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Com chás (2)

12.07.13
Vieira.
Já aqui tínhamos apresentado uma moeda que tinha o símbolo da empresa de D. Sebastião:

Serena Celsa Favent, era o moto, e se o esclarecimento favorece a excelência, aqui temos uma concha, a vieira venusiana, e um peixe, símbolo cristão, sob uma constelação estelar (Pleiades?) enquadrada com o crescente selene, lunar.
Devemos notar que as conchas estão ligadas ao baptismo, havendo mesmo pias baptismais com essa forma:
 
Pia baptismal - Igreja NªSrª Navegantes (Armação de Pera, imagem).

Portanto, há uma ligação da concha à libertação do "pecado original", da expulsão do Paraíso. 
Bom, e tendo acabado de falar nas ilhas polinésias, do Taiti no texto anterior, de forma algo natural estabelecemos a noção de "ilha paradisíaca"... como se congenitamente o fosse reconhecido naquelas paisagens.


Pelicano.
Para além do peixe, também o pelicano, pelo auto-sacrifício pela prole, é considerado um símbolo de Cristo, tendo sido primeiro adoptado por D. João II como seu símbolo.
Vamos encontrar esse símbolo com um influente conselheiro dos reis ingleses Henrique VII e Henrique VIII, tratava-se de Richard Foxe, bispo de Winchester:

Leito de morte de Henry VII Tudor (1509) com destaque para Richard Fox, Bispo de Winchester, 
vêem-se as quinas portuguesas e o pelicano de D. João II.

O que faria o Bispo de Winchester, o conselheiro mais influente de Henrique VII, e depois de Henrique VIII (até ser substituído por Wolsey), usar armas com quinas e o pelicano, símbolos do já defunto D. João II?
Estava aqui implícito que a política de D. João II teria uma continuação pelo lado inglês?

Richard Foxe vai fundar o Colégio Corpus Christi de Oxford, que ainda hoje usa o símbolo do pelicano:
  
Richard Fox, o pátio central com o Pelicano do Corpus Christi de Oxford, e as armas do colégio,
que incluem ainda as armas de Hugh Oldham (com 3 mochos e rosas vermelhas de Lancaster)

Mais tarde, também Isabel I, filha de Henrique VIII, a rainha que determinará a expansão inglesa, irá adoptar o pelicano como símbolo no seu papel de "mãe" da Igreja Anglicana. A simbologia cristã do pelicano remontará a S. Tomás de Aquino, a sua ligação às quinas portuguesas só fica evidente através de Fox, e da influência que terá tido na regência dos Tudor.

A tomba de Fox está na catedral de Winchester da Santíssima Trindade, que era a mais influente à época, e que curiosamente esteve em perigo de colapso por inundação das fundações, sendo "salva" pelo trabalho contínuo de um escafandrista, William Walker, entre 1906-11, que tem um busto na catedral cuja cripta ainda se encontra imersa em água. 

Catedral de Winchester, o escafandrista Walker, e a cripta inundada (com escultura moderna).

Cordeiros.
Curiosamente, 50 anos antes, outro Bispo de Winchester, Henry Beaufort, ficou famoso por dirigir o processo inquisitório que condenou Joana d'Arc à fogueira. Tratava-se de um meio-irmão de Filipa de Lancastre, sendo um dos muitos filhos de John de Gaunt (com Katherine Swynford, no terceiro casamento que originou a linha Beaufort). 
Henry Beaufort, o inquisidor, e Joana d'Arc... 
um cordeiro entregue à fogueira.

Joana d'Arc tinha sido entregue por Philippe III de Borgonha (casado com Isabel de Portugal, filha de D. João I, sobrinha do inquisidor). Margaret Beaufort, também sobrinha deste Henry, será mãe do rei Henrique VII, que derrota Ricardo III, tornando-se o primeiro dos Tudor. Henrique VII usa a rosa de Lancaster, mas ao casar com uma rosa de York, terminará a Guerra das Rosas com a união.
Um detalhe importante é Henrique VII usar num retrato o colar do Tosão de Ouro, o símbolo da Ordem fundada por Philippe III de Borgonha, aquando do casamento com Isabel de Portugal.
Phillipe III de Bourgogne, fundador da Ordem do Tosão de Ouro (esq.)
Henry VII Tudor, membro da Ordem do Tosão de Ouro (dir.)
Ambos usam o colar da ordem, com o cordeiro sacrificial.

Duque de Kent, chefe da Grande Loja de Londres, com colar da Maçonaria.

Juntei uma imagem de colar da maçonaria porque o compasso, ou o esquadro, descaindo em forma de V invertido, assemelham-se ao cordeiro sacrificial, que vemos nos colares da Ordem do Tosão de Ouro.
Conforme já referi noutros textos, o cordeiro tem vários significados, não apenas ligados à lenda de Jasão e dos Argonautas. É claro que a Ordem surgindo no contexto do casamento da irmã do Infante D. Henrique, carrega um aspecto dos Descobrimentos ligado aos "Argonautas" e ao Velo de Ouro.
Descobrir foi desvelar, tirar véus... na forma Ariana deste carneiro, o Velo seria a pele de Aries, uma pele de Ouro, ou de Oro, forma abreviada de Hórus, o olho vigilante que se pode ligar ao verbo Orar.
Descobrir foi revelar, levantar Velas e não tanto retirá-las. As cara-velas do Infante velaram pelo véus antigos, e a Ordem do Tosão ou "Velo de Ouro", pode ser vista como preservação do "véu de Hórus".
Jasão teve que vencer o Dragão da Cólquida para obter o Velo de Ouro, tal como Hércules teve que vencer o dragão Ládon, que guardava as ocidentais Hespérides, num dos 12 trabalhos (ou 12 Oras...).
Ao mesmo tempo aparecia a Ordem do Dragão, de que fez parte o Infante D. Pedro, e que já ligámos à Dra-cola, ou Cola do Dragão, em que o "Colar" se refere ao pescoço, tal como Coço e Cola se referem à retaguarda, entrelaçada ao pescoço... (sobre o significado antigo de "coço da procissão" ser "atrás da procissão", ler D. Manuel Clemente)

A história do cordeiro tem ainda o aspecto hebraico que remete à Páscoa, ou à paz-côa, quando Abraão é sujeito ao teste de obediência divino, e o seu filho Isaac é substituído pelo cordeiro no sacrifício:
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis... dona nobis pacem
É um bocado complicado falar deste ponto, porque o sacrifício do cordeiro ordeiro envolve aqui um conceito perverso, no outro verso interpretativo. Deus não permitiria o sacrifício do filho eleito, apenas dos cordeiros... e por isso os cordeiros poderiam ser sacrificados, até que Deus se manifestasse em sentido contrário. E quem eram os cordeiros a sacrificar? O sacrifício indiscriminado traria a presença de Deus?
Pois... até que ponto os Árias foram pastores de Aries, cordeiros? Até que ponto os pastores sacrificariam os seus cordeiros para reencontrarem Deus, ou o Messias?
Esta filosofia continha uma aposta tripla 1X2, se Deus não interviesse perante a iniquidade, os pastores beneficiariam do velo de ouro, uma opção hedonista face à ausência divina. De forma oposta, justificariam a sua acção perante o divino, requerendo a sua presença, afinal a sua omnipotência só permitiria o sacrifício dos sacrificáveis. A incógnita X seria a recusa teológica de outras possibilidades... obviamente possível por crença, mas afinal insustentável racionalmente. Azar, este universo foi definido justamente pela racionalidade, e os absurdos levam ao vazio contraditório - o caos irracional fica no seu exterior. O tempo permite o absurdo diferido, temporário, mas não o simultâneo e permanente. Todos os filhos de Gaia são introspectivamente recuperáveis, pela lógica do arrependimento, do reconhecimento de erros, mas não é possível a recuperação dos irrecuperáveis. A persistência eterna no absurdo foi simplesmente excluída, nem tampouco poderia ser humana. Logicamente, não poderia ser doutra forma... os erros podem viver nas ilusões temporárias, que acolhem elementos do caos, mas não o caos completo. Desse oceano caótico importamos a imprevisibilidade, elementos artísticos e sentimentais, mas esses impulsos devem sujeitar-se ao enquadramento racional, sob pena de serem o convite ao estabelecimento do irracional, e à recusa da principal faculdade humana, que nos distingue das alimárias, a racionalidade.

Chapéus...
Há muitos, vários formatos de chapéus. Assim, para além do colar com o cordeirinho sacrificial, também o chapéu usado por Filipe III de Borgonha fez moda, ficou conhecido como "chapéu borgonhês", e resistiu aos tempos, sendo ainda hoje uma indumentária usada pela Confraria do Vinho do Porto:
É claro que no caso da confraria de vinho usa-se no colar uma taça de escanção, para averiguar da cor do vinho, afinal simbolicamente tratado como "sangue de Cristo".
A taça do vinho da Última Ceia foi habitualmente designada como Graal, e houve já quem sugerisse que o nome Portugal encerraria um críptico "por-tu-graal", que assim se complementaria, pela associação de Porto e Gaia, nas caves do famoso vinho, que sozinhas asseguravam as contrapartidas do Tratado de Methuen. Para adivinhos, há outros vinhos... os famosos vinhos da Borgonha, ou de Bordéus, da antiga região da Guiana occitana-basca, entre outros preciosos néctares de um Baco divino di-vinho, cuja preservação de antiguidade necessita do devido arrefecimento em caves bem seladas.

Baptista
Não longe, encontramos a Igreja Matriz de Vila do Conde, cuja a entrada é interessante.
De construção biscainha, apresenta de um lado as armas de D. Manuel (num caso raro, em que ainda aparece a dupla esfera armilar, sugerida por D. João II), e do outro lado temos: a âncora da Póvoa de Varzim, o antigo barco de Vila do Conde, e um outro brazão com uma figura humana que emerge de uma concha (símbolo associado à localidade de S. Pedro de Rates).
Igreja Matriz, de S. João Baptista, em Vila do Conde (imagem).

Como a Igreja é dedicada a S. João Baptista (que aparece no topo da porta), a concha será baptismal, mas também referente à mítica presença do Apóstolo Santiago, que teria ordenado S. Pedro de Rates como primeiro Bispo de Braga (45 a 60 d.C.).
Há assim essa dupla ligação a conchas, cuidando ambas para o simbolismo do renascimento, numa igreja renascentista emanuelina. O homem que sai da concha aparece depois, com D. Sebastião, na forma de peixe, invocando esse Renascimento cristão, que seria o renascimento de Cristo, na forma humana.
O ritual baptista parece remeter para uma origem aquática, pela imersão do baptizado, ou mais simbolicamente vertendo água na sua cabeça.
No entanto, há variações baptistas.
Um outro aspecto de baptismo, era o baptismo com óleo, aplicado na unção de sacerdotes.
Aí podemos ver outro aspecto das vieiras que, virtude dos tempos, são reencontradas no símbolo de uma famosa companhia petrolífera:

A vieira usada como símbolo de petróleo pela Shell.

O petróleo, também designado como "ouro negro", passou a encerrar outros véus, ou velos de ouro negro... mas para essas considerações remetemos para um texto anterior.

