Saindo de Lisboa, e desviando um pouco dos caminhos habituais, virei um dia para Meca.
Sim, há uma
Meca perto de Lisboa, no concelho de Alenquer, pouco conhecida.
Já sabemos que há nomes estranhos em localidades portuguesas, mas não estava propriamente à espera de encontrar aí uma basílica de dimensões assinaláveis, construída ao tempo de D. Maria I (1799), em honra de Santa Quitéria.
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Basílica de Santa Quitéria em Meca (imagem) |
O estilo da basílica não se afasta muito da Basílica da Estrela, tendo sido construída na mesma altura - e se é óbvio que não tem a mesma dimensão da lisboeta, muito menos tem as dimensões esperadas para uma igreja numa freguesia do concelho de Alenquer.
A fonte para saber mais alguma coisa seria o
Portugal Antigo e Moderno de Pinho Leal, que remete para o nome "
Espiçandeira e Meca" (pag. 60, Volume 3). A aldeia de Espiçandeira tinha um culto a São Sebastião, com uma igreja igualmente interessante, mas muito menos imponente. No Séc. XIX, nalguma reforma administrativa habitual, as freguesias teriam estado juntas, e o nome da aldeia de Meca nem era "oficial".
Pinho Leal refere o seguinte:
Na aldeia de Meca está fundada a famosa igreja de Santa Quitéria, virgem e mártir, que é capela real. É um templo rico e majestoso, e muito concorrido de fiéis de povoações de muitas léguas em redor, pela muita devoção que tributam a esta santa imagem.
Segundo a tradição, no ano de 1238, aparecera num espinheiro, na Quinta de S. Braz, uma pequena imagem de Santa Quitéria, advogada contra a hidrofobia. Edificou-se logo ali uma capelinha para colocar a santa. (...)
Formou-se uma confraria, que veio a ser das mais ricas de Portugal, e no final do Séc. XVII decidiu edificar-se um templo vasto e sumptuoso. D. Maria I, a quem foi pedido auxílio para as obras, deu por várias vezes avultadas esmolas, e as construções principiaram com grande solicitude. É tradição que o mestre de obras não as viu concluir, por morrer da queda de uma das torres. (...)
Concluída a capela, D. Maria I obteve do Papa Pio VI que fosse declarada pertença da Basílica de S. João de Latrão, de Roma, e como tal goza das grandes indulgências e graças espirituais desta famosa basílica. (...)
É um dos mais vastos, ricos e majestosos templos rurais de Portugal. (...)
Portanto, a Basílica de Meca, sendo pertença de
Latrão, seria propriedade do Vaticano... o que não deixa de ser curioso. Nada é dito sobre a origem do nome "Meca"... Pinho Leal remete diversas vezes para o nome "Meca", indicando que teria intenção de escrever mais, porém isso não vai acontecer.
Fazendo parte da chamada "região saloia", talvez o nome "Meca" seja remanescente de alguma comunidade muçulmana que ali se tenha mantido, depois da reconquista cristã, mas não vimos nenhuma informação nesse sentido. Já o culto de
Santa Quitéria, é tipicamente lusitano, e encontra-se espalhado pelo país, sendo as preces dirigidas para as vítimas de raiva - uma doença ainda mortal, que afligia as populações rurais. A procissão local envolve ainda uma benção aos animais domésticos.
Cabeço de Meca - Chaminé vulcânica
Umas centenas de metros a norte da Basílica de Meca, encontra-se uma cratera com um pequeno lago, que terá tido origem como chaminé vulcânica, em tempos remotos, do complexo vulcânico de Lisboa.
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Cabeço de Meca (imagem - Rui Nunes, 2000) |
Este registo é igualmente estranho, pois não sabia de "lagos vulcânicos" no continente (nos Açores são bem conhecidos)... ainda que este seja pequeno e tenha sido bastante destruído pela exploração mineira de basalto, que terá danificado significativamente a forma da cratera da chaminé vulcânica original.
