas as ilhas do Pacífico, excepto a parte Indonésia.

Ou seja, parecia manter-se uma proibição, uma auto-exclusão mais forte do que a simples lei internacional que Grotius enunciara, e que entrara em vigor após Vestfália. Havia territórios ainda assombrados de onde não saíam os fantasmas, mesmo por via das relações internacionais. As Companhias das Índias pareciam sobrepor-se às relações estatais...
A globalização só acaba por ocorrer quando o poder migra para a City de Londres, especialmente quando é autorizada a descoberta de Cook, que é praticamente simultânea à Independência dos EUA.
A Holanda será quase esquecida, o poder financeiro já tinha definido um novo centro de acção...
Afinal, tão ou  mais importante que a relação entre os Estados, seria definir um sistema político que mantivesse um certo secretismo, ao mesmo tempo que aparentava ser democrático.
Entravam aí as teorias sociais... especialmente de Thomas Hobbes, que definiria o "Contrato Social", a que se seguiram Locke e Rousseau.
Teorias que pouco mais serviam do que para justificar o "status quo", arranjando um qualquer nexo causal que eliminasse responsabilidade de quem teria o poder. Como se qualquer jovem que nasce tivesse delegado, por sua vontade, algum poder no sistema que definiria a sua própria formação e o condicionaria na sua inserção social e cultural.
Tal como no caso de Grotius, estas teorias traziam um substrato ideológico, mas pouco mais eram do que uma mera descrição do observado e do trivial, não fornecendo nenhuma teoria que justificasse relações humanas ou lhes desse um verdadeiro nexo.

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publicado às 04:36

Austrália do Espírito Santo é como Pedro Fernandes de Queiroz terá baptizado o continente austral


numa viagem quase esquecida, em 1606, mas que o Padre José Agostinho de Macedo faz questão de lembrar noutra parte do poema "Newton":
O trabalho mortal, o amor da gloria.
Ó nome Lusitano, ó Patria minha,
Eu culpo o teu silencio, a huma virtude,
Que se apraz de esconder-se, eu chamo inercia.
Descreve Newton c'o compasso d'ouro
O globo que Varennio exposto havia;
Foi Cook, e foi Byron, foi Bougainville,
Qual Anson foi guerreiro, e os mares gyrão.
Do Continente austral foge o fantasma,
Que avarento Hollandez (nem hoje avaro;
Nem já por crimes se conhece a Hollanda)
Julgou grande porção do globo, e sua.
Assombrado do gelo atraz voltárão,
Mas nunca hum passo além co' lenho óvante
Da Terra forão que tocára hum Luso;
Magnanimo Queiroz, déste-lhe hum nome
Para ti foi brazão, e he meta aos outros
Do nebuloso Sul prescrutadores:
E a gloria de buscar no Mundo hum Mundo,
Se ao pensativo Bátavo pertence,
E ao pertinaz navegador Britanno,
No Tejo as bazes tem, no Tejo a fonte,
Mais além de Queiroz nenhum se avança.
Foi entre tantos Magalhães primeiro,
Todos de hum centro os raios se derramão,
Que vem tocar d'hum circulo os extremos,
Há uma referência a vários nomes... e essencialmente o Padre Macedo transmite uma versão muito clara das condicionantes sobre as descobertas no período entre Fernão de Magalhães e James Cook.
Macedo começa por queixar-se do silêncio, inércia portuguesa, para reivindicar a presença no continente Australiano. Mas não se fica por aí, traça um rasto...

O rasto começa no trabalho do jovem holandês Bernhardus Varenius, "Geographia Generalis", republicado pelo jovem Newton... um escreve-o e morre aos 28 anos, e com a mesma idade, o outro vai recuperá-lo. Não consegui obter nenhum "globo exposto", nem um único mapa dessa geografia... é certo que o trabalho ficou conhecido por ser teórico, mas uma geografia sem um único mapa, parecia-me ser apenas sina de portugueses e espanhóis após o Séc. XVI.

Cook é sobejamente conhecido, e já falámos sobre o Cozinheiro e Sanduíche
John Byron será aqui o avô do famoso poeta. Esse Byron acompanhou George Anson numa viagem de circum-navegação. Ambos ficaram conhecidos por contribuírem para a derrota franco-espanhola na Guerra dos Sete-Anos.
A partir daí ficou Pacífico que o Oceano seria inglês, com a anuência e silêncio do aliado, Portugal.
Se o francês Bougainville tinha bem preparada a viagem Pacífica pelos mares do Sul, pela derrota sofrida Luís XV não a pode creditar. Bougainville contentou-se com o nome associado às belas buganvílias, flores que antes de serem "descobertas" por si, era suposto abundarem em toda a América do Sul, com vários nomes, entre os quais "três-marias"...
Os franceses ficavam com as buganvílias, e os holandeses com as túlipas...

A Holanda, já tinha tido o seu quinhão de guerras navais com os ingleses, e a sua rota seria uma derrota. Uma derrota é nauticamente uma mudança do curso previsto na rota. Conforme referimos em Túlipas e Futuros, a invasão inglesa protagonizada por Guilherme de Oranje foi uma vitória holandesa que cedeu o doce da Laranja e acomodou o ácido, ao jeito do que aconteceria com o aliado português.

Do continente austral foge o fantasma
Era disso que se tratava... de uma fantasia política que impedia a sua descoberta.
Por isso, diz Macedo... do avarento Holandês já nem se conheciam "os crimes" no início do Séc. XIX.
A sede do comércio, dos avarentos, tinha passado para a City Londrina.
Porém, Macedo lembra... lembra da vontade de dominar os mares, julgando sua grande porção do globo... afinal pecadilho semelhante ao dos portugueses. Podemos relembrar aqui os privilégios que a Companhia das Índias Holandesa arrogava ter
Antes de falar de Pedro Fernandes de Queiroz, o Padre Macedo faz questão de salientar
"nunca um passo foram avante com os barcos, do que onde tinham tocado os Lusos"
tal como dissera Pedro Nunes, os lenhos das naus portuguesas tinham ido a todo o ilhéu, todo o baixio.

Para Queiroz, o Padre Macedo não reclama a descoberta, reclama o nome a "Austrália do Espírito Santo", nome que constaria do diário de Cook, e que acabou por se sobrepor enquanto Austrália à designação inconveniente de Nova Holanda... que lembraria os holandeses. A viagem de Queiroz à Austrália Oriental é de 1606, e no mesmo ano é reclamado que Janszoon teria avistado a parte Ocidental. Mais uma vez, uma quase simultaneidade, passando quase um século que os portugueses aportavam a Timor, ali ao lado. Poderíamos lembrar ainda a viagem de Heredia em 1601, mas Macedo é mais claro:
"mais além de Queiroz nenhum se avança, foi entre tantos Magalhães o primeiro"
 ... ou seja, Macedo dá a entender que Magalhães teria sido o primeiro a aportar à Austrália.
É algo natural, porque em muitos mapas, a parte austral é denominada "Terra Magallanica"... e por isso, mais do que o crédito da viagem de circum-navegação pelo Estreito (que o próprio denunciara, ao falar no mapa de Behaim), seria natural que essa viagem se destinasse também a reclamar a Austrália para Espanha. 

Ao pensativo Batavo pertence...
A Austrália seria a gota de água que transbordaria o Oceano político europeu.
Quando Magalhães começava a preparar a sua viagem, em 1517, Martinho Lutero confronta a Igreja com as suas teses que questionam o Poder Papal. Quando Elcano regressa em 1522, já Lutero tinha afixado as suas teses e passado pela Dieta de Worms (ligada à saga dos Nibelungos)... estando proscrito por Carlos V. 
Só que o imperador, após séculos de tradição germânica, estava agora em solo espanhol!
A questão explorada pela simples avareza não oferecia grande dúvida.
- De um lado, o Tratado de Tordesilhas que dividia o mundo em dois, reconhecido pelo Papa, e com o Imperador Carlos V interessado numa das partes desse mundo.
- Do outro lado, a restantes nações europeias fora da partilha, e um Martinho Lutero que, tal como dezenas de outros, criticava o poder papal, o seu despotismo... Continuava a fazê-lo. Nada de letal, próprio dos tempos, lhe acontecia, porque o momento era o momento político de colocar um travão sobre o poder e arbitragem papal. 
A restante Europa não iria cruzar os braços. Em 1532, o inglês Henrique VIII encontra-se com o francês Francisco I... o assunto parece ser o casamento com Ana Bolena, mas será efectivamente a separação da Igreja Anglicana, que ocorre no ano seguinte.
Quando o poder papal reage, iniciando a Contra-Reforma, em 1545, já estava aberta a ferida que se iria prolongar até hoje, na divisão entre catolicismo e protestantismo.

Ainda estamos longe de chegar ao "pensativo Batavo"...
Há várias camadas que se confundem naquela transição do Séc. XVI. Ninguém quereria travar o Renascimento, mas certamente que se temia uma evolução das relações sem arbitragem papal, ao mesmo tempo que os estados protestantes se queriam libertar daquele jugo romano que os desfavorecera.
Religiosamente, havia agora uma disputa aberta. Politicamente, o tratado de Tordesilhas abrira outra.
Estas já eram suficientes para complicar as coisas. 
Porém, em cima destas, estavam os problemas "secretos". 
Havia novos territórios, novas revelações, que praticamente estavam excluídas de serem mencionadas.
Falar-se-ia de Índias Ocidentais e Orientais, mas pouco mais que isso. Mesmo uma boa parte da nobreza não teria acesso a uma visão geral do problema, o que aumentaria a confusão!