Poderíamos ainda falar de outros aspectos interessantes das vieiras, nomeadamente pela sua geometria.
Há uma confluência entre parte de um quadrado e parte de um círculo, podendo ser usado para simbolizar a relação do número Pi na quadratura do círculo.
Por outro lado, as divisões naturais das vieiras (ou outras conchas) poderiam servir para marcar ângulos, constituindo um simples instrumento de posicionamento, semelhante a um vulgar quadrante, para simples uso náutico, em navegações primitivas. Esse seria um aspecto prático de orientação astral para qualquer peregrino, associando a vieira ao cajado do pastor.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 22:13

Com chás (2)

12.07.13
Vieira.
Já aqui tínhamos apresentado uma moeda que tinha o símbolo da empresa de D. Sebastião:

Serena Celsa Favent, era o moto, e se o esclarecimento favorece a excelência, aqui temos uma concha, a vieira venusiana, e um peixe, símbolo cristão, sob uma constelação estelar (Pleiades?) enquadrada com o crescente selene, lunar.
Devemos notar que as conchas estão ligadas ao baptismo, havendo mesmo pias baptismais com essa forma:
 
Pia baptismal - Igreja NªSrª Navegantes (Armação de Pera, imagem)e concha baptismal (imagem)

Portanto, há uma ligação da concha à libertação do "pecado original", da expulsão do Paraíso. 
Bom, e tendo acabado de falar nas ilhas polinésias, do Taiti no texto anterior, de forma algo natural estabelecemos a noção de "ilha paradisíaca"... como se congenitamente o fosse reconhecido naquelas paisagens.


Pelicano.
Para além do peixe, também o pelicano, pelo auto-sacrifício pela prole, é considerado um símbolo de Cristo, tendo sido primeiro adoptado por D. João II como seu símbolo.
Vamos encontrar esse símbolo com um influente conselheiro dos reis ingleses Henrique VII e Henrique VIII, tratava-se de Richard Foxe, bispo de Winchester:

Leito de morte de Henry VII Tudor (1509) com destaque para Richard Fox, Bispo de Winchester, 
vêem-se as quinas portuguesas e o pelicano de D. João II.

O que faria o Bispo de Winchester, o conselheiro mais influente de Henrique VII, e depois de Henrique VIII (até ser substituído por Wolsey), usar armas com quinas e o pelicano, símbolos do já defunto D. João II?
Estava aqui implícito que a política de D. João II teria uma continuação pelo lado inglês?

Richard Foxe vai fundar o Colégio Corpus Christi de Oxford, que ainda hoje usa o símbolo do pelicano:
  
Richard Fox, o pátio central com o Pelicano do Corpus Christi de Oxford, e as armas do colégio,
que incluem ainda as armas de Hugh Oldham (com 3 mochos e rosas vermelhas de Lancaster)

Mais tarde, também Isabel I, filha de Henrique VIII, a rainha que determinará a expansão inglesa, irá adoptar o pelicano como símbolo no seu papel de "mãe" da Igreja Anglicana. A simbologia cristã do pelicano remontará a S. Tomás de Aquino, a sua ligação às quinas portuguesas só fica evidente através de Fox, e da influência que terá tido na regência dos Tudor.

A tomba de Fox está na catedral de Winchester da Santíssima Trindade, que era a mais influente à época, e que curiosamente esteve em perigo de colapso por inundação das fundações, sendo "salva" pelo trabalho contínuo de um escafandrista, William Walker, entre 1906-11, que tem um busto na catedral cuja cripta ainda se encontra imersa em água. 

Catedral de Winchester, o escafandrista Walker, e a cripta inundada (com escultura moderna).

Cordeiros.
Curiosamente, 50 anos antes, outro Bispo de Winchester, Henry Beaufort, ficou famoso por dirigir o processo inquisitório que condenou Joana d'Arc à fogueira. Tratava-se de um meio-irmão de Filipa de Lancastre, sendo um dos muitos filhos de John de Gaunt (com Katherine Swynford, no terceiro casamento que originou a linha Beaufort). 
Henry Beaufort, o inquisidor, e Joana d'Arc... 
um cordeiro entregue à fogueira.

Joana d'Arc tinha sido entregue por Philippe III de Borgonha (casado com Isabel de Portugal, filha de D. João I, sobrinha do inquisidor). Margaret Beaufort, também sobrinha deste Henry, será mãe do rei Henrique VII, que derrota Ricardo III, tornando-se o primeiro dos Tudor. Henrique VII usa a rosa de Lancaster, mas ao casar com uma rosa de York, terminará a Guerra das Rosas com a união.
Um detalhe importante é Henrique VII usar num retrato o colar do Tosão de Ouro, o símbolo da Ordem fundada por Philippe III de Borgonha, aquando do casamento com Isabel de Portugal.
Phillipe III de Bourgogne, fundador da Ordem do Tosão de Ouro (esq.)
Henry VII Tudor, membro da Ordem do Tosão de Ouro (dir.)
Ambos usam o colar da ordem, com o cordeiro sacrificial.

Duque de Kent, chefe da Grande Loja de Londres, com colar da Maçonaria.

Juntei uma imagem de colar da maçonaria porque o compasso, ou o esquadro, descaindo em forma de V invertido, assemelham-se ao cordeiro sacrificial, que vemos nos colares da Ordem do Tosão de Ouro.
Conforme já referi noutros textos, o cordeiro tem vários significados, não apenas ligados à lenda de Jasão e dos Argonautas. É claro que a Ordem surgindo no contexto do casamento da irmã do Infante D. Henrique, carrega um aspecto dos Descobrimentos ligado aos "Argonautas" e ao Velo de Ouro.
Descobrir foi desvelar, tirar véus... na forma Ariana deste carneiro, o Velo seria a pele de Aries, uma pele de Ouro, ou de Oro, forma abreviada de Hórus, o olho vigilante que se pode ligar ao verbo Orar.
Descobrir foi revelar, levantar Velas e não tanto retirá-las. As cara-velas do Infante velaram pelo véus antigos, e a Ordem do Tosão ou "Velo de Ouro", pode ser vista como preservação do "véu de Hórus".
Jasão teve que vencer o Dragão da Cólquida para obter o Velo de Ouro, tal como Hércules teve que vencer o dragão Ládon, que guardava as ocidentais Hespérides, num dos 12 trabalhos (ou 12 Oras...).
Ao mesmo tempo aparecia a Ordem do Dragão, de que fez parte o Infante D. Pedro, e que já ligámos à Dra-cola, ou Cola do Dragão, em que o "Colar" se refere ao pescoço, tal como Coço e Cola se referem à retaguarda, entrelaçada ao pescoço... (sobre o significado antigo de "coço da procissão" ser "atrás da procissão", ler D. Manuel Clemente)

A história do cordeiro tem ainda o aspecto hebraico que remete à Páscoa, ou à paz-côa, quando Abraão é sujeito ao teste de obediência divino, e o seu filho Isaac é substituído pelo cordeiro no sacrifício:
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis... dona nobis pacem
É um bocado complicado falar deste ponto, porque o sacrifício do cordeiro ordeiro envolve aqui um conceito perverso, no outro verso interpretativo. Deus não permitiria o sacrifício do filho eleito, apenas dos cordeiros... e por isso os cordeiros poderiam ser sacrificados, até que Deus se manifestasse em sentido contrário. E quem eram os cordeiros a sacrificar? O sacrifício indiscriminado traria a presença de Deus?
Pois... até que ponto os Árias foram pastores de Aries, cordeiros? Até que ponto os pastores sacrificariam os seus cordeiros para reencontrarem Deus, ou o Messias?
Esta filosofia continha uma aposta tripla 1X2, se Deus não interviesse perante a iniquidade, os pastores beneficiariam do velo de ouro, uma opção hedonista face à ausência divina. De forma oposta, justificariam a sua acção perante o divino, requerendo a sua presença, afinal a sua omnipotência só permitiria o sacrifício dos sacrificáveis. A incógnita X seria a recusa teológica de outras possibilidades... obviamente possível por crença, mas afinal insustentável racionalmente. Azar, este universo foi definido justamente pela racionalidade, e os absurdos levam ao vazio contraditório - o caos irracional fica no seu exterior. O tempo permite o absurdo diferido, temporário, mas não o simultâneo e permanente. Todos os filhos de Gaia são introspectivamente recuperáveis, pela lógica do arrependimento, do reconhecimento de erros, mas não é possível a recuperação dos irrecuperáveis. A persistência eterna no absurdo foi simplesmente excluída, nem tampouco poderia ser humana. Logicamente, não poderia ser doutra forma... os erros podem viver nas ilusões temporárias, que acolhem elementos do caos, mas não o caos completo. Desse oceano caótico importamos a imprevisibilidade, elementos artísticos e sentimentais, mas esses impulsos devem sujeitar-se ao enquadramento racional, sob pena de serem o convite ao estabelecimento do irracional, e à recusa da principal faculdade humana, que nos distingue das alimárias, a racionalidade.

Chapéus...
Há muitos, vários formatos de chapéus. Assim, para além do colar com o cordeirinho sacrificial, também o chapéu usado por Filipe III de Borgonha fez moda, ficou conhecido como "chapéu borgonhês", e resistiu aos tempos, sendo ainda hoje uma indumentária usada pela Confraria do Vinho do Porto:
É claro que no caso da confraria de vinho usa-se no colar uma taça de escanção, para averiguar da cor do vinho, afinal simbolicamente tratado como "sangue de Cristo".
A taça do vinho da Última Ceia foi habitualmente designada como Graal, e houve já quem sugerisse que o nome Portugal encerraria um críptico "por-tu-graal", que assim se complementaria, pela associação de Porto e Gaia, nas caves do famoso vinho, que sozinhas asseguravam as contrapartidas do Tratado de Methuen. Para adivinhos, há outros vinhos... os famosos vinhos da Borgonha, ou de Bordéus, da antiga região da Guiana occitana-basca, entre outros preciosos néctares de um Baco divino di-vinho, cuja preservação de antiguidade necessita do devido arrefecimento em caves bem seladas.

Baptista
Não longe, encontramos a Igreja Matriz de Vila do Conde, cuja a entrada é interessante.
De construção biscainha, apresenta de um lado as armas de D. Manuel (num caso raro, em que ainda aparece a dupla esfera armilar, sugerida por D. João II), e do outro lado temos: a âncora da Póvoa de Varzim, o antigo barco de Vila do Conde, e um outro brazão com uma figura humana que emerge de uma concha (símbolo associado à localidade de S. Pedro de Rates).
Igreja Matriz, de S. João Baptista, em Vila do Conde (imagem).

Como a Igreja é dedicada a S. João Baptista (que aparece no topo da porta), a concha será baptismal, mas também referente à mítica presença do Apóstolo Santiago, que teria ordenado S. Pedro de Rates como primeiro Bispo de Braga (45 a 60 d.C.).
Há assim essa dupla ligação a conchas, cuidando ambas para o simbolismo do renascimento, numa igreja renascentista emanuelina. O homem que sai da concha aparece depois, com D. Sebastião, na forma de peixe, invocando esse Renascimento cristão, que seria o renascimento de Cristo, na forma humana.
O ritual baptista parece remeter para uma origem aquática, pela imersão do baptizado, ou mais simbolicamente vertendo água na sua cabeça.
No entanto, há variações baptistas.
Um outro aspecto de baptismo, era o baptismo com óleo, aplicado na unção de sacerdotes.
Aí podemos ver outro aspecto das vieiras que, virtude dos tempos, são reencontradas no símbolo de uma famosa companhia petrolífera:

A vieira usada como símbolo de petróleo pela Shell.