O "cabeço" também aparece com o nome de Santa Quitéria, e não será de excluir que para a hidrofobia (raiva) fossem consideradas as águas da lagoa vulcânica como alguma forma de cura.
Na sua forma actual, tendo sido destruídas paredes laterais, a lagoa não terá aspecto muito diferente de um vulgar charco de uma pedreira, mas ainda assim nota-se bem a forma do "cabeço".
Meca-ventosNo mapa da Google notam-se ainda umas ruínas - provavelmente da antiga exploração mineira, mas não tendo encontrado nada sobre isso, fui parar não muito longe, a umas ruínas igualmente interessantes, a sul, já à vista de Lisboa - no cabeço de Montachique.
Já aqui falámos dos
Macavencos, uma sociedade "secreta" presidida por Grandela, que reunia vários
bon.vivants de Lisboa (incluindo Rafael Bordalo Pinheiro, Bulhão Pato, Ferreira do Amaral, etc.), e que serviria um pouco como escaparate sexual, ou bordel, para devaneio de alguns maçons na transição para o Séc. XX.
Na sua faceta de benemérito, ciente dos problemas de saúde no início do Séc. XX, Grandela terá financiado um sanatório para "raparigas indigentes e tuberculosas", ou como é dito no anúncio abaixo transcrito - aceitava também "candidatas a tuberculosas", o que reflectiria melhor o espírito do clube Makavenko.
Já meio apagado, deveria ler-se a citação do Antigo Testamento -
Eclesiastes - Cap. III, que reúne duas frases do ideal hedonista do clube dos Makavenkos:
12 - Descobri que não há nada melhor para o homem do que ser feliz e praticar o bem enquanto vive.
13 - Descobri também que poder comer, beber e ser recompensado pelo seu trabalho é um presente de Deus.
O imóvel não terá sido completamente acabado, e na prática
o sanatório nunca terá funcionado, mesmo depois de doado a uma associação nacional de tuberculosos. No entanto, apesar disso no alto do cabeço de Montachique, com uma vista esplêndida sobre Lisboa, as suas ruínas ficaram hoje como um monumento digno de nota.
Mecânica
Para a mecânica universal, não há qualquer acrescento cognitivo quando os homens são felizes, tendo razões materiais para isso, e igualmente muito pouco, quando complementam isso com alguns actos de generosidade colectiva. A grande interrogação cognitiva do Mecanismo universal é entender a disposição dos restantes, na ausência de tudo isso.
As regras mecânicas conhecidas servem a tecnologia, que nos serve, mas na ausência de mecânica conhecida, surge o deus ex machina, uma última esperança de que há uma lógica ulterior que poderia impedir profundas injustiças. Enquanto a população de Meca e arredores endereçava preces para uma cura de raiva, de hidrofobia, numa última esperança de que a mecânica universal se vergasse perante as suas orações, os makavenkos encaravam-se como pequenos deuses, por dominarem pequenas regras do mecanismo, pelo simples facto de terem acesso a uma herança de botões negados aos restantes. Ora, não é novidade nenhuma que os botões controlam um mecanismo, e que a potência pode ser exercida. É com a potência dos maxilares que os animais predadores dilaceram as presas, desde o tempo em que se definiram predadores e presas. Pode parecer estranho, mas ainda assim faz parte de uma mecânica evolutiva, que a mãe de uma cria esteja disposta a arriscar a sua vida por ela... pois está em causa o seu material genético. Agora, o que ultrapassaria toda a mecânica, que se faz do passado para o presente, seria que houvesse homens capazes de se sacrificar a sua vida por uma causa humanitária, que não lhes traria nenhuma vantagem pessoal. E a partir desse momento, a mecânica maternal, que se faz do passado para o presente, deixa de ser o único factor em jogo. Entra em jogo a mecânica paternal, que se faz do presente para um futuro com sentido racional, numa racionalidade que não está escrita do passado por uma ciência exterior, mas sim se escreverá por uma avaliação interior, com valores universais e intemporais, escritos em espirais murais que definiram a igualdade nos nossos espíritos morais.