Retirando a autoridade papal, que outra forma de arbitragem haveria entre as nações, que não ameaçasse toda a estrutura do poder europeu, assente na separação entre nobreza e burguesia. Como se isso não bastasse, o protestantismo envolvia a crença popular, e o povo não deixava de fazer parte da equação.
A isso acrescia um Império Otomano que se expandia pelo Mediterrâneo, e é claro... havia os judeus.
A solução pelo lado católico foi clássica... reprimiu tudo o que podia. Pelo lado protestante, que estava em perda, interessava uma motivação aglutinadora, e foi necessariamente mais tolerante. 
Note-se que o próprio Lutero tinha escritos anti-semitas, e por isso logo se formaram variantes religiosas, cujo objecto podia ser teológico, incluíam calvinistas, metodistas, e outras variantes... mas o importante é que os Estados deixavam de ser definidos pela religião. Porém, interessava manter uma aglutinação do Estado sobre algum ponto comum, que não fosse o velho conceito medieval de Rei.  

É neste contexto que aparece a República de maior sucesso (após Roma)... a República Holandesa. Se Veneza era já um bom exemplo de reedição do ideal de república, a Holanda foi muito mais longe.
Com D. Sebastião, Portugal extingue o último sopro em 1578, em 1579 dá-se a União de Utrecht que formaliza a República Holandesa, pronta a acolher todos os refugiados judeus... muitos dos quais já tinham partido da Península Ibérica. A Holanda torna-se rapidamente numa terra de acolhimento para milhares de refugiados, que impulsionam aquele pequeno território para uma rápida ascensão.

Faltava o enquadramento global. 
É nesse contexto que aparece o "pensativo Batavo"... Hugo Grotius.
Grotius vai propor uma Lei Internacional diferente, que irá invalidar o poder natural do Papa.
Teria sido provavelmente esquecida, mas a vitória na Guerra dos Trinta Anos, e o Tratado de Vestfália, exigiam uma nova ordem. Essa ordem mundial seria definida pelo pensativo holandês, que diz Macedo - "teve a glória de buscar no Mundo um Mundo".
Se o Papa proclamava o poder pelo direito natural, Grotius afirmava a legalidade pelo poder efectivo, acordado entre Estados, em função do equilíbrio de forças. É assim um pretexto para atacar todas as possessões ibéricas, especialmente as portuguesas, pela Companhia das Índias Holandesas. Deixa de haver um direito natural associado a qualquer descoberta, ou a validação papal... os holandeses passam a atacar as possessões dos restantes, conforme os seus interesses. Só respeitariam os acordos de paz, que seriam depois firmados entre Estados. 
É nesse sentido que proliferam os Tratados de Paz, porque são a única lei respeitada, por via de conflito.

Ainda assim, é notável que os Holandeses são mais temerários em atacar as possessões alheias do que propriamente a desbravar novos territórios, mesmo aqueles que eles sabiam existir e não estavam declarados. Têm especial cuidado com a Austrália... onde só arriscam avançar pela parte ocidental. Na América entram em disputa com os ingleses na posse da costa leste, mas nada fazem na costa oeste!
Ignoram praticamente todas as ilhas do Pacífico, excepto a parte Indonésia.

Ou seja, parecia manter-se uma proibição, uma auto-exclusão mais forte do que a simples lei internacional que Grotius enunciara, e que entrara em vigor após Vestfália. Havia territórios ainda assombrados de onde não saíam os fantasmas, mesmo por via das relações internacionais. As Companhias das Índias pareciam sobrepor-se às relações estatais...
A globalização só acaba por ocorrer quando o poder migra para a City de Londres, especialmente quando é autorizada a descoberta de Cook, que é praticamente simultânea à Independência dos EUA.
A Holanda será quase esquecida, o poder financeiro já tinha definido um novo centro de acção...
Afinal, tão ou  mais importante que a relação entre os Estados, seria definir um sistema político que mantivesse um certo secretismo, ao mesmo tempo que aparentava ser democrático.
Entravam aí as teorias sociais... especialmente de Thomas Hobbes, que definiria o "Contrato Social", a que se seguiram Locke e Rousseau.
Teorias que pouco mais serviam do que para justificar o "status quo", arranjando um qualquer nexo causal que eliminasse responsabilidade de quem teria o poder. Como se qualquer jovem que nasce tivesse delegado, por sua vontade, algum poder no sistema que definiria a sua própria formação e o condicionaria na sua inserção social e cultural.
Tal como no caso de Grotius, estas teorias traziam um substrato ideológico, mas pouco mais eram do que uma mera descrição do observado e do trivial, não fornecendo nenhuma teoria que justificasse relações humanas ou lhes desse um verdadeiro nexo.

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publicado às 04:36

O crash da bolsa de Nova York no final de Outubro de 1929 tem um gráfico do índice Dow Jones que é semelhante, mas menos drástico, do que aquele que vimos a propósito da tulipomania.

Na década de 1930, para responder ao colapso financeiro, surgiram soluções de revitalização da economia, sendo especialmente seguidos conselhos de Keynes, nomeadamente no papel de estímulo intervencionista que Roosevelt adoptou, numa altura em que só o Estado poderia repor a crise de confiança, de fé na economia. 
Keynes advogou a separação entre o ouro e a moeda, algo natural pois a escassez do metal tenderia a não reflectir a expansão da economia. Já mesmo antes da 1ª Guerra Mundial, em situações de crise, o padrão do ouro era abandonado, favorecendo uma impressão de moeda sem referencial fixo, como acontecera com Portugal desde 1891, ou seja, após a bancarrota monárquica.

Em 1924 a impressão de dinheiro vai ser levada ao extremo. Entra em cena o famoso "burlão", Alves do Reis, com um incrível processo de falsificação de notas de 500 escudos (as mais elevadas). Com uma "conveniente" série de cúmplices, e com falsificações de documentos, consegue uma ordem de impressão de notas em Inglaterra. Pela primeira vez, e creio que única, um indivíduo iria substituir-se ao Estado na impressão de dinheiro, usando a mesma casa que o Estado para a impressão de notas falsas.

O esquema era audacioso, porque através do Banco de Angola e Metrópole, que acabara de criar, e de outros expedientes, iria proceder à lavagem de dinheiro. Concedendo empréstimos a juros mais baixos, colocaria as suas notas no mercado, e receberia depois dinheiro "legal", mais juros.
Um esquema semelhante ao que tinha usado para comprar uma grande empresa, a Ambaca... com cheques falsos! Depois de a adquirir, usaria o próprio capital da empresa para cobrir os cheques falsos que tinha passado. Acabou preso, mas por falha processual foi solto em 1924, e avançou logo para o esquema mais audaz - produzir dinheiro. Planeava adquirir o controlo do próprio Banco de Portugal, evitando depois qualquer ordem de investigação. Em 1925 acabou por ser apanhado numa investigação jornalística, e foi depois condenado a 20 anos, só saindo em 1945.

Alves dos Reis, após ser libertado em 1946 (daqui).

Argumentou que apenas tinha procurado colocar dinheiro em Angola para dinamizar a economia dessa colónia. Lembro-me de ter visto um filme antigo, que terminava com ele dizendo: "Ainda me vão pedir para salvar as finanças"... ou algo semelhante, mas caberia a Salazar esse papel, com outra política!

Este caso é bem conhecido, documentado, e é ainda alvo de estudos - os ensinamentos de Alves dos Reis acabaram por fazer escola... 

- Primeiro, nos anos 1980, houve uma recuperação dos bancos nacionalizados no 25 de Abril, em que foram usados praticamente os mesmos expedientes. Gente aparentemente falida teve crédito para comprar bancos e usou depois o próprio capital dos bancos adquiridos para efectivar a compra. Um expediente à Alves dos Reis efectivou a devolução, com os naturais custos e benefícios políticos decorrentes das cumplicidades.

- Segundo, a ideia do esquema de impressão de dinheiro para financiar a economia, podia ser anterior, mas obviamente era apenas autorizada aos estados, e gerava inflação galopante, por se distanciar do padrão do ouro internacional. A inflação na Alemanha, durante a República de Weimar, nos anos 20, foi exemplo disso. O descontrolo era induzido externamente, porque o comércio acabava por aceitar qualquer moeda a um câmbio que arruinava o marco. Quando o marco foi suspenso, em 1930, haveria mais notas antigas nos EUA do que na Alemanha. É claro que a produção de moeda, independente do padrão, só poderia resultar num país que não dependesse do exterior, o que não era o caso alemão, nem português, nos anos 20. Foi só com a consolidação de alguma auto-suficiência e independência, através de regimes ditatoriais, que a crise desses países foi afastada nos anos 30. 
O argumento de Alves dos Reis - o financiamento a Angola - antevia o aspecto keynesiano de investimento numa colónia que dinamizaria uma região auto-suficiente, e os estudos apontam para que a impressão de Alves dos Reis, de 1% do PIB, terá tido pouco efeito na inflação.
Aliás, as notas fabricadas pela 1ª República tiveram um destino tão ou mais incerto do que as recebidas pelo falsário... e se ele emprestava dinheiro a juros baixos, o dinheiro fabricado pelos governantes da república maçónica parece ter-se perdido em investimentos "desconhecidos".

- Terceiro, a capacidade privada de inventar capital, foi levada ao extremo recentemente, com os chamados "produtos tóxicos", essencialmente contratos de futuros das tulipas numa versão menos floral. Não foi inventar notas, mas foi inventar dinheiro... dinheiro que não existia hoje, hipotecando gerações futuras ao pagamento desse capital.
Se a ideia de Alves dos Reis era inventar dinheiro para comprar o Banco de Portugal, a ideia recente parece ter sido  inventar capital para comprar as dívidas soberanas de todo o mundo. A megalomania de Alves dos Reis foi levada à escala global.
Ora, Alves dos Reis sabia que quando controlasse o Banco de Portugal abafaria as suspeitas, e de forma semelhante comprando as dívidas soberanas controla-se a economia dos estados e condicionam-se as suas decisões. Uma vez em controlo, Alves dos Reis poderia argumentar que a culpa do descalabro das finanças era da anterior direcção, da mesma forma que hoje se imputam culpas aos governos dos estados. Com uma boa propaganda é sempre fácil definir o culpado conveniente...
Os contratos de futuro funcionaram como cheques sem cobertura, e tal como no caso das tulipas, quem inventou a valorização, certificada por agências, bolsas, bancos e até universidades, foi quem depois passou para o outro lado, exigindo a sua liquidez, arruinando o seu valor.