O petróleo, também designado como "ouro negro", passou a encerrar outros véus, ou velos de ouro negro... mas para essas considerações remetemos para um texto anterior.

Poderíamos ainda falar de outros aspectos interessantes das vieiras, nomeadamente pela sua geometria.
Há uma confluência entre parte de um quadrado e parte de um círculo, podendo ser usado para simbolizar a relação do número Pi na quadratura do círculo.
Por outro lado, as divisões naturais das vieiras (ou outras conchas) poderiam servir para marcar ângulos, constituindo um simples instrumento de posicionamento, semelhante a um vulgar quadrante, para simples uso náutico, em navegações primitivas. Esse seria um aspecto prático de orientação astral para qualquer peregrino, associando a vieira ao cajado do pastor.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 22:13

Com chás

10.07.13
Perante as informações dispersas, algo contraditórias, abundantes na irrelevância e escassas na importância, é sempre um risco especular novas hipóteses sobre as primeiras migrações humanas. Não há suficiente informação nem para rebater, nem para sustentar categoricamente nenhuma hipótese... o resto é inércia conveniente. Com chás, é mais fácil alinhar pela teoria que se foi estabelecendo, por mais interrogações que se deixem sem resposta... mas o espírito inquieto prefere o caminho das conchas - neste caso procurar uma versão consistente que responda a interrogações fundamentais.

Constava no Séc. XVI que o nome Nova Guiné era devido à oposição à outra Guiné, africana. Tal como a Guiana, todas estas terras partilhavam a proximidade equatorial em diversos continentes. 
O registo mais antigo do nome Guiana é o nome do território basco francês, na zona da Aquitânia, que esteve na origem da Guerra dos Cem Anos.
Essa Guiana occitana fazia parte dos domínios ingleses, nomeadamente de Eduardo III, fundador da Ordem da Jarreteira, que quebrando as promessas de paz com o rei francês, passou o Ducado da Guiana ao filho, o Princípe Negro, Eduardo de Woodstock! A mesma Guiana esteve em posse do irmão, Eduardo de Gant, pai de D. Filipa de Lencastre... e foi reivindicação inglesa até ao fim da Guerra dos Cem Anos.

De forma rápida, chegamos da Guiana occitana/basca ao nome da Nova Guiné, e no texto anterior procurámos ver se fazia sentido o caminho inverso, partindo de uma Velha Guiana.

Tudo isto parece arbitrário, mas há uma questão fundamental, que carece de resposta:
- Como manter no decurso de milénios uma guerra brutal entre tribos rivais numa ilha limitada?
- Não seria natural que uma das tribos ganhasse ascendente, aniquilando as restantes?
Quando a violência vai ao ponto de antropofagia cultural, o único valor dados aos outros parecia ser o de recurso alimentar... No entanto, as diversas tribos coexistiram ao ponto de criarem quase 900 línguas diferentes, o que mostra uma assumida diferença e herança ancestral.
Como manter o equilíbrio entre tribos que visavam aniquilar as outras?
Ao fim de tantos milénios, o que evitou que uma das tribos crescesse a ponto de criar um exército de guerreiros que derrotasse as restantes?... 
Como se deu o controlo populacional na ilha?
Eram as batalhas apenas rituais destinados a esse controlo populacional? Ou seja, não visavam a destruição dos rivais, mas apenas uma "selecção" dos mais jovens?
Afinal, se a agricultura deu ali os primeiros passos, e se havia uma técnica apurada no manejo de arco e flecha, acrescido do uso de venenos naturais, onde foi estabelecido o limite do génio inovador, para estabelecerem novas defesas e armamento? 
A imaginação ficou nos rituais algo estranhos e exóticos? 
Quem orientou essa educação guerreira ineficaz para batalha?
Quem aconselharia uma política não expansionista, deixando a tribo sob ameaça constante de se ver aniquilada (ou comida...) pelas tribos rivais?

Portanto, há aqui uma quantidade apreciável de perguntas que estão sem resposta.
À falta de melhor, a única resposta que encontro é a de uma coordenação global dos xamãs locais.
Os xamãs, conselheiros típicos da favorabilidade da batalha, da educação condicionada por rituais, exerceriam um papel fulcral na formação daquelas sociedades. A eventual fragilidade de cada um seria irrelevante perante o papel coordenado dos restantes. Ou seja, se um fosse banido, essa tribo arriscaria o ataque coordenado das outras tribos, ordenado pelos outros xamãs... 

Esta evolução para uma coordenação entre xamãs seria um processo natural de reflexão social. 
Afinal, quando uma tribo dominasse por completo a ilha, o que se seguiria? 
Uma regência única? Não havendo inimigos na ilha, entrar-se-ia numa competição interna... mas onde apareceriam esses focos de dissensão, seriam controlados pelos xamãs, ou organizariam-se contra eles?
Como se controlaria uma explosão populacional? 
Rapa Nui (pintura de Hodges, 1775) e o problema dos Coelhos da Páscoa...

Um aumento descontrolado da população esgotaria os espaços e os recursos, entrando-se num conflito e colapso social, semelhante ao que se supõe ter ocorrido na Ilha da Páscoa.
As ilhas polinésias apresentavam esta dualidade... por um lado ambientes paradisíacos, mas quando a liberdade permitia o descontrolo populacional, a reprodução dos coelhinhos era um modelo inevitável para prever o que se seguiria - um esgotar de recursos, conflitos crescentes caóticos levando ao colapso social.
Por isso, a nova "Paz-côa", a "paz filtrada", trazia um ovo diferente do de Colombo[*], trazia um acordo de paz que visaria um controlo populacional... o "crescei e multiplicai-vos" tinha o limite Malthusiano, o limite da estrutura para os recursos disponíveis. 
[*] Sobre a tradição dos ovos da Páscoa, 

Não é preciso ler Robinson Crusoe, para ver que os paraísos tropicais traziam vários problemas, onde foram aplicadas diversas soluções ao longo de gerações... normalmente condicionando a mentalidade pela educação, pelos rituais, pela cultura, pelas histórias. Não se trataria apenas de um problema de sobrevivência, seguir-se-ia um problema de vivência... ou seja, que objectivos de vida manteriam um funcionamento regular da sociedade?  Sob esse aspecto, a manutenção dos inimigos tribais, como na Nova Guiné, reteria um foco de atenção para a vivência... parece ter sido essa a solução encontrada, durante inúmeras gerações.
No Taiti, ilha cuja descoberta deve remontar a Pedro Fernandes Queirós[**], ocorreu a famosa história da revolta da Bounty. Alguns marinheiros amotinaram-se, querendo viver em tal paraíso, ofereceram armas para o desequilíbrio de forças, em favor de um rei, Pomare I, que assegurou o controlo total da ilha entre 1788 e 1791. O capitão Bligh retornou, e perante a ameaça externa o rei entregou os amotinados que lhe tinham fornecido o poder. O Taiti entraria em contacto com os ocidentais como reino unificado, mas em 1842 os franceses usariam as famílias dos rivais depostos para impor um protectorado francês contra a rainha Pomare IV, e ainda hoje o Taiti faz parte da França (... o país modelo da liberdade dos povos, que nunca abdicou das suas colónias, sem deixar de acusar os outros de colonialismo).
Sim, é verdade que falta a folha com as páginas 110 e 111, mas o 
borrão consegue fazer ler o nome de Pedro Fernandes Queirós
(... foi pior a emenda que o soneto!)

Ainda sobre o Taiti, o mesmo livro "O Viajante Universal" refere a particularidade de na viagem de Wallis ter sido reportado haver habitantes "ruivos", e Bougainville, chegando no ano seguinte, refere o uso de conchas como castanholas, e de pérolas como o único meio de moeda de troca. 
O Taiti afinal tanto tempo incógnito é abordado por Wallis, Bougainville e Cook em 1767, 1768 e 1769.
Os espanhóis cruzariam o Pacífico durante 250 anos, e afinal parecia difícil era não passar pelo Taiti.
A viagem de Cook tem um propósito científico - o trânsito de Vénus em Junho de 1769.
O mítico nascimento de Vénus, como pérola saída de uma concha
... parece "maluquice" uma mulher sair de uma concha, mas isso depende do tamanho da concha:
Segundo o National Geographic as conchas da 
zona do Recife Australiano podem atingir... 1m 20cm.
Com essa dimensão, poderiam bem albergar uma criança!

Portanto, afinal a ideia de uma criança poder sair de uma concha, faz sentido na zona das Ilhas Malucas, nos Mares Austrais... e as pérolas, as pérolas saem de "Ostras", ou será preciso "ostracizar" para dizer que saem de "Austras"?
Quanto às pérolas taitianas podem ser "pérolas negras", e como dissémos, serviam de moeda. 
Desde os primeiros registos civilizacionais que foi dada grande importância às pérolas, antes mesmo de pedras preciosas, porque saíam naturalmente brilhantes da "ostra". 
Sumérios, chineses, egípcios, japoneses, gregos, romanos, etc... todos tinham os seus pescadores de pérolas... os hindus afirmariam que teria sido Krishna a criar a primeira. Diferentes culturas, algumas que pouco teriam de marítimas, teriam os seus mergulhadores especializados em suster respiração e encontrar pérolas nas ostras. A maior pérola é disforme e ostenta o nome de Lao Tzé. Cleópatra dissolveu uma pérola para mostrar a Marco António que poderia ter uma refeição mais cara que o orçamento de uma cidade, e outras pérolas como "La Peregrina" têm histórias de 500 anos.

Se há local que tipicamente se prestava a uma população marítima vocacionada para apanhar as primeiras pérolas terá sido a Oceania. Bom, e agora vamos regressar ao mapa do logotipo:
O que tem de especial, de novo, este mapa?
Não é o que tem... é o que falta.
O último registo marcado a Oriente... é a Nova Guiné!
Os mapas começam a ser modificados, e são sucessivamente inventados contornos alternativos...
A Nova Guiné vai ficar incompleta, a Austrália não vai aparecer, o mundo fica suspenso até Cook.
Timidamente serão marcadas as Ilhas Salomão (o nome parece simbólico), ao lado da Nova Guiné, e os holandeses vão arriscar entrar pela Austrália até ao limite definido pelo meridiano português de Tordesilhas (convém reparar que os holandeses se especializaram mais no hemisfério português).

A pérola com o nome "La Peregrina" leva-nos à continuação!
Qual era a rota de peregrinação típica durante quase toda a Idade Média?
Havia a cruzada a Jerusalém, a via Francigena, que levava a Roma... mas curiosamente a peregrinação mais importante, era a de Santiago de Compostela:
Caminhos europeus de Santiago de Compostela
"Estrada de Santiago"... a Via Láctea 
A vieira indicando o Caminho de Santiago.

O que fazia tantos peregrinos europeus seguirem a rota do Apóstolo Santo Iago?
É claro que havia todo o factor religioso, mas nem sequer podemos considerar que se tratasse de uma figura crucial no cristianismo, e mesmo a lenda envolvendo a sua presença na Galiza seria muito controversa.
Acresce que a Estrada de Santiago nem acabaria ali... muitos seguiam o caminho até Finisterra!
Finisterra, onde seria o ponto mais ocidental (por erro, já que era o Cabo Magno), e constando que as rotas eram mais ancestrais, remetem-nos para uma tradição celta, associada a quê?
- À Vieira... que se diz também "venera", ou seja, a uma Vénus, saída da concha!

É claro que a vieira foi tida como símbolo do peregrino pela sua eventual utilidade para beber água, tal como a cabaça... mas sobre a cabaça evitarei falar. Apenas direi que se a concha tinha este lado feminino, a cabaça, um dos primeiros alvos de agricultura, poderia encerrar um aspecto masculino... que se resume no contexto da Oceania à palavra koteka, porque as coisas são como são, e o resto são preconceitos induzidos pelos xamãs da nossa cultura. É assumido que os cultos de fertilidade foram primevos.
Bom, e se as taitianas usavam conchas, a migração cigana da Índia até à Andaluzia popularizou as castanholas
... que têm origem reportada aos fenícios, afinal a civilização que se baseou num domínio marítimo, desde o Mediterrâneo até ao Atlântico. Seriam os fenícios a definir o alfabeto que dominaria o mundo das línguas indo-europeias, e não só.

Compostela poderia aparecer no contexto de peregrinação marítima como uma rota que terminava num grande lago proibido à navegação, seria um "santo lago" que se ligava a "Santo Iago", tal como alguns cultos de Santo Antão estão claramente ligados às Antas. Curiosamente a outra Santiago, do Chile, foi repousar à beira de um lago ainda maior, o oceano Pacífico. Com o decorrer das descobertas, o caminho estava aberto para o lago atlântico, e a contra-reforma terminou a harmonia católica - o caminho de Santiago deixou de ser popular durante os quase cinco séculos seguintes, tendo apenas sido reavivado recentemente.

Objectivamente, o que se pode reter daqui?
Muito pouco, grande parte do texto pode ser considerado especulativo e arbitrário nas associações.
Afinal, se Vénus é Venera, daí tanto vem a palavra "venerar" como a palavra "venérea". 
Se um Puto é um pequeno anjo, associável a Cupido, para fazermos o feminino associado à mãe Vénus, devemos recorrer ao filme japonês LaPuta: Castle in the Sky, em que o nome Laputa se refere a uma cidade nos céus, na obra Gulliver de Jonathan Swift.
Os xamãs guardaram os métodos e as conchinhas, os cravos e as pimentas, e no seu percurso peregrino fizeram as naves subir aos céus, até que reencontraram o simbolismo perdido. Superada a prova, passaram a magos que bebem chá... os problemas são os mesmos, e os métodos pouco diferentes.

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publicado às 06:48

Com chás

10.07.13
Perante as informações dispersas, algo contraditórias, abundantes na irrelevância e escassas na importância, é sempre um risco especular novas hipóteses sobre as primeiras migrações humanas. Não há suficiente informação nem para rebater, nem para sustentar categoricamente nenhuma hipótese... o resto é inércia conveniente. Com chás, é mais fácil alinhar pela teoria que se foi estabelecendo, por mais interrogações que se deixem sem resposta... mas o espírito inquieto prefere o caminho das conchas - neste caso procurar uma versão consistente que responda a interrogações fundamentais.

Constava no Séc. XVI que o nome Nova Guiné era devido à oposição à outra Guiné, africana. Tal como a Guiana, todas estas terras partilhavam a proximidade equatorial em diversos continentes. 
O registo mais antigo do nome Guiana é o nome do território basco francês, na zona da Aquitânia, que esteve na origem da Guerra dos Cem Anos.
Essa Guiana occitana fazia parte dos domínios ingleses, nomeadamente de Eduardo III, fundador da Ordem da Jarreteira, que quebrando as promessas de paz com o rei francês, passou o Ducado da Guiana ao filho, o Princípe Negro, Eduardo de Woodstock! A mesma Guiana esteve em posse do irmão, Eduardo de Gant, pai de D. Filipa de Lencastre... e foi reivindicação inglesa até ao fim da Guerra dos Cem Anos.

De forma rápida, chegamos da Guiana occitana/basca ao nome da Nova Guiné, e no texto anterior procurámos ver se fazia sentido o caminho inverso, partindo de uma Velha Guiana.

Tudo isto parece arbitrário, mas há uma questão fundamental, que carece de resposta:
- Como manter no decurso de milénios uma guerra brutal entre tribos rivais numa ilha limitada?
- Não seria natural que uma das tribos ganhasse ascendente, aniquilando as restantes?
Quando a violência vai ao ponto de antropofagia cultural, o único valor dados aos outros parecia ser o de recurso alimentar... No entanto, as diversas tribos coexistiram ao ponto de criarem quase 900 línguas diferentes, o que mostra uma assumida diferença e herança ancestral.
Como manter o equilíbrio entre tribos que visavam aniquilar as outras?
Ao fim de tantos milénios, o que evitou que uma das tribos crescesse a ponto de criar um exército de guerreiros que derrotasse as restantes?... 
Como se deu o controlo populacional na ilha?
Eram as batalhas apenas rituais destinados a esse controlo populacional? Ou seja, não visavam a destruição dos rivais, mas apenas uma "selecção" dos mais jovens?
Afinal, se a agricultura deu ali os primeiros passos, e se havia uma técnica apurada no manejo de arco e flecha, acrescido do uso de venenos naturais, onde foi estabelecido o limite do génio inovador, para estabelecerem novas defesas e armamento? 
A imaginação ficou nos rituais algo estranhos e exóticos? 
Quem orientou essa educação guerreira ineficaz para batalha?
Quem aconselharia uma política não expansionista, deixando a tribo sob ameaça constante de se ver aniquilada (ou comida...) pelas tribos rivais?

Portanto, há aqui uma quantidade apreciável de perguntas que estão sem resposta.
À falta de melhor, a única resposta que encontro é a de uma coordenação global dos xamãs locais.
Os xamãs, conselheiros típicos da favorabilidade da batalha, da educação condicionada por rituais, exerceriam um papel fulcral na formação daquelas sociedades. A eventual fragilidade de cada um seria irrelevante perante o papel coordenado dos restantes. Ou seja, se um fosse banido, essa tribo arriscaria o ataque coordenado das outras tribos, ordenado pelos outros xamãs... 

Esta evolução para uma coordenação entre xamãs seria um processo natural de reflexão social. 
Afinal, quando uma tribo dominasse por completo a ilha, o que se seguiria? 
Uma regência única? Não havendo inimigos na ilha, entrar-se-ia numa competição interna... mas onde apareceriam esses focos de dissensão, seriam controlados pelos xamãs, ou organizariam-se contra eles?
Como se controlaria uma explosão populacional? 
Rapa Nui (pintura de Hodges, 1775) e o problema dos Coelhos da Páscoa...

Um aumento descontrolado da população esgotaria os espaços e os recursos, entrando-se num conflito e colapso social, semelhante ao que se supõe ter ocorrido na Ilha da Páscoa.
As ilhas polinésias apresentavam esta dualidade... por um lado ambientes paradisíacos, mas quando a liberdade permitia o descontrolo populacional, a reprodução dos coelhinhos era um modelo inevitável para prever o que se seguiria - um esgotar de recursos, conflitos crescentes caóticos levando ao colapso social.
Por isso, a nova "Paz-côa", a "paz filtrada", trazia um ovo diferente do de Colombo[*], trazia um acordo de paz que visaria um controlo populacional... o "crescei e multiplicai-vos" tinha o limite Malthusiano, o limite da estrutura para os recursos disponíveis. 
[*] Sobre a tradição dos ovos da Páscoa, 

Não é preciso ler Robinson Crusoe, para ver que os paraísos tropicais traziam vários problemas, onde foram aplicadas diversas soluções ao longo de gerações... normalmente condicionando a mentalidade pela educação, pelos rituais, pela cultura, pelas histórias. Não se trataria apenas de um problema de sobrevivência, seguir-se-ia um problema de vivência... ou seja, que objectivos de vida manteriam um funcionamento regular da sociedade?  Sob esse aspecto, a manutenção dos inimigos tribais, como na Nova Guiné, reteria um foco de atenção para a vivência... parece ter sido essa a solução encontrada, durante inúmeras gerações.
No Taiti, ilha cuja descoberta deve remontar a Pedro Fernandes Queirós[**], ocorreu a famosa história da revolta da Bounty. Alguns marinheiros amotinaram-se, querendo viver em tal paraíso, ofereceram armas para o desequilíbrio de forças, em favor de um rei, Pomare I, que assegurou o controlo total da ilha entre 1788 e 1791. O capitão Bligh retornou, e perante a ameaça externa o rei entregou os amotinados que lhe tinham fornecido o poder. O Taiti entraria em contacto com os ocidentais como reino unificado, mas em 1842 os franceses usariam as famílias dos rivais depostos para impor um protectorado francês contra a rainha Pomare IV, e ainda hoje o Taiti faz parte da França (... o país modelo da liberdade dos povos, que nunca abdicou das suas colónias, sem deixar de acusar os outros de colonialismo).
Sim, é verdade que falta a folha com as páginas 110 e 111, mas o 
borrão consegue fazer ler o nome de Pedro Fernandes Queirós
(... foi pior a emenda que o soneto!)

Ainda sobre o Taiti, o mesmo livro "O Viajante Universal" refere a particularidade de na viagem de Wallis ter sido reportado haver habitantes "ruivos", e Bougainville, chegando no ano seguinte, refere o uso de conchas como castanholas, e de pérolas como o único meio de moeda de troca. 
O Taiti afinal tanto tempo incógnito é abordado por Wallis, Bougainville e Cook em 1767, 1768 e 1769.
Os espanhóis cruzariam o Pacífico durante 250 anos, e afinal parecia difícil era não passar pelo Taiti.
A viagem de Cook tem um propósito científico - o trânsito de Vénus em Junho de 1769.
O mítico nascimento de Vénus, como pérola saída de uma concha
... parece "maluquice" uma mulher sair de uma concha, mas isso depende do tamanho da concha:
Segundo o National Geographic as conchas da 
zona do Recife Australiano podem atingir... 1m 20cm.
Com essa dimensão, poderiam bem albergar uma criança!

Portanto, afinal a ideia de uma criança poder sair de uma concha, faz sentido na zona das Ilhas Malucas, nos Mares Austrais... e as pérolas, as pérolas saem de "Ostras", ou será preciso "ostracizar" para dizer que saem de "Austras"?
Quanto às pérolas taitianas podem ser "pérolas negras", e como dissémos, serviam de moeda. 
Desde os primeiros registos civilizacionais que foi dada grande importância às pérolas, antes mesmo de pedras preciosas, porque saíam naturalmente brilhantes da "ostra". 
Sumérios, chineses, egípcios, japoneses, gregos, romanos, etc... todos tinham os seus pescadores de pérolas... os hindus afirmariam que teria sido Krishna a criar a primeira. Diferentes culturas, algumas que pouco teriam de marítimas, teriam os seus mergulhadores especializados em suster respiração e encontrar pérolas nas ostras. A maior pérola é disforme e ostenta o nome de Lao Tzé. Cleópatra dissolveu uma pérola para mostrar a Marco António que poderia ter uma refeição mais cara que o orçamento de uma cidade, e outras pérolas como "La Peregrina" têm histórias de 500 anos.