Se no caso de Alves dos Reis, o Estado português acabou por conseguir ser indemnizado pela companhia produtora das notas (que foi à falência - escapando incólume o seu gestor, depois Mayor de Londres), o caso actual revelou a sua faceta de resgate. Sob a ameaça de colapso, houve um autêntico rapto da economia internacional, e o pedido de resgate foi validar os contratos feitos com os "cheques falsos"... a maioria estava em bancos privados. Com o pretexto de não arruinar os depositantes e a confiança no sistema bancário, a liquidez seria exigida pela cobertura estatal, ou seja, pelos contribuintes, com aumento de impostos. Também seria expectável que Alves dos Reis, se ficasse em controlo do Banco de Portugal, exigisse a validade das suas notas, sob pena de desbaratar o próprio banco.
O resgate leva à situação caricata de uma dívida mundial colossal, sem que se perceba onde estava afinal o crédito que permitiu o empréstimo... e é simples, estava a germinar nos bulbos das tulipas.

Termino, com umas considerações básicas, mas que são usualmente negligenciadas.
O dinheiro é uma manifestação de fé. Usa-se a palavra crédito como sinónimo.
Uma nota transporta a fé de que aquele papel vale alguma coisa para quem o recebe. Já era assim com o ouro, e não adiantava muito negociar ouro com indígenas que não lhe dessem valor. Todo o sistema financeiro assenta numa base de fé, implantada pela pena, ou em casos mais sérios, pela espada.
A máxima realização possível numa vida terrena é ter crédito infindável, com qualquer interveniente. Por isso, quanto mais for valorizado o dinheiro, mais fácil é obter não apenas o trabalho, mas até a  própria vontade alheia. Os valores humanos, fundados pela educação moral, acabam por ceder ao mural do dinheiro.
Assim, tem-se tornado fácil ver pessoas abdicar da sua compostura moral, e fazerem figuras ridículas a troco de alguns cobres. O reconhecimento social tende assim a ser medido apenas pelo valor do dinheiro, facilitando as negociações. É complicado negociar com pessoas com escrúpulos, e outros detalhes morais, que só atrapalham uma fácil negociação. Os detentores do capital de crédito tornam-se assim em autênticos génios da lâmpada, endeusados, capazes de satisfazer qualquer desejo terreno, desde que possa ser comprado.
Quando a finança endeusada tiver capital e técnica suficiente para tal realização, as restantes divindades tornam-se obsoletas. Objectivamente, grande parte dos desejos mortais cumprir-se-iam através de riqueza financeira... aceite a submissão, uma romaria a Wall Street seria mais eficaz do que a Fátima... O pragmatismo científico procura anular dúvidas sobre o universo, e ridicularizar explicações com intervenção divina, só faltando vencer a barreira da doença e morte para terminar com os medos dessa natureza. Tudo o resto será negociável, desde que a educação cuide de eliminar moralidades.
A educação com valores morais e medos mortais é apenas aplicada a uma população subserviente, como forma de controlo. Impregnar conceitos morais é uma antiga forma de impregnar previsibilidade... pessoas honestas, sinceras, leais, são mais previsíveis e facilmente controláveis. A educação sempre cuidou que houvesse menos perigo de rebelião, incutindo comportamentos correctos e medos nas falhas. As barreiras da moralidade popular são cercas mentais destinadas a encurralar o rebanho, e quase sempre foram negligenciadas pela aristocracia, excepto pela sua compostura externa. O cidadão vulgar preocupa-se em não infringir a lei, enquanto que quem tem crédito procura saber se é mais barato/proveitoso seguir a lei, quebrá-la, ou mudá-la.

Se os diversos países tivessem economias independentes e fossem minimamente auto-suficientes, seria necessário controlar cada um deles individualmente. Ao contrário, uma interdependência entre os diversos países acaba por torná-los mais frágeis. Com o pretexto do preço mais baixo, abolindo protecções, concentra-se a agricultura nuns países, a indústria e a tecnologia noutros. Todos ficam reféns de relações comerciais, sob pena de se verem sem produtos fundamentais. Neste contexto, um país auto-suficiente, como os EUA, passou a ter uma dependência exagerada promovida por uma deslocalização dos seus centros industriais. Contrai actualmente mais dívida num ano do que contraíra antes em cem anos.

No entanto, todas as dificuldades económicas são fictícias, e resultam de manipulações financeiras. Nunca, como agora, se produziu tanto, e tudo com o objectivo de melhorar a vida dos cidadãos... a ciência e a tecnologia cresceram com esse esforço propagandeado. No entanto, os progressos tecnológicos passaram a ficar reféns das opções da política financeira, que condiciona a distribuição de riqueza. Pouco adianta a agricultura ou a indústria renderem 10 vezes mais se os produtos não forem distribuídos e não houver compradores. Pouco adianta a maquinaria retirar o esforço humano, se isso se converter, não em menos trabalho, mas sim em desemprego. Para quem lembrar o Life Aid de 1985, percebe como quase 30 anos depois a situação em África tende a ser de pena perpétua. A Europa pode ter uma grande dívida com África, mas não é a ela que a está a pagar...
O estado social, assegurando reformas e pensões, acabou por jogar nos contratos de futuros. As reformas dos pais seriam pagas pelos impostos dos filhos, por um processo indirecto, gerido pela finança dos fundos de pensões.

O ponto básico para um país ser praticamente auto-suficiente é o de restabelecer a sua produção interna, especialmente agrícola, já que um país faminto nunca será independente. A produção industrial tem igualmente que ser minimamente eficaz, e ainda que não se possa competir sozinho na vanguarda tecnológica, tem que se criar valor que permita essas importações. Tudo isto é rapidamente exequível com moeda própria, onde assenta a soberania financeira. A moeda deve ter um padrão fixo, correspondente à riqueza produzida, ou seja deve ter valor económico. O valor financeiro, resultante da moeda gerar moeda, pela criação artificial de juros e rendimentos, leva a uma transferência de riqueza, da produção económica para a especulação financeira. O excesso de produção leva a uma competição estéril, que desaproveita recursos e abre falências. O valor dessa produção mais sofisticada não fica no produtor, que consegue baixar preços, mas sim no seu financiador.

No entanto, o maior problema será sempre o boicote dos cidadãos, porque em última análise, eles detêm o poder de reduzir o seu consumo ao mínimo, e fazer colapsar o mercado. Até porque o maior problema é de procura e não de oferta. A oferta existe ao ponto de ser gratuita, como é o caso da maioria de serviços na internet.
Só há um ponto em que não há possibilidade de evitar a procura - os bens alimentares, e é por aí que começam os novos problemas. Já é sabido que as sementes mais eficazes e resistentes a infecções são vendidas como estéreis, e assim o agricultor fica sempre dependente da "semente patenteada".
Passos seguintes têm sido dados no sentido de introduzir alimentos geneticamente modificados - todos patenteados nos EUA, especialmente pela Monsanto. A Europa parece ter tentado resistir à sua introdução, e é altamente simbólica a construção do
chamado o Doomsday Seed Vault... (ver também "o cofre do fim do mundo"), e eu diria que não será tanto pelo medo de catástrofes naturais, ou pelo "fim do mundo maia" anunciado para 21/12/12, a menos que...
Digamos que uma praga à escala mundial, poderia danificar irremediavelmente todas as plantas existentes... ao estilo de extinção das alcas e pombos. Ao bom estilo da conspiração, o que poderia salvar a agricultura? - Talvez as sementes geneticamente modificadas? - Bom negócio? - Sim, para quem detiver a patente.
A este propósito é instrutiva a conferência dada por William Engdahl no Vaticano, que para além do "A Century of War", escreveu outro livro, com o nome elucidativo: "Seeds of Destruction".

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:49

O crash da bolsa de Nova York no final de Outubro de 1929 tem um gráfico do índice Dow Jones que é semelhante, mas menos drástico, do que aquele que vimos a propósito da tulipomania.

Na década de 1930, para responder ao colapso financeiro, surgiram soluções de revitalização da economia, sendo especialmente seguidos conselhos de Keynes, nomeadamente no papel de estímulo intervencionista que Roosevelt adoptou, numa altura em que só o Estado poderia repor a crise de confiança, de fé na economia. 
Keynes advogou a separação entre o ouro e a moeda, algo natural pois a escassez do metal tenderia a não reflectir a expansão da economia. Já mesmo antes da 1ª Guerra Mundial, em situações de crise, o padrão do ouro era abandonado, favorecendo uma impressão de moeda sem referencial fixo, como acontecera com Portugal desde 1891, ou seja, após a bancarrota monárquica.

Em 1924 a impressão de dinheiro vai ser levada ao extremo. Entra em cena o famoso "burlão", Alves do Reis, com um incrível processo de falsificação de notas de 500 escudos (as mais elevadas). Com uma "conveniente" série de cúmplices, e com falsificações de documentos, consegue uma ordem de impressão de notas em Inglaterra. Pela primeira vez, e creio que única, um indivíduo iria substituir-se ao Estado na impressão de dinheiro, usando a mesma casa que o Estado para a impressão de notas falsas.

O esquema era audacioso, porque através do Banco de Angola e Metrópole, que acabara de criar, e de outros expedientes, iria proceder à lavagem de dinheiro. Concedendo empréstimos a juros mais baixos, colocaria as suas notas no mercado, e receberia depois dinheiro "legal", mais juros.
Um esquema semelhante ao que tinha usado para comprar uma grande empresa, a Ambaca... com cheques falsos! Depois de a adquirir, usaria o próprio capital da empresa para cobrir os cheques falsos que tinha passado. Acabou preso, mas por falha processual foi solto em 1924, e avançou logo para o esquema mais audaz - produzir dinheiro. Planeava adquirir o controlo do próprio Banco de Portugal, evitando depois qualquer ordem de investigação. Em 1925 acabou por ser apanhado numa investigação jornalística, e foi depois condenado a 20 anos, só saindo em 1945.