Se há local que tipicamente se prestava a uma população marítima vocacionada para apanhar as primeiras pérolas terá sido a Oceania. Bom, e agora vamos regressar ao mapa do logotipo:
O que tem de especial, de novo, este mapa?
Não é o que tem... é o que falta.
O último registo marcado a Oriente... é a Nova Guiné!
Os mapas começam a ser modificados, e são sucessivamente inventados contornos alternativos...
A Nova Guiné vai ficar incompleta, a Austrália não vai aparecer, o mundo fica suspenso até Cook.
Timidamente serão marcadas as Ilhas Salomão (o nome parece simbólico), ao lado da Nova Guiné, e os holandeses vão arriscar entrar pela Austrália até ao limite definido pelo meridiano português de Tordesilhas (convém reparar que os holandeses se especializaram mais no hemisfério português).

A pérola com o nome "La Peregrina" leva-nos à continuação!
Qual era a rota de peregrinação típica durante quase toda a Idade Média?
Havia a cruzada a Jerusalém, a via Francigena, que levava a Roma... mas curiosamente a peregrinação mais importante, era a de Santiago de Compostela:
Caminhos europeus de Santiago de Compostela
"Estrada de Santiago"... a Via Láctea 
A vieira indicando o Caminho de Santiago.

O que fazia tantos peregrinos europeus seguirem a rota do Apóstolo Santo Iago?
É claro que havia todo o factor religioso, mas nem sequer podemos considerar que se tratasse de uma figura crucial no cristianismo, e mesmo a lenda envolvendo a sua presença na Galiza seria muito controversa.
Acresce que a Estrada de Santiago nem acabaria ali... muitos seguiam o caminho até Finisterra!
Finisterra, onde seria o ponto mais ocidental (por erro, já que era o Cabo Magno), e constando que as rotas eram mais ancestrais, remetem-nos para uma tradição celta, associada a quê?
- À Vieira... que se diz também "venera", ou seja, a uma Vénus, saída da concha!

É claro que a vieira foi tida como símbolo do peregrino pela sua eventual utilidade para beber água, tal como a cabaça... mas sobre a cabaça evitarei falar. Apenas direi que se a concha tinha este lado feminino, a cabaça, um dos primeiros alvos de agricultura, poderia encerrar um aspecto masculino... que se resume no contexto da Oceania à palavra koteka, porque as coisas são como são, e o resto são preconceitos induzidos pelos xamãs da nossa cultura. É assumido que os cultos de fertilidade foram primevos.
Bom, e se as taitianas usavam conchas, a migração cigana da Índia até à Andaluzia popularizou as castanholas
... que têm origem reportada aos fenícios, afinal a civilização que se baseou num domínio marítimo, desde o Mediterrâneo até ao Atlântico. Seriam os fenícios a definir o alfabeto que dominaria o mundo das línguas indo-europeias, e não só.

Compostela poderia aparecer no contexto de peregrinação marítima como uma rota que terminava num grande lago proibido à navegação, seria um "santo lago" que se ligava a "Santo Iago", tal como alguns cultos de Santo Antão estão claramente ligados às Antas. Curiosamente a outra Santiago, do Chile, foi repousar à beira de um lago ainda maior, o oceano Pacífico. Com o decorrer das descobertas, o caminho estava aberto para o lago atlântico, e a contra-reforma terminou a harmonia católica - o caminho de Santiago deixou de ser popular durante os quase cinco séculos seguintes, tendo apenas sido reavivado recentemente.

Objectivamente, o que se pode reter daqui?
Muito pouco, grande parte do texto pode ser considerado especulativo e arbitrário nas associações.
Afinal, se Vénus é Venera, daí tanto vem a palavra "venerar" como a palavra "venérea". 
Se um Puto é um pequeno anjo, associável a Cupido, para fazermos o feminino associado à mãe Vénus, devemos recorrer ao filme japonês LaPuta: Castle in the Sky, em que o nome Laputa se refere a uma cidade nos céus, na obra Gulliver de Jonathan Swift.
Os xamãs guardaram os métodos e as conchinhas, os cravos e as pimentas, e no seu percurso peregrino fizeram as naves subir aos céus, até que reencontraram o simbolismo perdido. Superada a prova, passaram a magos que bebem chá... os problemas são os mesmos, e os métodos pouco diferentes.

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publicado às 06:48

Puto de Vénus

20.08.11
Um famoso quadro de Botticeli, "Nascimento de Vénus" ilustra o nascimento de Afrodite/Vénus, das ondas do mar (Ponto), resultado do corte adamantino de Cronos a Urano:
(é dito que Botticeli teria seguido uma descrição de Angelo Poliziano)

A modelo usada para o quadro foi Vespucci, Simonetta Vespucci, que casou em Florença com Marco, um primo de Alberico, depois dito Américo, Vespucci.

Convém notar que há uma confusão de Afrodites... uma original, que é a que sempre referimos - a Afrodite Uraniana, ligada a Dione, e a sua filha com Zeus, designada Afrodite Pandemos, ligada ao amor físico.
Parténon: Vesta, Dione e Afrodite (Pandemos).

Se começámos a "Questão Gaia" com uma ousada ligação de Gaia pela substituição de I por J, o que daria Gaja, e falámos ainda dos gaiatos, vamos terminar o tópico com os "Putos".

Putti
Os Putos são pequenas crianças, representados na Arte Renascentista e Barroca, e que não são exactamente os habituais anjos (Querubins e Serafins) - têm "estatuto inferior" por serem associados a entidades pagãs - ou seja, Cupido/Eros:


A associação de Vénus a Cupido é bem conhecida e antiga. A entidade pagã, a pequena criança que dispara setas de amor, é o original Puto de Vénus. Há uma relação maternal que se estabeleceu entre estas duas divindades, caso raro em que são representadas quase sempre em conjunto:

Afrodite com Eros 
(terracota do Séc. IV a.C., Hermitage Museum)

Após o Renascimento, esta representação singular de associação divina, numa relação mãe-filho, será retomada em múltiplos quadros... e como é óbvio não estamos a referir-nos apenas à representação destas divindades pagãs. Esta relação nem será nenhuma novidade, pois há vários textos que sinalizam as semelhanças.

A relação divina entre mãe e filho passa claramente para o catolicismo, e será um dos focos de cisma entre protestantes e católicos. Numa primeira análise superficial esta associação seria desadequada para ser retomada pelo catolicismo... mas depende do nível a que a colocamos. Tal como existia uma Afrodite primordial, na Teogonia de Hesíodo também Eros é colocado a um nível ainda mais primevo, um amor surgindo como fonte de luz, e resultando do Caos, tal como Gaia e Tártaro (Eros, é assim mesmo anterior a Urano, filho de Gaia). Como Afrodite, também Eros tem uma segunda encarnação, mais conhecida, enquanto filho de Afrodite e Ares, e é aí representado como uma criança que surge da relação entre os deuses do amor e da guerra, que dispara flechas de paixão. (Este novo Eros será mesmo vítima da sua própria flecha, ficando apaixonado por Psique, numa história que terá inspirado o beijo da Bela Adormecida.)

A representação simultânea de Vénus e Cupido, está muitas vezes presente na pintura e escultura:

 
Venus e Cupido / Afrodite e Eros

Não colocamos aqui a imagem da mais famosa Vénus de Milo... mas, seguindo esta linha, talvez não faltassem apenas os braços, talvez faltasse ainda um Cupido ao colo (assim o sugere o olhar, a posição da perna avançada e do braço elevado). Uma representação assim poderia colidir de "forma grave" com as imagens clássicas, denominadas "Madonas"... isso justificaria a mutilação, uma polémica secreta e a consequente fama associada à estátua. Se Renoir a chamou "grande polícia" talvez não se referisse à falta de beleza, que claramente possui, mas sim ao que representaria a sua mutilação. 
Mais precisamente, aludimos a uma possível representação desta forma:

Há, é claro, uma versão alternativa, relacionada com a devolução da Vénus de Medici, que tem ambos os braços em baixo,  tal como a Afrodite de Cnido (onde Eros está ausente). Aliás a própria "Vénus de Medici" tem uma cópia com um Cupido maior:

"Venus de Medici" (de Praxiteles?) e "cópia romana" (imagens)


Vieira
Na representação de Botticeli temos essa Vénus primordial, que emerge adulta da espuma do mar primevo, como uma pérola de uma vieira (ou ostra). Isso já ocorre antes, conforme podemos ver num fresco de Pompeia:

Há assim, uma associação muito antiga, que liga o nascimento de Vénus, enquanto deusa primeva do amor, a uma vieira, e que foi recuperada no quadro de Botticeli.
Não podemos deixar de notar que essa vieira é ainda o símbolo de Santiago, e que os peregrinos seguiam esse caminho levando num cajado esse símbolo primevo do amor. A mensagem profunda da vieira de Santiago, é assim o reflexo em Cristo desse símbolo ancestral do amor espiritual, ligado ao nascimento da Afrodite Uraniana.
Isso terá tido uma grande influência na comunidade peninsular que já venerava Cupido (chamado Endovélico), conforme escreveu Carvalho da Costa. Venerar, de Venera (Vénus), é aqui mesmo a palavra correcta. A relação entre mãe e filho terá factores acrescidos de ligação, na propagação dessa mensagem de amor primeiro. O caso singular do cristianismo enquanto religião é a capacidade de colocar um Deus omnipotente em posição humana, com as fragilidades inerentes na situação de reflexão literal, recuperando uma noção primeva de amor, complemento ao equilíbrio dinâmico, possível com o corte temporal de Cronos.
A lâmina adamantina de Cronos cindiu um universo de todos os tempos, de Úrano, mostrando um tempo de cada vez, em contínuo. As ideias, os verbos, iriam ser definidos pela sua emergência dessa sequência imparável. O tempo surgia assim como uma ilusão de reprodução dinâmica do estado anterior, saindo de todo o caos possível uma aparente inteligibilidade. É assim que emerge a noção de amor, de partilha dinâmica do mesmo universo, pelos seres pensantes... e esse amor pode ser local, quando os seres reduzem o seu universo, a uma pessoa, ou a uma ocasião, ou pode ter contornos mais profundos, procurando uma harmonia global. Digamos que estão definidos todos os caminhos das Moiras, mas não o caminho que cada um decide seguir... é isso que o define enquanto ser emergente da estrutura estática, e que assim passa a "existir" na "ilusão" temporal.

Pombas e Peleiades
Se o Corvo está muitas vezes associado a Helios/Sol/Apolo, por outro lado, a pomba está associada a Afrodite e a Eros, havendo várias representações nesse sentido!

Será escusado dizer que também a pomba foi colocada no cristianismo como elemento revelador a Maria, para a concepção de Jesus, e ainda como um símbolo de paz e amor ligado à mensagem cristã.

Deus ao colocar-se numa posição humana através de Cristo, terá o seu complemento, o Espírito Santo, representado na pomba. Fica obviamente definida a trindade inevitável, pela abnegação do todo numa parte... teria que existir o seu complemento. 
Convirá referir que Zeus, escrito com um dzeta, se poderá ler Dzeus, da mesma forma que na componente romana, Júpiter tinha como nome alternativo Jove, que não difere muito de Jeova. Ou seja, os nomes não são assim tão diferentes quanto aparentam, à primeira vista... 