Alves dos Reis, após ser libertado em 1946 (daqui).

Argumentou que apenas tinha procurado colocar dinheiro em Angola para dinamizar a economia dessa colónia. Lembro-me de ter visto um filme antigo, que terminava com ele dizendo: "Ainda me vão pedir para salvar as finanças"... ou algo semelhante, mas caberia a Salazar esse papel, com outra política!

Este caso é bem conhecido, documentado, e é ainda alvo de estudos - os ensinamentos de Alves dos Reis acabaram por fazer escola... 

- Primeiro, nos anos 1980, houve uma recuperação dos bancos nacionalizados no 25 de Abril, em que foram usados praticamente os mesmos expedientes. Gente aparentemente falida teve crédito para comprar bancos e usou depois o próprio capital dos bancos adquiridos para efectivar a compra. Um expediente à Alves dos Reis efectivou a devolução, com os naturais custos e benefícios políticos decorrentes das cumplicidades.

- Segundo, a ideia do esquema de impressão de dinheiro para financiar a economia, podia ser anterior, mas obviamente era apenas autorizada aos estados, e gerava inflação galopante, por se distanciar do padrão do ouro internacional. A inflação na Alemanha, durante a República de Weimar, nos anos 20, foi exemplo disso. O descontrolo era induzido externamente, porque o comércio acabava por aceitar qualquer moeda a um câmbio que arruinava o marco. Quando o marco foi suspenso, em 1930, haveria mais notas antigas nos EUA do que na Alemanha. É claro que a produção de moeda, independente do padrão, só poderia resultar num país que não dependesse do exterior, o que não era o caso alemão, nem português, nos anos 20. Foi só com a consolidação de alguma auto-suficiência e independência, através de regimes ditatoriais, que a crise desses países foi afastada nos anos 30. 
O argumento de Alves dos Reis - o financiamento a Angola - antevia o aspecto keynesiano de investimento numa colónia que dinamizaria uma região auto-suficiente, e os estudos apontam para que a impressão de Alves dos Reis, de 1% do PIB, terá tido pouco efeito na inflação.
Aliás, as notas fabricadas pela 1ª República tiveram um destino tão ou mais incerto do que as recebidas pelo falsário... e se ele emprestava dinheiro a juros baixos, o dinheiro fabricado pelos governantes da república maçónica parece ter-se perdido em investimentos "desconhecidos".

- Terceiro, a capacidade privada de inventar capital, foi levada ao extremo recentemente, com os chamados "produtos tóxicos", essencialmente contratos de futuros das tulipas numa versão menos floral. Não foi inventar notas, mas foi inventar dinheiro... dinheiro que não existia hoje, hipotecando gerações futuras ao pagamento desse capital.
Se a ideia de Alves dos Reis era inventar dinheiro para comprar o Banco de Portugal, a ideia recente parece ter sido  inventar capital para comprar as dívidas soberanas de todo o mundo. A megalomania de Alves dos Reis foi levada à escala global.
Ora, Alves dos Reis sabia que quando controlasse o Banco de Portugal abafaria as suspeitas, e de forma semelhante comprando as dívidas soberanas controla-se a economia dos estados e condicionam-se as suas decisões. Uma vez em controlo, Alves dos Reis poderia argumentar que a culpa do descalabro das finanças era da anterior direcção, da mesma forma que hoje se imputam culpas aos governos dos estados. Com uma boa propaganda é sempre fácil definir o culpado conveniente...
Os contratos de futuro funcionaram como cheques sem cobertura, e tal como no caso das tulipas, quem inventou a valorização, certificada por agências, bolsas, bancos e até universidades, foi quem depois passou para o outro lado, exigindo a sua liquidez, arruinando o seu valor.

Se no caso de Alves dos Reis, o Estado português acabou por conseguir ser indemnizado pela companhia produtora das notas (que foi à falência - escapando incólume o seu gestor, depois Mayor de Londres), o caso actual revelou a sua faceta de resgate. Sob a ameaça de colapso, houve um autêntico rapto da economia internacional, e o pedido de resgate foi validar os contratos feitos com os "cheques falsos"... a maioria estava em bancos privados. Com o pretexto de não arruinar os depositantes e a confiança no sistema bancário, a liquidez seria exigida pela cobertura estatal, ou seja, pelos contribuintes, com aumento de impostos. Também seria expectável que Alves dos Reis, se ficasse em controlo do Banco de Portugal, exigisse a validade das suas notas, sob pena de desbaratar o próprio banco.
O resgate leva à situação caricata de uma dívida mundial colossal, sem que se perceba onde estava afinal o crédito que permitiu o empréstimo... e é simples, estava a germinar nos bulbos das tulipas.

Termino, com umas considerações básicas, mas que são usualmente negligenciadas.
O dinheiro é uma manifestação de fé. Usa-se a palavra crédito como sinónimo.
Uma nota transporta a fé de que aquele papel vale alguma coisa para quem o recebe. Já era assim com o ouro, e não adiantava muito negociar ouro com indígenas que não lhe dessem valor. Todo o sistema financeiro assenta numa base de fé, implantada pela pena, ou em casos mais sérios, pela espada.
A máxima realização possível numa vida terrena é ter crédito infindável, com qualquer interveniente. Por isso, quanto mais for valorizado o dinheiro, mais fácil é obter não apenas o trabalho, mas até a  própria vontade alheia. Os valores humanos, fundados pela educação moral, acabam por ceder ao mural do dinheiro.
Assim, tem-se tornado fácil ver pessoas abdicar da sua compostura moral, e fazerem figuras ridículas a troco de alguns cobres. O reconhecimento social tende assim a ser medido apenas pelo valor do dinheiro, facilitando as negociações. É complicado negociar com pessoas com escrúpulos, e outros detalhes morais, que só atrapalham uma fácil negociação. Os detentores do capital de crédito tornam-se assim em autênticos génios da lâmpada, endeusados, capazes de satisfazer qualquer desejo terreno, desde que possa ser comprado.
Quando a finança endeusada tiver capital e técnica suficiente para tal realização, as restantes divindades tornam-se obsoletas. Objectivamente, grande parte dos desejos mortais cumprir-se-iam através de riqueza financeira... aceite a submissão, uma romaria a Wall Street seria mais eficaz do que a Fátima... O pragmatismo científico procura anular dúvidas sobre o universo, e ridicularizar explicações com intervenção divina, só faltando vencer a barreira da doença e morte para terminar com os medos dessa natureza. Tudo o resto será negociável, desde que a educação cuide de eliminar moralidades.
A educação com valores morais e medos mortais é apenas aplicada a uma população subserviente, como forma de controlo. Impregnar conceitos morais é uma antiga forma de impregnar previsibilidade... pessoas honestas, sinceras, leais, são mais previsíveis e facilmente controláveis. A educação sempre cuidou que houvesse menos perigo de rebelião, incutindo comportamentos correctos e medos nas falhas. As barreiras da moralidade popular são cercas mentais destinadas a encurralar o rebanho, e quase sempre foram negligenciadas pela aristocracia, excepto pela sua compostura externa. O cidadão vulgar preocupa-se em não infringir a lei, enquanto que quem tem crédito procura saber se é mais barato/proveitoso seguir a lei, quebrá-la, ou mudá-la.

Se os diversos países tivessem economias independentes e fossem minimamente auto-suficientes, seria necessário controlar cada um deles individualmente. Ao contrário, uma interdependência entre os diversos países acaba por torná-los mais frágeis. Com o pretexto do preço mais baixo, abolindo protecções, concentra-se a agricultura nuns países, a indústria e a tecnologia noutros. Todos ficam reféns de relações comerciais, sob pena de se verem sem produtos fundamentais. Neste contexto, um país auto-suficiente, como os EUA, passou a ter uma dependência exagerada promovida por uma deslocalização dos seus centros industriais. Contrai actualmente mais dívida num ano do que contraíra antes em cem anos.

No entanto, todas as dificuldades económicas são fictícias, e resultam de manipulações financeiras. Nunca, como agora, se produziu tanto, e tudo com o objectivo de melhorar a vida dos cidadãos... a ciência e a tecnologia cresceram com esse esforço propagandeado. No entanto, os progressos tecnológicos passaram a ficar reféns das opções da política financeira, que condiciona a distribuição de riqueza. Pouco adianta a agricultura ou a indústria renderem 10 vezes mais se os produtos não forem distribuídos e não houver compradores. Pouco adianta a maquinaria retirar o esforço humano, se isso se converter, não em menos trabalho, mas sim em desemprego. Para quem lembrar o Life Aid de 1985, percebe como quase 30 anos depois a situação em África tende a ser de pena perpétua. A Europa pode ter uma grande dívida com África, mas não é a ela que a está a pagar...
O estado social, assegurando reformas e pensões, acabou por jogar nos contratos de futuros. As reformas dos pais seriam pagas pelos impostos dos filhos, por um processo indirecto, gerido pela finança dos fundos de pensões.

O ponto básico para um país ser praticamente auto-suficiente é o de restabelecer a sua produção interna, especialmente agrícola, já que um país faminto nunca será independente. A produção industrial tem igualmente que ser minimamente eficaz, e ainda que não se possa competir sozinho na vanguarda tecnológica, tem que se criar valor que permita essas importações. Tudo isto é rapidamente exequível com moeda própria, onde assenta a soberania financeira. A moeda deve ter um padrão fixo, correspondente à riqueza produzida, ou seja deve ter valor económico. O valor financeiro, resultante da moeda gerar moeda, pela criação artificial de juros e rendimentos, leva a uma transferência de riqueza, da produção económica para a especulação financeira. O excesso de produção leva a uma competição estéril, que desaproveita recursos e abre falências. O valor dessa produção mais sofisticada não fica no produtor, que consegue baixar preços, mas sim no seu financiador.