Peleiades significa em grego - pombas, e encontramos aqui ligação à designação das Pleiades, que enquanto agrupamento estelar representa as filhas de Atlas, um bando de pombas perseguidas pelo caçador Orion,. As referências às Pleiades são variadas, e estão inevitavelmente ligadas ao Ocidente, ao paraíso perdido, após o Atlas e Atlântico. 
Limite do Atlântico que será quebrado, após o Corvo (ilha), por um pombo que se chamará Colombo.
Colombo terá sido antes Colón, ou terá tido outro nome... mas seria afinal um pombo que se iria juntar às pombas passando o Atlântico, do pai Atlas que sustentava o mundo. A viagem de Colombo toma assim um aspecto simbólico de revelação, que ultrapassou o limite ocidental do Corvo, ave de Apolo.
[Peleiades era ainda o nome das sacerdotisas do templo de Dodona, ligado a Gaia, Reia e Dione (de alguma forma identificadas), sendo Dione a Afrodite Uraniana.]

Vénus ou Lucifer?
Uma das Pleiades é Maia, filha de Atlas e mãe de Hermes/Mercúrio. Tal como Gaia e Reia, também Maia acabou por ser uma divindade ligada à Terra, em diversas culturas. 
Se Vénus estava ligada a Mercúrio, e como ambos os planetas têm órbitas aparentes próximas um do outro, e próximas do Sol, não é de excluir que Mercúrio possa ter sido identificado ainda a Eros/Cupido. Há outros aspectos que concorrem nesse sentido, nomeadamente a célebre menção do Hermes Trimegisto e o hermético Hermetismo, onde a mensagem do caduceu se complementará com as ligações pelas setas de Cupido.

Um aspecto sinistro nestas ligações mitológicas, acabam por ser as contradições propositadas, criadas com objectivos obscuros... um dos mais evidentes é transformar Lucifer (em latim "o portador da luz"), a estrela da manhã, ou seja Vénus, a deusa do amor, numa personificação do mal. Como vimos, as contradições disto seriam totais, se Vénus não fosse também a estrela da tarde, e como tal Hesper... a esperança! 
É claro que, pretendendo-se manter a obscuridade, qualquer luz será encarada como um mal, que subverte a ordem instalada... nem que para isso se tenham que colocar educacionalmente reflexos condicionados. Pensar-se-à assim sobrepor uma "verdade social fabricada", mas até quando? Até que ponto será preciso ir, para que a verdade do passado deixe de pesar sobre o presente e ensombrar/assombrar o futuro?

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publicado às 07:56

Puto de Vénus

20.08.11
Um famoso quadro de Botticeli, "Nascimento de Vénus" ilustra o nascimento de Afrodite/Vénus, das ondas do mar (Ponto), resultado do corte adamantino de Cronos a Urano:
(é dito que Botticeli teria seguido uma descrição de Angelo Poliziano)

A modelo usada para o quadro foi Vespucci, Simonetta Vespucci, que casou em Florença com Marco, um primo de Alberico, depois dito Américo, Vespucci.

Convém notar que há uma confusão de Afrodites... uma original, que é a que sempre referimos - a Afrodite Uraniana, ligada a Dione, e a sua filha com Zeus, designada Afrodite Pandemos, ligada ao amor físico.
Parténon: Vesta, Dione e Afrodite (Pandemos).

Se começámos a "Questão Gaia" com uma ousada ligação de Gaia pela substituição de I por J, o que daria Gaja, e falámos ainda dos gaiatos, vamos terminar o tópico com os "Putos".

Putti
Os Putos são pequenas crianças, representados na Arte Renascentista e Barroca, e que não são exactamente os habituais anjos (Querubins e Serafins) - têm "estatuto inferior" por serem associados a entidades pagãs - ou seja, Cupido/Eros:


A associação de Vénus a Cupido é bem conhecida e antiga. A entidade pagã, a pequena criança que dispara setas de amor, é o original Puto de Vénus. Há uma relação maternal que se estabeleceu entre estas duas divindades, caso raro em que são representadas quase sempre em conjunto:
Afrodite com Eros 
(terracota do Séc. IV a.C., Hermitage Museum)

Após o Renascimento, esta representação singular de associação divina, numa relação mãe-filho, será retomada em múltiplos quadros... e como é óbvio não estamos a referir-nos apenas à representação destas divindades pagãs. Esta relação nem será nenhuma novidade, pois há vários textos que sinalizam as semelhanças.

A relação divina entre mãe e filho passa claramente para o catolicismo, e será um dos focos de cisma entre protestantes e católicos. Numa primeira análise superficial esta associação seria desadequada para ser retomada pelo catolicismo... mas depende do nível a que a colocamos. Tal como existia uma Afrodite primordial, na Teogonia de Hesíodo também Eros é colocado a um nível ainda mais primevo, um amor surgindo como fonte de luz, e resultando do Caos, tal como Gaia e Tártaro (Eros, é assim mesmo anterior a Urano, filho de Gaia). Como Afrodite, também Eros tem uma segunda encarnação, mais conhecida, enquanto filho de Afrodite e Ares, e é aí representado como uma criança que surge da relação entre os deuses do amor e da guerra, que dispara flechas de paixão. (Este novo Eros será mesmo vítima da sua própria flecha, ficando apaixonado por Psique, numa história que terá inspirado o beijo da Bela Adormecida.)

A representação simultânea de Vénus e Cupido, está muitas vezes presente na pintura e escultura:

 
Venus e Cupido / Afrodite e Eros

Não colocamos aqui a imagem da mais famosa Vénus de Milo... mas, seguindo esta linha, talvez não faltassem apenas os braços, talvez faltasse ainda um Cupido ao colo (assim o sugere o olhar, a posição da perna avançada e do braço elevado). Uma representação assim poderia colidir de "forma grave" com as imagens clássicas, denominadas "Madonas"... isso justificaria a mutilação, uma polémica secreta e a consequente fama associada à estátua. Se Renoir a chamou "grande polícia" talvez não se referisse à falta de beleza, que claramente possui, mas sim ao que representaria a sua mutilação. 
Mais precisamente, aludimos a uma possível representação desta forma:

Há, é claro, uma versão alternativa, relacionada com a devolução da Vénus de Medici, que tem ambos os braços em baixo,  tal como a Afrodite de Cnido (onde Eros está ausente). Aliás a própria "Vénus de Medici" tem uma cópia com um Cupido maior:
 
"Venus de Medici" (de Praxiteles?) e "cópia romana" (imagens)


Vieira
Na representação de Botticeli temos essa Vénus primordial, que emerge adulta da espuma do mar primevo, como uma pérola de uma vieira (ou ostra). Isso já ocorre antes, conforme podemos ver num fresco de Pompeia:
Há assim, uma associação muito antiga, que liga o nascimento de Vénus, enquanto deusa primeva do amor, a uma vieira, e que foi recuperada no quadro de Botticeli.
Não podemos deixar de notar que essa vieira é ainda o símbolo de Santiago, e que os peregrinos seguiam esse caminho levando num cajado esse símbolo primevo do amor. A mensagem profunda da vieira de Santiago, é assim o reflexo em Cristo desse símbolo ancestral do amor espiritual, ligado ao nascimento da Afrodite Uraniana.
Isso terá tido uma grande influência na comunidade peninsular que já venerava Cupido (chamado Endovélico), conforme escreveu Carvalho da Costa. Venerar, de Venera (Vénus), é aqui mesmo a palavra correcta. A relação entre mãe e filho terá factores acrescidos de ligação, na propagação dessa mensagem de amor primeiro. O caso singular do cristianismo enquanto religião é a capacidade de colocar um Deus omnipotente em posição humana, com as fragilidades inerentes na situação de reflexão literal, recuperando uma noção primeva de amor, complemento ao equilíbrio dinâmico, possível com o corte temporal de Cronos.
A lâmina adamantina de Cronos cindiu um universo de todos os tempos, de Úrano, mostrando um tempo de cada vez, em contínuo. As ideias, os verbos, iriam ser definidos pela sua emergência dessa sequência imparável. O tempo surgia assim como uma ilusão de reprodução dinâmica do estado anterior, saindo de todo o caos possível uma aparente inteligibilidade. É assim que emerge a noção de amor, de partilha dinâmica do mesmo universo, pelos seres pensantes... e esse amor pode ser local, quando os seres reduzem o seu universo, a uma pessoa, ou a uma ocasião, ou pode ter contornos mais profundos, procurando uma harmonia global. Digamos que estão definidos todos os caminhos das Moiras, mas não o caminho que cada um decide seguir... é isso que o define enquanto ser emergente da estrutura estática, e que assim passa a "existir" na "ilusão" temporal.

Pombas e Peleiades
Se o Corvo está muitas vezes associado a Helios/Sol/Apolo, por outro lado, a pomba está associada a Afrodite e a Eros, havendo várias representações nesse sentido!

Será escusado dizer que também a pomba foi colocada no cristianismo como elemento revelador a Maria, para a concepção de Jesus, e ainda como um símbolo de paz e amor ligado à mensagem cristã.
Deus ao colocar-se numa posição humana através de Cristo, terá o seu complemento, o Espírito Santo, representado na pomba. Fica obviamente definida a trindade inevitável, pela abnegação do todo numa parte... teria que existir o seu complemento. 
Convirá referir que Zeus, escrito com um dzeta, se poderá ler Dzeus, da mesma forma que na componente romana, Júpiter tinha como nome alternativo Jove, que não difere muito de Jeova. Ou seja, os nomes não são assim tão diferentes quanto aparentam, à primeira vista... 

Peleiades significa em grego - pombas, e encontramos aqui ligação à designação das Pleiades, que enquanto agrupamento estelar representa as filhas de Atlas, um bando de pombas perseguidas pelo caçador Orion,. As referências às Pleiades são variadas, e estão inevitavelmente ligadas ao Ocidente, ao paraíso perdido, após o Atlas e Atlântico. 
Limite do Atlântico que será quebrado, após o Corvo (ilha), por um pombo que se chamará Colombo.
Colombo terá sido antes Colón, ou terá tido outro nome... mas seria afinal um pombo que se iria juntar às pombas passando o Atlântico, do pai Atlas que sustentava o mundo. A viagem de Colombo toma assim um aspecto simbólico de revelação, que ultrapassou o limite ocidental do Corvo, ave de Apolo.
[Peleiades era ainda o nome das sacerdotisas do templo de Dodona, ligado a Gaia, Reia e Dione (de alguma forma identificadas), sendo Dione a Afrodite Uraniana.]

Vénus ou Lucifer?
Uma das Pleiades é Maia, filha de Atlas e mãe de Hermes/Mercúrio. Tal como Gaia e Reia, também Maia acabou por ser uma divindade ligada à Terra, em diversas culturas. 
Se Vénus estava ligada a Mercúrio, e como ambos os planetas têm órbitas aparentes próximas um do outro, e próximas do Sol, não é de excluir que Mercúrio possa ter sido identificado ainda a Eros/Cupido. Há outros aspectos que concorrem nesse sentido, nomeadamente a célebre menção do Hermes Trimegisto e o hermético Hermetismo, onde a mensagem do caduceu se complementará com as ligações pelas setas de Cupido.