No entanto, o maior problema será sempre o boicote dos cidadãos, porque em última análise, eles detêm o poder de reduzir o seu consumo ao mínimo, e fazer colapsar o mercado. Até porque o maior problema é de procura e não de oferta. A oferta existe ao ponto de ser gratuita, como é o caso da maioria de serviços na internet.
Só há um ponto em que não há possibilidade de evitar a procura - os bens alimentares, e é por aí que começam os novos problemas. Já é sabido que as sementes mais eficazes e resistentes a infecções são vendidas como estéreis, e assim o agricultor fica sempre dependente da "semente patenteada".
Passos seguintes têm sido dados no sentido de introduzir alimentos geneticamente modificados - todos patenteados nos EUA, especialmente pela Monsanto. A Europa parece ter tentado resistir à sua introdução, e é altamente simbólica a construção do
chamado o Doomsday Seed Vault... (ver também "o cofre do fim do mundo"), e eu diria que não será tanto pelo medo de catástrofes naturais, ou pelo "fim do mundo maia" anunciado para 21/12/12, a menos que...
Digamos que uma praga à escala mundial, poderia danificar irremediavelmente todas as plantas existentes... ao estilo de extinção das alcas e pombos. Ao bom estilo da conspiração, o que poderia salvar a agricultura? - Talvez as sementes geneticamente modificadas? - Bom negócio? - Sim, para quem detiver a patente.
A este propósito é instrutiva a conferência dada por William Engdahl no Vaticano, que para além do "A Century of War", escreveu outro livro, com o nome elucidativo: "Seeds of Destruction".

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 07:49

O crash da bolsa de Nova York no final de Outubro de 1929 tem um gráfico do índice Dow Jones que é semelhante, mas menos drástico, do que aquele que vimos a propósito da tulipomania.

Na década de 1930, para responder ao colapso financeiro, surgiram soluções de revitalização da economia, sendo especialmente seguidos conselhos de Keynes, nomeadamente no papel de estímulo intervencionista que Roosevelt adoptou, numa altura em que só o Estado poderia repor a crise de confiança, de fé na economia. 
Keynes advogou a separação entre o ouro e a moeda, algo natural pois a escassez do metal tenderia a não reflectir a expansão da economia. Já mesmo antes da 1ª Guerra Mundial, em situações de crise, o padrão do ouro era abandonado, favorecendo uma impressão de moeda sem referencial fixo, como acontecera com Portugal desde 1891, ou seja, após a bancarrota monárquica.

Em 1924 a impressão de dinheiro vai ser levada ao extremo. Entra em cena o famoso "burlão", Alves do Reis, com um incrível processo de falsificação de notas de 500 escudos (as mais elevadas). Com uma "conveniente" série de cúmplices, e com falsificações de documentos, consegue uma ordem de impressão de notas em Inglaterra. Pela primeira vez, e creio que única, um indivíduo iria substituir-se ao Estado na impressão de dinheiro, usando a mesma casa que o Estado para a impressão de notas falsas.

O esquema era audacioso, porque através do Banco de Angola e Metrópole, que acabara de criar, e de outros expedientes, iria proceder à lavagem de dinheiro. Concedendo empréstimos a juros mais baixos, colocaria as suas notas no mercado, e receberia depois dinheiro "legal", mais juros.
Um esquema semelhante ao que tinha usado para comprar uma grande empresa, a Ambaca... com cheques falsos! Depois de a adquirir, usaria o próprio capital da empresa para cobrir os cheques falsos que tinha passado. Acabou preso, mas por falha processual foi solto em 1924, e avançou logo para o esquema mais audaz - produzir dinheiro. Planeava adquirir o controlo do próprio Banco de Portugal, evitando depois qualquer ordem de investigação. Em 1925 acabou por ser apanhado numa investigação jornalística, e foi depois condenado a 20 anos, só saindo em 1945.

Alves dos Reis, após ser libertado em 1946 (daqui).

Argumentou que apenas tinha procurado colocar dinheiro em Angola para dinamizar a economia dessa colónia. Lembro-me de ter visto um filme antigo, que terminava com ele dizendo: "Ainda me vão pedir para salvar as finanças"... ou algo semelhante, mas caberia a Salazar esse papel, com outra política!

Este caso é bem conhecido, documentado, e é ainda alvo de estudos - os ensinamentos de Alves dos Reis acabaram por fazer escola... 

- Primeiro, nos anos 1980, houve uma recuperação dos bancos nacionalizados no 25 de Abril, em que foram usados praticamente os mesmos expedientes. Gente aparentemente falida teve crédito para comprar bancos e usou depois o próprio capital dos bancos adquiridos para efectivar a compra. Um expediente à Alves dos Reis efectivou a devolução, com os naturais custos e benefícios políticos decorrentes das cumplicidades.

- Segundo, a ideia do esquema de impressão de dinheiro para financiar a economia, podia ser anterior, mas obviamente era apenas autorizada aos estados, e gerava inflação galopante, por se distanciar do padrão do ouro internacional. A inflação na Alemanha, durante a República de Weimar, nos anos 20, foi exemplo disso. O descontrolo era induzido externamente, porque o comércio acabava por aceitar qualquer moeda a um câmbio que arruinava o marco. Quando o marco foi suspenso, em 1930, haveria mais notas antigas nos EUA do que na Alemanha. É claro que a produção de moeda, independente do padrão, só poderia resultar num país que não dependesse do exterior, o que não era o caso alemão, nem português, nos anos 20. Foi só com a consolidação de alguma auto-suficiência e independência, através de regimes ditatoriais, que a crise desses países foi afastada nos anos 30. 
O argumento de Alves dos Reis - o financiamento a Angola - antevia o aspecto keynesiano de investimento numa colónia que dinamizaria uma região auto-suficiente, e os estudos apontam para que a impressão de Alves dos Reis, de 1% do PIB, terá tido pouco efeito na inflação.
Aliás, as notas fabricadas pela 1ª República tiveram um destino tão ou mais incerto do que as recebidas pelo falsário... e se ele emprestava dinheiro a juros baixos, o dinheiro fabricado pelos governantes da república maçónica parece ter-se perdido em investimentos "desconhecidos".

- Terceiro, a capacidade privada de inventar capital, foi levada ao extremo recentemente, com os chamados "produtos tóxicos", essencialmente contratos de futuros das tulipas numa versão menos floral. Não foi inventar notas, mas foi inventar dinheiro... dinheiro que não existia hoje, hipotecando gerações futuras ao pagamento desse capital.
Se a ideia de Alves dos Reis era inventar dinheiro para comprar o Banco de Portugal, a ideia recente parece ter sido  inventar capital para comprar as dívidas soberanas de todo o mundo. A megalomania de Alves dos Reis foi levada à escala global.
Ora, Alves dos Reis sabia que quando controlasse o Banco de Portugal abafaria as suspeitas, e de forma semelhante comprando as dívidas soberanas controla-se a economia dos estados e condicionam-se as suas decisões. Uma vez em controlo, Alves dos Reis poderia argumentar que a culpa do descalabro das finanças era da anterior direcção, da mesma forma que hoje se imputam culpas aos governos dos estados. Com uma boa propaganda é sempre fácil definir o culpado conveniente...
Os contratos de futuro funcionaram como cheques sem cobertura, e tal como no caso das tulipas, quem inventou a valorização, certificada por agências, bolsas, bancos e até universidades, foi quem depois passou para o outro lado, exigindo a sua liquidez, arruinando o seu valor.

Se no caso de Alves dos Reis, o Estado português acabou por conseguir ser indemnizado pela companhia produtora das notas (que foi à falência - escapando incólume o seu gestor, depois Mayor de Londres), o caso actual revelou a sua faceta de resgate. Sob a ameaça de colapso, houve um autêntico rapto da economia internacional, e o pedido de resgate foi validar os contratos feitos com os "cheques falsos"... a maioria estava em bancos privados. Com o pretexto de não arruinar os depositantes e a confiança no sistema bancário, a liquidez seria exigida pela cobertura estatal, ou seja, pelos contribuintes, com aumento de impostos. Também seria expectável que Alves dos Reis, se ficasse em controlo do Banco de Portugal, exigisse a validade das suas notas, sob pena de desbaratar o próprio banco.
O resgate leva à situação caricata de uma dívida mundial colossal, sem que se perceba onde estava afinal o crédito que permitiu o empréstimo... e é simples, estava a germinar nos bulbos das tulipas.

Termino, com umas considerações básicas, mas que são usualmente negligenciadas.
O dinheiro é uma manifestação de fé. Usa-se a palavra crédito como sinónimo.
Uma nota transporta a fé de que aquele papel vale alguma coisa para quem o recebe. Já era assim com o ouro, e não adiantava muito negociar ouro com indígenas que não lhe dessem valor. Todo o sistema financeiro assenta numa base de fé, implantada pela pena, ou em casos mais sérios, pela espada.
A máxima realização possível numa vida terrena é ter crédito infindável, com qualquer interveniente. Por isso, quanto mais for valorizado o dinheiro, mais fácil é obter não apenas o trabalho, mas até a  própria vontade alheia. Os valores humanos, fundados pela educação moral, acabam por ceder ao mural do dinheiro.
Assim, tem-se tornado fácil ver pessoas abdicar da sua compostura moral, e fazerem figuras ridículas a troco de alguns cobres. O reconhecimento social tende assim a ser medido apenas pelo valor do dinheiro, facilitando as negociações. É complicado negociar com pessoas com escrúpulos, e outros detalhes morais, que só atrapalham uma fácil negociação. Os detentores do capital de crédito tornam-se assim em autênticos génios da lâmpada, endeusados, capazes de satisfazer qualquer desejo terreno, desde que possa ser comprado.
Quando a finança endeusada tiver capital e técnica suficiente para tal realização, as restantes divindades tornam-se obsoletas. Objectivamente, grande parte dos desejos mortais cumprir-se-iam através de riqueza financeira... aceite a submissão, uma romaria a Wall Street seria mais eficaz do que a Fátima... O pragmatismo científico procura anular dúvidas sobre o universo, e ridicularizar explicações com intervenção divina, só faltando vencer a barreira da doença e morte para terminar com os medos dessa natureza. Tudo o resto será negociável, desde que a educação cuide de eliminar moralidades.
A educação com valores morais e medos mortais é apenas aplicada a uma população subserviente, como forma de controlo. Impregnar conceitos morais é uma antiga forma de impregnar previsibilidade... pessoas honestas, sinceras, leais, são mais previsíveis e facilmente controláveis. A educação sempre cuidou que houvesse menos perigo de rebelião, incutindo comportamentos correctos e medos nas falhas. As barreiras da moralidade popular são cercas mentais destinadas a encurralar o rebanho, e quase sempre foram negligenciadas pela aristocracia, excepto pela sua compostura externa. O cidadão vulgar preocupa-se em não infringir a lei, enquanto que quem tem crédito procura saber se é mais barato/proveitoso seguir a lei, quebrá-la, ou mudá-la.

Se os diversos países tivessem economias independentes e fossem minimamente auto-suficientes, seria necessário controlar cada um deles individualmente. Ao contrário, uma interdependência entre os diversos países acaba por torná-los mais frágeis. Com o pretexto do preço mais baixo, abolindo protecções, concentra-se a agricultura nuns países, a indústria e a tecnologia noutros. Todos ficam reféns de relações comerciais, sob pena de se verem sem produtos fundamentais. Neste contexto, um país auto-suficiente, como os EUA, passou a ter uma dependência exagerada promovida por uma deslocalização dos seus centros industriais. Contrai actualmente mais dívida num ano do que contraíra antes em cem anos.

No entanto, todas as dificuldades económicas são fictícias, e resultam de manipulações financeiras. Nunca, como agora, se produziu tanto, e tudo com o objectivo de melhorar a vida dos cidadãos... a ciência e a tecnologia cresceram com esse esforço propagandeado. No entanto, os progressos tecnológicos passaram a ficar reféns das opções da política financeira, que condiciona a distribuição de riqueza. Pouco adianta a agricultura ou a indústria renderem 10 vezes mais se os produtos não forem distribuídos e não houver compradores. Pouco adianta a maquinaria retirar o esforço humano, se isso se converter, não em menos trabalho, mas sim em desemprego. Para quem lembrar o Life Aid de 1985, percebe como quase 30 anos depois a situação em África tende a ser de pena perpétua. A Europa pode ter uma grande dívida com África, mas não é a ela que a está a pagar...
O estado social, assegurando reformas e pensões, acabou por jogar nos contratos de futuros. As reformas dos pais seriam pagas pelos impostos dos filhos, por um processo indirecto, gerido pela finança dos fundos de pensões.

O ponto básico para um país ser praticamente auto-suficiente é o de restabelecer a sua produção interna, especialmente agrícola, já que um país faminto nunca será independente. A produção industrial tem igualmente que ser minimamente eficaz, e ainda que não se possa competir sozinho na vanguarda tecnológica, tem que se criar valor que permita essas importações. Tudo isto é rapidamente exequível com moeda própria, onde assenta a soberania financeira. A moeda deve ter um padrão fixo, correspondente à riqueza produzida, ou seja deve ter valor económico. O valor financeiro, resultante da moeda gerar moeda, pela criação artificial de juros e rendimentos, leva a uma transferência de riqueza, da produção económica para a especulação financeira. O excesso de produção leva a uma competição estéril, que desaproveita recursos e abre falências. O valor dessa produção mais sofisticada não fica no produtor, que consegue baixar preços, mas sim no seu financiador.

No entanto, o maior problema será sempre o boicote dos cidadãos, porque em última análise, eles detêm o poder de reduzir o seu consumo ao mínimo, e fazer colapsar o mercado. Até porque o maior problema é de procura e não de oferta. A oferta existe ao ponto de ser gratuita, como é o caso da maioria de serviços na internet.
Só há um ponto em que não há possibilidade de evitar a procura - os bens alimentares, e é por aí que começam os novos problemas. Já é sabido que as sementes mais eficazes e resistentes a infecções são vendidas como estéreis, e assim o agricultor fica sempre dependente da "semente patenteada".
Passos seguintes têm sido dados no sentido de introduzir alimentos geneticamente modificados - todos patenteados nos EUA, especialmente pela Monsanto. A Europa parece ter tentado resistir à sua introdução, e é altamente simbólica a construção do
chamado o Doomsday Seed Vault... (ver também "o cofre do fim do mundo"), e eu diria que não será tanto pelo medo de catástrofes naturais, ou pelo "fim do mundo maia" anunciado para 21/12/12, a menos que...
Digamos que uma praga à escala mundial, poderia danificar irremediavelmente todas as plantas existentes... ao estilo de extinção das alcas e pombos. Ao bom estilo da conspiração, o que poderia salvar a agricultura? - Talvez as sementes geneticamente modificadas? - Bom negócio? - Sim, para quem detiver a patente.
A este propósito é instrutiva a conferência dada por William Engdahl no Vaticano, que para além do "A Century of War", escreveu outro livro, com o nome elucidativo: "Seeds of Destruction".

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No início do Séc. XVII, a Holanda desenvolveu um particular gosto por tulipas, cujos bulbos podiam até ser comercializados com o valor de moeda. Uma das tulipas, denominada Semper Augustus foi negociada a valor recorde, uma pequena fortuna inalcançável ao normal cidadão holandês.


 
Publicidade ao investimento em tulipas e a famosa Semper Augustus  (wiki).


Esta importância das tulipas foi retomada em romance de 1850, de Alexandre Dumas, "A Tulipa Negra", talvez querendo alertar para o episódio, dado o peso que a especulação financeira retomava no final daquele século.
O fenómeno, que atingiu o pico máximo e o colapso em 1637, é chamado tulipomania, e tem características especulativas muito semelhantes a posteriores crises bolsistas.

(evolução exponencial dos preços entre 1634 e 1637)

Está documentada nesta altura uma forte publicidade e o aparecimento de "contratos de futuros". Estes contratos de futuros eram negociados com expectativas sobre o crescimento económico do valor dos bulbos de tulipas. O aumento dos preços permitia convencer a pagar alto pelo valor de tulipas que se iriam vender no futuro.
Estes mesmos contratos de futuros estiveram na origem da recente crise financeira de 2008, e não são por isso uma invenção recente, conforme é por vezes pensado. São uma arma financeira que permite o enriquecimento rápido de uns poucos, e a ruína abrupta de muitos mais... dito em poucas palavras, permite uma transferência e concentração de riqueza.

Por estranho que pareça, as pessoas parecem alertadas para os esquemas em pirâmide, ou outros contos do vigário, que aparecem aqui e ali (antigamente em cartas, hoje em emails), mas essas cautelas parecem desvanecer-se quando o intermediário aparenta uma credibilidade institucional.

As tulipas chegaram à Holanda originárias da Turquia, numa altura em que a jovem República Holandesa começava a crescer, recebendo o papel de potência marítima, para o qual foi crucial a emigração de muitos judeus, expulsos de Portugal e Espanha. Estes judeus, por sua vez, tinham a mesma origem remota que as tulipas que iriam ser negociadas na Holanda.

Aliás, convirá referir que este espírito capitalista, que desflorava nas tulipas holandesas, não terá tido muito provavelmente a sua estreia na Holanda. O primeiro registo de economia capitalista parece ter sido exercido pelos Khazares, da parte da Tartária contígua ao Mar Cáspio (que inclui as caucasianas Iberia e Albania), onde também surgiram os Otomanos que iriam arrasar Constantinopla.
A extensão do império Khazar até ao Séc. X.

Estes Khazares controlavam grande parte do comércio oriental, feito pela chamada "Rota da Seda", evitando o inicial bloqueio árabe, e a sua conversão ao judaísmo parece ter-se adequado à sua natureza de comerciantes. Sugere-se ainda que os Ashkenazi (basicamente os judeus europeus, de tez mais branca), são descendentes da emigração da Khazaria, que começou com o fim do império Khazar, basicamente desde o Séc. XI, tendo o seu apogeu com o fim da Idade Média, após a queda de Constantinopla. Podemos dizer que saíram da Iberia caucasiana em direcção à Ibéria atlântica, e depois à Holanda, onde foram reencontrar as tulipas nativas.
Bom, e se as tulipas lhes eram especialmente valiosas, por muito que fosse predominante o papel comercial judaico, na Holanda teriam que fazer um reinício, quase do zero. Porém, a nova Republica Holandesa permitia um sistema económico capitalista, que lhes era familiar, e que dominariam particularmente bem. Chegados sem bens notáveis, em breve consumariam uma transferência de riqueza que lhes permitira dominar a sociedade holandesa, em particular através da sua influência na Companhia das Índias Orientais, mas também através destes novos mecanismos especulativos, como foram os contratos de futuros feitos com tulipas.

Um simples bulbo de planta passava em dois ou três anos a valer mais que o ouro, e esta paranóia induzida aos holandeses terá permitido acumular fortunas a quem dominava perfeitamente as nuances do sistema capitalista.

A Holanda acaba por se definir como crucial para os acontecimentos seguintes. Curiosamente são os holandeses que fundam Nova York com o nome Nova Amsterdão, e o seu último governador, Peter Stuyvesant, é quem vai construir uma muralha que deu nome a Wall Street...
Chegada de Stuyvesant a Nova Amsterdão (1647-1664)

Porém esta muralha não resiste à nova Inglaterra de Carlos II (já casado com Catarina de Bragança), e em 1664 os ingleses acabam por conquistar esse território americano. A pequena Holanda não parece conseguir competir com a nova força da Inglaterra.
No entanto, alguns 25 anos mais tarde, em 1689, três anos depois da morte de Carlos II, o novo rei Jaime II, seu irmão, acaba por ser deposto através de uma invasão naval holandesa, comandada por Guilherme de Oranje, na chamada "Revolução Gloriosa". O pretexto que uniu o parlamento inglês ao soberano holandês, contra o rei legítimo, teria sido a crescente tolerância ao catolicismo.
Esta foi a única invasão que a Inglaterra sofreu desde Guilherme I, em Hastings (1066), e curiosamente seria levada a cabo por outro Guilherme. Porém, neste caso não houve praticamente resistência, devido ao apoio do parlamento, pelo que a revolução também traz o epíteto "sem sangue".