Um aspecto sinistro nestas ligações mitológicas, acabam por ser as contradições propositadas, criadas com objectivos obscuros... um dos mais evidentes é transformar Lucifer (em latim "o portador da luz"), a estrela da manhã, ou seja Vénus, a deusa do amor, numa personificação do mal. Como vimos, as contradições disto seriam totais, se Vénus não fosse também a estrela da tarde, e como tal Hesper... a esperança! 
É claro que, pretendendo-se manter a obscuridade, qualquer luz será encarada como um mal, que subverte a ordem instalada... nem que para isso se tenham que colocar educacionalmente reflexos condicionados. Pensar-se-à assim sobrepor uma "verdade social fabricada", mas até quando? Até que ponto será preciso ir, para que a verdade do passado deixe de pesar sobre o presente e ensombrar/assombrar o futuro?

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publicado às 07:56

Há uma quantidade de palavras cuja origem é estranha e de alguma forma indeterminada, ainda que haja sempre alguma explicação mais ou menos original. Um desses casos é a palavra "Estrombólico"... que irei aqui associar à Rocha da Mina, perto de Terena, assinalada num comentário por Olinda Gil.

Estrombólico (Strombolicchio)
Trata-se de um pequeno rochedo em face da ilha vulcânica Estromboli (Stromboli, uma das Ilhas Eólias), cuja forma é suficientemente estrombólica, especialmente na parte da formação que parece uma cabeça rochosa.
Rochedo Estrombólico / Strombolicchio

Em "Uma viagem de duas mil léguas" de Cláudio Barbuda (e Filipe Xavier), 1848, anunciava-se o nascimento de novas ilhas perto dos Açores, Estromboli e Santorino. Não há muitos vulcões activos na Europa, e na zona da Sicília/Nápoles encontramos alguns dos mais famosos, o Vesúvio, o Etna e o Stromboli. Era nesta zona que eram colocados os deuses Vulcano, associado ao fogo, e Eólos, aos ventos.
Cláudio Barbuda dá conta da grande diferença entre vulcões activos na Europa (1 continental, 12 nas ilhas), face à América (97 continentais, 19 nas ilhas), à Ásia (8 continentais, 58 nas ilhas), e especialmente a ausência de vulcões na África, exceptuando nas ilhas (?), ainda que o Kilimanjaro devesse ter sido considerado (mas não tinha sido escalado).
Nesse relato de Barbuda, fala-se ainda da diferença nas erupções - "na Europa e Ásia tudo é lava ou pedra, porém na América lançam de si greda, escória de azouge e carvão, e algumas vezes água e peixes fervidos".
Não sei a origem da palavra "estrombólico", mas já era usada no Séc. XIX, e não disponho de nenhuma informação sobre algo estranho em erupções do Stromboli, nomeadamente algum relato de cuspir "peixes fervidos" para que constasse como associação bizarra.

Ilha Sabrina
O relato de Cláudio Barbuda, no que respeita aos Açores, refere-se à ilha de Sabrina - um episódio de 1811 já pouco conhecido no continente, mas que os açorianos relembram. 
A ilha Sabrina, ao largo de S. Miguel, relato do comando de Tillard.

Uma erupção formou uma ilha reclamada pelo navio inglês Sabrina, mas que não se consolidou e desapareceu pouco depois... evitando um problema de disputa territorial ao largo de S. Miguel.
O mesmo problema territorial é reportado numa erupção do vulcão submarino Empedócles, que originou em 1701, 1831 e 1866, a ilha Julia ou Ferdinandea e cuja volatilidade da propriedade foi ironizada por Julio Verne.
Seria este relato o referido por Barbuda, associado ao Estromboli? 
O Stromboli está no norte da Sicilia e não no sul, onde apareceu esta ilha Julia... e por outro lado, relativamente Santorini confirmamos Nea Kameni na erupção de 1707.

Rocha da Mina (Terena)
Por simples comparação visual, a Rocha da Mina, associada ao culto do Endovélico, tem uma configuração também "estrombólica" parecendo revelar uma cabeça rochosa. 

 
Rocha da Mina, Alandroal 

aqui afirmámos que o culto de Endovélico nos parece ter sido uma invenção romana, destinada a ocultar a religião original ibérica, que se centraria num culto não muito diferente do greco-romano, elevando acentuadamente a figura de Hércules... ou o "homem da maça". Este parece ser o único registo confirmado desse culto, que estaria ao mesmo tempo associado a Cupido, deus do amor...
Na nossa opinião a origem dessa confusão tem um protagonista inicial, que poderá ter deixado rasto não muito longe... em Juromenha!

Juromenha
Uma das fortalezas mais espectaculares que ainda restam é a de Juromenha.
A construção inicial de Juromenha está envolta nalgum mistério, sendo claro que sofreu alterações posteriores, nomeadamente na altura das Guerras da Restauração e seguintes.
Castelo de Juromenha

Encontramos o relato do Padre António Carvalho da Costa, na Corografia Portuguesa de 1708, que diz o seguinte:
No Bispado de Elvas, onze legoas de Aviz para o Nascente, três de Borba para о Oriente, & três de Elvas para o Ocidente, nas margens do rio Guadiana, em lugar iminente, forte por natureza, & arte tem seu assento a Villa de Jurumenha, cercada de fortes muros, que edificou Julio Cesar (segundo a tradição dos moradores) a quem os Latinos chamam Julii maenia, corrupto hoje em Jurumenha. Foi fundada pelos Galos Celtas muitos anos antes da vinda de Christo, & depois El Rey Dom Diniz a aumentou pelos anos de 1312.
Ou seja, havia a tradição local de associar as muralhas de Juromenha a Júlio César, a que se acrescenta a derivação de Julii Maenia. É mais uma associação à família Julia de Júlio César, que tem outras derivações conhecidas:
Pax Julia (Beja), Liberalis Julia (Evora), Felicitas Julia (Lisboa)
Não é difícil compreender que Júlio César teve sucesso (felicitas) na Lusitânia, sendo conhecido que passou a pagar em ouro puro às suas legiões, muito provavelmente devido a uma combinação de paz (pax) com os povos locais, que admitia alguma liberdade (liberalis) nativa.
Essa paz terá tido algum compromisso com o culto, ou melhor cult-ura, lusitana, onde o Endovélico terá sido uma peça para a ocultação de cult-os, ou cult-uras, anteriores. Em particular, torna-se evidente que a fortaleza de Juromenha seria implantada por cima de uma fortaleza celta...
Esta tendência foi ainda reafirmada por Octávio, depois imperador Augusto, de tal forma que a Era Hispanica foi marcada a partir da sua presença na Hispania, e subsistiu na marcação de anos até D. João I.

Lucefece
Como bem observou Olinda Gil, perto de Terena corre a Ribeira de Lucefecit (ou Lucefece), afluente do Guadiana, e indicamos um excelente artigo de Heitor Pato sobre este tema.
Outras origens do nome já tinham sido abordadas pelo Padre António Carvalho da Costa em 1708:
(...) corre por ele uma ribeira chamada Lucefece, que tomou o nome do que disse um Capitão, o qual dando uma batalha na Serra d'Ossa assim chamada dos muitos ossos, que nela ficaram dos que na batalha morreram) indo-se recolhendo, & chegando a esta ribeira, vinha amanhecendo, disse para os seus Lucent fecit, & que desta palavra tomou o nome. Há neste termo uma Paróquia dedicada a N. Senhora do Rosário com um Cura da Ordem de Aviz, & uma Ermida do Arcanjo S. Miguel perto da Vila de Terena , fundada nas ruínas daquele célebre, & antiquíssimo templo dedicado a Cupido, chamado Endovelico na lingua dos antigos Lusitanos.
Não é explicado qual é o Capitão... mas sendo romano, poderia até ser o próprio Júlio César (*). O efeito terá sido devastador pela quantidade de ossos dar origem ao nome da serra... e este "Lucem fecit" ou "faz-se luz" fica com um significado carregado, um pouco diferente do "Lucifer" enquanto estrela de alva. 
Encontramos ainda nas margens dessa ribeira, a Igreja da Boa Nova, de Terena, já ligada a uma relação posterior, à filha de Afonso IV que convenceu o pai a apoiar o rei de Castela, seu marido, na Batalha do Salado. A imagem do Séc. XIX, que encontrámos na revista Panorama de 1847, é próxima da actual:

Vila do Cano, Sousel
Acabamos na Vila do Cano este pequeno périplo naquela zona alentejana, que muito provavelmente em tempos antigos seria quase costeira pela proximidade do extenso mar interior... É epíteto da vila ser "a mais vetusta das vetustas"... mas desconhecemos de onde vem tal pretensão de tão grande antiguidade.
tínhamos falado sobre esta vila, como exemplo alternativo aos Olhos de Fervença, pela referência aos tais olhos de água, sobre os quais o Padre António Carvalho da Costa, em 1708, diz:
Para o Nascente tem uns olheirões de água, que chamam a "fonte dos olhos", por estar neles fervendo tanta agua, donde sai um cano dela, com que moem azenhas, & pizão; Se a água das azenhas se converte em pedra dentro na caldeira, de sorte que muitas vezes se tira dentro dela outra caldeira de pedra, que se fez da agua & por tradição antiga se conta que já estes olheirões indo um homem com um carro о sorveram com carro & boys, & não apareceu mais.
Fica assim uma outra referência ao tal fenómeno popular de "desaparecimento" próximo de tais "olhos de água", que invocam alguma nascente de origem vulcânica, pela descrição.

Álamo
Regressamos assim ao "estrambólico", não apenas pela descrição destes fenómenos, mas pela descrição de uma eventual nascente termal, que tinha um cano... 
A Vila do Cano, que já no tempo romano teria a designação Cannum, mantém no seu brazão um enigmático cano... Carvalho da Costa fala dessa origem do nome, sugerindo os múltiplos canos, ou um cano de natureza singular.
Não muito longe vamos encontrar a Torre de Camões, ou Torre do Álamo:
Brazão da Vila do Cano, e Torre do Álamo, ou de Camões, concelho de Sousel

A associação da Torre do Álamo a Luís de Camões parece dever-se à história de que ali teria escrito grande parte dos Lusíadas... ou talvez dito de outra forma, que grande parte da História dos Lusíadas poderia ser encontrada por ali. No plural de Álamo(**)... Los Alamos ficou depois célebre nos EUA pelo projecto atómico, e adequadamente finalizamos com uma associação "estrambólica".

Habitualmente não consideramos invulgares fontes de águas sulfurosas, as ditas Caldas, em diversas povoações ibéricas, apesar de já não haver qualquer registo de actividade vulcânica há muito tempo! Essas fontes assumem uma origem interna, e um calor interno, que se manifesta nos vulcões, cuja distribuição é algo peculiar, conforme apontava Cláudio Barbuda. Essa erupção resultante de uma pressão e fonte interna de calor poderosa tem um problema temporal... se já não existe fonte de calor, a manifestação de actividade vulcânica tenderia a desaparecer rapidamente, pelo arrefecimento natural (equilíbrio térmico). Porém, nada disso acontece... e o fenómeno das erupções do Stromboli, razoavelmente periódicas e contínuas, indicia ao contrário uma permanência de fonte interna de calor durável. Qual?