O que mais glorioso teve esta invasão de Guilherme III foi o crescimento do país invadido, e o declínio do país invasor. A Holanda acabou por perder o seu aspecto dominante, e a transferência de riqueza, que já se tinha visto ocorrer dos reinos ibéricos para a Holanda, passou da Holanda para a Inglaterra. O mundo financeiro que iria dominar os próximos séculos seria sediado na City de Londres, até passar depois para a muralha de Stuyvesant, Wall Street. A dimensão da Inglaterra permitia uma armada sem rival, para uma política global, algo que seria muito mais difícil de concretizar na frágil Holanda. Um mesmo rei permitiria essa transferência mais comodamente...
As províncias ultramarinas holandesas acabaram por ser anexadas pelos ingleses, mais tarde ou mais cedo. A Austrália manteve-se escondida até à chegada de Cook, bem como a própria Nova Zelândia, que tem o seu nome derivado de Zeeland, a província "conquistada ao mar" pelos holandeses. O facto da ilha ter nome derivado do holandês não parece importar na tentativa de atribuição a Cook.
Assim, a Holanda que sonhou os futuros nos bulbos de túlipa, acabou ver no futuro apenas uma lembrança do seu poder passado.

A mesma esperteza que transformou bulbos de túlipa em ouro, acabou por se manifestar de forma mais contundente na transformação da moeda. A moeda ligava-se ao ouro, que por tradição, desde a Antiguidade, era considerado um elemento valioso. No entanto, no Séc. XX, após a 1ª Guerra Mundial, e especialmente após a 2* Guerra, em Bretton Woods, vai terminar essa ligação ao metal. Já há muito que o gado servira de moeda de troca, e do pecuário saiu a palavra pecuniário, na tradição grega, ou que o sal servira de moeda de troca romana, de onde saíra a palavra salário. Quando se  emitem as primeiras notas de papel, há uma promessa de ligação a um metal depositado, mas essa ligação vai-se desvanecer.
O dinheiro reduz-se a uma troca de confiança assinada em papel de nota, em papel de acções, etc... deixará de ter correspondente em ouro. Tem correspondente em produtos e serviços pela confiança adquirida, mas também há uma "confiança imposta", que serve de "imposto" imperial.

Os bulbos de tulipas caíram porque a sua vulgarização levou a uma inevitável desvalorização, o mesmo ocorreu quando o mercado foi inundado recentemente por "contratos de futuros" sem futuro. Criaram-se perspectivas de fortuna para muitos, como se todos estivessem contentes por ir ganhar a lotaria, sem se dar conta que teriam que dividir o prémio entre si, e que não havia um grande prémio para cada um. Assim, acabamos por ter uma dívida mundial superior em muitas vezes ao produto bruto gerado. Parece importar pouco que o que foi emprestado simplesmente não existia, e que por isso quem o fez, tomou para si, a crédito, o futuro de todos, que não lhe pertencia, diluindo-o nesses contratos.
Assim, as novas gerações acabarão por ver o seu futuro hipotecado pelos contratos de futuros cobrados pelos bulbos de túlipa que a geração anterior contraiu, iludida pelo poder das flores.

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No início do Séc. XVII, a Holanda desenvolveu um particular gosto por tulipas, cujos bulbos podiam até ser comercializados com o valor de moeda. Uma das tulipas, denominada Semper Augustus foi negociada a valor recorde, uma pequena fortuna inalcançável ao normal cidadão holandês.


 
Publicidade ao investimento em tulipas e a famosa Semper Augustus  (wiki).


Esta importância das tulipas foi retomada em romance de 1850, de Alexandre Dumas, "A Tulipa Negra", talvez querendo alertar para o episódio, dado o peso que a especulação financeira retomava no final daquele século.
O fenómeno, que atingiu o pico máximo e o colapso em 1637, é chamado tulipomania, e tem características especulativas muito semelhantes a posteriores crises bolsistas.

(evolução exponencial dos preços entre 1634 e 1637)

Está documentada nesta altura uma forte publicidade e o aparecimento de "contratos de futuros". Estes contratos de futuros eram negociados com expectativas sobre o crescimento económico do valor dos bulbos de tulipas. O aumento dos preços permitia convencer a pagar alto pelo valor de tulipas que se iriam vender no futuro.
Estes mesmos contratos de futuros estiveram na origem da recente crise financeira de 2008, e não são por isso uma invenção recente, conforme é por vezes pensado. São uma arma financeira que permite o enriquecimento rápido de uns poucos, e a ruína abrupta de muitos mais... dito em poucas palavras, permite uma transferência e concentração de riqueza.

Por estranho que pareça, as pessoas parecem alertadas para os esquemas em pirâmide, ou outros contos do vigário, que aparecem aqui e ali (antigamente em cartas, hoje em emails), mas essas cautelas parecem desvanecer-se quando o intermediário aparenta uma credibilidade institucional.

As tulipas chegaram à Holanda originárias da Turquia, numa altura em que a jovem República Holandesa começava a crescer, recebendo o papel de potência marítima, para o qual foi crucial a emigração de muitos judeus, expulsos de Portugal e Espanha. Estes judeus, por sua vez, tinham a mesma origem remota que as tulipas que iriam ser negociadas na Holanda.

Aliás, convirá referir que este espírito capitalista, que desflorava nas tulipas holandesas, não terá tido muito provavelmente a sua estreia na Holanda. O primeiro registo de economia capitalista parece ter sido exercido pelos Khazares, da parte da Tartária contígua ao Mar Cáspio (que inclui as caucasianas Iberia e Albania), onde também surgiram os Otomanos que iriam arrasar Constantinopla.
A extensão do império Khazar até ao Séc. X.

Estes Khazares controlavam grande parte do comércio oriental, feito pela chamada "Rota da Seda", evitando o inicial bloqueio árabe, e a sua conversão ao judaísmo parece ter-se adequado à sua natureza de comerciantes. Sugere-se ainda que os Ashkenazi (basicamente os judeus europeus, de tez mais branca), são descendentes da emigração da Khazaria, que começou com o fim do império Khazar, basicamente desde o Séc. XI, tendo o seu apogeu com o fim da Idade Média, após a queda de Constantinopla. Podemos dizer que saíram da Iberia caucasiana em direcção à Ibéria atlântica, e depois à Holanda, onde foram reencontrar as tulipas nativas.
Bom, e se as tulipas lhes eram especialmente valiosas, por muito que fosse predominante o papel comercial judaico, na Holanda teriam que fazer um reinício, quase do zero. Porém, a nova Republica Holandesa permitia um sistema económico capitalista, que lhes era familiar, e que dominariam particularmente bem. Chegados sem bens notáveis, em breve consumariam uma transferência de riqueza que lhes permitira dominar a sociedade holandesa, em particular através da sua influência na Companhia das Índias Orientais, mas também através destes novos mecanismos especulativos, como foram os contratos de futuros feitos com tulipas.

Um simples bulbo de planta passava em dois ou três anos a valer mais que o ouro, e esta paranóia induzida aos holandeses terá permitido acumular fortunas a quem dominava perfeitamente as nuances do sistema capitalista.

A Holanda acaba por se definir como crucial para os acontecimentos seguintes. Curiosamente são os holandeses que fundam Nova York com o nome Nova Amsterdão, e o seu último governador, Peter Stuyvesant, é quem vai construir uma muralha que deu nome a Wall Street...
Chegada de Stuyvesant a Nova Amsterdão (1647-1664)

Porém esta muralha não resiste à nova Inglaterra de Carlos II (já casado com Catarina de Bragança), e em 1664 os ingleses acabam por conquistar esse território americano. A pequena Holanda não parece conseguir competir com a nova força da Inglaterra.
No entanto, alguns 25 anos mais tarde, em 1689, três anos depois da morte de Carlos II, o novo rei Jaime II, seu irmão, acaba por ser deposto através de uma invasão naval holandesa, comandada por Guilherme de Oranje, na chamada "Revolução Gloriosa". O pretexto que uniu o parlamento inglês ao soberano holandês, contra o rei legítimo, teria sido a crescente tolerância ao catolicismo.
Esta foi a única invasão que a Inglaterra sofreu desde Guilherme I, em Hastings (1066), e curiosamente seria levada a cabo por outro Guilherme. Porém, neste caso não houve praticamente resistência, devido ao apoio do parlamento, pelo que a revolução também traz o epíteto "sem sangue".

O que mais glorioso teve esta invasão de Guilherme III foi o crescimento do país invadido, e o declínio do país invasor. A Holanda acabou por perder o seu aspecto dominante, e a transferência de riqueza, que já se tinha visto ocorrer dos reinos ibéricos para a Holanda, passou da Holanda para a Inglaterra. O mundo financeiro que iria dominar os próximos séculos seria sediado na City de Londres, até passar depois para a muralha de Stuyvesant, Wall Street. A dimensão da Inglaterra permitia uma armada sem rival, para uma política global, algo que seria muito mais difícil de concretizar na frágil Holanda. Um mesmo rei permitiria essa transferência mais comodamente...
As províncias ultramarinas holandesas acabaram por ser anexadas pelos ingleses, mais tarde ou mais cedo. A Austrália manteve-se escondida até à chegada de Cook, bem como a própria Nova Zelândia, que tem o seu nome derivado de Zeeland, a província "conquistada ao mar" pelos holandeses. O facto da ilha ter nome derivado do holandês não parece importar na tentativa de atribuição a Cook.
Assim, a Holanda que sonhou os futuros nos bulbos de túlipa, acabou ver no futuro apenas uma lembrança do seu poder passado.

A mesma esperteza que transformou bulbos de túlipa em ouro, acabou por se manifestar de forma mais contundente na transformação da moeda. A moeda ligava-se ao ouro, que por tradição, desde a Antiguidade, era considerado um elemento valioso. No entanto, no Séc. XX, após a 1ª Guerra Mundial, e especialmente após a 2* Guerra, em Bretton Woods, vai terminar essa ligação ao metal. Já há muito que o gado servira de moeda de troca, e do pecuário saiu a palavra pecuniário, na tradição grega, ou que o sal servira de moeda de troca romana, de onde saíra a palavra salário. Quando se  emitem as primeiras notas de papel, há uma promessa de ligação a um metal depositado, mas essa ligação vai-se desvanecer.
O dinheiro reduz-se a uma troca de confiança assinada em papel de nota, em papel de acções, etc... deixará de ter correspondente em ouro. Tem correspondente em produtos e serviços pela confiança adquirida, mas também há uma "confiança imposta", que serve de "imposto" imperial.

Os bulbos de tulipas caíram porque a sua vulgarização levou a uma inevitável desvalorização, o mesmo ocorreu quando o mercado foi inundado recentemente por "contratos de futuros" sem futuro. Criaram-se perspectivas de fortuna para muitos, como se todos estivessem contentes por ir ganhar a lotaria, sem se dar conta que teriam que dividir o prémio entre si, e que não havia um grande prémio para cada um. Assim, acabamos por ter uma dívida mundial superior em muitas vezes ao produto bruto gerado. Parece importar pouco que o que foi emprestado simplesmente não existia, e que por isso quem o fez, tomou para si, a crédito, o futuro de todos, que não lhe pertencia, diluindo-o nesses contratos.
Assim, as novas gerações acabarão por ver o seu futuro hipotecado pelos contratos de futuros cobrados pelos bulbos de túlipa que a geração anterior contraiu, iludida pelo poder das flores.

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No início do Séc. XVII, a Holanda desenvolveu um particular gosto por tulipas, cujos bulbos podiam até ser comercializados com o valor de moeda. Uma das tulipas, denominada Semper Augustus foi negociada a valor recorde, uma pequena fortuna inalcançável ao normal cidadão holandês.


 
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Esta importância das tulipas foi retomada em romance de 1850, de Alexandre Dumas, "A Tulipa Negra", talvez querendo alertar para o episódio, dado o peso que a especulação financeira retomava no final daquele século.
O fenómeno, que atingiu o pico máximo e o colapso em 1637, é chamado tulipomania, e tem características especulativas muito semelhantes a posteriores crises bolsistas.

(evolução exponencial dos preços entre 1634 e 1637)

Está documentada nesta altura uma forte publicidade e o aparecimento de "contratos de futuros". Estes contratos de futuros eram negociados com expectativas sobre o crescimento económico do valor dos bulbos de tulipas. O aumento dos preços permitia convencer a pagar alto pelo valor de tulipas que se iriam vender no futuro.
Estes mesmos contratos de futuros estiveram na origem da recente crise financeira de 2008, e não são por isso uma invenção recente, conforme é por vezes pensado. São uma arma financeira que permite o enriquecimento rápido de uns poucos, e a ruína abrupta de muitos mais... dito em poucas palavras, permite uma transferência e concentração de riqueza.

Por estranho que pareça, as pessoas parecem alertadas para os esquemas em pirâmide, ou outros contos do vigário, que aparecem aqui e ali (antigamente em cartas, hoje em emails), mas essas cautelas parecem desvanecer-se quando o intermediário aparenta uma credibilidade institucional.

As tulipas chegaram à Holanda originárias da Turquia, numa altura em que a jovem República Holandesa começava a crescer, recebendo o papel de potência marítima, para o qual foi crucial a emigração de muitos judeus, expulsos de Portugal e Espanha. Estes judeus, por sua vez, tinham a mesma origem remota que as tulipas que iriam ser negociadas na Holanda.

Aliás, convirá referir que este espírito capitalista, que desflorava nas tulipas holandesas, não terá tido muito provavelmente a sua estreia na Holanda. O primeiro registo de economia capitalista parece ter sido exercido pelos Khazares, da parte da Tartária contígua ao Mar Cáspio (que inclui as caucasianas Iberia e Albania), onde também surgiram os Otomanos que iriam arrasar Constantinopla.
A extensão do império Khazar até ao Séc. X.

Estes Khazares controlavam grande parte do comércio oriental, feito pela chamada "Rota da Seda", evitando o inicial bloqueio árabe, e a sua conversão ao judaísmo parece ter-se adequado à sua natureza de comerciantes. Sugere-se ainda que os Ashkenazi (basicamente os judeus europeus, de tez mais branca), são descendentes da emigração da Khazaria, que começou com o fim do império Khazar, basicamente desde o Séc. XI, tendo o seu apogeu com o fim da Idade Média, após a queda de Constantinopla. Podemos dizer que saíram da Iberia caucasiana em direcção à Ibéria atlântica, e depois à Holanda, onde foram reencontrar as tulipas nativas.
Bom, e se as tulipas lhes eram especialmente valiosas, por muito que fosse predominante o papel comercial judaico, na Holanda teriam que fazer um reinício, quase do zero. Porém, a nova Republica Holandesa permitia um sistema económico capitalista, que lhes era familiar, e que dominariam particularmente bem. Chegados sem bens notáveis, em breve consumariam uma transferência de riqueza que lhes permitira dominar a sociedade holandesa, em particular através da sua influência na Companhia das Índias Orientais, mas também através destes novos mecanismos especulativos, como foram os contratos de futuros feitos com tulipas.

Um simples bulbo de planta passava em dois ou três anos a valer mais que o ouro, e esta paranóia induzida aos holandeses terá permitido acumular fortunas a quem dominava perfeitamente as nuances do sistema capitalista.

A Holanda acaba por se definir como crucial para os acontecimentos seguintes. Curiosamente são os holandeses que fundam Nova York com o nome Nova Amsterdão, e o seu último governador, Peter Stuyvesant, é quem vai construir uma muralha que deu nome a Wall Street...
Chegada de Stuyvesant a Nova Amsterdão (1647-1664)

Porém esta muralha não resiste à nova Inglaterra de Carlos II (já casado com Catarina de Bragança), e em 1664 os ingleses acabam por conquistar esse território americano. A pequena Holanda não parece conseguir competir com a nova força da Inglaterra.
No entanto, alguns 25 anos mais tarde, em 1689, três anos depois da morte de Carlos II, o novo rei Jaime II, seu irmão, acaba por ser deposto através de uma invasão naval holandesa, comandada por Guilherme de Oranje, na chamada "Revolução Gloriosa". O pretexto que uniu o parlamento inglês ao soberano holandês, contra o rei legítimo, teria sido a crescente tolerância ao catolicismo.
Esta foi a única invasão que a Inglaterra sofreu desde Guilherme I, em Hastings (1066), e curiosamente seria levada a cabo por outro Guilherme. Porém, neste caso não houve praticamente resistência, devido ao apoio do parlamento, pelo que a revolução também traz o epíteto "sem sangue".

O que mais glorioso teve esta invasão de Guilherme III foi o crescimento do país invadido, e o declínio do país invasor. A Holanda acabou por perder o seu aspecto dominante, e a transferência de riqueza, que já se tinha visto ocorrer dos reinos ibéricos para a Holanda, passou da Holanda para a Inglaterra. O mundo financeiro que iria dominar os próximos séculos seria sediado na City de Londres, até passar depois para a muralha de Stuyvesant, Wall Street. A dimensão da Inglaterra permitia uma armada sem rival, para uma política global, algo que seria muito mais difícil de concretizar na frágil Holanda. Um mesmo rei permitiria essa transferência mais comodamente...
As províncias ultramarinas holandesas acabaram por ser anexadas pelos ingleses, mais tarde ou mais cedo. A Austrália manteve-se escondida até à chegada de Cook, bem como a própria Nova Zelândia, que tem o seu nome derivado de Zeeland, a província "conquistada ao mar" pelos holandeses. O facto da ilha ter nome derivado do holandês não parece importar na tentativa de atribuição a Cook.
Assim, a Holanda que sonhou os futuros nos bulbos de túlipa, acabou ver no futuro apenas uma lembrança do seu poder passado.

A mesma esperteza que transformou bulbos de túlipa em ouro, acabou por se manifestar de forma mais contundente na transformação da moeda. A moeda ligava-se ao ouro, que por tradição, desde a Antiguidade, era considerado um elemento valioso. No entanto, no Séc. XX, após a 1ª Guerra Mundial, e especialmente após a 2* Guerra, em Bretton Woods, vai terminar essa ligação ao metal. Já há muito que o gado servira de moeda de troca, e do pecuário saiu a palavra pecuniário, na tradição grega, ou que o sal servira de moeda de troca romana, de onde saíra a palavra salário. Quando se  emitem as primeiras notas de papel, há uma promessa de ligação a um metal depositado, mas essa ligação vai-se desvanecer.
O dinheiro reduz-se a uma troca de confiança assinada em papel de nota, em papel de acções, etc... deixará de ter correspondente em ouro. Tem correspondente em produtos e serviços pela confiança adquirida, mas também há uma "confiança imposta", que serve de "imposto" imperial.

Os bulbos de tulipas caíram porque a sua vulgarização levou a uma inevitável desvalorização, o mesmo ocorreu quando o mercado foi inundado recentemente por "contratos de futuros" sem futuro. Criaram-se perspectivas de fortuna para muitos, como se todos estivessem contentes por ir ganhar a lotaria, sem se dar conta que teriam que dividir o prémio entre si, e que não havia um grande prémio para cada um. Assim, acabamos por ter uma dívida mundial superior em muitas vezes ao produto bruto gerado. Parece importar pouco que o que foi emprestado simplesmente não existia, e que por isso quem o fez, tomou para si, a crédito, o futuro de todos, que não lhe pertencia, diluindo-o nesses contratos.
Assim, as novas gerações acabarão por ver o seu futuro hipotecado pelos contratos de futuros cobrados pelos bulbos de túlipa que a geração anterior contraiu, iludida pelo poder das flores.

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