Notas adicionais (7/6/2011)
(*) Esta hipótese vai ser completamente descartada no post seguinte.
(**) Convém notar que Álamo é um tipo de madeira semelhante ao Choupo. Ao nível da história americana, o episódio do Forte Álamo foi marcante na definição da independência do Texas (que veio depois a ser integrado voluntariamente como estado dos EUA).

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publicado às 07:43

Há uma quantidade de palavras cuja origem é estranha e de alguma forma indeterminada, ainda que haja sempre alguma explicação mais ou menos original. Um desses casos é a palavra "Estrombólico"... que irei aqui associar à Rocha da Mina, perto de Terena, assinalada num comentário por Olinda Gil.

Estrombólico (Strombolicchio)
Trata-se de um pequeno rochedo em face da ilha vulcânica Estromboli (Stromboli, uma das Ilhas Eólias), cuja forma é suficientemente estrombólica, especialmente na parte da formação que parece uma cabeça rochosa.
Rochedo Estrombólico / Strombolicchio

Em "Uma viagem de duas mil léguas" de Cláudio Barbuda (e Filipe Xavier), 1848, anunciava-se o nascimento de novas ilhas perto dos Açores, Estromboli e Santorino. Não há muitos vulcões activos na Europa, e na zona da Sicília/Nápoles encontramos alguns dos mais famosos, o Vesúvio, o Etna e o Stromboli. Era nesta zona que eram colocados os deuses Vulcano, associado ao fogo, e Eólos, aos ventos.
Cláudio Barbuda dá conta da grande diferença entre vulcões activos na Europa (1 continental, 12 nas ilhas), face à América (97 continentais, 19 nas ilhas), à Ásia (8 continentais, 58 nas ilhas), e especialmente a ausência de vulcões na África, exceptuando nas ilhas (?), ainda que o Kilimanjaro devesse ter sido considerado (mas não tinha sido escalado).
Nesse relato de Barbuda, fala-se ainda da diferença nas erupções - "na Europa e Ásia tudo é lava ou pedra, porém na América lançam de si greda, escória de azouge e carvão, e algumas vezes água e peixes fervidos".
Não sei a origem da palavra "estrombólico", mas já era usada no Séc. XIX, e não disponho de nenhuma informação sobre algo estranho em erupções do Stromboli, nomeadamente algum relato de cuspir "peixes fervidos" para que constasse como associação bizarra.

Ilha Sabrina
O relato de Cláudio Barbuda, no que respeita aos Açores, refere-se à ilha de Sabrina - um episódio de 1811 já pouco conhecido no continente, mas que os açorianos relembram. 
A ilha Sabrina, ao largo de S. Miguel, relato do comando de Tillard.

Uma erupção formou uma ilha reclamada pelo navio inglês Sabrina, mas que não se consolidou e desapareceu pouco depois... evitando um problema de disputa territorial ao largo de S. Miguel.
O mesmo problema territorial é reportado numa erupção do vulcão submarino Empedócles, que originou em 1701, 1831 e 1866, a ilha Julia ou Ferdinandea e cuja volatilidade da propriedade foi ironizada por Julio Verne.
Seria este relato o referido por Barbuda, associado ao Estromboli? 
O Stromboli está no norte da Sicilia e não no sul, onde apareceu esta ilha Julia... e por outro lado, relativamente Santorini confirmamos Nea Kameni na erupção de 1707.

Rocha da Mina (Terena)
Por simples comparação visual, a Rocha da Mina, associada ao culto do Endovélico, tem uma configuração também "estrombólica" parecendo revelar uma cabeça rochosa. 

 
Rocha da Mina, Alandroal 

aqui afirmámos que o culto de Endovélico nos parece ter sido uma invenção romana, destinada a ocultar a religião original ibérica, que se centraria num culto não muito diferente do greco-romano, elevando acentuadamente a figura de Hércules... ou o "homem da maça". Este parece ser o único registo confirmado desse culto, que estaria ao mesmo tempo associado a Cupido, deus do amor...
Na nossa opinião a origem dessa confusão tem um protagonista inicial, que poderá ter deixado rasto não muito longe... em Juromenha!

Juromenha
Uma das fortalezas mais espectaculares que ainda restam é a de Juromenha.
A construção inicial de Juromenha está envolta nalgum mistério, sendo claro que sofreu alterações posteriores, nomeadamente na altura das Guerras da Restauração e seguintes.
Castelo de Juromenha

Encontramos o relato do Padre António Carvalho da Costa, na Corografia Portuguesa de 1708, que diz o seguinte:
No Bispado de Elvas, onze legoas de Aviz para o Nascente, três de Borba para о Oriente, & três de Elvas para o Ocidente, nas margens do rio Guadiana, em lugar iminente, forte por natureza, & arte tem seu assento a Villa de Jurumenha, cercada de fortes muros, que edificou Julio Cesar (segundo a tradição dos moradores) a quem os Latinos chamam Julii maenia, corrupto hoje em Jurumenha. Foi fundada pelos Galos Celtas muitos anos antes da vinda de Christo, & depois El Rey Dom Diniz a aumentou pelos anos de 1312.
Ou seja, havia a tradição local de associar as muralhas de Juromenha a Júlio César, a que se acrescenta a derivação de Julii Maenia. É mais uma associação à família Julia de Júlio César, que tem outras derivações conhecidas:
Pax Julia (Beja), Liberalis Julia (Evora), Felicitas Julia (Lisboa)
Não é difícil compreender que Júlio César teve sucesso (felicitas) na Lusitânia, sendo conhecido que passou a pagar em ouro puro às suas legiões, muito provavelmente devido a uma combinação de paz (pax) com os povos locais, que admitia alguma liberdade (liberalis) nativa.
Essa paz terá tido algum compromisso com o culto, ou melhor cult-ura, lusitana, onde o Endovélico terá sido uma peça para a ocultação de cult-os, ou cult-uras, anteriores. Em particular, torna-se evidente que a fortaleza de Juromenha seria implantada por cima de uma fortaleza celta...
Esta tendência foi ainda reafirmada por Octávio, depois imperador Augusto, de tal forma que a Era Hispanica foi marcada a partir da sua presença na Hispania, e subsistiu na marcação de anos até D. João I.

Lucefece
Como bem observou Olinda Gil, perto de Terena corre a Ribeira de Lucefecit (ou Lucefece), afluente do Guadiana, e indicamos um excelente artigo de Heitor Pato sobre este tema.
Outras origens do nome já tinham sido abordadas pelo Padre António Carvalho da Costa em 1708:
(...) corre por ele uma ribeira chamada Lucefece, que tomou o nome do que disse um Capitão, o qual dando uma batalha na Serra d'Ossa assim chamada dos muitos ossos, que nela ficaram dos que na batalha morreram) indo-se recolhendo, & chegando a esta ribeira, vinha amanhecendo, disse para os seus Lucent fecit, & que desta palavra tomou o nome. Há neste termo uma Paróquia dedicada a N. Senhora do Rosário com um Cura da Ordem de Aviz, & uma Ermida do Arcanjo S. Miguel perto da Vila de Terena , fundada nas ruínas daquele célebre, & antiquíssimo templo dedicado a Cupido, chamado Endovelico na lingua dos antigos Lusitanos.
Não é explicado qual é o Capitão... mas sendo romano, poderia até ser o próprio Júlio César (*). O efeito terá sido devastador pela quantidade de ossos dar origem ao nome da serra... e este "Lucem fecit" ou "faz-se luz" fica com um significado carregado, um pouco diferente do "Lucifer" enquanto estrela de alva. 
Encontramos ainda nas margens dessa ribeira, a Igreja da Boa Nova, de Terena, já ligada a uma relação posterior, à filha de Afonso IV que convenceu o pai a apoiar o rei de Castela, seu marido, na Batalha do Salado. A imagem do Séc. XIX, que encontrámos na revista Panorama de 1847, é próxima da actual:

Vila do Cano, Sousel
Acabamos na Vila do Cano este pequeno périplo naquela zona alentejana, que muito provavelmente em tempos antigos seria quase costeira pela proximidade do extenso mar interior... É epíteto da vila ser "a mais vetusta das vetustas"... mas desconhecemos de onde vem tal pretensão de tão grande antiguidade.
tínhamos falado sobre esta vila, como exemplo alternativo aos Olhos de Fervença, pela referência aos tais olhos de água, sobre os quais o Padre António Carvalho da Costa, em 1708, diz:
Para o Nascente tem uns olheirões de água, que chamam a "fonte dos olhos", por estar neles fervendo tanta agua, donde sai um cano dela, com que moem azenhas, & pizão; Se a água das azenhas se converte em pedra dentro na caldeira, de sorte que muitas vezes se tira dentro dela outra caldeira de pedra, que se fez da agua & por tradição antiga se conta que já estes olheirões indo um homem com um carro о sorveram com carro & boys, & não apareceu mais.
Fica assim uma outra referência ao tal fenómeno popular de "desaparecimento" próximo de tais "olhos de água", que invocam alguma nascente de origem vulcânica, pela descrição.

Álamo
Regressamos assim ao "estrambólico", não apenas pela descrição destes fenómenos, mas pela descrição de uma eventual nascente termal, que tinha um cano... 
A Vila do Cano, que já no tempo romano teria a designação Cannum, mantém no seu brazão um enigmático cano... Carvalho da Costa fala dessa origem do nome, sugerindo os múltiplos canos, ou um cano de natureza singular.
Não muito longe vamos encontrar a Torre de Camões, ou Torre do Álamo:
Brazão da Vila do Cano, e Torre do Álamo, ou de Camões, concelho de Sousel

A associação da Torre do Álamo a Luís de Camões parece dever-se à história de que ali teria escrito grande parte dos Lusíadas... ou talvez dito de outra forma, que grande parte da História dos Lusíadas poderia ser encontrada por ali. No plural de Álamo(**)... Los Alamos ficou depois célebre nos EUA pelo projecto atómico, e adequadamente finalizamos com uma associação "estrambólica".

Habitualmente não consideramos invulgares fontes de águas sulfurosas, as ditas Caldas, em diversas povoações ibéricas, apesar de já não haver qualquer registo de actividade vulcânica há muito tempo! Essas fontes assumem uma origem interna, e um calor interno, que se manifesta nos vulcões, cuja distribuição é algo peculiar, conforme apontava Cláudio Barbuda. Essa erupção resultante de uma pressão e fonte interna de calor poderosa tem um problema temporal... se já não existe fonte de calor, a manifestação de actividade vulcânica tenderia a desaparecer rapidamente, pelo arrefecimento natural (equilíbrio térmico). Porém, nada disso acontece... e o fenómeno das erupções do Stromboli, razoavelmente periódicas e contínuas, indicia ao contrário uma permanência de fonte interna de calor durável. Qual?

Notas adicionais (7/6/2011)
(*) Esta hipótese vai ser completamente descartada no post seguinte.
(**) Convém notar que Álamo é um tipo de madeira semelhante ao Choupo. Ao nível da história americana, o episódio do Forte Álamo foi marcante na definição da independência do Texas (que veio depois a ser integrado voluntariamente como estado dos EUA).

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